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A
APRENDIZAGEM ESCOLAR NA VISÃO DAS CRIANÇAS DE PERIFERIA URBANA.
Eglen Sílvia Pipi Rodrigues - UFSCar/SP
Roseli Rodrigues de Mello - UFSCar/SP
1. INTRODUÇÃO
O trabalho aqui apresentado não pretendeu realizar uma avaliação
do rendimento escolar das crianças pertencentes às escolas
públicas, mas sim ouvi-las sobre como interpretam a sua situação
escolar, em especial quanto à sua freqüência à
escola e às aprendizagens que elas consideram adquirir no contexto
escolar.
A abordagem metodológica utilizada para o desenvolvimento desse
estudo foi a pesquisa qualitativa, centrada em entrevistas semi-estruturadas.
Tal abordagem parte do fundamento de que há uma relação
dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência
viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável
entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito. O conhecimento não
se reduz a um rol de dados isolados, conectados por uma teoria explicativa;
o sujeito observador-pesquisador é parte integrante do processo
de conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um significado.
O objeto não é um dado inerte e neutro; está possuído
de significados e relações que sujeitos concretos criam
em suas ações (Chizzotti, 1995, p.79).
Com base em Souza & Kramer (1994), a linguagem, nesta metodologia
de trabalho, é considerada o principal veículo na aquisição
dos conteúdos culturais e sociais, pois é ela que torna
os sujeitos pertencentes à categoria humana e, ao mesmo tempo,
seres individuais.
“A linguagem, por ser considerada, de um modo geral,
portadora de experiências, consolida uma identidade coletiva que
se constitui com sentidos próprios num determinado grupo. O sentido
que um sujeito revela na oralidade, por meio de seus dizeres, de suas
palavras, representa um registro de grupo social” (ibid.p.15).
Nesta perspectiva, as entrevistas com meninas e meninos
permitiram buscar sua visão sobre a situação escolar,
como indivíduos, e também captar sua perspectiva como sujeitos
inseridos em determinado contexto.
Na dissertação foram entrevistados quatro meninos e duas
meninas. Duas crianças possuíam desempenho satisfatório,
duas, rendimento regular e duas rendimento insatisfatório, segundo
seus professores.
Este texto focalizará as entrevistas dos dois meninos com rendimento
insatisfatório e que não sabiam ler e escrever.
Para compormos o referencial teórico utilizamos nesta pesquisa
os conceitos de Aprendizagem Dialógica de Flecha e a Teoria da
Ação Comunicativa de Habermas. Outros autores que avançam
com contribuições teóricas importantes em relação
ao eixo temático escolhido e que serviram como suporte teórico
para a análise dos dados coletados, são: Heller; Edwards;
Charlot; Freire; Libâneo; Perrenoud; Luckesi e Mello.
2. A SITUAÇÃO ESCOLAR DAS CRIANÇAS DE ESCOLA PÚBLICA:
BASES TEÓRICO-METODOLÓGICAS
Sabemos que a escolarização básica constitui instrumento
indispensável à construção da sociedade democrática,
porque tem como função a socialização daquela
parcela do saber sistematizado que constitui o indispensável à
formação e ao exercício da cidadania (Libâneo,
1991, p.35). Sendo assim, é necessário que o ensino oferecido
pela escola seja de qualidade. A qualidade na educação passa,
necessariamente, pela quantidade (alunos atendidos e conhecimentos aprendidos).
Em uma democracia plena, quantidade é sinal de qualidade social
e, se não se tem a quantidade total atendida, não se pode
falar em qualidade. Qualidade não se obtém por índices
de rendimento unicamente em relação àqueles que freqüentam
escolas, mas pela diminuição da evasão e pela democratização
do acesso ao conhecimento.
Porém, a escola ainda está longe de atender às suas
finalidades. A crise da educação brasileira tem sido inerente
à vida nacional, isto porque não conseguimos atingir patamares
mínimos de uma justiça social compatível com a riqueza
produzida pelo país e usufruída por uma minoria (Cortella,
2002, p. 9).
Apesar de ter havido, nas últimas décadas, um aumento de
matrículas de alunos/as provenientes das camadas populares, ainda
há crianças fora da escola e uma grande parte das que são
matriculadas e cursam as séries iniciais encontram muitas dificuldades
de continuar o curso, isso sem contar aquelas que são aprovadas
de uma série para a outra sem dominar os conhecimentos mínimos
necessários exigidos pela série cursada (Libâneo,
1991, p.35).
Charlot (2000, p.16) explica esta situação:
“(...)
os fenômenos designados sob a denominação de ‘fracasso
escolar’ são mesmo reais. Mas não existe um objeto
‘fracasso escolar’, analisável como tal. Existem, é
claro, alunos que não conseguem acompanhar o ensino que lhes é
dispensado, que não adquirem os saberes que supostamente deveriam
adquirir, que não constroem certas competências, que não
são orientados para a habilitação que desejariam,
alunos que naufragam e reagem com condutas de retração,
desordem, agressão. É o conjunto desses fenômenos,
observáveis, comprovados, que a opinião da mídia
e os docentes agrupam sob o nome de ‘fracasso escolar.’ ”
Embora seja reconhecido que algo não vai bem na escola quando se
fala de fracasso escolar, normalmente atribui-se, sob diferentes argumentos,
aos estudantes a responsabilidade pela não aprendizagem. Tais acontecimentos
dentro do sistema escolar recebem freqüentemente o nome de fracasso
escolar, seja na literatura especializada, seja na sua divulgação
pela mídia.
Pérez-Gómez (1998, p.16) trata este tema sob uma ótica
distinta e com a qual estamos de acordo. Diz que ao longo da história,
até os dias atuais, existe uma idéia sendo cultivada em
meio à nossa sociedade, de que a escola é igual para todos,
e que cada um chega onde suas capacidades e seu trabalho pessoal permitem.
Desta forma, explica o autor, parece que acabamos aceitando aos poucos
como “algo natural” a idéia de que pertencemos a uma
sociedade discriminatória e individualista.
Este processo de socialização vai minando, aos poucos e
progressivamente, as possibilidades dos mais desfavorecidos, tanto social
quanto economicamente, principalmente nos meios em que existe todo um
estímulo à competitividade, em detrimento da solidariedade.
Desta forma, é bem provável que os primeiros anos de aprendizagem
escolar na vida de uma criança sejam comprometidos.
É certo que o acesso à escola tem sido garantido à
quase totalidade das crianças, porém não necessariamente
o seu acesso à aprendizagem. Pérez Gómez (ibid.,
p.18) acredita que o ensino na escola tem gerado uma “falsa”
aprendizagem, ou uma aprendizagem “aparente”, e assim acaba
por não garantir aos alunos a apreensão do conhecimento,
uma vez que estes se utilizam de mecanismos e estratégias apenas
para passar nos exames, o que, muitas vezes, acaba induzindo o indivíduo
a estabelecer uma relação utilitarista com o conhecimento
sistematizado, tanto dentro da escola, como também nas relações
sociais no mundo do trabalho ou na vida púbica.
Diante disso, é possível dizer que a escola não está
sendo para uma grande maioria dos alunos e alunas exatamente o lócus
de aprendizagem da ciência, mas sim um local em que aprendem a sobreviver,
a dissimular, a driblar as regras instituídas no contexto escolar
(Perrenoud, 1995, p.20).
As atividades desenvolvidas pelo aluno no âmbito da escola acabam
se restringindo a um “ofício de aluno” ou num “gênero
de trabalho determinado” cuja característica marcante está
no fato de que o professor é aquele que ensina (ou deve ensinar)
e o aluno aquele que aprende (ou deve aprender) (ibid.).
O termo “ofício”, usado por Perrenoud (ibid.), elucida
as atividades desenvolvidas pelas crianças no âmbito escolar.
Ao consultar seu dicionário francês, encontra três
significados bastante pertinentes, que servem para exemplificar perfeitamente
o gênero de trabalho determinado que o aluno exerce na escola. São
eles:
“Gênero
de ocupação manual ou mecânica reconhecida como útil
pela sociedade; qualquer gênero de determinado trabalho reconhecido
ou tolerado pela sociedade, e com o qual podem ser angariados os meios
de subsistência; ocupação permanente que possui algumas
características de ofício”(Petit Robert – Dicionário
Francês de grande divulgação, apud. Perrenoud, ibid.).
Esses três significados expressam o sentido do trabalho escolar
para o autor, pois, geralmente, os alunos acabam passando boa parte do
tempo nas aulas “(...) manipulando objetos, canetas, livros, folhas,
cadernos, aparelhos, giz, por vezes de forma muito mecânica”
(Perrenoud, 1995, p.14). Desta maneira, falar de um ofício de aluno
é, pois, aceitável não apenas do ponto de vista semântico,
mas também é fecundo do ponto de vista da análise
sobre o sentido do trabalho escolar.
Perrenoud (1995, p. 13), ao teorizar o conceito de ofício, identifica
a escola como um lugar de confronto e de articulação de
diversas atividades que estão intimamente ligadas. Porém,
muitas vezes, segundo ele, nem todas as atividades são exercidas:
uma parte do trabalho do professor escapa ao aluno e vice-versa. Mesmo
nas faces mais ocultas, estas atividades sempre são remetidas para
o encontro entre o aluno e o professor. De acordo com ele, há alunos
que não aprendem porque exercem o seu ofício não
se sabe como, e há professores que não formam, porque também
exercem o seu ofício sem sentido.
Exercer um ofício, ter um trabalho é uma forma de ser reconhecida
pela sociedade, de existir numa organização sem ser constante
e plenamente encarregado de perseguir finalidades muito claras e menos
ainda de procurar permanentemente uma eficácia otimizada. A sociologia
do trabalho e das organizações mostra que todos os ofícios
são considerados como uma ‘tensão’ entre a sua
racionalidade ideal, ou, pelo menos, pela sua definição
formal, e o seu exercício efetivo (Perrenoud, 1995, p. 15-16).
Porém o exercício intensivo do ofício de aluno pode
produzir efeitos perversos, como: trabalhar só para a nota, construir
uma relação utilitarista com o saber, com o trabalho, com
o outro. Essas atitudes correspondem ao que chamamos de estratégia
de sobrevivência na escola (ibid., p.17).
O fato é que não podemos aceitar tal realidade como coisa
natural, como algo impossível de mudarmos.
“É preciso transformar a vida da aula e da escola, de modo
que se possam vivenciar práticas sociais e intercâmbios acadêmicos
que induzam à solidariedade, à colaboração,
à experimentação compartilhada, assim como a outro
tipo de relações com o conhecimento e a cultura que estimulem
a busca, a comparação, a crítica, a iniciativa e
a criação” (Pérez Gómez, 1998, p.26).
A escola,
é uma instância que deve possibilitar ao educando o contato
e a assimilação dos bens culturais que a humanidade já
criou, abrindo-lhe o caminho para a ampliação e universalização
de seu entendimento e de sua consciência. Ela tem por objetivo trabalhar
com o desenvolvimento do educando, devendo estar atenta às suas
capacidades cognoscitivas sem deixar de considerar significativamente
a formação de suas convicções (Luckesi, p.
93).
Seu objetivo maior é de trabalhar na perspectiva da construção
do desenvolvimento e da independência do educando, ou seja, na perspectiva
da aprendizagem e construção do conhecimento sistematizado.
Segundo o autor:
“A
independência não é dada a cada ser humano desde o
seu nascimento; ela é resultado de um longo trabalho de construção
de si mesmo. Para que cada sujeito possa conviver em estado de reciprocidade
(relação bi e multidirecional de igualdade entre os seres
humanos), é necessário que ele possua independência,
no que se refere aos seus sentimentos, aos seus conhecimentos, às
suas habilidades, ao seu modo de viver, assim como às suas condições
econômicas de sobrevivência” (Luckesi, 1991, p.92).
O caminho
do desenvolvimento do educando é o que leva à sua independência,
e ele é construído mediante a prática cotidiana,
que envolve atividades e a compreensão dessas atividades. Assim
sendo, os conhecimentos, as instituições, as produções
culturais e artísticas já existentes fazem parte das possibilidades
desse cotidiano.
Considerando tal perspectiva, como poderá o aluno interessar-se
pelo trabalho que realiza na escola quando este é, muitas vezes,
desconexo, fragmentado, confuso, desordenado? Quando as atividades que
exerce são feitas permanentemente sob o olhar e o controle de terceiros?
Quando o aluno é constantemente vigiado, analisado por meio de
uma avaliação das qualidades e dos defeitos que tem, do
seu “grau de inteligência”, da sua cultura, do seu caráter,
da sua origem ou classe social? Como é que tal procedimento pode
contribuir no desenvolvimento da aprendizagem dessas crianças?
Conforme Perrenoud (1995, p.18), dificilmente o aluno por imposição
poderá tornar-se um ser ativo, desenvolver as habilidades de concentração
e escuta, falar ou escrever, questionar ou responder só porque
recebeu a ordem do professor, no momento em que este julga oportuno.
Mas por que isso acontece? Que significado os/as alunos/as dos meios populares
atribuem ao fato de ir à escola e aprender coisas? (Charlot, 1996).
Será mesmo que a influência da escola sobre as crianças
se limita a esse tipo de aprendizagem descrito por Perrenoud (ibid.)?
A escola, habitualmente identificada como local de transmissão
e produção do conhecimento, não educa para a liberdade,
para a autonomia como propõe Luckesi (1991)?
Há de se especificar mais enfaticamente o papel social da escola,
quando queremos assumir uma perspectiva transformadora. Nesta perspectiva,
aprofundar a discussão sobre as “novas desigualdades educativas”
frente ao novo contexto social, faz-se necessário.
Flecha (1994, p.57) afirma que o fato de nos encontrarmos em um acelerado
processo tecnológico, que nos impulsiona a caminhar rumo a um novo
tipo de sociedade tem gerado novos tipos de desigualdades, o que acaba
dificultando a realização de reforma educativa.
O impacto da revolução gerada pela grande difusão
de informação, através de meios tecnológicos
que garantem sua difusão em tempo real, gerou uma nova sociedade
– a da informação – que hoje domina cada vez
mais os espaços na vida humana. Este panorama indica que os elementos
curriculares são muito mais decisivos atualmente do que foi no
período da revolução industrial. Cada vez mais, o
desenvolvimento nos diferentes aspectos da vida social depende das características
da própria cultura, dos conhecimentos e destrezas que cada um possui
(ibid., p.58).
No entanto, é possível afirmar que a sociedade da informação,
que hoje se estabelece, seja um pouco mais democrática e igualitária
que a sociedade industrial, à qual substituiu. Ayuste et.al. (1994)
explicam que na sociedade industrial o que era especialmente relevante
era a produção de objetos materiais e, assim, quem tinha
a posse dos meios de produção detinha toda a forma de produção
econômica; na sociedade da informação, a informação
passa a ocupar o lugar central da economia, portanto, ter acesso a ela
e saber com ela lidar oferece maiores possibilidades a quem não
detém meios materiais de produção (p.14).
Flecha (1994) aprofunda a problemática ao apontar que, ainda que
a revolução tecnológica tenha características
mais positivas perante a revolução industrial, ainda que
crie possibilidades para melhorar as condições de vida da
humanidade, o modelo social hegemônico que está posto contém
as antigas desigualdades e gera outras novas (ibid.,p.58).
Essa revolução gerou a redução da necessidade
de mão de obra não qualificada, ou melhor, passou a exigir
mais especialistas para atuarem no mundo do trabalho. Isso provocou o
surgimento de três grupos sociais distintos dependendo de sua relação
com o mercado de trabalho: pessoas com trabalho fixo, pessoas com trabalho
eventual e pessoas que sofrem com o desemprego estrutural (Ayuste et.
al., 1994, p.16).
Este fenômeno favorece o rompimento social e conduz ao que alguns
sociólogos denominam de sociedade dual ou sociedade da terça
parte, onde existe uma elite privilegiada por sua relação
favorável com o trabalho (contratos fixos, bem remunerados) e um
setor desprivilegiado por sua relação eventual com o mundo
do trabalho, que sofre graves conseqüências por pertencer a
uma sociedade consumista, onde ainda existe a idéia de que “vale
mais quem tem mais” (ibid., p.17).
Com a universalização da escola, grande parte da população
teve acesso à cultura dominante, valorizada pelo sistema educativo
formal. Uma das formas de demonstrar que se pertence a um determinado
grupo social é a partir da ostentação de elementos
culturais que caracterizam a cultura dominante. Os grupos privilegiados
tentam preservar seu poder, controlando a cultura considerada socialmente
hegemônica através da qual podem transmitir seus valores.
Para romper com essa estrutura social seria necessária uma reforma
educativa. A “chave” para essa transformação,
segundo Flecha (1994, p.73-74), está na diversidade, na diferença,
nas tomadas de decisões ou em qualquer outra proposta que estabeleça
interações curriculares distintas para os diferentes coletivos
de pessoas.
Este autor alerta, porém, que as reformas educacionais, sob o manto
do discurso do respeito à diversidade, promovem uma adaptação
às desigualdades, em lugar de tentar superá-las (ibid.,
p.74).
Em uma sociedade desigual, a elaboração de diferentes roteiros
curriculares sanciona e reforça as desigualdades previamente existentes.
Quando aceitamos seguir essa dinâmica, é provável
que possamos inculcar nos alunos, desde muito cedo, um novo tipo de desigualdade
– que vem sendo gerado pelo modelo dual que está pautado
na sociedade da informação (Flecha, 1994, p.75).
Para Flecha (ibid.), tal perspectiva acaba por produzir algo semelhante
ao que desejam os diferentes setores da direita em um terreno cultural:
contínuo aumento dos privilégios para os setores dominantes
e cuja manutenção requer uma desigualdade educativa. No
caso da “direita cultural” o autor aponta a produção
de alguns autores que vêm indicando que os currículos têm
de estar de acordo com as capacidades dos e das estudantes (Bloom e Hirsch,
por exemplo). Assim, chama a atenção para o perigo de se
utilizar o conceito de “diferença” desarticulado do
de igualdade social.
Argumenta que, neste sentido, o conceito de igualdade é um objetivo
mais global que o de diversidade, diferença, decisões, escolhas.
A igualdade inclui o igual direito de todas as pessoas escolherem ser
diferentes e se educarem em suas próprias diferenças (Flecha,
1994, p.77).
O objetivo de igualdade trata de superar as atuais desigualdades educativas
e culturais que, na sociedade da informação, desempenham
um papel cada vez mais importante na reprodução e manutenção
do conjunto de desigualdades sociais. Isso não significa que todas
as pessoas tenham as mesmas oportunidades de dispor de uma cultura homogênea,
senão de redistribuir os recursos humanos e materiais de forma
que ninguém ocupe uma posição inferior pela razão
de não possuir determinados elementos culturais (ibid).
É a partir desta argumentação que Flecha (ibid.)
explica que o denominado fracasso escolar e social é um fracasso
de uma escola e de uma sociedade que não sabem aproveitar, nem
são capazes de ver essa riqueza cultural dos diferentes coletivos
de pessoas. As políticas compensatórias e assistenciais
pautadas nas teorias dos déficits criam expectativas negativas
de aprendizagem que cumprem o papel de profecias que fatalmente se realizam.
A consideração positiva das capacidades de aprendizagem
dos/as participantes e mobilização dos recursos necessários
para desenvolvê-las formam parte de uma luta cultural dos novos
movimentos críticos (ibid. p, 77).
O autor conclui:
“Nesta perspectiva crítica, necessitamos desenvolver tanto
práticas quanto teorias alternativas. Neste tempo em que o controle
pela qualidade e excelência está na “moda”, não
podemos deixar nas mãos dos conservadores a “bandeira”
da qualidade do ensino. Não é verdade que seja necessário
escolher entre compromisso social e valor científico. Muitos dos
melhores pedagogos (Freire), psicólogos (Vigotsky) e sociólogos
(Habermas) foram e são pessoas comprometidas com a transformação
social” (Flecha, 1994, p.78).
Na perspectiva
de auxiliar a construir alternativas para a educação escolar
oferecida às crianças de periferia urbana, sem produzir
mais desigualdades e, ao mesmo tempo, considerando a diversidade cultural,
é que este trabalho é desenvolvido. Saber um pouco sobre
a vida escolar na concepção dessas crianças pareceu
ser o caminho a trilhar.
Segundo Edwards (1997), os estudos sobre a educação em geral
ou pedagogia, freqüentemente, são feitos a partir do professor,
e isso não é casual – os alunos são considerados
o elemento “subalterno” da situação escolar.
Da perspectiva que considera a escola como aparelho ideológico
do Estado, o professor é o portador e o transmissor da ideologia
dominante.
Para a autora, o professor exerce um papel fundamental no que se refere
ao desenvolvimento da aprendizagem formal/instrumental da criança.
Segundo ela, a escola deve ser transmissora do acervo cultural e dos valores
de uma geração a outra. Grande parte das pesquisas realizadas
no campo educacional, na maioria das vezes está voltada para o
professor – objeto de estudo em relação à sociedade.
Quando o destaque é posto nos alunos, isso se faz, geralmente,
de um ponto de vista psicológico (Edwards, 1997, p.12-13).
Por esta razão, cabe a nós entendermos que a responsabilidade
pelo papel que ocupamos no ensino é grande. Assim sendo, faz-se
necessário que os conteúdos trabalhados na escola, principalmente
na educação básica do ensino fundamental, conservem
o espírito curioso das crianças e desenvolvam atividades
mais desafiadoras. Neste sentido é necessário, porém,
considerar que os diferentes conhecimentos implicam formas de ver, explicar
e organizar o mundo mentalmente. No caso do conhecimento formal, não
é diferente.
Se o conhecimento é relativo e implica uma determinada construção
social da realidade, é necessário analisar como isso ocorre
especificamente na escola. Não podemos simplesmente transportar
as colocações do conhecimento em geral ao conhecimento escolar
(Edwards, 1997, p.22).
Edwards (ibid.), em suas investigações, apoiada nas definições
teóricas de Habermas e Heller, entre outros, e também nas
análises dos registros de aulas, realizou uma descrição
do conhecimento em sala de aula em torno de dois eixos de análise:
as formas de conhecimento no ensino (que envolve duas dimensões:
a lógica do conteúdo e a lógica da interação)
e a relação dos sujeitos com o conhecimento. A autora também
indica em seus estudos três formas de conhecimento presentes no
ensino, são elas (ibid., p. 23/24):
1. Forma de conhecimento tópico: está relacionada analogicamente
como a configuração espacial da realidade como espaço,
simbolizada mais por meio de termos, de conceitos. O papel que se objetiva
para o aluno nessa forma de conhecimento é a repetição
da correta associação entre termo e o lugar que ocupa num
esquema.
2. Forma de conhecimento como operação: caracteriza-se principalmente
como um conjunto de operações para obter resultados no interior
de um mesmo sistema de conhecimentos. Entende-se basicamente como aplicação
do conhecimento, baseada numa lógica dedutiva: a partir de certas
características gerais é possível conhecer situações
específicas ao aplicar a definição de palavras homófonas,
ou aplicar a fórmula do volume. A correta aplicação
é o papel que essa forma de conhecimento objetiva para o aluno.
3. Forma de conhecimento situacional: define-se basicamente como um conhecimento
construído em torno do que uma realidade é para um sujeito,
denominada situação. A ênfase está colocada
antes na significação de uma realidade para o sujeito e
nos usos e valores sociais, do que em definições abstratas.
Ao sujeito aluno pede-se que pense em determinado recorte da realidade
que se apresenta e que procure sua posição ou ponto de vista
em relação a ela.
De acordo com Edwards (ibid.), as formas de conhecimento identificadas
não pretendem ser exaustivas; pode haver outras formas de conhecimento,
que se apresentam no ensino.
A constituição da situação escolar envolve
diferentes formas de conhecimentos, desta maneira, podemos entender que
na escola é possível inserir os/as alunos/as em comportamentos
(para o trabalho, para a dissimulação, para a liberdade,
etc.) e também é possível ensinar-lhes conteúdos
(para a reprodução ou para a transformação
social). De acordo com a autora, a ênfase deste conceito está
na significação que o sujeito atribui para a sua realidade,
ou seja, aquilo que aparece como algo dado com o qual ele se encontra,
se relaciona e define. É no dia-a-dia dos sujeitos que se dá
o processo de reelaboração e de constituição
permanente da situação escolar. (Edwards, 1997, p.22-23)
A aula deve ser pensada como um espaço onde se promove um diálogo
entre alunos/as–alunos/as e alunos/as–professores/as; torna-se
possível perceber a criação de sentidos que o aluno/a
vai aos poucos construindo acerca das descobertas que vai fazendo. É
nítida a interação que os/as alunos/as vão
estabelecendo com o conhecimento – como algo que vai sendo gerado,
formado, e não como algo pronto, como verdade absoluta (Mello,
1995, p.136-137).
O encontro cotidiano entre professores e alunos em sala de aula, com o
objetivo de construir o conhecimento, envolve uma série de fatores
que vão determinar tanto a qualidade da aprendizagem como a qualidade
da formação mais ampla das crianças e dos jovens
que freqüentam a escola. Estabelecer um clima de respeito entre os
sujeitos da classe e de dedicação ao trabalho passa a ser
condição necessária para que o processo de ensino
cumpra suas finalidades (ibid., p.135).
O conceito de diálogo por nós aqui utilizado é o
conceito referente ao diálogo igualitário dos sujeitos presentes
na comunicação, que se dispõe a dialogar para se
compreenderem e não para fazerem exercício de poder, segundo
o papel social que desempenham. O que não se aceita é que
nenhuma pessoa queira impor a sua idéia como válida, já
que para esse conceito não cabe aceitar que se estabeleça
nenhum tipo de relação de poder. No que se refere ao papel
do professor, este jamais deve impor aos alunos “sua verdade”
como única (Flecha, 1997, p.14).
No diálogo igualitário aprendem ambos, alunos/as e professores/as,
pois dentro dessa concepção, todas as pessoas constroem
suas interpretações com base nas contribuições
desses argumentos. Nesta relação de ensino nada é
posto como fim, mas sim como meio, para futuros questionamentos.
As ciências sociais e educativas elaboram cada vez mais trabalhos
nesta direção. A teoria da ação comunicativa
de Habermas (1987) inclui muitas contribuições para a organização
das relações humanas com base no diálogo e no consenso.
Os trabalhos de Freire (1997) indicam como lutar por um diálogo
igualitário em situações de desigualdade.
De acordo com Habermas (1999, p.103), nosso saber se constrói a
partir de proposições e juízos, unidades elementares
que podem ser verdadeiras ou falsas, em virtude de sua estrutura posicional,
o saber tem indefectivelmente uma natureza lingüística –
isso é o que chamamos de racionalidade epistêmica do saber.
Para o autor, toda ação é intencional e tem sempre
uma estrutura teleológica, pois toda intenção de
atuar aponta a realização de uma finalidade estabelecida.
Porém existe uma racionalidade peculiar, que não se resume
nem na racionalidade epistêmica do saber, nem na racionalidade teleológica
da ação, trata-se da racionalidade comunicativa. Esta se
expressa por meio da força unificadora da fala orientada para o
entendimento, o que assegura aos falantes um mundo da vida intersubjetivamente
compartilhado e, com ele, um horizonte dentro do qual todos podem referir-se
a um mundo objetivo que é o mesmo para todos eles (ibid.p.105-107).
O uso comunicativo de expressões lingüísticas não
serve apenas para expressar as intenções de um falante,
mas também para representar estados de coisas (ou supor sua existência)
e para estabelecer relações interpessoais com uma segunda
pessoa (ibid., p.107).
Na mesma direção, a dialogicidade, proposta por Freire,
apresenta-se como meio de aprender, de pensar, de viver, de criar e recriar
sentido para a vida. De acordo com Freire (1997):
“Não
há comunicação sem dialogicidade e a comunicação
está no núcleo do fenômeno vital. Neste sentido, a
comunicação é vida e fator de mais-vida. Embora,
se a comunicação e a informação ocorrem ao
nível de vida sobre o suporte, imaginemos sua importância
e, portanto, a da dialogicidade, na existência humana no mundo”
(Freire, 1997, p.74).
É
por meio desse processo dialógico que existe a possibilidade de
se perceber o caminho que o aluno está seguindo para compreender
o conteúdo, bem como as dificuldades que o conhecimento a ser apreendido
apresenta (Mello, 1995).
O professor, ao colocar-se diante da classe como interlocutor dos alunos
no processo de construção do conhecimento, adota uma postura
de compreensão da sala de aula, ou seja, passa a construir uma
relação dialógica com os alunos, compondo, assim,
um grupo social e interativo. O estabelecimento do diálogo entre
professor e alunos possibilita o surgimento de um relacionamento interpessoal,
favorecendo a melhoria da aprendizagem dos alunos. O professor não
pode perder de vista a compreensão de que sua tarefa vai além
da transmissão de conteúdos; ela se destina a auxiliar no
crescimento dos sujeitos sob sua responsabilidade (ibid., 1995, p.136-137).
A escola é o espaço social que deve, legitimamente, transmitir
os conhecimentos que para esse fim se legitimaram socialmente. O conhecimento
é um elemento constitutivo fundamental da situação
escolar, inclusive a partir de sua definição institucional.
A relação que os sujeitos estabelecem com o conhecimento
escolar que deve ser transmitido é uma instância importante,
em que, por um lado, se define a situação escolar e, por
outro, se constitui o próprio sujeito (Edwards, 1997, p.20).
3. VOZES
DE CRIANÇAS: ANÁLISE E RESULTADOS
A contribuição da escola para a democratização
está no cumprimento da função que lhe é própria:
a transmissão/assimilação ativa do saber elaborado.
Assume-se, assim a importância da difusão da escolarização
para todos e do desenvolvimento do ser humano total, cujo ponto de partida
está em colocar à disposição das camadas populares
os conteúdos culturais (Libâneo, 1985).
Porém infelizmente, não foi isso que se constatou nessa
pesquisa. Com base nos depoimentos dos alunos, é notório
perceber como tal democratização ainda não se concretizou
para todas as crianças, pois a sistematização do
saber não está sendo ensinada para todas elas.
Por meio de entrevistas semi-estruturadas, realizadas em dois momentos
distintos da escolaridade dos sujeitos pertencentes a uma escola de ensino
fundamental de periferia urbana, pudemos descobrir como eles descrevem,
analisam e qualificam as aprendizagens que adquirem na escola. Também
foi possível verificar se, para elas, havia relação
entre os conteúdos ensinados na escola e sua vida.
Ivã e Inácio são os sujeitos que falam em nome de
tantas outras crianças que permanecem na escola durante anos na
esperança de ver realizada a expectativa de que a escola lhes ensine
a ler, a escrever, a contar, enfim o conhecimento universalizado que lhes
são de direito.
Apresentaremos agora algumas falas desses sujeitos, coletadas em 2001,
quando estavam na 4ª série, e em 2002, quando deveriam estar
cursando a 5ª, porém infelizmente não foram aprovados,
assim encontravam-se mais uma vez na 4ª série.
Vejamos o que estas crianças têm a nos dizer sobre o que
aprendem na escola:
“Aqui
eu aprendi é... a ajudá o diretor na escola. Eu ajudo a
levá, carregá as coisa no ônibus quando tem passeio
no parque ecológico, quando tem que fazê qualqué coisa
eu ajudo. A última veiz nóis levamo água... só
aguá nóis levamo” (Inácio).
“Aprendi a brincá de pega-péga. Í lá
pra quadra, brincá de bola, essas coisa...” (Inácio).
Os dados
mostraram que na sua percepção a respeito da função
da escola e do que nela estão aprendendo, estão implicados
tanto o papel de socialização (convívio e inserção),
quanto o papel de agente formador (em conteúdos e cidadania –
formal/instrumental.
Para os dois meninos de desempenho insatisfatório, embora em momento
algum tenham acusado diretamente a instituição, a função
formativa não se realizou.
“Na
escola aprendo ... iscrevê (em tom de voz bem baixinho). Iscrevê
eu sei, lê é o que eu mais...(ele faz silêncio e não
termina de dizer o que iniciou, depois continua)... Aprendi um monte de
coisa. Aprendi a jogá bola, vôlei, que a dona insinô
nóis outro dia, e só... e basquete” (Inácio).
“Eu
já aprendi... lê, iscrevê e... (eu pergunto: - então
você sabe ler e escrever não é isso? E ele com voz
bem baixinha diz: -sei). Sei tamém coisa de Natal, na sala lá...
esses dia nóis feiz (apontando os enfeites natalinos pendurados
na porta da sala de aula e corredores” (Inácio).
“Nnum
sei iscrevê com essa mão aqui ó (e aponta a mão
esquerda). Eu tenho vontade dei iscrevê com essa mão e num
consigo. Purquê essa mão aqui eu já sei desenhá
(apontando a mão direita) e essa outra eu quiria pra iscrevê
(e aponta para a mão esquerda” (Inácio).
É
certo que o papel de socialização que a escola desempenha
é importantíssimo, mas sua função não
está só aí, cabe a ela assegurar a estas crianças
a sistematização do saber, proporcionar-lhes os conhecimentos
necessários, os conteúdos básicos das séries
iniciais. O conhecimento formal/instrumental deve ser garantido, pois
este é um dos elementos mais importantes na constituição
do dia-a-dia escolar.
Ficá queto na hora que a professora tivé falano, tivé
insinano... Tem tamém que obedecê o inspetor na hora que
mandá, pra num corrê... fora da quadra”(Ivã).
“Na
hora que a professora insina nóis, na hora que nóis tamo
prestano atenção nela e ... jogá bola”(Ivã).
“Eu
sei assim, quando a professora manda a gente ficá veno ela fazê...
eu presto atenção, é assim” (Ivã).
“O
que aprendi mais foi as palavra do livro, desse aqui que a professora
deu” (Ivã).
Foi pedido
para que Ivã escolhesse qualquer palavra que havia aprendido no
livro e ele então procurou. Depois de ter folheado bastante encontrou
uma palavra que copiou com letra de forma do livro, a palavra escolhida
foi POVO. A orientação seguinte foi pedir para que ele lesse
a palavra, mas sozinho não conseguiu. Na seqüência,
Ivã foi orientado para identificar as letras que conhecia de tal
palavra. A resposta dele foi: O. Ele não reconhecia as demais letras.
Ele não conseguia identificar com qual letra a palavra começava.
Só reconhecia apenas voga O, assim então com a ajuda da
pesquisadora ele leu a palavra POVO.
É alarmante encontrar crianças matriculadas na 4ª série
que ainda nem sequer aprenderam a escrever o próprio nome. Frente
a essas crianças que não aprendem, a escola parece ter um
único objetivo: enquadrar comportamentos. Fora isso, sobra pouco
para elas. Quando “dão sorte” surgem os passeios em
parques de diversões, ovos de chocolate na páscoa, ou pingue-pongue
na hora do recreio. Com base nos dados desses sujeitos, a escola parece
ter esquecido do seu verdadeiro papel.
“Eu
quero iscrevê meu nome, eu quero aprendê a assiná meu
nome intero, eu ainda não sei” (Ivã).
“Eu
queria muito aprendê lê e iscrevê. Esse ano eu vô
aprendê. Pra eu aprendê melhor, acho que tinha que tê
duas professora, uma pra insiná, ficá com os amigo, e outra
pra mim, só. Uma professora junto comigo, eu acho que eu ia aprendê.
Eu acho que eu num aprendi muito bem ainda, por falta de atenção...
eu converso muito, eu gosto de conversá. Eu num consigo vê
os otro conversá eu ficá queto” (Ivã).
Para esses meninos que vivem a situação escolar de fracasso,
é triste ouvi-los pedindo pela realização da função
imediata da escola nas suas vidas, que é ensinar-lhes a ler e a
escrever, para quem sabe, depois, poderem sonhar com o futuro mais distante.
Esses sujeitos com rendimento escolar insatisfatório têm
desejos e sonhos como as demais crianças de sua idade. Eles enquanto
alunos querem aprender a ler e a escrever, desejam avançar de série
tendo a certeza de que aprenderam. Porém grande parte desses sonhos
é abafada pela angústia do “não saber”.
Eles acabam depositando em si a culpa por não conseguir aprender
o que lhes é ensinado na escola.
Cabe ressaltar que, diferentes dos estudos que indicam que as crianças
vão desenvolvendo estratégias de sobrevivência na
escola que levam à hipocrisia, ao engano, à dissimulação,
as crianças que ouvimos neste estudo não assumem sua escolaridade
como um “ofício” (Perrenoud, 1995), mas sim como uma
esperança. Os dois alunos que vivem a situação escolar
de fracasso, empenham-se em aprender, não apenas em conviver e
se inserir na escola, mas também a ler e a escrever.
Fechar os olhos para esta realidade é consentir no aumento deliberado
da imensa massa de futuros cidadãos/ãs analfabetos/as. Isso
seria uma espécie de elogio ao darwinismo-cultural, pois estaríamos
contribuindo para o crescimento de uma sociedade dominadora e competitiva,
onde os recursos culturais das minorias desprivilegiadas seriam cada vez
menores, e a discriminação e a desigualdade sociais, cada
vez maiores (Ayuste et al, 1994).
4. CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Por meio
desta pesquisa, buscamos recuperar a visão dos alunos/as sobre
a situação escolar, considerando-os/as, tanto quanto os
professores/as, sujeitos sociais.
Com base na análise desses dados foi possível constatar
que a escola não tem cumprido com seu verdadeiro papel social,
o de garantir a universalização dos conhecimentos produzidos
historicamente pelo homem.
Tais condições indicam que os investimentos da educação
pública brasileira das últimas décadas foram reduzidos
drasticamente, não acompanhando minimamente as novas necessidades
urbanas decorrentes do modelo econômico. Para ele, alguns efeitos
foram desastrosos, tais como: redução da prática
educativa nas unidades escolares; ingresso massivo de educadores sem formação
apropriada; queda da qualidade do ensino no momento em que as camadas
populares começaram a ingressar na escola etc (Cortella, 2002).
A partir destes elementos é possível reconhecermos a crise
que a educação brasileira vem enfrentando nestes últimos
anos. Porém, de nada adianta reafirmar que o aumento da quantidade
de cidadãos na escola provocou uma queda da qualidade de ensino.
Cabe a nós, enquanto pesquisadores da escola pública, buscar
uma possível saída para a problemática que está
posta; ou seja, enfrentar o grande desafio de repensar os pontos de referência
teórico-metodológicos, visando resolver esses problemas
do ensino público.
A escola não pode permitir que a curiosidade das crianças
seja abafada por rotinas de um trabalho exaustivo, fragmentado, desconexo.
É preciso que os conteúdos trabalhados na escola, principalmente
na educação básica do ensino fundamental, conservem
o espírito lúdico das crianças e desenvolvam atividades
mais desafiadoras.
Precisamos pensar uma nova qualidade para uma nova escola. Qualidade deve
ser tratada junto com quantidade, pois, só assim, a democratização
do acesso e da permanência poderá vir a ser sinônimo
de democratização do saber (Cortella, ibid.).
Concordando com Lukesi (1991), uma vez que o objetivo maior da escola
é o de trabalhar na perspectiva da construção do
desenvolvimento e da independência do educando, bem como no da aprendizagem
e construção do conhecimento sistematizado, sua função
só se cumprirá, como afirma Cortella (2002), quando a instituição
conseguir proporcionar qualidade de ensino aos alunos, ou seja, uma sólida
base científica, formação crítica de cidadania
e solidariedade de classe social.
Sabemos que a escolarização necessária deve proporcionar
a todos os alunos, em igualdade de condições, o domínio
dos conhecimentos sistematizados e o desenvolvimento de suas capacidades
intelectuais requeridos para a continuidade dos estudos, série
a série, e para as tarefas sociais e profissionais, entre as quais
se destacam as lutas pela democratização da sociedade (Libâneo,
1991).
Vale aqui esclarecer, que a efetiva igualdade a ser garantida na e pela
escola, conforme também afirma Flecha (1994), é de acesso
ao conhecimento formal e, portanto, cuidar e investir no percurso para
que todas as crianças cheguem ao mesmo ponto (o ponto de partida
diverso não justifica diferentes pontos de chegada).
O trabalho desenvolvido na escola e pela escola, junto às crianças
e jovens de periferia urbana necessita de conhecimento profissional (de
conteúdo, de conhecimento pedagógico de conteúdo
e de conhecimento pedagógico); necessita, assim, de conhecimento
teleológico já que ensinar é uma ação
intencional. Porém, as situações de fracasso da e
na escola têm revelado que é necessário algo mais.
Há a necessidade de evocar a força unificadora da fala orientada
para o entendimento, o que assegura aos falantes um mundo da vida intersubjetivamente
compartilhado e, com ele, um horizonte dentro do qual todos podem referir-se
a um mundo objetivo que é o mesmo para todos eles (Habermas, 1999).
Assim, uma possível solução para o problema perpassa
pelo caminho do ouvir, do escutar, do querer saber o que as crianças
têm a nos dizer, pois o ensinar exige saber escutar. Não
é falando aos alunos/as, de cima para baixo, como se fôssemos
os portadores da verdade a ser transmitida, que aprendemos a escutar,
mas é escutando que aprendemos a falar com eles/as (Freire, 1996).
Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra,
no diálogo. Sem diálogo não há comunicação
e sem esta não há verdadeira educação (Freire,
1987). Ensino e pesquisa podem, nesta perspectiva, voltar-se para diálogos
mais compreensivos na intenção de auxiliar a construção
de uma escola mais democrática e mais democratizante.
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