Aline de Mello Dias - Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ)1
Mariana Cardoso de Melo - (UERJ)2
Roberta Machado de Sousa - (UERJ)3
Viviane Torres Offrede - (UERJ)4
Introdução
Este trabalho é resultado de uma pesquisa realizada
por nós, alunas do curso de pedagogia, enquanto cursávamos
o primeiro período, no ano de 2003, orientadas pela professora
doutora Maria Tereza Goudard Tavares5, sobre a obra Freireana.
Tínhamos como proposta a escolha de uma obra do acervo literário
do autor e, a partir daí, montar um seminário cujo objetivo
era a exposição do pensamento de Freire, enquanto educação,
sociedade e política. Para isto, utilizamos das obras: “Pedagogia
do oprimido”, “Pedagogia da autonomia” e “Pedagogia
da esperança”.
No livro “Pedagogia do oprimido” tivemos contato com a crítica
a concepção bancária de educação, na
“pedagogia da autonomia” percebemos como deve ser a atuação
docente, segundo uma educação libertária. Entretanto,
após a leitura destas obras fomos orientadas a ler “Pedagogia
da esperança” que contribuiria para nossa formação.
Esta obra aborda o papel da educação para compreensão
da história como possibilidade em oposição à
visão pragmática neoliberal do futuro como inexorável.
Nesta perspectiva, a esperança é elemento fundamental para
se recuperar a utopia como sonho possível e compreendermos o futuro
como fruto das opções e decisões humanas.
A partir deste contato, nos vimos envolvidas pelo pensamento de um homem
comprometido com a vida, com a prática, cujas idéias vão
transpondo fronteiras e alcançando novos continentes.
Compreensão de educação
Segundo Paulo Freire a educação é
um ato de ação e reflexão permanente, que é
possível ao homem, pois ele é um ser inacabado e que sabe
da sua imperfeição, esta busca leva-o a sua perfeição.
A educação, portanto implica numa busca que é realizada
pelo homem, por isso o homem deve ser sujeito de sue própria educação,
não podendo ser um mero objeto. Esta busca não acontece
de forma exclusiva, individualmente, esta busca deve ocorrer junto com
outras pessoas que também desejam ser mais como ele.
Não há seres educados e não educados, todos estão
em processo de educação, esta educação por
sua vez não é absoluta e permanente. Nesta concepção,
a educação não pode se originar de um ato de doação,
que o educador faz ao educando, mas, em um processo que se realiza no
contato do homem com o mundo vivenciado, o qual está em constante
movimento, por isso os conceitos e as formas como se desenvolvem as relações
do homem com o mundo não podem ser aceitas como algo que não
pode ser mudado ou transformado. Acreditando numa educação
que se busca na comunhão o educador não é apenas
o ser que educa sozinho, mas que quando educa é educado, a partir
das trocas dialógicas que ocorrem entre o homem e o mundo. O conhecimento
que nasce desta relação dialógica é um conhecimento
crítico, porque foi obtido a partir da reflexão e implica
em um ato constante de conhecer a realidade e posiciona-se frente a ela,
assim, os homens se descobrem como seres históricos. Educar é
construir, é libertar o homem do determinismo, passando a reconhecer
o papel da história, é onde a questão da identidade
cultural, tanto em sua dimensão individual, como em relação
à classe dos educandos, é essencial à prática
pedagógica proposta. Sem respeitar essa identidade, nem autonomia,
sem levar em conta as experiências vividas pelos educandos antes
de chegar à escola, o processo será inoperante, somente
meras palavras despidas de significados.
A concepção de educação, segundo Paulo Freire
percebe, a cima de tudo, o homem como ser autônomo, capaz de agir
sobre a sua realidade problematizado-a. A educação problematizadora
responde à essência do ser e da sua consciência, que
é a intencionalidade. A intencionalidade está na capacidade
de admirar o mundo ao mesmo tempo desprendendo-se dele, nele estando,
que desmistifica, problematiza e critica a realidade admirada, gerando
a percepção daquilo que é inédito e viável.
Resulta em uma percepção que elimina posturas fatalistas
que apresentam a realidade dotada de uma determinação imutável.
Por acreditar que o mundo é passível de transformação,
a consciência crítica liga-se ao mundo da cultura e não
da natureza. O educando deve primeiro descobrir-se como um construtor
desse mundo da cultura. Essa concepção distingue natureza
de cultura, compreendendo a cultura como aquela que acrescenta o que o
homem faz ao mundo, ou de seu esforço criador. Essa descoberta
é a responsável pelo resgate da sua auto-estima.
Freire alerta que nós, seres humanos, sempre descobrimos que sabemos
e conhecemos pouco de nós mesmos e quando nos vemos diante desta
trágica descoberta começamos a indagar as nossas próprias
respostas, o qual nos leva a novas perguntas e assim sucessivamente.
Quanto mais se analisa as relações educador-educando, na
escola, parece que nós podemos nos convencer de que estas relações
apresentam um caráter especial e marcante de seres fundamentalmente
narradores.
“(...) conteúdos cuja a compreensão, tão clara
e tão lúcida como possível, deve ser elaborada na
prática formadora. É preciso, sobretudo, e ai já
vai um destes saberes indispensáveis, que o formando, desde o principio
mesmo de sua experiência formadora, assumido-se como sujeito também
da produção do saber, se convença definitivamente
de que ensinar não é transferir o conhecimento, mas criar
as possibilidades para sua produção e a sua construção.”
(Pedagogia da autonomia, p. 22)
A narração de que o educador é o sujeito, conduz
os educandos a memorização mecânica do conteúdo
narrado. Mas, ainda a narração os transforma em “vasilhas”,
“recipientes a serem enchidos” pelo educador. Quanto mais
se “enche” os recipientes com seus “depósitos”
tanto melhor o educador será. Quanto mais se deixa docilmente “encher”,
melhores educandos serão. Eis, aí a concepção
bancária da educação, onde os conteúdos são
retalhos da realidade, desconectado dela.
O objetivo principal dos opressores, a partir da concepção
bancária da educação, é transformar a mentalidade
dos oprimidos e não a situação que os oprime.
Em uma educação bancária o educando não é
chamado a conhecer através do diálogo, onde os homens se
educam em comunhão, afinal o ponto de partida está nos homens
que são sujeitos da mudança.
“O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto
a relação dialógica em que se confirma com a inquietação
e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na História.”
(Pedagogia da autonomia, p. 136)
Paulo Freire acreditava no diálogo como um fenômeno humano,
que buscava mostrar como a palavra é mais que um meio para que
o diálogo se faça. A educação não pode
ser uma experiência fria, onde os sonhos e idéias devem ser
reprimidos por uma forma de ditadura.
A anti-suficiência é incompatível com o diálogo.
O conhecimento não pode vir de um ato de doação do
educador com o educando e sim um contato do homem e o mundo vivenciado.
Quer dizer, que o educador ensina ao mesmo tempo em que aprende. Entretanto,
as elites criam farsas para iludir o povo, fazendo este acreditar em uma
democracia, numa sociedade igualitária, o que não passa
de uma mentira, porque esse (elite) nunca deixará o povo (oprimido)
alcançar a sua liberdade. Esta elite utiliza muito o método
bancário de ensinar, esquecendo que sem comunicação
não há uma verdadeira educação. “Os
homens são seres da práxis (ação e reflexão),
diferente dos animais que são seres do puro fazer” (Pedagogia
da autonomia, p. 15).
Freire mostra, também, que para haver autonomia docente é
preciso que haja competência profissional do educador, o que não
significa o autoritarismo, mas sim uma qualificação a essa
figura que é de extrema importância, porém, não
suficiente. “(...) Não há nada que mais inferiorize
a tarefa formadora da autoridade com que a mesquinhez com que se comporte.”
(Pedagogia da autonomia, p. 92)
Paulo Freire, acredita que ensinar é uma forma de intervenção
no mundo, e através da educação é possível
que ocorram mudanças em todos os campos da sociedade. Por isso,
é importante que o professor seja crítico, e dessa forma
a sua preparação científica é necessária,
deve estar sempre em busca de novos conhecimentos que deve estar sempre
em busca de novos conhecimentos, e pelo fato de ser professor deve ser
pesquisador.
“(...) Não há docência sem discência,
as duas se explicam sujeitos apesar das diferenças que os conotam,
não se reduzem à condição de objeto, um do
outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.
Quem ensina, ensina alguma coisa a alguém.” (Pedagogia da
autonomia, p. 23)
A postura crítica do educador é importante e necessária,
desta forma, a sua preparação científica é
importante para poder ser superada junto aos alunos na troca de experiências.
A educação tem como vocação a ação
especificamente humana e endereça até sonhos, idéias
e utopia, que Freire vem chamando de politicidade da educação.
Freire denuncia não apenas uma educação supostamente
neutra, como distingue claramente a pedagogia das classes dominantes da
pedagogia das classes oprimidas. A burguesia nacional reconhece os limites
da conscientização que são os limites da própria
consciência. Uma conscientização que partisse apenas
do educador, limitada ao campo escolar, é insuficiente para operar
uma verdadeira mudança social.
A prática de educar deve ser sempre submetida a uma reflexão
crítica, em que se deva avaliar se a relação entre
teoria e prática está sendo coerente.
Ação docente consciente
O professor deve saber que ensinar é criar as possibilidades
para construção do conhecimento, para isto, o diálogo
entre educador e educando se faz necessário, estando o professor
aberto aos questionamentos dos alunos e, devendo, também, respeitar
seus conhecimentos e experiências anteriores. Com diz Rubem Alves:
“Conhecimentos que não são nascidos do desejo são
como uma maravilhosa cozinha na casa de um homem que sofre de anorexia.
Homem sem fome: o fogão nunca será aceso. O banquete nunca
será servido”.
O aluno, assim como professor, também é movido pela curiosidade,
ela é a mola propulsora do aprendizado e do ensino do educando,
da construção e produção de conhecimento.
Desta forma, o educador deve despertar no educando a fome do desejo de
saber, de conhecer. Proporcionando um diálogo entre o professor
e o aluno, diálogo este que não deve ser tratado como apenas
um vai-vem de perguntas e respostas.
O conhecimento é a forma de libertação do indivíduo
e o educador precisa estar preparado para essa missão libertadora.
“Como professor não me é possível ajudar o
educando a superar sua ignorância se não supero permanentemente
a minha.” (Pedagogia da autonomia, p. 95)
A missão libertadora do conhecimento, requer uma atenção
que valorize cada situação, experiência, sem deixar
que a sua forma de ver o mundo seja passada para o aluno como forma única
de visão.
Desta forma, podemos perceber uma prática pedagógica que
é de comprometimento, sendo tomada como uma questão de ética
profissional. Sendo assim, uma docência com discência. Pois,
a figura do professor, é muito importante e significativa no momento
que o educando começa a ler o mundo e o próprio educador.
O professor deve ter compromisso com o que faz, e deve buscar ser o que
fala. A sua atuação não pode ser neutra, tem que
ter uma posição, decisão e ruptura, desempenhando
um papel político.
“minha presença de professor, que não pode passar
despercebida dos alunos na classe e na escola, é uma presença
em si política. Enquanto presença não posso ser uma
omissão mas um sujeito de opções. Devo revelar aos
alunos a minha capacidade de analisar, de comparar, de avaliar, de decidir,
de optar, de romper.” (Pedagogia da autonomia, p. 98)
A educação não vira política por causa da
decisão do professor, ela é política. O que se deve
pretender não é a neutralidade da educação,
mas o respeito, a toda prova, aos educadores. É preciso lutar para
que as transformações aconteçam, lutar é difícil,
mas, é necessário e assim, as mudanças serão
concretas. Devemos lutar pelos direitos que devem ser respeitados, e para
reagir os que nos destratam. A neutralidade não passa da maneira
mas cômoda, de esconder a sua opção e legitimar as
injustiças, ser neutros em face a opressão é validar
o poder do opressor, e optar por ele.
“(...) se a educação não pode tudo, alguma
coisa fundamental a educação pode. Se a educação
não é a chave das transformações sociais,
não é também simplesmente reprodutora da ideologia
dominante.” (Pedagogia da autonomia, p.112)
O educador deve ser capaz de perceber que aquilo que está aí
pode ser diferente, uma dimensão do papel político do professor
como profissional político da educação, ao se orientar
por essa possibilidade do diferente, faz ter um compromisso político
e ético de ajudar os seus educandos e a sociedade como todo, e
não somente perceber a possibilidade do diferente, mas o de efetivá-lo
dentro da possibilidade de construção histórica.
Portanto, definitivamente não pode haver uma docência pedagógica
sem discência humana, que o respeito, a ética humana, a pesquisa
constante e contínua, a disponibilidade de arriscar-se, a criticidade
sem medo, o conhecer-se como ser em constante pesquisa e busca de aprendizado,
a curiosidade, fruto gerador de conhecimentos vitais, a alegria e a esperança
de poder aprender a ensinar ensinando a aprender, o bom senso em todos
os momentos da vida, confiar em você e nos educandos, o comprometimento
com você e como educandos, saber escutar antes mesmo de falar, estar
disponível ao diálogo e querer bem aos educandos sabendo
que ensinar não se resume única e exclusivamente em transferir
conhecimentos. Ensinar é uma especificidade humana e precisa vir
do fundo do coração, da alma. Ensinar não é
se impor como detentor de saberes e conhecimentos gerais, é respeitar
o educando como conhecedor de seus conhecimentos, vivenciador de suas
experiências e aprender com ele. Assim, oportunizar o aprender,
ensinando a ensinar, reaprendendo a educar com o educando a ser um novo
educador.
Contato com a Pedagogia do oprimido
Freire sustenta, em seu livro “Pedagogia do oprimido”
que devemos libertar o homem das alienações a que a consciência
dominadora o submete, levando-o a desumanização. A desumanização
e a humanização dentro de um contexto, são possibilidades
dos homens como seres inconclusos e conscientes da sua inconclusão.
Daí começa uma luta dos oprimidos contra os seus opressores,
mas essa luta só ganha sentindo quando os oprimidos recuperam sua
humanidade. Quando um ser oprimido consegue se “libertar”
de seu opressor sem humanização, sem comunhão, este
homem novo se torna um ser individualista. Desta forma, se torna um novo
opressor de novos seres oprimidos.
Com isso muitos oprimidos acostumados e adaptados na estrutura dominadora,
temem a liberdade até se sentirem seguros e assumi-las. Muitos
preferem a adaptação que sua não-liberdade os mantém
à comunhão criadora que a liberdade leva.
O homem oprimido desenvolve em si a convicção, que consegue
transformar tudo em compra, se tornando um ser materialista. E o dinheiro
é a medida de todas as coisas, e o lucro é o seu objetivo
principal.
O homem opressor consegue seguir isso até o ser oprimido tomar
consciência de seu estado e pouco a pouco vai assumindo forma de
ação rebelde. Porém, o homem só conseguirá
se libertar da opressão, se organizar uma luta em comunhão,
porque nenhum homem liberta o outro e nenhum homem se liberta sozinho.
A luta pela liberdade não se justifica apenas para ele se tornar
um ser ativo e responsável e sim em uma luta para recomeçar
a construção do outro, do auto-reconhecimento que lhe foi
destruído.
Nesta obra, o autor relata como a educação pode vir a ser
uma maneira de contribuir para prática da dominação
onde esta pedagogia dominante por sua vez é fundamental na concepção
bancária de educação, predominando o discurso e a
prática, na qual, o sujeito da educação é
o educador, sendo os educandos, como “vasilhas a serem enchidas”,
o educador deposita comunicados que estes, recebem, memorizam e repetem,
da qual deriva uma prática totalmente verbalista, dirigida para
a transmissão e avaliação de conhecimentos abstratos,
numa relação vertical. O saber é dado, fornecido
de cima para baixo e autoritário pois manda quem sabe.
“A educação que se impõe aos que verdadeiramente
se comprometem com a libertação não pode fundar-se
numa compreensão dos homens como seres “vazios” a quem
o mundo “encha” de conteúdos; não pode basear-se
numa consciência espacializada, mecanicistamente compartimentada,
mas nos homens como “corpos conscientes” e na consciência
como consciência intencionada ao mundo. Não pode ser a do
depósito de conteúdos, mas da problematização
dos homens em suas relações com o mundo.” (Grifos
do autor - Pedagogia do oprimido, p. 67)
Dessa maneira, o educando em sua passividade, torna-se um objeto para
receber paternalisticamente a doação do saber do educador,
sujeito único de todo o processo. Esse tipo de educação
pressupõem um mundo harmonioso, no qual não há contradições,
daí a conservação da ingenuidade do oprimido, que
como tal se acostuma e acomoda no mundo do conhecido (o mundo da opressão)
eis aí a educação exercida como prática da
dominação.
Contato com a Pedagogia da autonomia
No livro pedagogia da autonomia compreendemos que em nossa
prática educativa deve estar presente o exercício da criticidade
ao lado do reconhecimento das emoções, um aprendizado próximo,
sem a frieza e o mecanicismo do simples fato de aprender e receber conhecimentos.
O autor acredita que ensinar exige rigorosidade metódica e o dever
do educador democrático é reforçar a capacidade crítica
do educando, sua curiosidade, sua insubmissão, necessitando de
ética e coerência para assim fazê-lo.
Paulo Freire ressalta a necessidade de uma reflexão crítica
sobre a prática educativa. Sem essa reflexão, a teoria pode
virar apenas discurso; e a prática, ativismo e reprodução
alienada. Nos adverte para que não sejamos demasiado convictos
de nossas certezas e que novos conhecimentos podem superar o já
existente, sendo necessário ao professor sempre exercer o hábito
da pesquisa, para poder saber o que ainda não sabe e comunicar
as novidades aos alunos, fazendo que a curiosidade dos mesmos transite
da ingenuidade do senso comum à curiosidade epistemológica.
Toda a teoria deve ser coerente com a prática cotidiana do professor,
que passa a ser um modelo influenciador de seus educandos, ressaltando
que, na verdadeira formação docente, deve haver o respeito
pelos saberes do educando e o reconhecimento da identidade cultural.
A construção de um saber consiste no diálogo, onde
o educador e o educando aprendem e ensinam, trocando conhecimentos e experiências.
Neste processo o conhecimento não é apenas passado e sim
produzido, criado pelas duas partes e nas duas partes.
Os educadores devem criar as possibilidades para a produção
e construção do conhecimento pelos alunos, num processo
em que o professor e o aluno não se reduzem à condição
de objeto um do outro e que o conhecimento precisa ser vivido e testemunhado
pelo agente pedagógico.
Freire é enfático ao dizer que o respeito à autonomia
e à dignidade de cada indivíduo é um imperativo e
não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros.
Deixa claro que a transgressão da eticidade deve ser entendida
como uma ruptura com a decência, uma transgressão à
natureza humana, uma imoralidade inconcebível.
O educador não deve inibir ou dificultar a curiosidade dos alunos,
muito pelo contrário, deve estimulá-la, pois dessa forma
desenvolverá a sua própria curiosidade. E ela é fundamental
para evocarmos nossa imaginação, intuição,
capacidade de comparar, transformar e transcender. Para chegar ao conhecimento,
educadores e educandos precisam de estímulos que despertem a curiosidade
e conseqüentemente a busca. Mas a curiosidade de um não pode
inibir a do outro, devem ser complementares.
Destaca que somente quem sabe escutar é que aprende a falar com
os alunos. E é somente quem escuta paciente e criticamente, que
é capaz de falar com as pessoas.
O livro preconiza um fator que há muito defendemos e temos percebido
como sendo de fundamental importância no processo de docência:
motivar e auto motivar-se, em uma constante busca não apenas do
conhecimento teórico-prático, mas da relação
docente-discente, peça fundamental para erigirmos, juntos, uma
educação decente neste país, para a educação
crítica destes cidadãos.
Ensinar exige humildade, tolerância e luta em defesa aos direitos
dos educandos e exige também, a apreensão da realidade.
Para Paulo Freire, a Pedagogia da Autonomia deve estar centrada em experiências
estimuladoras da decisão, da responsabilidade, ou seja, em experiências
respeitosas da liberdade. Para isso, ao ensinar, o professor deve ter
liberdade e autoridade, em que a liberdade deve ser vivida em plenitude
com a autoridade. Entretanto, estas não devem ser confundidas com
autoritarismo e licenciosidade.
Finaliza dizendo que a atividade docente é uma atividade alegre
por natureza, mas com uma formação científica séria
e com a clareza política dos educadores.
Contato com a Pedagogia da esperança
No livro “Pedagogia da esperança”,
podemos perceber claramente a convicção de Freire sobre
a necessidade da esperança e do sonho para a existência humana,
além da luta para fazê-la melhor.
A pedagogia da esperança nos impulsiona a rompermos com as situações-limites
que precisam ser vencidas ao longo de nossas vidas, e assumir uma postura
crítica perante o discurso da elite dominante.
A esperança é uma necessidade fundamental, para começar
um embate, “enquanto necessidade ontológica a esperança
precisa de prática para tornar-se concretude histórica”
(Pedagogia da esperança, p. 11). Por isso, uma das principais tarefas
do professor é revelar as possibilidades para a esperança,
pois toda mudança é possível, embora seja um pouco
difícil.
Em sua “Pedagogia da esperança”, Freire fala do papel
da educação para a compreensão da história
como possibilidade, fazendo-se necessários, para a existência
humana o sonho e a esperança, além da luta para fazer desta
existência melhor. Desta forma, a esperança é uma
necessidade ontológica, pois sem ela não podemos sequer
começar o embate.
A pedagogia da esperança nos impulsiona a romper com as situações-limites
que precisam ser vencidas ao longo de nossas vidas, pois a escola não
trabalha temas como a morte, a doença, a fome, criando seres imaturos
emocionalmente.
Freire divide sua obra em três momentos: No primeiro momento fala
“das tramas da infância, da mocidade, dos começos da
maturidade”, revivendo estes momentos com criticidade e emoção,
nos dando mostrar, a partir de seus relatos, da rigorosidade necessária
para percebermos criticamente a importância do senso comum e de
toda a aprendizagem nele contida. Em um segundo momento Freire retoma
alguns aspectos da “Pedagogia do oprimido” e analisa algumas
críticas feitas a ela no fim dos anos 70. Entre elas, a marca machista
com a qual esta obra foi escrita, ao qual reage dizendo: "Ora, quando
falo homem, a mulher necessariamente está incluída"
(Pedagogia da esperança, p. 67). Entretanto, reconhece a dívida
que tem com essas mulheres que o fizeram ver o quanto a linguagem tem
de ideologia e que a recriação da linguagem como recusa
a ideologia machista faz parte do processo de mudar o mundo, ao alcance
de nossas possibilidades.
No terceiro e último momento, Freire repensa a Pedagogia do oprimido,
abordando entre outras, a questão do medo que inibe os oprimidos
no embate necessário à recriação, um medo
causado por motivos concretos.
Conclusão
O contato com a obra Freireana nos fez repensar a nossa
ação docente, uma prática pedagógica que fosse
consciente e capaz de intervir no mundo, rompendo com a perpetuação
do discurso do poder hegemônico e também perceber que esse
grande educador apresentou uma crítica devastadora aos fundamentos
da pedagogia tradicional e, ao mesmo tempo, um princípio pedagógico
novo.
Por um outro lado, este trabalho procurou apresentar uma sistematização
das bases antropológicas para uma educação libertadora
com novas interpretações de vida que poderiam integrar-se
de forma coerente à construção de um novo senso comum.
Freire continua a desempenhar vigoroso papel na concepção
nova de educação, uma educação onde homens
e mulheres sejam autônomos para exercer plenamente sua cidadania.
O instrumento que poderá proporcionar estas transformações
somos nós, agentes de mudança, que só verdadeiramente
educamos quando ensinamos a pensar e não quando domesticamos o
sujeito pensante, isso caracteriza uma educação libertadora,
na qual temos percebido a autocompreensão de sujeitos históricas
e de uma pedagogia da esperança na qual tenhamos noção
de uma realidade importante: a de que temos possibilidades de fazer um
novo amanhã, através de um comprometimento social e político
em conjunto, entre educador e educando.
Pensando e praticando a educação como um projeto político-social
que rompe as múltiplas formas de dominação e amplia
os princípios e práticas da dignidade humana, liberdade
e justiça social, e por essa radicalidade o torna diferente das
outras obras sobre educação.
É de bastante relevância percebermos que muitas de nossas
curiosidades foram inibidas quando crianças, por educadores e educadoras
que reafirmam o poder do Estado, levando para os alunos, apenas, o que
eles poderiam conhecer, para que pensemos em nossa prática pedagógica,
para que não venhamos a esquadrinhar nossos educandos e educandas,
matando suas curiosidades e transferindo conhecimento e saberes rigorosamente
como nos foram passados. Devemos nos atentar, pois estas curiosidades,
nem sempre surgem em forma de perguntas prontas e estruturadas, mas estão,
principalmente, nas pequenas coisas, nos pequenos gestos e questionamentos,
pois para entender o mundo, a criança principalmente, faz-se necessário
um acompanhamento, um direcionamento e estes vem, em sua maior parte,
pelo professor ou professora.
Devemos prestar atenção, inclusive, no fato de ouvirmos
e nos apaixonarmos por uma pedagogia que produz conhecimento, que o educando
dialoga e que é respeitado da maneira que é e, no dia a
dia, praticarmos uma educação que transfere conhecimento,
que o tem como pré-moldado, pronto, imutável. Não
podemos, como educadores e educadoras, formadores e opinião e auxiliadores
da construção do saber, sermos incoerentes, pregando uma
teoria e praticando algo que destoe a teoria pregada e, muitas vezes,
defendida com afinco.
O educador deve saber e viver o conhecimento com coerência e auxiliar
na construção deste sem preconceito, para que crianças,
jovens e adultos de todas as classes, cores e credos possam pensar o mundo
de maneira crítica e se tornarem agentes efetivamente deste mundo,
ajudando a transformá-lo de maneira consciente.
Nesse sentido essas obras contribuíram para uma compreensão
significativa de educação mais humanizada, que socializa
o saber de educador e educando.
Bibliografia
Freire, Paulo. Pedagogia do oprimido, 17ª ed., Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
________. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à
prática educativa, 28ª ed., São Paulo: Paz e Terra,
1996 (Coleção Leitura)
________. Pedagogia da esperança: Um reencontro com a pedagogia
do oprimido, ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
________. Educação e mudança, Tradução
de Moacir Gadotti e Lílian Lopes Martin, 12ª ed., Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1983 (Coleção Educação e Comunicação
vol. 1)