Débora Azevedo Malentachi (PG-UEM)
Renilson José Menegassi (UEM)
Considerações Iniciais
Quando ouvimos pessoas de diferentes idades, escolaridade
e status social afirmando ser a leitura importante, imaginamos que elas
o fazem ou porque têm profunda e plena consciência dessa verdade,
ou porque apenas repetem um chavão, sem uma noção
exata e verdadeiramente concreta do que de fato a leitura representa na
formação humana. É muito provável que o indivíduo
que mais ouça essa frase seja o estudante. Mas entre o ouvir e
o fazer existe uma lacuna muito grande. Entre o ato de ler e a atitude
em responder a essa leitura de alguma forma, existe um abismo. Não
é pouco comum ouvirmos, por trás de um texto, vozes e suspiros
que lamentam: De novo mais um texto?! Mais um livro?! A dúvida
e a desconfiança se instalam no olhar: Por que tenho que ler isto?!
Isto vai me servir para quê?! Faltam objetivos nas atividades de
leitura e, nessa carência de respostas às inquietações
dos alunos, a capacidade de refletir sobre as palavras do outro, transformando-as
em suas próprias, na visão de Bakhtin (2003), revela-se
pouco frutífera nos debates que realizam em sala de aula e nos
textos que produzem: repetem o que leram, como se a voz do outro fosse
soberana, e a deles, um simples eco. Essa realidade preocupa o professor
que tenta, de todas as formas, fazer com que o aluno entenda a importância
da leitura, sua função, seu poder de transformação.
A falta de interesse e a ausência de estímulo à leitura,
por parte dos alunos, foi o foco de investigação nesta pesquisa.
Mas muito mais do que centrar, na figura do professor, toda a responsabilidade
desse fantasma que ronda as escolas – a Dona Leitura em crise –,
como se ele fosse realmente o único responsável e a chave-mestra
para solucionar todo o problema, importa aqui avaliar a questão
também a partir de um outro viés: qualquer indivíduo,
antes de se tornar um aprendiz na escola, é um aprendiz em sua
própria casa.
Com isso, não é intenção da pesquisa dizer
que seja aceitável ao professor esquivar-se de uma de suas principais
funções, que é a de ser um incentivador da leitura
e um mediador das estratégias que envolvem esse processo, atribuindo
aos pais a “culpa” de o filho ter chegado à escola
sem nenhum gosto pela leitura, livrando-se, assim, de um peso e, conseqüentemente,
estigmatizando este aluno como “um caso sem solução”,
“um caso perdido”. Este artigo tem como objetivo principal
nortear reflexões acerca do comportamento, das impressões
e inquietações que alunos têm revelado sobre a vivência
com a leitura, não apenas em sala de aula, mas também em
seus lares. Conduzida pelo objetivo norteador, três outros objetivos
foram traçados: explicitar o sentido (ou falta de sentido) que
a leitura tem tido na vida do aluno; desvelar como tem sido a relação
do aluno com a leitura, em casa e na escola, e como ele gostaria que fosse
essa relação; evidenciar a postura que os pais têm
assumido frente à leitura e a influência dessa postura na
vida de seus filhos.
Os dados apresentados foram coletados por meio de questionários
específicos, aplicados em alunos das oitavas séries de um
Colégio particular de Maringá-PR e seus respectivos pais.
A motivação, o sentido e a atitude responsiva
frente à leitura
Se não houver uma consciência adequada, por parte de pais
e educadores, do que seja a leitura em sua totalidade, não haverá
uma postura adequada para ensiná-la e muito menos razões
para incentivá-la. Muitas vezes, tal consciência, ingênua
e manipulável, não passa de uma superficialidade nutrida
por propagandas que apregoam que ler é viver, que não tem
hora para se aprender a ler, como se o simples ato de ler com os olhos
bastasse. Como se o ato de ler estivesse (e, muitas vezes, está
mesmo) divorciado do ato de pensar e de agir.
O leitor de um texto qualquer deveria ser, antes de tudo, um ouvinte não-passivo
da voz que esse material lingüístico incorpora e exterioriza,
explícita ou implicitamente. Analisando do ponto de vista interacionista:
“o ouvinte, ao perceber e compreender o significado (lingüístico)
do discurso, ocupa simultaneamente em relação a ele uma
ativa posição responsiva: concorda ou discorda dele (total
ou parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo...”
(BAKHTIN, 2003:271). E, na leitura de um texto, poucos alunos assumem
a posição que lhes é de direito e de dever: a de
serem leitores (ouvintes), atentos e ativos, capazes de propor mudanças,
acrescentar novidades a partir do que já está dado no texto,
atribuindo sentido às suas leituras, experimentando um deslocar-se
de si para dentro do texto, do texto para dentro de si mesmo, um si mesmo
que já é um outro, desde que a cada leitura, na qual impere
essa interação, não se é mais o de antes.
Todavia, o que mais tem acontecido nas carteiras escolares é bem
o oposto disso: após leituras e mais leituras, alunos calados ou
que muito falam e nada dizem. Como se a leitura fosse, no mínimo,
uma obrigação; no máximo, apenas passaporte para
uma viagem que se curte apenas na esfera da imaginação,
idêntica àquelas vistas na tevê. Enquanto a idéia
que se cria em torno da leitura estiver infectada por uma ideologia que
reina dominante e que não se interessa que, por meio de leituras
críticas, os dominados aprendam, cresçam e apareçam,
a leitura continuará sendo um mero passaporte para um mundo de
alienados, uma pseudo-vida.
Nesse sentido, Silva afirma que “(...) uma das principais funções
da leitura no Brasil é a de garantir ao cidadão a capacidade
de pensar por conta própria” e o ato de ler deve ser “um
instrumento de conscientização e libertação,
necessário à emancipação do homem na busca
incessante de sua plenitude” (1983:14). E se o futuro do Brasil
são as crianças e os jovens, é importante que eles
aprendam e pratiquem o exercício crítico da leitura de modo
a se tornarem leitores competentes e produtores de textos na mesma competência
requerida pela atualidade. Mas só o que faz sentido para o indivíduo
pode ser desejado e internalizado, e este indivíduo só será
motivado para se tornar leitor se, no meio em que vive, seja-lhe mostrada
a real interação que se pode construir com e através
da leitura, pois dessa interação nasce o sentido e as mudanças
nas atitudes dos leitores.
Um ambiente que trate a leitura com superficialidade não favorece
a interação entre o leitor e o texto. Os quesitos prazer
e criticidade não existem nas atividades de leitura propiciadas
por meio de um encaminhamento mecanizado. Sendo assim, ao invés
da aproximação, dá-se o afastamento da leitura na
vida das crianças e dos jovens e estes passam, então, a
encará-la como mera obrigação para cumprir a um determinado
objetivo que não é o dele. Na escola, lê-se para cumprir
o que o professor determinou. Em casa, pais vigiam (quando vigiam...)
seus filhos para que estes leiam também a fim de que sejam cumpridas
as tarefas escolares. E, nesse percurso, há o desencontro dos estudantes
com a palavra: aquela que é “alheia dos outros, cheia de
ecos de outros enunciados” (BAKHTIN, 2003:294) e aquela que deveria
ser a dele mesmo, resultado de uma soma com a palavra alheia transformada
em uma expressão individual. Ir ao texto não promete, necessariamente,
ir ao encontro das palavras do autor, muito menos ao encontro das novas
palavras (re)formuladas em si mesmo. A tentativa de pais e de professores
em motivar a leitura muitas vezes acontece sem que haja a consciência
de que “a experiência discursiva individual de qualquer pessoa
se forma e se desenvolve em uma interação constante e contínua
com os enunciados individuais dos outros.” (BAKHTIN, 2003:294) Essa
experiência é fundamental para que a leitura crítica
seja internalizada e automatizada, não mais imposta. A partir do
momento em que o aluno constata que o que há mesmo de fascinante
na leitura é esse “novo eu”, que renasce a cada leitura
e que é capaz de modificar o discurso do outro, internalizando-o
e exteriorizando-o por meio de um novo discurso, o qual, embora “contaminado”
pelas vozes alheias, é exclusivamente seu enquanto fruto de uma
reflexão madura, de uma tomada de posição irreverente,
de uma voz que se deixa notar pela sua criatividade e originalidade. Se
não há interação na leitura, não há
nenhuma possibilidade de que seja criado um ambiente no qual a experiência
discursiva individual aconteça. Se não forem propiciadas
condições que favoreçam essa experiência, persistirá
a falta de sentido nas atividades de leitura e a reprodução
de idéias nos debates, nos textos escritos, na vida como um todo.
Por isso, a importância de se avaliar em que condições
ambientais vivem nossos alunos no que diz respeito ao trato que se dá
à leitura. Porque “grande parte da aprendizagem humana ocorre
através da observação do comportamento de outras
pessoas. Apesar daquela frase surrada, ´Faça como eu digo;
não faça como eu faço´, os indivíduos,
e particularmente as crianças, tendem a utilizar os comportamentos
de outras pessoas como paradigmas para o seu próprio comportamento”
e, conseqüentemente, “o processo de formação
do leitor está vinculado às características físicas
(dimensões materiais) e sociais (interações humanas)
do contexto familiar, isto é, presença de livros, de leitores
e situações de leitura, que configura um quadro específico
de estimulação sócio-cultural”. (SILVA, 1983:56).
Quando se pensa em livros, leitores e situações de leitura,
imediatamente associamos-lhes a idéia de escola, nem sempre a de
família. É certo que “as competências de leitura
crítica não aparecem automaticamente: precisam ser ensinadas,
incentivadas e dinamizadas pelas escolas no sentido de que os estudantes,
desde as séries iniciais, desenvolvam atitudes de questionamento
perante os materiais escritos” (SILVA, 1998:27), mas é igualmente
verdade que “se num primeiro momento de sua existência a criança
aprende e se situa no mundo através da atribuição
de significados a pessoas, objetos e situações presentes
no seu ambiente familiar, então podemos inferir que esse mesmo
ambiente deve ser potencialmente significativo em termos de livros, leitores
e leitura. Mais especificamente ainda, é preciso que haja “modelos
e exemplos de leitura” no lar (...) para que a criança possa
perceber e assimilar o valor e a função social do ato de
ler e, movida por mecanismos como a observação, curiosidade,
identificação, etc., passe a executar esse ato em sua vida”
(SILVA, 1983:56).
A falta de leitores que sejam modelos e de situações de
leitura que tenha sentido desemboca na falta de motivação
para ler. Segundo Frank Smith, “as crianças não aprendem
através da instrução, elas aprendem através
do exemplo, e aprendem atribuindo significado a situações
essencialmente significativas” (1991:278). Acredito que a possibilidade
de nossos jovens estudantes criarem o hábito da leitura seja muito
maior quando estes vêem os pais como modelos de leitor. Isso não
significa, necessariamente, que todos os pais que sejam leitores referenciais
tenham em casa filhos que sejam, na mesma intensidade, leitores assíduos.
Isso não significa também que pais que não sejam
leitores não tenham filhos que possam internalizar este hábito.
Significa, sim, que, mesmo em tempos tão modernizados, mesmo que
a competitividade no mercado exija uma correria cada vez mais inevitável
por parte dos pais, estes não podem se esquecer de que uma convivência
sincera, profunda e prática com a leitura, em casa, transmite aos
filhos o desejo, a maturidade, a autonomia e a consciência tão
fundamentais no ato de ler.
Sem desmerecer, é claro, a função primordial da escola
nesse sentido, e considerando “a habilidade de leitura como linguagem
e meio de fundação do sujeito-humano” (DELL’ISOLA,
1996:71), é no ambiente familiar que se formam as primeiras raízes
da leitura no indivíduo. E, no processo de formação
e de aprimoramento da sua capacidade leitora, essas raízes ganham
mais força, possibilitando-lhe ser, na sociedade, não mero
“sujeito, sujeitado a algo”, mas “sujeito agente sobre
algo”, que realmente pensa e toma decisões por conta própria.
O ambiente familiar não deve conceber a passividade no ato da leitura,
mas estimular a função de “agente que busca significações”
(GERALDI, 1999:91). Para que isso seja possível, são importantes
a escolha que se faz dos materiais de leitura e o diálogo que se
constrói a partir deles. Adolescentes e jovens consideram como
boas leituras aquelas que, segundo Bamberger, “correspondem às
suas necessidades internas de modelos e ideais, de amor, segurança
e convicção”, pois assim elas os “ajudam a dominar
os problemas éticos, morais e sóciopolíticos da vida,
proporcionando-lhes casos exemplares, auxiliando na formulação
de perguntas e respostas correspondentes” (1986:11-12).
A partir desses pressupostos teóricos sobre leitura, apresenta-se
a coleta dos registros e analisam-se os resultados oferecidos pelos questionários.
Coleta dos registros
Para atingir os objetivos propostos nesta pesquisa, 120
alunos das oitavas séries de uma escola particular de Maringá-PR,
e 93 pais responderam a questionários específicos com perguntas
referentes à leitura. É importante ressaltar aqui dois aspectos
que caracterizam o estabelecimento escolhido para esta pesquisa e que
consideramos relevantes para a reflexão que a partir dela fazemos.
Nessa escola, são matriculados filhos advindos de famílias
de classe social média-alta. Trata-se, portanto, de alunos e pais
com prestigiado potencial econômico para adquirir materiais de leitura,
montando, em suas próprias casas, uma boa biblioteca, a qual possa,
é claro, conter, nas suas prateleiras, livros que não sejam
meros enfeites, mas janelas que se abrem e se fecham tantas vezes quantas
a leitura se fizer necessária, desejada, apreciada, vivenciada.
Outro aspecto importante é que nosso campo de pesquisa é
uma escola religiosa. Por se tratar de um ambiente religioso, a entrada
dos textos, nas salas de aula, além do critério pedagógico,
passa também por uma supervisão de princípios cristãos.
Qualquer material de leitura que veicule opiniões que contrariem
os desígnios da igreja, denegrindo ou colocando em dúvida
as crenças ali professadas, é considerado perigoso, uma
vez que, segundo a equipe que coordena os professores, pode influenciar
negativamente alguns alunos.
A partir do material pesquisado, faremos um apontamento dos registros
relevantes aos aspectos que até aqui tratamos: a motivação
para a leitura, o sentido da leitura e leitores modelos na vida do aluno,
tanto no âmbito escolar e, especialmente, no ambiente da família.
No questionário entregue aos alunos, eles responderam a 7 questões
fechadas, com alternativas para assinalar, e a 10 questões abertas.
Não será possível, é claro, e não é
esta a intenção, listar aqui todas as respostas dadas. Serão
citadas apenas as que são relevantes para apurar reflexões
em torno do enfoque temático que é o fio condutor desta
pesquisa. Para os pais, foi entregue questionário contendo 6 questões
fechadas. Alguns deles não se contentaram apenas em assinalar as
alternativas, tecendo alguns comentários que, em momento oportuno,
farão parte das análises.
Não serão esboçadas aqui cada uma das perguntas apresentadas
nos questionários, pois não as consideramos todas úteis
para sedimentar este trabalho. As que não forem aqui discutidas,
poderão servir para uma análise posterior que trate de outros
aspectos referentes à leitura na vida do aluno.
A interação e o prazer na leitura
Quando perguntado ao aluno: O que significa a leitura
para você?, algumas das respostas foram estas:
1. Acho ela muito importante, nos dá mais conhecimento, porém
eu não gosto de ler e assim ela não está sendo muito
significativa para mim.
2. Ela não significa muita coisa, pois não gosto de ler,
só quando são livros do meu interesse.
3. Eu não gosto, mas ela é muito importante.
4. Significa sonhar, viver num mundo de pura fantasia.
5. Leitura é ampliar as idéias e viajar sem sair de casa.
6. Leitura significa muito, porque é com ela que aprendemos a ler
e a escrever.
7. Ler é um portal para outro mundo pra mim, você sai de
onde está e entra em uma história, uma vida totalmente diferente,
o bom é você incorporar um personagem e se interagir com
a história. No fim, parece sempre uma experiência a mais.
8. Uma parte da construção dos meus ideais, metas e planos
de vida.
9. Não sei o que significa, para mim leitura é ler um texto.
10. A leitura desenvolve a imaginação e também ajuda
em relação à ortografia.
11. A leitura para mim não significa nada no momento, mas poderá
significar futuramente.
12. A leitura é uma forma de saber mais sobre o mundo, melhorar
na escrita, na fala e saber sobre o autor. O diálogo entre duas
pessoas ou mais tem muito mais assunto quando se tem uma rotina de leitura.
Nas respostas 1, 2 e 3, os alunos declaram, de forma explícita,
o que muitos outros deixaram implícito nas respostas que deram.
Tais declarações trazem à tona um aspecto interessante:
o fato de não gostar de ler é que faz o aluno não
encontrar sentido na leitura, ou o fato de a leitura não ter sentido
para o aluno é que o faz não gostar de ler?
Se o aluno encontra sentido na leitura, ele aprende a gostar de ler. É
mais difícil, porém, aprender a gostar de ler antes que
se encontre um sentido para que a leitura seja feita com prazer. O não-sentido
ou o sentido raso da leitura, no dia-a-dia dos alunos, é o primeiro
fator desencadeador da falta de motivação para a leitura.
Se não há um diálogo do aluno com o texto, não
há interação. Sem interação não
se produz sentido.
Por um lado, o simples fato de reconhecer a importância da leitura
não significa que o aluno tenha internalizado as verdadeiras razões
pelas quais a leitura seja importante. O aluno até sabe que a leitura
significa muito (7), mas sua justificativa carece de argumentos convincentes.
Por outro lado, dizer que a leitura não está sendo significativa,
ou que não significa nada, ou não sei o que significa, ou
ainda não significa muita coisa evidencia a superficialidade no
ato da leitura. Os alunos já vão para o texto desmotivados
e, definitivamente, torna-se impossível qualquer tipo de interação
com a leitura em circunstâncias assim. E, conforme comenta Kleiman,
“ninguém gosta de fazer aquilo que é difícil
demais, nem aquilo do qual não consegue extrair o sentido. Essa
é uma boa caracterização da tarefa de ler em sala
de aula: para uma grande maioria dos alunos ela é difícil
demais, justamente porque ela não faz sentido” (2001:16).
E a falta de sentido persistirá se não for dado ao aluno
o conhecimento acerca da leitura em sua totalidade, se não lhe
forem ensinadas estratégias de leitura, se não lhe forem
desvendados os olhos para ler o que não está “escrito”,
se não lhe for instigado o potencial de sujeito capaz de atribuir
e reconstruir sentidos, transgredindo os pré-conceitos de leituras
autorizadas.
Até as respostas aparentemente positivas denunciam um estereótipo
perigoso da leitura. Nas respostas de número 4, 6 e 8, os alunos
manifestam apreciar o sonho, a fantasia e o viajar sem sair de casa inerentes
no ato da leitura. A leitura, de um modo geral, pode oferecer, sim, devaneios
momentâneos. Mas ir para a leitura apenas em busca da experiência
de viajar sem sair do lugar não forma nem leitores muito menos
cidadãos críticos.
Alguns alunos demonstraram que o sentido da leitura está na possibilidade
de, através dela, alcançar metas, ampliar idéias,
melhorar a escrita, a fala, a ortografia, conhecer o mundo, tornar-se
uma pessoa com conteúdo e, portanto, interessante para se conversar.
Objetivos como estes facilitam a ida do aluno ao texto e fazem com que
este aluno encontre mais sentido nas atividades de leitura. Ele sabe o
que quer e o que a leitura pode lhe proporcionar.
Estas e outras respostas dadas à pergunta, às quais não
foram aqui apresentadas, revelam que não existe prazer na relação
dos alunos com a leitura na escola, salvo raras exceções
por parte de alguns que já descobriram esse prazer. Há alunos
que também revelaram que, quando a leitura acontece em casa, nos
momentos de iniciativa própria, sem o peso da obrigação
ou avaliação, sem ordens para que se leia, o prazer se manifesta.
E quando perguntado: O que você lê em casa com prazer e gostaria
de ler na escola também?, os alunos listaram uma série de
sugestões: revistas sobre carros, jogos, futebol, fofocas, jovens,
música, drogas, animais, natureza, astronautas; livros policiais,
cômicos, de poesia, auto-conhecimento; gibis, piadas da revista
Playboy, resumos de novelas e muitos outros.
O rol de sugestões simboliza o que mais interessa aos alunos das
oitavas séries e mostra que o descompromisso com a leitura é
o que mais lhes dá prazer: ler para rir, para “matar”
suas curiosidades, ler para se divertir, para ficarem informados sobre
o assunto que lhes interessa. E nem tudo que aparenta ser cultura inútil
merece ser descartado pela escola ou censurado pelos pais. Em casa ou
na escola, pode-se oferecer aos filhos-alunos o que lhes agrada, tornando-os
mais receptivos à negociação da leitura que pais
e professores considerem essencial para o crescimento pessoal desses jovens.
A leitura na escola
Antes de listar uma amostra das respostas dadas às
perguntas: Como você define as aulas de leitura? e Como você
gostaria que elas fossem?, é importante um esclarecimento. Mesmo
que, pelo menos, 80% das respostas não estejam sendo aqui apresentadas
por escrito esta análise foi feita considerando cada uma delas.
Estão sendo levantados tanto os aspectos positivos quanto os negativos
e as respostas ausentes disseram quase as mesmas coisas com outras palavras.
Sobre as aulas de leitura na escola, a maioria dos alunos aproveitou o
momento ou para fazer uma simples declaração ou um desabafo:
1. Eu gosto muito da aula de leitura, pois podemos aproveitar para praticar
mais a leitura e discutir com os colegas.
2. Aulas prazerosas que temos que ler.
3. Aulas legais, mas não dá prazer para ler.
4. Uma aula prazerosa, porque eu amo ler! Por isso que todas as aulas
de leitura eu aproveito bem!
5. São muito boas, finalmente algum lugar fora de casa que dê
pra ler.
6. Eu não gosto das aulas de leitura, pois não gosto de
ler obrigada e de ler livros que eu não goste da história.
7. São boas, mas falta comprometimento dos alunos, muitos conversam
e atrapalham.
8. Boas, pois é um tempo que você lê por obrigação
e acaba se tornando legal.
9. Eu não gosto muito de ler no colégio, prefiro ler em
meu quarto sozinha, por isso não consigo me concentrar.
10. Muito chatas. Não me interesso pelos assuntos.
11. Acho que elas são muito importantes, pois a maioria dos alunos
não têm o costume de ler em casa e as aulas de leitura os
incentivam a mudar esse hábito.
12. Aulas para não fazer nada, só ler.
13. Não gosto muito, pois não me interesso por leitura.
14. Elas são legais, porque eu tenho a consciência de que
é muito importante ler.
15. Muito aproveitáveis, pois temos um tempo para ler, porém
nem todos respeitam este momento.
Na pesquisa, 59 alunos disseram gostar das aulas de leitura.
As respostas de números 1, 4, 5 e 14 demonstram que elas são
agradáveis para alunos que já gostam de ler, sabem a importância
desse exercício e, por isso, aproveitam bem os momentos de leitura
propiciados em sala de aula.
Trinta e três alunos estão insatisfeitos. Como nos mostram
as respostas 7 e 15, a falta de respeito e compromisso com a leitura,
por parte de alguns colegas, de algum modo acaba por interferir na produtividade
das aulas. Alguns alunos reclamaram da conversa em sala no momento de
leitura. Outras reclamações foram mais direcionadas aos
tipos de materiais oferecidos nas aulas de leitura: livros com temas desinteressantes,
jornais e revistas ultrapassados, textos longos demais etc. Alguns pediram
aulas de leitura mais freqüentes e com mais dinâmicas.
Dos 120 que responderam ao questionário, 28 afirmaram, com todas
as letras, que não gostam das aulas de leitura. As de números
6, 9, 10 e 13 exemplificam bem alguns dos motivos pelos quais essas aulas
não os conquistaram: ou é pela sensação de
que, ainda que sejam conhecidas como aulas de leitura prazer, eles se
sentem mesmo assim obrigados a ler; ou porque a sala de aula não
é um ambiente que favoreça o conforto e a concentração
necessários para a leitura; ou porque os assuntos propostos para
leitura não interessam; ou pelo fato de o próprio aluno,
independente de assunto ou ambiente, não gostar de ler.
Os que deram respostas como as de números 2 e 3 parecem não
ter certeza sobre o que pensam das aulas de leitura. Existe uma incoerência
nas suas declarações ou uma confissão implícita:
Aulas prazerosas que temos que ler e Aulas legais, mas que não
dá prazer para ler. No primeiro caso, o verbo ter nos remete à
idéia de obrigação. Mesmo sendo a leitura uma obrigação,
o aluno considera a aula prazerosa. No segundo caso, o aluno não
tem prazer na leitura, mas considera agradáveis as aulas. Qual,
então, a verdadeira razão, para a insatisfação
desses e de outros alunos que fizeram comentários semelhantes?
Tudo indica que sejam estes os alunos acusados por aqueles colegas que
gostam da aula de leitura, mas lamentam que nem todos tenham respeito
e compromisso com a leitura e, por isso, conversam e atrapalham a concentração.
A de número 12 até parece uma piada de mau gosto por parte
do aluno, mas não é. Trata-se de uma declaração
muito séria que só veio, mais uma vez, confirmar o desconhecimento
que um número significativo de alunos tem acerca da importância
da leitura em todas as suas dimensões.
Interessante ressaltar as respostas de números 8 e 11. O simples
fato de a leitura ainda ser vista e sentida como obrigatória não
impede que o prazer se instale no decorrer do processo. Os próprios
alunos têm essa consciência, sabem que podem (e muitos querem
mesmo isso) aprender a gostar de ler. Outro aspecto importante é
o fato de que as aulas de leitura incentivam o hábito da leitura
em alunos que não o trazem de casa.
Para enriquecer as aulas de leitura, tornando-as mais agradáveis,
interessantes e produtivas, os alunos sugeriram:
1. Cada um trazia o livro, do assunto que gostasse e tivesse uma aula
cada semana para isto. E tivesse leitura em diferentes locais, não
só na sala de aula, mas também fora dela.
2. Fossem ao ar livre, cada um no seu canto, viajando no seu mundo.
3. Poderíamos ler mais coletivamente.
4. Do jeito que está, acho que é melhor continuar assim!
A leitura é livre, sem ser forçado.
5. Gostaria que fossem mais freqüentes e silenciosas.
6. Com maior variedade de livros para escolher.
7. Estão boas do jeito que estão.
8. Que a professora lesse sobre um assunto bem polêmico e depois
fazer todos nós discutirmos sobre o assunto em uma roda.
9. Poderia ter uma sala só de leitura para relaxamos lendo um monte
de livros.
10. Do jeito que está já é bom, mas se tivesse uma
biblioteca melhor e com ambiente perfeito a leitura estaria ótima.
As respostas pedem, na verdade, alguns simples cuidados
para que os momentos de leitura ganhem, a cada dia, um brilho diferente.
As novidades cativam e, quanto mais estratégias pedagógicas
que diversifiquem o trabalho com a leitura, melhor. Outro aspecto que
as respostas trazem à tona é a questão da biblioteconomia,
sua função e importância. Mas, para discuti-la, seria
necessária a retomada de algumas teorias lingüísticas
e não é este o objetivo deste trabalho.
A leitura na família
Não perguntamos aos alunos como está a relação
deles com a leitura em casa, mas, sim, como gostariam que fosse essa relação.
Nas respostas dadas a esta última, subentendem-se as respostas
que seriam dadas àquela.
Vamos pensar sobre algumas das respostas, individualmente.
1. Do jeito que é, pois ninguém me obriga a ler.
Para o aluno, não é preciso mudar nada. O importante é
que ninguém o obrigue. Caso isso aconteça, não haveria
diferença entre o modo como a leitura é conduzida na escola
e o modo como ela acontece em casa.
2. Eu gostaria que meu pai e minha mãe lessem, porque assim eu
ia ler também.
O aluno não tem referenciais de leitura em casa e confessa que
se sentiria motivado a ler, caso seus progenitores o fizessem.
3. Até gostaria de ter o costume de ler mais, mas não me
sinto muito motivada a ler, tanto quanto assisto tv ou fico na internet.
Existem outros atrativos que competem com a leitura. Quando o jovem estudante
confessa que gostaria de ter a leitura como hábito, não
podemos ignorar o fato de que muitas leituras são feitas por intermédio
da tv, internet e outras tecnologias.
4. Eu acho que devia ter mais leitura, pois ficamos muito na televisão.
Mais uma vez a idéia de que a televisão afasta o indivíduo
da leitura. E se a televisão toma a maior parte do tempo no ambiente
familiar, tudo indica que não falta apenas leitura: falta diálogo
também.
5. Eu gostaria que meus pais me incentivassem mais a ler.
A falta de incentivo em casa pesa muito nas decisões do aluno.
Receber motivação, por parte dos pais, é importante
para ele.
6. Sei lá, tá bom assim.
Esta resposta é preocupante, principalmente porque veio de um aluno
que não vê os pais como modelos de leitores. O que para ele
está bom, na verdade, é a ausência total de uma convivência
com a leitura no lar. Infelizmente, uma base familiar como esta, no que
diz respeito à leitura, só tende a sustentar a atitude negativa
do aluno frente a ela.
7. Para mim isso não tem importância.
É preferível um aluno dizer que gostaria que seus pais o
incentivassem mais a ler do que uma resposta dessa natureza que evidencia
a completa indiferença do aluno perante a questão. E se
existe essa indiferença por parte do aluno, a possibilidade de
essa ser expressa por parte dos pais é muito grande.
8. Que nós lêssemos mais, porque quase ninguém lê.
O fato de o aluno reconhecer que ele e sua família poderiam ler
mais já é um bom começo para mudar a situação,
desde que o aluno manifeste esse desejo em sua casa e, fazendo-o, que
os pais tomem decisões favoráveis.
9. Gostaria de comentar mais com meus pais sobre o que li, pois ajudaria
bastante.
A leitura e o diálogo caminham juntos, o diálogo do aluno
com o texto, do filho com os pais discutindo o texto. Essa interação
produz não apenas maturidade, prazer, formação de
opinião e criticidade, como também afinidades e afetividades
no seio familiar.
10. Acho que seria bom se todos lessem por vontade própria e que
tivesse um momento de leitura coletiva silenciosa na semana, mas eles
não gostariam muito dessa idéia.
Em muitos casos, os alunos manifestam desejo de mudança e até
sugestões como a apresentada acima. Se os alunos começarem
a encarar a questão da leitura, em seu ambiente familiar, como
um desafio diário, é possível que seus pais também
o façam. Se encarada simplesmente como uma utopia, a vontade de
mudar fica amortecida, a idéia cai no esquecimento e o conformismo
com a não presença da leitura predomina, já que nada
foi feito para reverter a situação.
11. Eu sinceramente gostaria de me interessar mais pela leitura, porém
isso não é muito prazeroso em minha casa.
O aluno lamenta sua falta de interesse pela leitura e, de certa forma,
justifica-a pela ausência de prazer com a leitura em sua casa.
12. Eu gosto da relação com a leitura em minha casa. Leitura
é uma prioridade.
13. Acho que como está em casa está bom: uma estante de
livros, lemos o que quisermos, quando quisermos, sem muita obrigação.
14. Já está bom, meus pais incentivam muito a leitura prazer
e a leitura de informações de um mundo em transformação.
15. A leitura foi incentivada desde cedo em casa. Cada um lê um
livro por mês.
Felizmente, existem alunos muito bem resolvidos no que
diz respeito ao apoio à leitura que recebem dos pais. Isso conta
muito no desempenho desses alunos na
escola. Ao tratar sobre a influência do leitor-modelo na vida dos
alunos, estarei enfatizando mais a importância desse incentivo.
O leitor-modelo
Sobre a presença, no ambiente familiar, de leitores-modelos,
dos 120 alunos que responderam ao questionário, 50 afirmaram que
consideram, sim, o pai ou a mãe como exemplos de leitores, 16 não
os vêem dessa forma e 54 disseram que só às vezes
visualizam, nos pais, esse modelo.
Para a pergunta seguinte: Eles lêem na sua frente? Trinta e cinco
responderam que sim, 45 que só algumas vezes, 40 poucas vezes,
4 nunca.
Quando perguntado diretamente aos pais: Você se vê como um
modelo de leitor para seu filho?, 30 responderam que sim, sou um modelo
de leitor para meu filho, 41 confidenciaram: não me vejo assim,
16 confessaram: nunca parei para pensar nisso e 4 justificaram: leio muito
pouco por falta de tempo; às vezes; leio muito no trabalho; depende
dele.
Dos 93 pais que participaram da pesquisa, 41 disseram que sempre lêem
na frente dos filhos, 38 o fazem algumas vezes, 12, poucas vezes, 1 não
especificou.
Parece que os pais não consideram que ler com freqüência,
na frente dos filhos, signifique, necessariamente, ser um modelo de leitor,
visto que 41 afirmaram sempre ler na frente deles, mas somente 30 responderam
sim para a pergunta anterior.
Para a pergunta: Que lugar ocupa a leitura em sua casa?, 52 responderam
que ela é uma das prioridades, 2, que a leitura fica em último
lugar, 30 disseram: nunca parei para pegar nisso, 1 disse não considerar
relevante essa ponderação sobre a leitura e 8 elencaram
alguns comentários como: não é prioridade, mas leio
sempre que posso; vejo que é muito importante, mas leio muito pouco;
não é prioridade, mas também não está
em último lugar.
Cinqüenta e oito pais têm como hábito incentivar e orientar
seu filho a ler, 12 costumam mandar ou determinar que ele leia, 19 disseram
que preferem deixar que as coisas aconteçam sem interferir, 1 pai
respondeu que nem se preocupa com a questão, outro disse que incentiva
apenas a leitura de temas interessantes e 3 não manifestaram qualquer
opinião específica a esse respeito.
Ainda sobre a questão do incentivo, alguns pais apresentaram os
seguintes comentários no questionário:
1. Incentivo meu filho a ler e cobro isso. Leio também para dar
o exemplo e digo sempre que é lendo que se aprende. Gostar de ler
é uma das formas de ser feliz.
2. Minha filha não precisa de incentivo.
3. Nunca incentivo, por falta de tempo meu e das crianças.
A pesquisa mostra, dentre outros aspectos, que 42% dos
alunos afirmaram ver os pais como leitores modelos e que 33% dos pais
se consideram mesmo referenciais para seus filhos nesse sentido. Dentre
aqueles que não vêem seus pais dessa forma, 19% apontaram
os professores como exemplos de leitores, 18% ninguém e 21% citaram
outros como, por exemplo: tia, irmã, o próprio aluno e ninguém
mais.
Considerações Finais
Apesar de 82% dos alunos terem um ou outro leitor-modelo
como referencial, o índice de desmotivação pela leitura,
em casa e na escola, ficou na média de 51%. Os números nos
levam a algumas deduções:
O simples ato da leitura nunca deixará de ser uma conduta exemplar
necessária no intuito de influenciar positivamente o outro, criando
neste o hábito da leitura. Também serão sempre fundamentais
as situações de leitura criadas, desde que não mecanizadas
ou artificiais, visando esse mesmo propósito, e o contato com livros
diversificados, em grande quantidade, desde a infância – uma
vez que quantidade de leituras também pode gerar qualidade. Todavia,
cada um desses fatores motiva a leitura, mas só uma centelha de
fogo é capaz de fazer arder toda a palha.
Se o aluno está seco de leitura e continua vazio de conteúdo,
muito mais do que se sentir motivado a ler, ele precisa ser completamente
seduzido pela leitura. A motivação é circunstancial.
A sedução é perene. E só o verdadeiro entusiasmo
é capaz disso. Não nos esquecendo, é claro, de que
há indivíduos que independem de qualquer interferência
externa para descobrir o prazer da leitura.
Pensando em leitura, motivação e sedução,
remetemos às palavras de Bamberger: “Quando falamos em “motivação”
pensamos mais em impulsos e intenções logicamente determinados
que orientam o comportamento, ao passo que as atitudes e experiências
emocionais são o fator determinante dos “interesses”.
Os interesses e motivações do indivíduo refletem-se
em seu modo de vida total.” (1986:32). A leitura requer não
apenas atitudes, mas que a estas sejam somadas experiências emocionais.
As atitudes motivam, as experiências emocionais seduzem. Em virtude
dessa reflexão, penso que o conceito que se tem de leitor-modelo
está aquém do que seja isso de fato.
Quando os alunos falam de modelos de leitores eles querem dizer simplesmente
leitores. O que já é extremamente significativo, importante
e fundamental. Mas pais e professores leitores, muitas vezes, lêem
também por obrigação, lêem socialmente, lêem
por ler, sem “entregar-se a esta leitura, ou rebelar-se contra ela,
propondo outra não prevista” (LAJOLO, 1993:59), sem que haja
o interesse intrínseco, o verdadeiro entusiasmo pela leitura. Ser
leitor-modelo é não apenas estar em pleno exercício
de sua criticidade frente à leitura, mas ser um apaixonado por
ela, tornando-se capaz até de seduzir, contagiando outros, em maior
grau de freqüência e intensidade, a se tornarem amantes da
leitura.
Quando o aluno-filho vê o professor lendo por obrigação,
o pai ou a mãe lendo por ler, friamente, sem nenhuma manifestação
espontânea do que aquela leitura esteja produzindo de si para dentro
de si mesmo, de si para fora de si, ele só vê (e vendo, muitas
vezes, é motivado a fazer o mesmo), mas não sente o valor
da leitura, seu poder, suas razões, seus motivos, sua importância,
suas muitas funções e utilidades.
Uma citação que traduz muito bem a leitura no sentido mais
profundo da palavra é esta:
Em que se baseia a leitura? No desejo. Esta resposta é uma opção.
É tanto o resultado de uma observação como de uma
intuição vivida. Ler é identificar-se com o apaixonado
ou com o místico. (...) É manter uma ligação
através do tato, do olhar, até mesmo do ouvido (as palavras
ressoam). As pessoas lêem com seus corpos. Ler é também
sair transformado de uma experiência de vida, é esperar alguma
coisa. É um sinal de vida, um apelo, uma ocasião de amar
sem a certeza de que se vai amar. Pouco a pouco o desejo desaparece sob
o prazer. (BELLENGER, In: KLEIMAN, 2001:15)
Segundo Paulo Freire, “a realidade (...) não é inexoravelmente
esta. Está sendo esta como poderia ser outra e é para que
seja outra que precisamos (...) lutar” (1996:83). Precisamos e queremos
transformar a realidade da falta de motivação para a leitura
(e leitura com qualidade!), na vida de nossos filhos e alunos, de tal
forma que eles experimentem sua verdadeira sedução. Para
isso, precisamos repensar, enquanto pais e/ou professores, se temos sido
modelos de leitores capazes em fazer arder toda a palha, incentivando,
seduzindo e formando, assim, leitores competentes, críticos, autônomos,
completamente rendidos à leitura e sobre ela atuando, atribuindo
sentidos e significados.
Referências
BAMBERGER, R. Como incentivar o hábito da leitura.
São Paulo: Ed. Ática, 1986.
BAKTHIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2003.
DELL’ISOLA, Regina Lúcia Péret. A interação
sujeito-linguagem em leitura. In: MAGALHÃES, I. (org.) As múltiplas
faces da linguagem. Brasília: UNB, 1996, p.68-75.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à
prática pedagógica. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GERALDI, J. W. O texto na sala de aula. 2.ed. São Paulo, SP, Ed.
Ática, 1999.
KLEIMAN, A. Oficina de leitura: teoria e prática. 8. ed. Campinas,
SP: Pontes, 2001.
LAJOLO, M. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo,
Ática, 1993.
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Aberto, 1983.
______. Criticidade e leitura.Campinas, SP: Mercado de Letras, 1998.
SMITH, Frank. Compreendendo a leitura: uma análise psicolingüística
da leitura e do aprender a ler. 3. ed. Porto Alegre: Artes Médicas,
1991.