Mariany Almeida Montino – FE-Unicamp
APRESENTAÇÃO
A profissionalização do professor tem sido
um tema bastante discutido, principalmente nas duas últimas décadas.
Vários trabalhos apontam para a necessidade de uma reflexão
sobre os programas de formação inicial e continuada, buscando
superar modelos de formação que concebem a atividade docente
como sendo exclusivamente técnica e denunciando a impossibilidade
de separar o eu pessoal do eu profissional, sobretudo numa profissão
impregnada de valores e fortemente vinculada às relações
inter-pessoais. Tais conclusões apontam, entre outras coisas, para
a inviabilidade da construção de conhecimentos pedagógicos
que ignorem as dimensões pessoais e profissionais do trabalho docente.
Para Nóvoa, essas discussões trazem algumas verdades “tão
simples que pareciam não merecer atenção especial”:
No professor, não é possível separar
as dimensões pessoais e profissionais; a forma como cada um vive
a profissão de professor é tão (ou mais) importante
do que as técnicas que aplica ou os conhecimentos que transmite;
os professores constroem a sua identidade por referência a saberes
(práticos e teóricos), mas também por adesão
a um conjunto de valores etc. Donde a afirmação radical
de que não há dois professores iguais e de que a identidade
que cada um de nós constrói como educador baseia-se num
equilíbrio único entre as características pessoais
e os percursos profissionais. (NÓVOA, 1995a, p.33)
Tais orientações provém de uma concepção
que destaca o professor como um profissional capaz de refletir sobre o
seu trabalho e sobre o contexto em que este ocorre, que toma decisões,
emite juízos e que possui, desenvolve e cria conhecimentos. Na
visão de Silva, R.C. (2000), o professor aparece como:
... um ser social, constituído e constituinte de
seu meio. Como pessoa, age e sofre as ações de sua sociedade:
ele constrói e é construído por ela. A sociedade
é feita por ele e ele é feito por ela; portanto, o professor
é um construtor da cultura e de saberes e, ao mesmo tempo, é
construído por eles. (p.25)
Em contato com trabalhos que trazem reflexões sobre
a formação docente, despertou-me curiosidade diante do especial
interesse que, segundo Nóvoa (1995a), a ciência pós-moderna
vem revelando pelo dito senso comum aparentemente presente no processo
de formação dos professores, “não para com
ele se confundir, mas para se aproximar das realidades terrenas contra
as quais, em tempos, o discurso científico procurou edificar-se”
(p.32).
Com isso, optei por avançar no conhecimento e nas atuais discussões
sobre esta profissão, que é a minha, buscando garimpar prováveis
riquezas que eventualmente se escondam por trás de um avental ou
guarda pó, como queiram os mais antigos.
Isto me levou ao desenvolvimento de um projeto de pesquisa, pelo qual
busco através da análise da trajetória de professoras
das séries iniciais do ensino fundamental, compreender o processo
de formação dessas profissionais. Considerando processo
de formação, como apresentado por Moita (1995), como a “dinâmica
em que se vai construindo a identidade de uma pessoa. Processo em que
cada pessoa, permanecendo ela própria e reconhecendo-se a mesma
ao longo da sua história, se forma, se transforma, em interacção.”
(p.115)
Para desenvolver o trabalho, optei pela abordagem (auto) biográfica,
conhecida também como “histórias da vida”, pela
pertinência diante do objeto de pesquisa, que me permite lidar de
forma mais flexível com a subjetividade do tema, e ainda, por concordar
com Moita (1995), no sentido de que “Só uma história
de vida põe em evidência o modo como cada pessoa mobiliza
os seus conhecimentos, os seus valores, as suas energias, para ir dando
forma à sua identidade, num diálogo com os seus contextos.”
(p.116)
Segundo Moraes (2004), o método biográfico para estudos
sobre a formação de professores, tem sido usado mais recentemente
a partir da década de 90. Para Nóvoa (1988) a utilização
do método biográfico ou histórias de vida, pode favorecer,
em muito, a busca de um novo conceito de formação docente.
Na definição de Queiroz (1988), história de vida
aparece como “o relato do narrador sobre a sua existência
através do tempo, tentando reconstituir os acontecimentos que vivenciou
e transmitir a experiência que adquiriu.” (p.20)
Autores como Nóvoa (1995b), Goodson (1995), Moita (1995), Huberman
(1995), Kramer (1998), Tardif (2000), Dominicé (1988), Chené
(1988), Larrosa (1996), entre outros, afirmam que ouvir as narrativas
das histórias de vida dos professores pode oportunizar momentos
de reflexão, revelando alternativas que podem ajudar na sua formação
e na de outros docentes.
No primeiro capítulo, intitulado “Reencontros ao chá
das cinco”, descrevo minha trajetória como educadora, desde
a época da adolescência, quando fiz a opção
pelo magistério e posteriormente pela Pedagogia. Relato minha experiência
com a pré-escola e as séries iniciais do ensino fundamental,
onde atuei também como alfabetizadora e descrevo a atuação
em cargos comissionados de direção, coordenação
pedagógica e supervisão escolar na Secretaria Municipal
de Educação de Bragança Paulista, provavelmente onde
começou a despertar meu interesse pelo tema.
Não que houvesse premeditado expor e descrever minhas vivências,
contudo, no decorrer da pesquisa, os relatos de minhas colegas foram me
soando bastante familiares e suas reflexões despertaram também
as minhas, e aos poucos fui percebendo que pensar sobre meu próprio
processo de formação ajudava-me a compreender também
os seus. Entendendo, conforme Dominicé (1990), que “o saber
sobre a formação provém da própria reflexão
daqueles que se formam”. (p.24)
Os cargos comissionados me permitiram um contato maior com as professoras
da rede municipal e um certo conhecimento de suas posturas e práticas
pedagógicas. Tal conhecimento me permitiu fazer as escolhas no
momento de desenvolver minha pesquisa.
As professoras Ana e Helena pareciam despertar a estima e admiração
das colegas por motivos diferentes que me chamaram especialmente a atenção.
O primeiro a fazer, seria entrevistá-las, afinal ninguém
melhor do que elas para falar sobre elas mesmas, sobre as situações
com as quais se defrontaram, os desafios do início da carreira,
as dúvidas, as escolhas das metodologias, as expectativas e frustrações,
ainda que, para Huberman (1995), uma narração seja, em grande
parte, mais uma reinterpretação do que um relato, e que
a recordação do passado seja mais criação
que reprodução, “o resultado de uma tentativa de pôr
ordem em acontecimentos que tinham outra ordem no momento em que foram
vividos”. (p.58)
Antes das entrevistas porém, tomei permissão para uma visita
às suas classes. Queria, antes de mais nada, construir minha própria
representação sobre elas, observar seu relacionamento com
os alunos, a maneira como propõem e desenvolvem as atividades,
como corrigem as tarefas, como são os cadernos dos alunos, enfim,
procurava indícios que me ajudassem a compreender de onde elas
estariam falando comigo.
As impressões advindas dessas visitas são apresentadas em
breves relatos que antecedem as narrativas, intitulados – “Minhas
primeiras impressões” e “Sob olhos de ver – um
dia como os outros”.
A professora Ana sempre foi tida entre as colegas em alto conceito. “-
Como ela podia conseguir aquele silêncio na sala, ainda que o resto
da escola estivesse desabando?”; “- Como podia se ausentar
da sala e ao retornar encontrar os alunos concentrados em seus afazeres,
como se nunca tivesse saído?”
Um certo ar de deboche, fala firme e gestos expressivos, principalmente
ao falar de suas certezas, entre elas, a própria profissão.
Alegre, segura de si, a professora Ana dava a impressão de que
tinha muito o que contar. Acertei!
Sua fala me soava aos ouvidos impregnada de detalhes que aos poucos iam
se juntando e desenhando a imagem viva e marcante de outra personagem
– tia Sofia . Resolvi então, me aventurar na estreita e sinuosa
estrada de Joanópolis para ouvi-la de perto. De tão parecidas,
permitiram-me juntar as duas numa só história, dando-me,
e certamente dará ao leitor a impressão de que a sua formação
e aquilo que levam para a sala de aula, estão muito além
do que absorveram nos bancos dos cursos de magistério ou cursos
de complementação. Somam-se num amontoado de saberes que
vão sendo construídos no percurso das vivências, nas
relações com a família, nas experiências como
aluna, nas rotinas de trabalho e que vão, aos poucos, dando sentido
ao seu modo de ser professora.
A observação da sala da professora Ana e os textos produzidos
a partir das entrevistas Ana/Sofia, bem como a análise de alguns
trechos, irão compor o segundo capítulo da dissertação
– “Entre curvas, lembranças e hibiscos”.
A segunda entrevistada foi a professora Helena, conhecida entre as colegas
da E.M. Vila Buarque como uma das melhores professoras de 1ª série,
a ponto de seus alunos despertarem a preferência das colegas para
os anos posteriores. Ouve-se dizer que dificilmente um aluno que passa
por ela não aprende. É possível ouvi-la falar em
tom emocionado sobre algumas de suas vitórias e ainda da admiração
pelo trabalho de algumas professoras que a influenciaram diretamente,
entre elas, a professora Carmem , a quem também fui entrevistar.
A observação da sala da professora Helena, os textos produzidos
a partir das entrevistas Helena/Carmem, bem como a análise de alguns
trechos compõem o terceiro capítulo do trabalho ao qual
nomeei “Do tijolo ao lápis, as mesmas mãos”.
Para favorecer a leitura, optei predominantemente pela forma narrativa,
por observar, pela convivência com as diferentes idades, o fascínio
que tal gênero exerce sobre ouvintes e leitores. Referindo-me em
especial às colegas professoras, com as quais tive oportunidade
de estar em diversos cursos, reuniões e palestras e onde pude perceber
especialmente uma melhor acomodação nas cadeiras, além
de gestos expressivos de grande interesse e atenção ao ouvir
dizer algum expositor: “Isso me faz lembrar uma história
que agora vou contar a vocês” ou “Por falar nisso, lembro-me
de uma vez em que...”. E ainda, por considerar que a forma narrativa
possa promover uma melhor comunicação, principalmente com
as professoras das séries inicias, entre as quais, em sua maioria,
observo pouca afinidade com os textos acadêmicos tradicionais, e
a quem eu desejo especial acesso a esta pesquisa.
A forma narrativa, do ponto de vista estrutural, segundo estudos de Silva,
A.C.B. (2000) é considerada por Labov e Waletzky (1967) como uma
“técnica verbal para recapitular experiências na qual
a seqüência dos eventos narrados deve reproduzir a seqüência
dos eventos supostamente ocorridos” (p.65). A autora apresenta ainda
a tradução de um trecho escrito por Ochs (1997) que expõe
de forma quase poética, a importância da narrativa em nossas
vidas, hipotetizando um mundo sem ela. Propondo pensar como poderia ser
“passar pela vida sem contar a outro o que aconteceu a você
ou a outra pessoa e não recontar o que você leu em um livro
ou viu em um filme”. Traduz tal universo como inimaginável,
“porque isto significaria um mundo sem história... e vidas
sem reminiscências e revisão interpretativa”. (p.61)
Dessa forma, pretendo não simplesmente tomar a palavra e dirigir-me
ao leitor, antes ambiciono partilhar uma experiência que me é
nova e que possibilita re-significar minha história e a de algumas
colegas, rememorando indícios que acabaram por se perder na dimensão
do tempo e que, contados, podem ir se juntando e refazendo nossa própria
imagem.
Esta profissão precisa de se dizer e de se contar:
é uma maneira de a compreender em toda a sua complexidade humana
e científica. É que ser professor obriga a opções
constantes, que cruzam a nossa maneira de ser com a nossa maneira de ensinar,
e que desvendam na nossa maneira de ensinar a nossa maneira de ser. (NÓVOA,
1995b, p.10)
A partir das narrativas, proponho um olhar mais acentuado
sobre alguns pontos, a meu ver, mais significativos que podem levar a
algumas conclusões ou simplesmente levantar outras dúvidas.
O contato com os estudos de Ginzburg (1989) sobre o “paradigma indiciário”
de Giovanni Morelli, permitiu-me também estabelecer algumas aproximações.
Tendo surgido ao final do século XIX, o paradigma indiciário
propunha um novo modo de olhar quadros antigos que não tivessem
identificação para que pudessem ser atribuídos a
seus próprios autores, além do reconhecimento de elementos
que pudessem distinguir obras originais de cópias. Segundo Ginzburg,
na fala de Morelli:
“é preciso não se basear, como normalmente
se faz, em características mais vistosas, portanto mais facilmente
imitáveis, dos quadros: os olhos erguidos para o céu dos
personagens de Perugino, o sorriso dos de Leonardo, e assim por diante.
Pelo contrário, é necessário examinar os pormenores
mais negligenciáveis, e menos influenciados pelas características
da escola a que o pintor pertencia: os lóbulos das orelhas, as
unhas, as formas dos dedos das mãos e dos pés.” (p.144)
Ainda segundo o autor, com esse método Morelli
propôs dezenas e dezenas de novas e surpreendentes atribuições
de obras não identificadas em alguns dos principais museus da Europa.
Esses indícios aparentemente tão desconsideráveis
e ao mesmo tempo tão especialmente valorizados por Morelli e ainda
por ele, tão comprovadamente significativos, seduziram-me a uma
inevitável comparação diante das abordagens (auto)
biográficas.
Da mesma forma como o contorno das pontas dos dedos ou os lóbulos
das orelhas destacam-se como tão peculiares de cada autor, inimitáveis,
únicos e pessoais, existem indícios no processo de formação
das professoras que, se observados com atenção, podem também
fazer emergir essa unicidade e nos ajudar a compreender as prováveis
origens da diversidade existente entre seus modos de ser, suas posturas
e práticas.
Finalmente, pretendo tecer algumas considerações a partir
das análises dos depoimentos das professoras entrevistadas.
Esse trabalho, portanto, se apresenta como um estudo que pretende contribuir
no sentido de dimensionar a imagem desse professor construtor e construído
de cultura e de saberes, buscando indícios que, se respeitados
e valorizados podem servir para compreender o seu processo de formação,
oferecendo pistas a quem deseje, arriscando-se na busca dessa compreensão,
deparar-se com uma subjetividade rica e complexa.
I - DO TIJOLO AO LÁPIS – AS MESMAS MÃOS
Estavam juntas outra vez, pelo mesmo motivo que as uniu
por tanto tempo e que fez fortalecer entre elas uma grande amizade marcada
por um misto de confiança e admiração pelo trabalho
uma da outra.
A professora Carmem havia sido convidada pela Secretaria de Educação
do município de Bragança Paulista no ano de 2002 para ser
uma das formadoras do PROFA – um novo programa de alfabetização
organizado pelo governo do estado de São Paulo. O programa seria
desenvolvido em várias turmas de vinte e cinco professoras, com
carga de oitocentas horas. Entusiasmada, a professora Helena foi uma das
primeiras inscritas e por sorte havia sido selecionada para compor uma
das primeiras turmas.
A alfabetização sempre a atraiu muito. O retorno que obtinha
dos alunos nesta fase em relação à aquisição
da escrita a encantava, por isso sempre preferiu trabalhar com as primeiras
séries.
Formada em 1985 na escola estadual Cásper Líbero, começou
a lecionar em 1986, na Comunidade Vitória, onde permaneceu por
três anos trabalhando com crianças em idade pré-escolar.
Lá conheceu a professora Carmem, alguém que ela sugou muito,
principalmente no início da carreira, quando tinha acabado de sair
do magistério e não trazia experiência nenhuma. Até
então eram crianças menores e na época não
havia tantas cobranças no trabalho com a educação
infantil.
Em 1989 deixou a Comunidade Vitória para assumir uma substituição
numa sala de primeira série na E.E. Profa. Jacyra Marcondes, onde
coincidentemente a professora Carmem também lecionava, estando
na época afastada, em licença gestante. Foi ali que sentiu
as coisas começarem a apertar. Não tinha prática
nenhuma em alfabetização. Não sabia nem por onde
começar, se trabalharia com cartilha ou com o que. Até onde
sabia, a professora da sala estava prestes a tirar licença e os
alunos haviam sido agrupados propositadamente após uma avaliação,
sendo colocados juntos todos aqueles que “não sabiam nada”.
E foi esta a classe que lhe foi atribuída.
No início resolveu continuar seguindo uma tal cartilha que ela
nem lembra o nome, e que já vinha sendo trabalhada pela professora
com a turma. Após dois ou três meses de trabalho, no entanto,
observava que não havia progresso algum. Apenas os alunos eram
cada vez mais, ótimos copistas. E ela cada vez mais angustiada
– “Meu Deus por que isso não está dando certo?
O que eu faço agora?” Foi então a hora de pedir socorro
à professora Carmem que acabava de voltar da licença e que
já trabalhava há algum tempo com a proposta construtivista
de Emília Ferreiro. Ela a orientou a pôr de lado as cartilhas
e iniciar o trabalho de alfabetização considerando os níveis
de escrita dos alunos.
Quanto mais avançava na prática da nova proposta, mais sentia
necessidade de aprender para entender melhor o que estava fazendo. Então
passou a freqüentar todos os cursos oferecidos pela oficina pedagógica
que tratavam principalmente de esmiuçar a teoria da psicogênese
da língua escrita desenvolvida por Emília Ferreiro, os quais
apresentavam uma nova proposta para alfabetização a partir
do trabalho com textos da Literatura Infantil em substituição
à silabação e aos textos sem contexto das antigas
cartilhas; além de ler livros indicados nos cursos e pelas amigas,
buscando entender através da teoria o que vinha fazendo até
então na sala de aula.
Em 1990, encerrado o período de substituição, buscando
pontuação como professora de estado, foi parar na zona rural,
no bairro do Açude, onde lecionou por quase dez anos, ainda que
tivesse assumido algumas turmas na cidade durante esse tempo.
A essas alturas, sentia-se verdadeiramente incorporando a nova proposta.
Certamente não viu dificuldades em romper com a cartilha por nunca
ter sido sua adepta e nunca ter confiado no processo de silabação.
Já havia tempo vinha trabalhando com a construção
e os níveis de escrita e agora conseguia vislumbrar no trabalho
com textos uma grande possibilidade para alfabetizar os alunos dentro
de um contexto que lhe parecia rico e interessante. E em meados de 1991
já havia acrescentado a Literatura Infantil à sua prática
de alfabetização.
Em 1996 na E.E. Sergio de Almeida, assumiu uma terceira série cuja
maioria dos alunos ainda não eram alfabetizados. Na mesma época,
uma amiga de outros tempos, a professora Rita Deó assumiu uma classe
de aceleração na mesma escola, onde permaneceram trabalhando
juntas até 1998. Pela similaridade do trabalho e pelas dúvidas
e dificuldades encontradas, houve grande troca de experiências entre
as duas, o que fez crescer ainda mais a amizade entre elas.
Durante esses anos todos já havia visto quase tudo nas escolas.
Já tivera turmas e mais turmas, cada qual do seu jeito. Da mesma
forma que recebia alunos nas primeiras séries que já estavam
alfabetizados, tinham boa leitura e poucos erros ortográficos,
deparava-se também com aqueles que ainda não haviam sequer
aprendido a escrever o próprio nome.
Observava a diferença em questões de aprendizagem dos alunos
que haviam freqüentado a educação infantil e os que
não freqüentaram. Além disso, havia aqueles a quem
o ambiente familiar não favorecia, não oferecia estímulos
para o desenvolvimento da leitura, como jornais, revistas, gibis, etc.
Ambientes onde as preocupações dos pais são anteriores
à da informação sobre os últimos acontecimentos,
das grandes reportagens ou dos bons livros. Ambientes em que inclusive
os pais também não tiveram acesso à alfabetização.
E na sua opinião isso fazia toda a diferença.
Para ilustrar seus pensamentos, lembrava do episódio quando, ao
trabalhar com uma das turmas sobre os consecutivos incidentes de vazamento
de óleo no mar, um dos alunos lhe trouxe reportagens de jornais
que eram lidos pelo pai, trazendo também, sobre o assunto, muitas
explicações e informações que adquirira em
conversas com ele. Ela observava a diferença de aproveitamento
em relação aos demais e atribuía aos estímulos
que certamente recebia em casa.
Sabia que a condição social das famílias refletia
em seu trabalho com os alunos, mas ao mesmo tempo tinha para si que esse
fator fazia aumentar ainda mais a responsabilidade do professor. Assim,
por exemplo, se o seu aluno por estas ou outras razões não
tivesse acesso ao conhecimento da função social da escrita
através dos diferentes tipos de textos presentes no cotidiano,
a sua obrigação era proporcionar-lhe o contato com a língua
escrita em todas as suas formas. E era o que ela fazia. Procurava trazer
para a classe jornais, revistas, gibis, receitas, livros, cartas, enfim,
tudo para favorecer o processo de alfabetização dos alunos.
A experiência lhe ensinou que valia a pena acreditar no sucesso
dos alunos e que essa história de que tem aluno que não
aprende de jeito nenhum era pura conversa. Entendia que um aluno que apresenta
dificuldades para aprender precisa geralmente de um tempo maior que os
outros, e que se ele não tem o progresso que se espera no primeiro
ano, é importante que tenha chance de prosseguir no segundo. Por
isso era a favor do regime de ciclos e da progressão continuada.
Como viu acontecer com aquela primeira turma que assumiu em 1989. Ela
havia trabalhado o ano todo com os alunos e eles conseguiram avançar
no processo de conhecimento da língua escrita, mas ao final do
ano ainda não estavam alfabetizados. No ano seguinte, a professora
Carmem assumiu a classe, deu continuidade ao trabalho e apesar de ser
considerada uma turma de “aprendizagem difícil” como
ela mesma costuma dizer, terminaram o ano, senão todos, mas a grande
maioria, lendo e escrevendo.
Apesar de pensar que alguns alunos possam precisar de um tempo a mais
que os outros, não se conforma com o fato de ainda haverem aqueles
que reprovam as segundas séries por três, quatro e até
cinco vezes. Na sua opinião podem até ser consideradas variáveis,
onde determinada porcentagem de alunos possa apresentar deficiências
cognitivas, mas considera o trabalho do professor como determinante no
sucesso ou fracasso escolar dos alunos. Acredita ainda que se os professores
investirem de fato no próprio trabalho, tendo a disposição
de participar de cursos de capacitação, atualizando-se constantemente,
em pouco tempo a escola pública pode ser capaz de reverter o quadro
de fracasso em que se encontra atualmente.
Principalmente em relação à dificuldade no processo
de alfabetização dos alunos, atribui grande parcela de responsabilidade
ao uso das cartilhas e dos métodos de silabação.
Se lhe perguntarem por que o uso da cartilha é considerado funcional
para determinados grupos de alunos, principalmente das escolas particulares,
ela não sabe dizer. Particularmente não é um instrumento
que ela aprove, tendo utilizado apenas por dois ou três meses, quando
da sua primeira experiência com alfabetização. Apesar
do pouco contato porém, não acredita na cartilha. Acredita
sim na dinâmica de um bom professor, que pode até usar a
cartilha como apoio nas aulas, mas não consegue ver no trabalho
apenas com famílias silábicas a eficiência para alfabetizar
a maioria dos alunos. Pelo contrário, na trajetória docente,
pôde presenciar alguns fracassos cometidos com a ajuda da silabação
das cartilhas, como na primeira vez em que assumiu uma sala no sítio,
na zona rural. Havia assumido uma classe de segunda série com vinte
e oito alunos que acabavam de concluir a primeira. Para sua surpresa,
no entanto, dos vinte e oito, apenas quatro estavam alfabetizados. Não
costuma julgar o trabalho das colegas, mas atribui sem dúvida o
fracasso dos outros vinte e quatro alunos à ineficiência
da cartilha.
A própria alfabetização fora um processo muito sofrido.
Conta que na idade de primeira série teve tudo quanto foi doença,
inclusive sarampo e caxumba. Por conta disso, acabava faltando muito,
ficando em defasagem em relação aos outros alunos da sala.
Viu os colegas ganhando o segundo livro “Caminho Suave”, enquanto
ela há dias se enroscava na lição do passarinho.
Não conseguia compreender a história dos dois “ss”
juntos de jeito nenhum. Como resultado acabou perdendo o ano e teve de
fazer de novo a primeira série. Ainda assim, gostava de ir à
escola. Era filha única e para ela a escola representava principalmente
um lugar para fazer amigos e brincar muito na hora do recreio, momento
que aliás, segundo ela, era um dos mais esperados por todos.
Por falar em fracassos, comparava as dificuldades do aluno Giovani. Havia
sido aluno da professora Joana no ano anterior, ficando retido por excesso
de faltas, sendo por isso, inclusive encaminhado ao Conselho Tutelar .
Nos poucos dias que ia à escola, costumava passar a maior parte
do tempo, debaixo das carteiras, recusando-se a participar de qualquer
atividade proposta para a sala.
No ano em curso, estaria portanto, freqüentando novamente a primeira
série e logo de cara, a professora Helena resolveu ter uma conversa
séria com ele. Deixou bem claro que não queria saber daquela
história de ficar se enfiando debaixo das carteiras. Queria vê-lo
trabalhando. Iria ajudá-lo nas dificuldades, mas ele precisaria
colaborar. Que deveria acreditar na própria capacidade e ter em
mente que se todos eram capazes, ele também era. E até então
parecia estar funcionando – ele estava, como ela costuma dizer “uma
belezinha”... Nunca mais fora visto debaixo da mesa, havia aprendido
operações simples e já sabia somar, subtrair e multiplicar.
Já com a leitura e escrita tinha mesmo muita dificuldade, mas depois
de muito trabalho, parecia já reconhecer a maioria das letras e
vinha avançando consideravelmente nos níveis de escrita.
Ela conhecia as dificuldades econômicas da família do aluno
e acredita que toda essa carência tenha certa influência em
seu desempenho escolar, mas acredita também que o interesse do
professor e uma proposta de trabalho adequada possam fazer toda a diferença.
É certo que se trata de um aluno que requer toda uma atenção
especial. Ela o tem como um desafio e costuma comemorar eufórica,
cada um de seus progressos.
Sempre questionou também o trabalho nas pré-escolas da rede
municipal e nunca entendeu por que nas escolas particulares os alunos
terminam o nível de pré já estando alfabetizados
e o mesmo não acontecia nas escolas municipais. Sempre achou que
se podia fazer mais do que se fazia com os alunos menores.
Ultimamente, no entanto, havia percebido com entusiasmo, o investimento
da atual administração municipal na qualidade do trabalho
das escolas de educação infantil, o que já se podia
ver refletido nas primeiras séries do ensino fundamental. Ano a
ano comparava o aumento do nível de aprendizagem e o aproveitamento
escolar dos alunos, o que só fazia confirmar sua teoria de que
se investindo no trabalho de alfabetização nas pré-escolas,
oferecendo cursos de capacitação aos professores e favorecendo
a formação de grupos de estudo, seria possível contribuir
para a melhoria da qualidade do ensino público e, em breve, não
seriam mais necessários investimentos em programas de correção
e aceleração.
Tinha para si que a alfabetização era mesmo a base, o começo
de tudo e o que faria realmente diferença nas séries posteriores.
Além disso era, sem dúvida, a fase que ela mais gostava,
por isso sempre escolheu trabalhar com as primeiras séries. A grande
heterogeneidade das segundas a incomodava de certa maneira – ter
na mesma classe metade dos alunos alfabetizados e a outra metade não,
e ter de preparar tipos diferentes de atividades para cada grupo, por
exemplo, na sua opinião era um trabalho possível, mas muito
desgastante. Não que as classes de primeira série fossem
homogêneas – nunca eram. Sempre havia aqueles três ou
quatro que se destacavam por saber mais ou por saber menos, e que não
podiam ficar como ela diz “a Deus dará”, necessitando,
portanto, de um trabalho diferenciado, com atividades de acordo com o
seu entendimento, preparadas previamente e intervenções
mais específicas. A maioria da classe, porém, seguia junto,
estando por assim dizer no mesmo barco. Daí então, a preferência
e a razão pela qual sempre escolheu trabalhar com as primeiras
séries, apesar de ter assumido em 1998 aquela turma de terceira,
onde mais de noventa por cento da classe ainda não estava alfabetizada,
o que no final das contas, dava no mesmo.
Atribui a facilidade que tem em trabalhar de forma diferenciada à
dinâmica de trabalho da zona rural, com as classes multisseriadas,
que a obrigava lecionar todas as disciplinas em quatro níveis diferentes,
atendendo ainda uma clientela muito especial: “a criançada
mais carente, que fazia bico nas olarias batendo tijolo, que tinha a mãozinha
dura, que não sabia sequer segurar o lápis” e que,
para ela, fora uma experiência maravilhosa e apaixonante.
A proximidade com a natureza que lhe trazia paz ao espírito e favorecia
principalmente os conteúdos das aulas de Ciências, a afetividade
na relação com os alunos e o maior interesse deles nas aulas,
eram entre outros, alguns dos fatores que contribuíam para que
ela permanecesse na zona rural bem por uns dez anos, apesar dos muitos
quilômetros que precisava percorrer para chegar à escola.
Sentia que as crianças precisavam dela. Que seus olhos humildes
buscavam seu carinho e atenção e ela é claro, acabava
se envolvendo com os problemas de cada um, em especial com aqueles que
devoravam dois ou três pratos na merenda de segunda feira, como
se não tivessem nada com o que passar na casa aos sábados
e domingos.
Talvez fosse toda essa carência dos alunos que a tivesse feito surpreender-se
com eles. No início do ano, ao levantar o perfil da classe, um
pensamento logo lhe vinha à mente – “Nossa, mas esses
alunos não vão aprender mesmo, já têm uma carinha
de que não estão entendendo nada!”. E na verdade conseguia
muita coisa com eles e terminava dezembro com a maioria lendo e escrevendo.
Observava que os alunos do sítio parecem ser mais acomodados e
mais concentrados em comparação com os da cidade, que geralmente
são agitados demais, precisam ser chamados à atenção
constantemente, e vivem se batendo por qualquer motivo. Pensa que talvez
o fato de terem mais liberdade de correr pelos campos e andar a cavalo,
lhes permita gastar a energia que as crianças da cidade acumulam
trancafiadas dentro de casa.
Em especial, sua turma de primeira série deste ano se destacava
pelo excesso de agitação e agressividade. Ela própria
se considera bastante agitada e supõe que isto se reflita no dia
a dia dos alunos. Alguns lhe aporrinham do início ao término
da aula.
Costuma fazer malabarismos com atividades de música, jogos e recreação,
na tentativa de ajudá-los a gastar energia e conseguir um rendimento
melhor dentro da sala de aula. Ainda assim precisou investir em muitas
broncas e conversas desde o começo do ano para faze-los se conscientizar
de que poderiam resolver seus problemas conversando, ao invés de
ficarem se batendo por qualquer motivo. Considera esta uma das partes
mais cansativas do trabalho – parar a aula, explicar, repetir a
mesma ladainha inúmeras vezes.
Apesar do cansaço, observa ter conseguido muito com a maioria,
excetuando-se aqueles que pareciam não estar nem aí com
ela nem com coisa alguma.
Pequenos dissabores à parte, considera ter sido iluminada por Deus
quando aos dezoito anos, após concluir o primeiro colegial, arriscou
ingressar no magistério, incentivada por uma amiga já formada,
ainda com a intenção de apenas tentar - caso não
desse certo, “largaria e começaria outra coisa”. Acabou
gostando e afirma que até hoje faz o que faz com muito amor procurando
deixar para fora da sala de aula questões de ordem pessoal e mesmo
os problemas de sempre que envolvem a profissão como baixos salários,
desvalorização da carreira, etc, etc.
Agora em 2003, após ter participado do PROFA, pôde perceber
que muitas de suas dúvidas e ansiedades foram sendo eliminadas.
Os vídeos, os textos, as discussões, tudo contribuía
para entender melhor o que fizera até ali, e separar o útil
do inútil, o que serve e o que não serve, o que funciona
e o que não funciona. Não que fosse jogar pela janela toda
a experiência de tantos anos e achar que tudo aquilo que tinha feito
até ali estava errado. Tinha consciência de que se havia
errado muito, havia acertado muito também, e que sempre teria o
que aprender, como todo mundo.
Pode-se ouvi-la falar com mistos de entusiasmo e satisfação
sobre aquilo que ela chama “vitória profissional” –
que traduz principalmente as experiências que coleciona sobre a
conquista da alfabetização por parte de alunos quase desenganados
e prováveis ingressantes do fracasso escolar.
Outra grande fonte de prazer profissional diz respeito ao ambiente de
trabalho, ao entrosamento e à amizade das colegas na E.M. Vila
Buarque, de onde ela espera não sair nunca mais. Fala com orgulho
da cooperatividade do grupo, da liberdade e do respeito de umas pelas
outras, o que costuma desencadear excelentes experiências coletivas
na escola, apesar da resistência das profissionais mais antigas,
que segundo ela, vão sendo carinhosamente e aos poucos “puxadas”
pelas novas idéias.
As horas de trabalho pedagógico coletivo (HTPCs) lhe funcionam
como uma terapia de grupo, um espaço para se discutir muita coisa
útil, e também falar muita bobagem nos intervalos entre
um assunto e outro. Na verdade, mais do que prazer, uma necessidade. Estar
com as parceiras refletindo e discutindo, tentando juntas decifrar os
novos textos das novas propostas. Ouvindo as agonias das companheiras
e pondo as suas próprias para fora. Aprendendo com a experiência
da outra, conhecendo através do conhecimento da outra. Concordando,
discordando, experimentando, errando e acertando.
De todo o seu processo de capacitação, das leituras, dos
cursos e palestras, sem dúvida nenhuma, o que mais contribuiu para
sua formação profissional foram esses momentos de troca
de experiências com as colegas. Ainda que os pensamentos divergissem,
estavam todas buscando um rumo. Além do que, agradecia sempre por
ter tido a sorte de encontrar pelo caminho professoras tão especiais
como Carmem e Rita que lhe ajudaram a facilitar a nada fácil trajetória
docente.
Um dos episódios marcantes, dos quais se lembra com saudades, foram
os grupos de estudo que realizavam por conta própria aos sábados,
nas casas de umas e de outras, para discutir teoria e prática pedagógica.
Eram todas professoras, umas porém com mais conhecimento que as
outras, por trabalharem há mais tempo e terem feito vários
cursos, se dispunham a auxiliar nas dúvidas que as colegas traziam
das aulas. Depois de muito trabalho, um gostoso café e é
claro, muito bate papo.
Cursos de capacitação são sempre bem vindos, como
este que se inicia hoje e lhe permite rever a guru e amiga de outros tempos.
Trata-se de um mini curso de aprofundamento para as professoras que já
concluíram o PROFA. Mais uma vez juntas para discutir pontos diferentes
das mesmas idéias. Poder criar, inventar, experimentar e desexperimentar,
aprender e desaprender, rir e desesperar por novos sucessos e novos fracassos.
Pausa para o café. Um abraço sinceramente amigo para cumprimentar
especialmente uma das coordenadoras do curso. Hora de falar bobagem e
colocar velhos assuntos em dia.
1.1. CRUZANDO CAMINHOS
Havia se formado em 1978 e em 1979 já assumiu
sua primeira turma na APAE , a convite da professora Egler que na época
era a diretora da instituição em Bragança Paulista.
Alguém com quem ela aprendeu muito e que teve grande influência
em sua formação. A seriedade com a qual a professora Egler
levava aquele trabalho a encantava. As reuniões de estudo, os planejamentos
das aulas, tudo era feito como ela diz “quase que cientificamente”
e certamente herdou dela a capacidade de “ir atrás, de estudar,
de abrir os olhares pra outras coisas”.
Em certa ocasião pôde ouvi-la contar sobre as angústias
e os conflitos que vivia já naquela época. Em meio às
discussões e reflexões sobre o trabalho, levantavam-se questões
que punham em dúvida a legitimidade do que se fazia até
então em sala de aula. Estavam à procura de caminhos que
trouxessem respostas, e tudo parecia cada vez menos claro, principalmente
em relação à alfabetização. Não
havia nada novo. Não surgiam idéias...
Lembra que começaram a estudar um pouco de Freneit e tentaram modificar
algumas coisas. Nessa época, de 1981 para 1982, a professora Egler
começava a trazer idéias construtivistas dos cursos que
fazia na Unicamp, e aos poucos foram sendo substituídas as técnicas
empiristas, baseadas nos treinos e exercícios de repetição.
Não fora, no entanto uma mudança muito tranqüila, era
como se tirassem o seu chão e desmentissem tudo aquilo em que ela
e as outras professoras sempre acreditaram.
Na mesma época, a professora Carmem teve acesso também ao
Proepre – um programa organizado e difundido também pela
universidade com base nos estudos feitos por Jean Piaget referentes à
construção das estruturas da inteligência, voltado
principalmente à crianças em idade pré-escolar. E
então o trabalho anteriormente estruturado na APAE, acabou sendo
modificado por completo, com a introdução dos cantinhos,
das atividades coletivas, atividades individuais de conservação,
seriação e tudo o mais. Porém, em termos de alfabetização,
a seu ver, ainda não havia nada novo, e ela permaneceu trabalhando
como sabia, com atividades baseadas em treinos, junção de
letras e memorização de palavras simples.
Em 1984, ao prestar um concurso em Atibaia, conseguiu uma classe de pré-escola,
onde permaneceu por dois anos em tempos de contradição.
As idéias do Proepre realmente a agradavam e ela acreditava nelas,
mas não podia aplicá-las num cenário onde ninguém
ainda havia ouvido falar sobre elas. O trabalho em Atibaia estava organizado
de outra maneira, as professoras já tinham seu próprio modo
de trabalhar, a própria seqüência de atividades e não
era da sua natureza impor seus pontos de vista, principalmente entre pessoas
que ela mal conhecia. Por conseqüência, acabou se adaptando
e moldando o próprio trabalho ao já existente na escola.
Considera ter sido uma boa experiência, pois teve a oportunidade
de trabalhar com uma faixa etária que era novidade para ela. Não
que tenha sido fácil trabalhar dois períodos, em municípios
diferentes, com práticas pedagógicas completamente distintas.
Ao final do dia estava exausta, esgotada física e espiritualmente.
Não pretendia deixar nenhum dos dois empregos, pois além
de gostar dos dois, não trabalhava por hobbie, mas sentia falta
do tempo em que lecionava meio período, ainda que estivesse em
casa programando as próximas aulas, preparando atividades, lendo,
estudando, participando de cursos ou simplesmente pensando no que ia fazer
na aula do dia seguinte. Não tinha mais tempo para amadurecer as
idéias. Quase não tinha tempo nem para pensar.
Em 1986, teve sérios problemas de saúde que a forçaram
a uma licença de mais de seis meses. Ao retornar à APAE
em 1987, tomou conhecimento de que todas as turmas já haviam sido
atribuídas e que não havia nenhuma classe para ela. Percebeu
que a equipe já havia se estruturado dentro da nova proposta e
que, por ter se ausentado por um período relativamente longo, acabou
sobrando e ficando de fora. Certamente o que sentiu na época não
se pode descrever, mas ela mesma conta que o fato de sair de lá
não a deprimiu, apesar de gostar muito do que fazia e que tinha
uma relação muito positiva com as colegas, que deixaria
saudades, não mágoas.
Logo em seguida, entrou para o “estado” e como todas as professoras
que iniciam carreira, só sobravam aulas em outros municípios,
e o mais próximo que conseguiu foi Nazaré Paulista. Tempos
depois lhe sobraram aulas na zona rural em seu próprio município,
uma classe de segunda série na fazenda Santa Esmeralda.
E os fantasmas da alfabetização a continuavam perseguindo.
Não conseguia entender como poderia haver alunos na sua segunda
série, aparentemente sem nenhum atraso cognitivo, que não
aprendiam a ler e escrever de jeito nenhum. A proposta de silabação
era a mais trabalhada na época, e se funcionava com uns, por que
não funcionava com todos? Com a experiência na APAE, aprendeu
a utilizar textos e organizar atividades ligadas à vivências
dos alunos, mas seu trabalho ainda tinha como base, a silabação.
E nesse momento de angústias e incertezas, passou a ter acesso
ao material escrito por Emília Ferreiro, editado no Brasil em 1986,
sobre a psicogênese da língua escrita, através de
uma proposta vinda do Rio Grande do Sul. A proposta era uma grande novidade
e parecia dar nós nas cabeças de todos como algo completamente
desconectado de tudo o que se fazia anteriormente. Para ela, nem tanto.
A base construtivista que construiu em tempos de APAE a fazia acreditar
que as coisas poderiam acontecer de forma diferente e parecia ajudá-la
a digerir tudo aquilo naquele momento de mudanças.
Percebendo a necessidade de auxiliar os profissionais na compreensão
da nova proposta, a Delegacia de Ensino na época, passou a organizar
grupos de estudo para tratar o assunto.
Não satisfeitas, em fins de 1987, algumas professoras, entre elas
a professora Carmem, acabaram organizando um grupo de estudos aos sábados,
na casa de uma delas em horário fixo, com a intenção
de aprofundar as discussões sobre o assunto e entender a melhor
forma de levar a proposta para dentro da sala de aula e trabalhar de fato
com os alunos.
Em 1988 deixou a classe regular para assumir uma sala de pré-escola
na Comunidade Vitória, onde sentiu-se à vontade para pôr
em prática tudo o que havia aprendido com o Proepre, além
da proposta de alfabetização baseada nos conceitos de Emília
Ferreiro, permitindo-lhe experimentar um trabalho diferente da silabação,
respeitando as fases de escrita e entendendo como as crianças utilizavam
suas hipóteses de escrita, à medida em que adquiria novas
informações e se faziam avançar os estudos de grupo.
Por serem alunos internos, que freqüentavam dois períodos
de aula, em comum acordo com a professora do outro período, uma
colega da época da APAE que também participou da implantação
do Proepre, decidiu organizar as atividades diárias de modo a priorizar
as de alfabetização no período da manhã, quando
observava que os alunos apresentavam maior capacidade de concentração
e as sugeridas pelo Proepre, que considerava mais dinâmicas e menos
cansativas, no período da tarde. Para a época, tem para
si como uma grande experiência razoavelmente bem sucedida, mas admite
com olhos de hoje, os inumeráveis “erros”, se é
que se podem ser chamados assim, cometidos principalmente pelos que arriscaram
transformar sua prática.
Em 1989 pelo processo de remoção do estado, assumiu uma
classe de primeira série na E.E. Profa. Jacyra Marcondes, onde
lecionou por quase dez anos. Na época vigorava o regime de ciclo
básico e as professoras permaneciam dois anos com a mesma turma,
medida que ela aprovara de pronto, pois como pode-se ouvi-la dizer, ela
“alfabetizava diferente” e se ficasse apenas com a turma no
primeiro ano, nada garantia que a professora do segundo pudesse dar continuidade
na mesma linha de trabalho.
E foi neste ano que ela passou a acompanhar mais de perto o trabalho da
professora Helena, alguém que ela havia conhecido na Comunidade
Vitória. Lembra com indignação da “limpeza”
que haviam feito em uma das escolas estaduais próximas mandando
para a E.E. Profa. Jacyra Marcondes, dezenas de alunos, em sua maioria
com “histórico de fracasso escolar terrível”,
e que acabaram ficando concentrados praticamente numa única sala.
Na época, a professora efetiva desta sala premiada, havia entrado
de licença e a classe acabou sendo atribuída em caráter
de substituição para a professora Helena, que “começou
tentando o que ela sabia fazer, que era a silabação”.
Ao percebê-la desesperada e sem resultados, colocou-se à
disposição para ajudá-la, caso ela quisesse mudar
sua prática “da água para o vinho”. Ela topou
e juntas levaram três anos para “cuidar” daquelas crianças
que apresentavam realmente “muitas dificuldades”.
Foi por conta deste episódio que viram nascer entre si uma grande
amizade, baseada na admiração do trabalho e da postura uma
da outra. Helena passou a participar do grupo de estudos aos sábados,
sempre levantando muitas discussões, sempre com muito afinco, sempre
querendo acertar.
Por não ser efetiva na E.E. Profa. Jacyra Marcondes, a professora
Helena acabou saindo para trabalhar em outras escolas. Depois de um tempo,
voltaram a se encontrar na E.M. Vila Buarque, mas nunca perderam o contato,
pois ela sempre telefonava e virava e mexia estava na casa da amiga Carmem,
para trocar algumas idéias.
Os grupos de estudo continuavam e em 1991 o governo do estado de São
Paulo passou a oferecer cursos específicos sobre a nova proposta
de alfabetização que se tentava implantar, baseado na teoria
da psicogênese da língua escrita de Emília Ferreiro.
Em Bragança Paulista os cursos estiveram sob a coordenação
da professora Maria do Carmo Polimeno. A professora Carmem nunca fora
assídua freqüentadora dos cursos oferecidos na oficina pedagógica
da Delegacia de Ensino. Estes porém, a interessavam em especial.
No mesmo ano, o governo elaborou um programa, com a proposta de aprofundar
o tema teórica e praticamente, sob a supervisão da professora
Telma Weiz. Algumas profissionais, entre elas a professora Carmem, que
se sobressaíam como alfabetizadoras na nova proposta, foram convidadas
a serem multiplicadoras do programa.
As idéias foram sendo disseminadas e em pouco tempo havia se formado
na região um grupo de professoras que vinham de outros municípios
e que defendiam aquela nova maneira de alfabetizar. Com isso a região
acabou se destacando como uma das que apresentavam mais professoras trabalhando
com a nova prática, o que acabou rendendo, na época, um
prêmio num congresso internacional sobre o assunto, realizado no
Uruguai.
No entanto, apesar de todo o glamour, não foram poupadas das críticas
dos de pensamentos mais antigos, nem da costumeira ansiedade dos pais
de alguns alunos, como o filho da própria amiga que em outubro
ainda não lia e não escrevia – “Ai, Carmem,
ele não vai aprender, não vai aprender!”.
Apesar de toda aquela ansiedade, a professora Carmem se mantinha confiante,
pois lembrava que na sua primeira sala de primeira série em 1989,
chegou ao final do ano com apenas um aluno não estando “alfabético”
. Sabia que como as outras professoras, estava aprendendo a trabalhar
com a nova proposta e que era natural que se cometessem erros e acertos,
mas o sucesso era garantido e não havia motivo para pânico.
Em 1995, com a mudança de governo, os cursos “Teoria e Prática”
que até então eram trazidos e coordenados pela Delegacia
de Ensino da região, foram extintos, e as professoras que antes
reuniam-se constantemente em grupos de estudo sobre o tema, acabaram se
isolando cada uma dentro de suas próprias salas de aula por vários
anos.
Aquela foi uma época difícil de isolamento quase que total
e “o grande problema”, segundo ela, “foi que nós
não continuamos a pensar”. Praticamente não via mais
as companheiras Telma e Luísa, com quem se afinizava muito nos
estudos e nas trocas de experiências. A professora Maria do Carmo
Polimeno, que era coordenadora pedagógica na época, chegou
a pedir exoneração do estado, tamanha era a contestação
das idéias construtivistas por parte da maioria do grupo de professoras.
Apesar da falta de incentivo decorrente das mudanças político-educacionais,
e do preconceito e das contestações das próprias
colegas, aquele grupo de professoras, que já havia incorporado
e se identificado com a nova proposta, permaneceu trabalhando e alfabetizando
naquela linha. E suas classes continuavam apresentando resultados satisfatórios
sob olhares críticos e suspeitosos, tanto que, curiosamente, vários
setores da cidade passaram a encaminhar para seus cuidados, “crianças
que não aprendiam” ou “crianças com algum problema
mais específico”, que não se ajustavam às outras
salas, o que fez com que a professora Carmem tivesse por alguns anos “uma
ou outra criança com alguma questão a mais” para ser
trabalhada dentro das suas classes de alfabetização “de
crianças consideradas normais”. Até ali, problema
nenhum, porque as professoras davam mesmo conta desses alunos de “aprendizagem
mais difícil”. O que acabou se transformando numa questão
complicada e aparentemente insolúvel fora a falta de continuidade
no trabalho com aqueles alunos. Dessa forma, alguns alunos que estavam
acompanhando bem as suas turmas, quando saíam para outras escolas,
ou simplesmente trocavam de professora apresentavam grande queda de rendimento.
Devido a alterações de ordem funcional, a E.E. Jacyra Marcondes
passou a atender apenas os alunos de terceiras e quartas séries,
extingüindo as turmas de primeira e segunda, motivo pelo qual, a
professora Carmem acabou se afastando das classes de alfabetização.
Além disso “o estado não oferecia mais nada”
em termos de cursos e aqueles dos quais ela participava, vinculados a
outras instituições, pareciam não acrescentar coisa
alguma – “A gente não conseguia respostas para o que
a gente procurava”.
Grande parte das vezes, fazia o que fazia, porque havia aprendido assim
e via aquilo tudo funcionar, mas na verdade não conseguia compreender
o que estava por trás daquilo que havia tomado como sua linha de
trabalho há muitos anos e também, por vezes se viu diante
de situações nas quais não soube o que fazer.
As idéias estavam ali, vinham de toda parte, mas faltavam reflexões
sobre elas. A própria implantação dos PCNs fora tumultuada.
O material era bom, mas de difícil entendimento. Ela já
havia lido o de Língua Portuguesa e ficou sem entender muitos de
seus conceitos, pois na época estava sozinha e precisava de alguém
para sentar e pensar sobre aquilo. Sentia-se presa a uma rotina massante
e “parecia estar sendo levada”, como numa “espécie
de bola de neve”.
Ainda assim não abandonou as idéias construtivistas e vez
por outra esteve selecionando atividades e trocando idéias com
outras professoras, inclusive a professora do pré de sua filha
Marília, que decidiu por conta própria iniciar o processo
de alfabetização da turma, isso por volta de 1996.
No ano de 2001, a professora Carmem começou a vislumbrar o fim
daquele terrível marasmo de idéias. Com a chegada do PROFA
em Bragança Paulista, ela e as colegas viram surgir uma nova esperança
para as nebulosas questões da alfabetização.
Com satisfação ela aceitou o convite da Secretaria Municipal
de Educação para, junto com a amiga Luísa, coordenar
o curso que atenderia centenas de professoras da rede municipal de ensino,
com o intuito de implantar, aos poucos, nas escolas mantidas pelo município,
a nova proposta de alfabetização.
Apesar do preparo anterior ao início do curso, as duas multiplicadoras
receberam os módulos das unidades aos poucos, o que fez com que
fossem “descobrindo coisas” junto com as professoras, na medida
em que discutiam e refletiam sobre os temas durante as aulas.
Ah! As discussões... Como nos velhos tempos. Pensar, discutir,
pensar, discutir... Como aquilo lhe havia feito falta durante todos aqueles
anos de inércia intelectual. As coisas agora lhe apareciam com
mais clareza e aos poucos ia transformando intuição em conhecimento.
1.2. SOB “OLHOS DE VER” – UM DIA COMO OS OUTROS
A sala de primeira série da professora Helena,
é um dos espaços da Escola Municipal Vila Buarque, situada
em um bairro de periferia do município de Bragança Paulista.
Funciona no período da manhã e atende vinte e oito alunos,
na sua maioria em idade escolar normal dos sete anos.
Na sala pequena e pouco ventilada pode-se observar o chão bem limpo
e nas carteiras, dispostas em duplas ou trios, não se encontram
quaisquer marcas ou rabiscos em seus tampos. Nas paredes da sala, estão
dispostos dois calendários; um alfabeto na seqüência;
o texto “A casa” de Vinícius de Moraes, escrito em
papel pardo; um mapa do Brasil e um mapa Mundí e alguns poucos
enfeites, além de um cartaz com as regras da classe, afixado na
parede do fundo da sala. No quadro negro, escrito com giz, uma espécie
de cronograma das atividades que serão desenvolvidas no dia, que
foi consultado e retomado pela professora com os alunos por algumas vezes
durante a aula.
A professora introduz a atividade de Língua Portuguesa, recordando
com os alunos a história de Rapunzel, contada no dia anterior e
propondo que escrevam, em dupla, um bilhete com a intenção
de avisar a personagem sobre os riscos que ela estava correndo e sugerir
algumas formas de proteger-se desses perigos. Segundo a professora, essa
atividade faz parte de uma seqüência de atividades de escrita
e leitura de bilhetes, que tem o objetivo de favorecer o conhecimento
deste gênero textual e a diferenciação entre os demais
gêneros. A proposta para as duplas era a seguinte: um deles deveria
ditar e o outro escrever. Ao final decidiriam quem faria a ilustração
do texto.
Durante a atividade pude observar o grande interesse e o envolvimento
dos alunos com a tarefa. Demonstram interagir muito bem entre si, ajudando
e ensinando uns aos outros, observando aquilo que o outro deixou escapar,
corrigindo as palavras escritas de forma incorreta, dando diferentes sugestões,
modificando a estrutura das frases, enfim. Para os alunos ainda não
alfabetizados, também organizados em duplas, a professora solicitou
que fizessem um ditado com palavras da história.
Observei que é em momentos como esse que ela aproveita para intervir
com aqueles que precisam de mais atenção por apresentarem
maior dificuldade.
A próxima atividade, agora de Matemática, se apresenta em
uma folha mimeografada com operações de subtração,
distribuídas em partes de um cogumelo que deveriam ser pintadas
de acordo com o resultado das operações, orientados por
uma legenda.
A professora procura acompanhar todos os alunos, circulando entre as carteiras,
durante a atividade, priorizando o atendimento aos alunos que demonstram
encontrar maior dificuldade. Percebo que alguns já fazem o exercício
sozinhos e com segurança, outros necessitam utilizar material concreto
para contagem, mas conseguem realizar a atividade sozinhos e alguns poucos,
apesar da utilização do material concreto, necessitam auxílio
da professora.
Em seguida, ainda dando continuidade à atividade de Matemática,
a professora distribuiu entre os alunos peças de material dourado
e propôs operações que ela colocava na lousa para
que eles realizassem, sempre observando com o olhar atento e auxiliando
os que apresentavam dificuldade.
Acompanhei a atividade da professora até o momento de intervalo,
quando os alunos saem para o lanche.
Percebo a preocupação da professora em aproveitar cada minuto
em que a turma realiza as tarefas propostas para intervir com aqueles
que ainda não acompanham o desempenho do restante da turma.
Os alunos não ficam sem atividade em nenhum momento, mas observo
que são muito agitados, que falam muito e ao mesmo tempo, levantam
das cadeiras com freqüência e necessitam ser chamados à
atenção pela professora por repetidas vezes. Penso que o
fato de a sala ser pequena e estar bastante abafada, apesar de funcionar
no período da manhã, possa contribuir para a excessiva agitação
dos alunos.
Observei o caderno dos alunos organizados com uma seqüência
de atividades numa linha semelhante à que pude acompanhar na aula
desse dia.
No diário de classe da professora, observei nas disciplinas de
História, Geografia e Ciências, o registro de conteúdos
ligados ao contexto social dos alunos, como: análise de carteira
de identidade, semelhanças e diferenças da turma; mudanças
de tempo; o bairro onde moram; palestra sobre trânsito; hábitos
de higiene, etc. Os registros de Língua Portuguesa e Matemática
também seguem a mesma linha de trabalho.
1.3. TEMPOS & TRAMAS
1.3.1. A crença – “Todos podem aprender”
“A alfabetização sempre a atraiu muito”.
Apesar das conturbações de sua primeira experiência
como professora alfabetizadora, quando lhe atribuíram uma classe
especialmente montada com alunos que “não sabiam nada”
e apesar também das frustrações do próprio
processo de alfabetização que a fizeram estacionar na “lição
do passarinho” e reprovar na primeira série, a professora
Helena aparentemente sempre que pode escolhe trabalhar com as séries
iniciais de alfabetização.
Uma de suas falas, bastante presente em seus relatos aponta para a responsabilidade
do trabalho do professor no processo de aprendizagem dos alunos. “Entende
que um aluno que apresenta dificuldades para aprender precisa geralmente
de um tempo maior que os outros”. E não acredita que existam
alunos que “não aprendem de jeito nenhum”.
Em sua primeira experiência com a alfabetização, após
três meses de trabalho, a professora Helena constatou que não
havia tido nenhum progresso com a turma e resolveu pedir ajuda. A questão
que coloco aqui é: Por que ela resolveu pedir ajuda? O que a fez
pensar que havia soluções para o seu problema com aquela
turma de alunos que “não sabiam nada”? Ela poderia
ter se dirigido à direção ou coordenação
da escola ao final do ano, ou do semestre com quilos de relatórios
e boletins insuficientes, com declarações do tipo: “Tenho
feito tudo quanto me é possível, mas de fato os alunos não
tem condições sociais, cognitivas, emocionais, ou sejam
lá quais forem, para aprender”.
Certamente ninguém a contestaria, afinal todos sabiam que aqueles
alunos “não sabiam nada” mesmo, inclusive os próprios
profissionais que organizaram a sala daquela maneira, colocando-os todos
juntos.
Ao invés disso, no entanto, saiu a procurar ajuda e em momento
algum sua fala demonstra ter colocado em dúvida a capacidade de
aprendizagem dos alunos. Quando apavorada e em preces pergunta: “Meu
Deus por que isso não está dando certo? O que é que
eu faço agora?”, faz-nos pensar que existe um caminho para
que ela os ajude a aprender, mas ainda não o conhece.
O que eu pergunto é: De onde ela tira essas certezas? Aquela era
sua primeira experiência com alfabetização. Com o
passar dos anos ela pôde ver alunos com as mais diferentes dificuldades,
aprenderem e se alfabetizarem, e isso certamente a fez cada vez mais reforçar
sua hipótese de que não há aluno que não aprenda.
Mas o que a fez trabalhar com esta hipótese naquele momento inicial
de sua carreira? Ela era uma novata, ouvindo dizer por todos nas entrelinhas
que não adiantava investir naqueles alunos. E uma prova disso era
o próprio fato de terem sido colocados todos juntos, certamente
para não atrapalharem o trabalho com os outros alunos que não
apresentavam problema.
Diante da questão, aparentemente sem uma resposta óbvia,
arrisco-me a relacioná-la às experiências que a professora
Helena possa ter vivido no seu processo de alfabetização.
Para Silva, R.C. (2000: 34), os professores antes de os serem, foram alunos
e filhos e, “como tal, aprenderam a acreditar em algumas idéias
e valores, também construíram as suas próprias, acerca
da escola, do ensino, da aprendizagem e sobre como ser professor e como
ensinar, sobre fazer e sobre como saber fazer”. Talvez a própria
experiência com a alfabetização a tenha ajudado a
construir uma idéia de prática oposta àquela que
havia lhe causado tamanha frustração diante da repetência.
Ainda conforme Silva, R.C. (2000: 34), alguns autores se referem a essa
forma de ver o ensino a partir de suas experiências enquanto aluno
como “pensamento espontâneo do professor”.
Talvez a própria experiência de reprovação
escolar aos sete ou oito anos de idade a tenha ajudado a perceber que
apesar das dificuldades era capaz de aprender, como de fato aprendeu,
e que na época não precisaria rever todas as lições
desde o início, apenas precisava de alguém que a fizesse
compreender a enigmática situação dos “ss”
juntos.
Ela viu acontecer consigo mesma, por isso acreditava firmemente que poderia
acontecer também com seus alunos. O fato de ter sido reprovada
na primeira série não a impediu de concluir os estudos e
ainda tornar-se professora. É possível que essa observação
a tenha ajudado a concluir que não existam alunos que “não
aprendem de jeito nenhum”.
Ainda não sabia como poderia ajudá-los, assim como sua professora
também não a soube ajudar a compreender os tais “ss”
do passarinho. Mas ela aprendeu. Não sabia como, mas aprendeu.
Então havia uma maneira e ela certamente não precisaria
ter reprovado a primeira série e revisto todas as lições
anteriores, apenas precisaria compreender os benditos “ss”
juntos.
Talvez se a professora Helena não experimentasse as frustrações
das dificuldades de aprendizagem no seu processo de alfabetização,
não tivesse elementos para analisá-las como uma fase, um
período e não como diagnóstico de incapacidade.
1.3.2 O trabalho diferenciado – Cada um é
um
Durante minha breve visita à classe de primeira série da
professora Helena, pude observar algumas das maneiras como conduz seu
trabalho. Falo da forma como propõe atividades diferenciadas para
alunos aparentemente com conhecimentos e dificuldades diferenciadas, orientando
e acudindo cada um de seus vinte e oito alunos, além da forma como
parece correr contra o tempo, procurando aproveitar cada minuto para intervir
com os que apresentam maior dificuldade. Para entender como ela estabelece
esta forma de trabalhar, é interessante considerar alguns fatores
de sua trajetória profissional.
A professora Helena nos conta que após ter se formado em 1985,
passou a lecionar numa escola de educação infantil em 1986
onde permaneceu por três anos. O fato de ela apenas citar esse período
de sua carreira e não aprofundar-se em comentários como
fez com os períodos posteriores, não me dá elementos
para pensar que esta possa ter sido uma fase significativa para sua formação,
apesar da aparente importância que ela atribui à fase pré-escolar
no desenvolvimento dos alunos em outras falas. Na época ainda não
havia nenhuma proposta de alfabetização para a fase pré-escolar
nas escolas municipais de Bragança Paulista. Talvez por isso, não
tenha muito a dizer de seu trabalho nesse período.
Em 1989, ao deixar a educação infantil e assumir pela primeira
vez uma classe de alfabetização, em caráter de substituição,
a professora Helena passa a idéia de ter nesse momento se defrontado
com o “choque do real” ao qual se refere Huberman (1995:39),
definindo-o como a confrontação inicial do professor com
a complexidade da situação profissional, durante a fase
de “sobrevivência” e “descoberta” do início
da carreira.
Nesse momento de descobertas e experimentações ou mesmo
para conseguir sobreviver àquela primeira experiência com
a classe de alunos que “não sabiam nada”, a professora
Helena sai em busca de respostas e soluções, apoiando-se
inicialmente nos conselhos da professora Carmem. Além disso, as
pesquisas de Emília Ferreiro sobre a psicogênese da língua
escrita lhe ajudam a compreender melhor o processo de alfabetização
dos alunos com base nos diferentes níveis de conhecimento da escrita.
Em 1990, a professora Helena se depara com uma nova situação,
assumindo uma classe multisseriada (primeira a quarta série) na
zona rural, onde além de trabalhar com a heterogeneidade natural
entre alunos da mesma série, teria de aprender a tratar com alunos
de diversas idades, em séries diferentes, na mesma sala e ainda
lecionar todas as disciplinas da grade curricular.
Conforme Nóvoa (1995a): “Todos sabemos que certas técnicas
e certos modos ‘colam’ melhor com a nossa maneira de ser do
que outros. Todos sabemos que o sucesso ou o insucesso de certas experiências
‘marcam’ a nossa postura pedagógica, fazendo-nos sentir
bem ou mal com esta ou com aquela maneira de trabalhar na sala de aula”.
(p.34)
A meu ver, são todas peças que se juntam: o fato de a professora
Helena ter encontrado as respostas que buscava na hora em que precisou;
ter aplicado conhecimentos que recebia e observado resultados que lhe
satisfaziam, e ainda, ter se deparado com uma situação ainda
mais complexa, o trabalho com as classes da zona rural, que lhe permitiram
testar suas descobertas sobre a necessidade de intervenções
diferenciadas a partir da heterogeneidade. Penso que o fato de essas situações
haverem ocorrido concomitantemente, e durante sua fase de descoberta e
experimentação no início da carreira, conforme nos
fala Huberman (1995), sobre o ciclo de vida profissional dos professores,
tenham sido determinantes para o seu processo de formação
docente.
1.3.3. Fogueira para as cartilhas
Outra marca do trabalho da professora Helena é o fato de não
fazer uso das cartilhas. Em seus relatos, aponta experiências que
parecem ter contribuído fortemente para que viesse a desacreditar
da eficiência da cartilha. Primeiro, com a sua experiência
inicial com a classe dos que “não sabiam nada”, que
continuaram sem saber durante o período em que trabalhou com a
cartilha deixada pela outra professora. Um segundo momento, quando ela
nos conta que havia assumido uma classe de segunda série com vinte
e oito alunos que acabavam de concluir a primeira série e, dentre
os quais, apenas quatro estavam alfabetizados. Apesar de não querer
julgar o trabalho da colega que a antecedeu, sabia que ela tinha utilizado
a cartilha. E finalmente, um terceiro elemento, que segundo meu entender,
diz respeito ao próprio processo de alfabetização
da professora com a cartilha e a fatídica lição do
passarinho.
Em substituição ao uso da cartilha, a professora Helena
construiu, a partir de novos conhecimentos, procedimentos que se mostraram
muito mais eficientes no trabalho com a alfabetização dos
seus alunos. Passou a utilizar textos de Literatura Infantil para conduzi-los
no processo de alfabetização e, partindo da avaliação
dos conhecimentos prévios que obtinham sobre a escrita, intervinha
de forma diferenciada para faze-los avançar em seus conhecimentos,
respeitando a heterogeneidade da turma.
A verificação de resultados positivos aliados às
experiências negativas que vivenciou a partir das cartilhas, a fizeram
sedimentar a idéia de que “a cartilha não funciona”.
Observo que quando lhe pergunto por que é que se obtém resultados
positivos com as cartilhas principalmente em escolas particulares, deparo-me
com uma resposta de certa forma confusa, porém definitiva: “Eu
não posso dizer pra você por que é que a cartilha
funciona, porque na verdade eu trabalhei com a cartilha, como eu falei
pra você, acho que uns dois meses, lá em 89 e nunca mais
eu peguei uma cartilha pra trabalhar, e então eu sei lá.
Eu não sei dizer pra você, porque realmente nós temos
escolas particulares que usam cartilha, que usam família silábica
e dá resultado, né? Não sei te dizer. Eu nunca trabalhei.
Trabalhei assim como eu te disse quando eu comecei, uns dois meses e acabou,
joguei fora e nunca mais usei e passei a trabalhar com a Literatura Infantil
que eu acho muito mais rica. [...] Agora, eu não acredito na cartilha.
Eu acredito sim num bom trabalho de um bom professor. Que ele pode até
usar cartilha, sei lá, depende dele, né? Mas se ele faz
um trabalho à parte também, porque eu não acredito
que só a família silábica vai dar resultado. E não
vi assim um trabalho de professor com a cartilha, nunca vi”. (Anexo
entrevista, p.106)
1.3.4. Vivendo e aprendendo
Quando se viu em desespero por não saber mais o que fazer com a
lendária classe dos que “não sabiam nada”, a
professora Helena correu pedir socorro à professora Carmem. Esse
episódio me parece bem familiar e o leitor há de se lembrar
que fiz o mesmo ao assumir minha primeira classe de alfabetização
correndo às portas da sala da professora Rita Deó, que inclusive
também é citada pela professora Helena como influência
em sua formação.
Tal fato me permitiu pensar algumas questões, entre elas, o que
define nossas escolhas quando buscamos a ajuda de outra profissional?
Por que selecionamos esta ou aquela professora em meio a tantas outras?
No meu caso havia um grupo de trabalho com cerca de oito a dez professoras.
O que me fez correr certeiramente às portas da professora Rita
Deó e o que fez a professora Helena correr para a professora Carmem?
Que elementos nos ajudaram, num momento de desespero, a escolher para
quem pedir ajuda. Teria sido um processo inconsciente de observação
e admiração da prática dessas profissionais? Será
que ouvimos falar sobre elas, sem sequer nos dar conta de quem falava
e o que diziam? Ou foi apenas nossa intuição que revelou
entre nós um certo ar de afinidade? Enfim, agora não tenho
como saber, mas acho interessante pensar sobre isso.
Uma segunda questão é a forte influência de nossas
colegas em nossa formação profissional, através de
orientações, informações práticas,
dicas e conselhos, principalmente no início da carreira. A professora
Carmem orientou a professora Helena a pôr de lado as cartilhas e
iniciar o trabalho de alfabetização considerando os níveis
de escrita dos alunos. A professora Rita Deó me orientou na aplicação
de um ditado para diagnosticar os níveis de escrita dos alunos,
depois separou as atividades, me mostrando quem estava em que nível
e o que eu deveria fazer para que avançassem. Tais informações
me foram tão valiosas que passei a incorporá-las à
minha prática, tendo as utilizado durante todo o tempo em que alfabetizei
crianças, jovens e adultos.
Como relata a professora Helena muitas dúvidas nos foram esclarecidas
ao participar do PROFA em 2002, que também tem suas bases nas pesquisas
de Emília Ferreiro. Os vídeos, os textos, as discussões,
tudo contribuiu para que pudéssemos entender melhor o que havíamos
feito até ali, nos ajudando a separar o útil do inútil,
o que serve do que não serve, o que funciona e o que não
funciona. Entretanto, como ela mesma diz, não iríamos jogar
nossa experiência fora, afinal, até ali fizemos o melhor
que sabíamos da forma como sabíamos e com isso contribuímos
para que muitos pudessem ter se alfabetizado.
Por fim, uma terceira questão é o da própria base
teórica. Tendo se formado em 1985, a professora Helena não
teve acesso aos estudos de Emília Ferreiro durante o curso de magistério.
Conforme apuramos, as idéias da autora começaram a chegar
em Bragança Paulista a partir de 1986 através de cursos
oferecidos pela Delegacia de Ensino.
Quando se viu em apuros, procurou a professora Carmem e trouxe suas orientações
práticas para a sala de aula. Aos poucos, verificando seus resultados
e percebendo que aquilo funcionava mesmo, passou a ler sobre e freqüentar
os cursos que tratavam o assunto para entender de fato o que estava fazendo.
No meu caso a situação foi diferente. Tendo concluído
o magistério em 1988 e a Pedagogia em 1993, lembro-me perfeitamente
de ter tido contato com as pesquisas de Emília Ferreiro, entre
muitas outras. No entanto, quando precisei aplicá-las em minha
primeira experiência com alfabetização em 1995, era
como se nunca as tivesse visto, e quem me ensinou o que fazer foi a professora
Rita.
Certamente, os cursos de formação e capacitação,
bem como as diversas leituras às quais tivemos acesso, nos ajudaram
a compreender uma série de questões que envolvem o trabalho
em sala de aula. Entretanto não foram, por si só, suficientes
para sustentar nossa prática pedagógica. Somado a isso,
foram necessárias intervenções e orientações
de nossas colegas, digamos, mais experientes, nos auxiliando no momento
de transferir os conhecimentos teóricos para as situações
práticas da sala de aula. E ainda, as experiências da sala
de aula, que nos permitiram trabalhar com esses conhecimentos, testando,
descartando ou comprovando sua funcionalidade. E a partir daí,
novas leituras, a procura por outros cursos de capacitação,
as trocas de experiências com as colegas, os grupos de estudo e
novas aplicações, novas comprovações e novos
descartes. E tudo isso, aos poucos, se repetindo no dia-a-dia e constituindo
a nossa formação, nos fazendo professoras.
1.3.5. Uma formando a outra
A professora Carmem aparece nos depoimentos de Helena com grande destaque,
suas orientações a ajudaram traçar suas próprias
diretrizes, principalmente quando se sentiu mais perdida, em sua primeira
experiência com uma classe de alfabetização. Certamente
essas orientações que contribuíram para a sua formação
inicial, expressam algo que a professora Carmem estava incorporando à
sua prática naquele momento. A narrativa “Cruzando caminhos”
conta um pouco da trajetória da professora Carmem e aponta alguns
fatores que foram constituindo a sua formação.
A professora Carmem nos conta que sua primeira experiência docente
fora na APAE em 1979, quando ela acabara de se formar, atendendo a um
convite da professora Egler, e onde permaneceu trabalhando até
1987. Ao se referir a esta professora, Carmem destaca a importância
de sua presença em sua formação: “Porque uma
boa parte assim do que eu sou, eu devo a ela”. Por ela fora iniciada
no construtivismo e com ela aprendeu a estudar, “ir atrás
e abrir os olhares para outras coisas”.
Durante o período em que atuou na APAE pôde experienciar
e pôr em prática os conhecimentos que adquiriu no contato
com o PROEPRE, sobre as teorias de Jean Piaget referentes à construção
das estruturas da inteligência, o que a ajudou modificar por completo
o trabalho que fazia até então na APAE. Conta, no entanto,
que durante os trabalhos com a pré-escola em Atibaia em 1984, não
teve a mesma possibilidade e acabou tendo de se ajustar à forma
de trabalho já existente, experienciando portanto, nesta época,
concomitantemente, duas práticas pedagógicas distintas.
Durante os anos de APAE aprendeu ainda a trabalhar com textos e organizar
atividades ligadas às vivências dos alunos, o que a ajudou
bastante ao assumir aulas numa escola estadual na zona rural em 1987,
quando se deparou com uma classe de segunda série, onde para sua
surpresa, muitos alunos ainda não estavam alfabetizados. E então
conta que passou a trabalhar com o que conhecia até então:
a silabação.
Apesar de dar o melhor de si, observava que aquilo não funcionava
com todos, e alguns alunos iam ficando para trás. Foi nesse momento
de angústia, que passou a ter contato com os trabalhos de Emília
Ferreiro sobre a psicogênese da língua escrita. O que, segundo
Carmem, para todos parecia um grande bicho de sete cabeças, para
ela nem tanto, pois acredita que a base construtivista que adquiriu em
tempos de APAE e a atitude de “abrir os olhares para outras coisas”
a tenham ajudado também naquele momento de mudanças, a digerir
toda aquela novidade.
Em fins de 1987 resolve junto com outras colegas organizar um grupo de
estudos que se reunia na casa de uma delas, a fim de aprofundar as leituras
sobre o material que recebiam nos cursos. Esses grupos que também
são citados pela professora Helena, tiveram duração
de cerca de quatro anos e parecem ter sido bastante significativos para
a formação de ambas.
Em 1988 a professora Carmem assume outra vez uma classe de pré-escola,
onde tem a possibilidade de novamente trabalhar com os conceitos do PROEPRE
e a proposta de alfabetização baseada nos estudos de Emília
Ferreiro. Esse trabalho, aliado ao grupo de estudos, aparentemente, a
ajudaram a organizar melhor suas idéias e a definir de forma mais
consistente, sua prática como alfabetizadora.
No ano seguinte, assume pela primeira vez uma classe de primeira série,
na E.E. Profa. Jacyra Marcondes, onde passou a ter maior contato com a
professora Helena, que naquela época havia assumido uma “classe
problema” na mesma escola. Como já vimos, a professora Helena
pede a ajuda da professora Carmem e suas orientações lhe
são fundamentais para o enfrentamento dos problemas que vive naquele
momento. No entanto, é interessante ressaltar que, naquela ocasião,
a professora Carmem não trazia consigo uma bagagem de conhecimentos,
digamos assim, substanciosa, sobre o assunto alfabetização.
O que trazia era uma experiência de reconhecimento de terreno em
1987 na zona rural, e uma possibilidade de sedimentação
de idéias em 1988 na pré-escola. A relação
estabelecida entre as duas professoras mostra, sem dúvida, uma
ascendência da professora Carmem sobre a professora Helena. O que
se vê porém, não é a imagem de uma guru detentora
de sabedoria superior, que se dirige a um dos discípulos dizendo:
“Venha cá, vou-lhe ensinar”, mas a de alguém
que mantém os “olhares abertos”, que segue buscando
respostas e convida os mais interessados a lhe acompanhar. A propósito,
o primeiro trabalho da professora Carmem com a primeira série foi
muito positivo, e ela conta que apenas um dos alunos chegou ao final do
ano sem estar alfabético.
Em 1991 o governo oferece cursos específicos sobre a psicogênese
da língua escrita e a professora Carmem é convidada a trabalhar
como multiplicadora do programa “Teoria e Prática”,
sob a supervisão da professora Telma Weiz, o que a ajudou a consolidar
ainda mais sua prática como alfabetizadora.
Com a mudança de governo, em 1995, os programas são extintos
e a professora Carmem se refere a essa fase como a de um isolamento quase
que total, da qual não sobreviveram nem os grupos de estudo em
casa. Ainda assim, procurava manter as relações de troca
de experiências com as colegas, e seguiu aplicando seus conhecimentos
com as turmas de alfabetização, muitas delas compostas por
“crianças com algum problema mais específico”
que, segundo ela, não se ajustavam às outras classes e lhe
eram mandados por diversos setores da cidade.
Em 2001, a professora Carmem é convidada a atuar no PROFA como
uma de suas multiplicadoras, pondo fim àquele marasmo de idéias.
E então, quase dez anos depois, ela como multiplicadora do programa
e a professora Helena como “professora cursista”, têm
mais uma oportunidade de “descobrir coisas”, novamente juntas.
POR ALÉM DOS MUROS
Tendo chegado ao final do trabalho, creio ter conseguido
o que pretendia. Buscava dimensionar a figura de duas professoras: Ana
e Helena. E através deste dimensionamento compreender melhor os
seus processos de formação e suas práticas como professoras
de séries iniciais. Poderiam ser quaisquer outras representantes
da categoria docente. Certamente se fossem outras, outras também
seriam suas histórias. E é justamente o que pretendia mostrar:
que cada professora é única, como aliás se pretende
que sejam todos os outros seres. Cada qual com suas histórias,
suas marcas, seus conhecimentos e concepções, e conforme
Nóvoa (1995a), construindo sua identidade baseando-se no equilíbrio
entre as características pessoais e os percursos profissionais.
Saí a buscar indícios que denunciassem quem são Ana
e Helena. O que poderiam trazer nos bolsos de seus guarda-pós...
Que mistérios haviam decifrado... Em que situações
lhes retiravam dos recônditos em que se encontravam... Que elementos
participaram de sua formação? O que pode estar por trás
de seus gestos e palavras quando estão diante de seus trinta ou
quarenta alunos?
A análise das narrativas me forneceram pistas para conhecê-las,
aproximar-me de seus valores e sua visão de mundo, compreender
como se situam nos contextos sociais e nas relações com
o outro, ainda que sem pretensão com a fidedignidade, pois não
há como pretendê-la quando se trabalha com valores e outros
elementos não mensuráveis. Apesar de fornecerem indícios
significativos portanto, as narrativas devem ser interpretadas como resultado
das representações criadas por e sobre nós mesmas
e nossas histórias, em sendo como a análise de Hubermam
(1995), mais reinterpretação que relato.
A professora Ana, formada em 1975 num tradicional colégio de freiras,
demonstra ter herdado tanto da família, como do próprio
colégio, um forte conceito de brilhantismo e auto-superação,
e uma supervalorização do que se considera “o melhor”.
Conceitos que, sem dúvida, estão presentes na sua atuação
como professora. Ao mesmo tempo, deixa transparecer um processo independente
e até solitário de busca do conhecimento. Não fala
sobre trocas de experiências ou sobre ter aprendido com as colegas,
fala sobre modelos e sobre ter aprendido a partir de observações
de professores que lhe chamavam à atenção. “Pegava
um pouco desse e um pouco daquele professor”.
Não se admira portanto que, por exemplo, seus alunos realizem individualmente
as atividades propostas, apesar de estarem sentados em duplas. É
possível que manter os alunos organizados em duplas seja uma norma
da escola, mas segundo suas concepções, é com ela
que eles vão aprender, é prestando atenção
às suas falas, seguindo suas instruções, afinal,
foi assim que ela sempre aprendeu. E se alguém lhe trouxer argumentos
baseados nos conceitos de interação com pares e com o ambiente,
talvez não tenham eco. Não que ela não tenha condições
para compreender tais conceitos, mas esses entrariam em contradição
com suas próprias concepções, construídas
ao longo dos anos, de que o processo de aprendizagem é um processo
de observação e atenção, e qualquer aluno
pode aprender desde que tenha interesse, disponibilidade e comprometimento.
E ainda que os que não tem capacidade para aprender são
poucos, e quanto a isso não há o que se possa fazer. Em
suas concepções, o melhor está dentro de cada um,
basta que acreditem que podem ser os melhores e serão. Basta que
sigam seus conselhos e orientações e então chegarão
onde quiserem. Mas se não se esforçarem, então, infelizmente,
por mais que ela torça por eles e pelo seu sucesso, não
há mais nada que possa fazer.
Já para a professora Helena não há aluno que não
aprenda. O fato de ela própria ter aprendido e se tornado professora,
apesar de reprovar a primeira série a ajudou construir uma das
concepções que leva todos os dias para a sala de aula: a
de que não há aluno que não aprenda. Tanto que, quando
não soube o que fazer saiu a procurar ajuda, e foi seguindo as
orientações da professora Carmem. Aquilo podia não
tê-la levado a lugar algum, mas teve que experimentar porque não
tinha outra alternativa. Apenas o que ela tinha como certo, era a concepção
de que todos poderiam aprender e, portanto, precisava encontrar uma forma
de ajudá-los nesse processo.
Em sua sala de aula os alunos trabalham em duplas, trocando idéias,
discutindo, corrigindo-se uns aos outros. Certamente tudo o que a professora
Helena tenha lido sobre as teorias que valorizam as interações
com o meio e entre pares, contribuiu muito na sua decisão de organizar
o trabalho com os alunos em duplas, trios ou grupos maiores. Outro fato,
porém certamente também contribuiu, o de ela ter percebido
o quanto aprendeu ao longo dos anos nas trocas de experiências com
as colegas, o que também aparece no depoimento da professora Carmem.
A necessidade de estarem reunidas entre pares para discutir, pensar e
estudar, tanto é real, que elas acabam por organizar por conta
própria, grupos de estudos, em casa e aos sábados.
A leitura de seus depoimentos nos permite pensar que, paralelo à
absorção de idéias e conhecimentos novos, a partir
de leituras, cursos de formação e capacitação,
as professoras necessitam experimentá-los no espaço da sala
de aula e ainda, ter a oportunidade de discutir entre pares, suas experiências,
seus resultados e até suas angústias, preferencialmente
com as colegas da própria escola, por estarem mais próximas
e por conhecerem o contexto tanto da escola como da comunidade.
A meu ver é uma necessidade de estar pensando junto com alguém
que sabe do que é que se está falando. Falo de uma certa
cumplicidade existente entre as professoras, principalmente as de séries
próximas, que nasce das vivências em sala de aula, dos contextos
do dia-a-dia, das relações cotidianas com os seus trinta
ou quarenta alunos. Situações que são reais e que
só chegam a conhecer e compreender, aqueles que nelas estão
inseridos.
Essas observações me ajudaram também a ressignificar
a inserção de professoras no espaço da sala de aula,
vista por alguns, inclusive por mim, como uma espécie de confinamento,
capaz de nos afastar das produções científicas e
empobrecer nossos conhecimentos. Ao analisar e valorizar os indícios
aparentemente desprezíveis, presentes em nossas histórias
de formação, vi ressurgirem elementos valiosos que denunciam
a riqueza que trazemos nos bolsos, produzida justamente no espaço
escolar, na relação com o outro, com nossos alunos crianças,
adolescentes e adultos, que por serem todos tão diferentes, nos
permitem fartas possibilidades de relações, de adaptações
e de transformações. Relações que nos expõe
diariamente a toda sorte de situações e que nos exigem direcionamentos,
posicionamentos, decisões, intervenções, análises,
críticas, enfim, elementos que nos revelam também como produtoras
de conhecimento.
Outro indício encontrado na pesquisa é a referência
que cada uma de nós professoras faz a alguma outra professora em
especial, como tendo influência marcante em nossa formação.
Em meu depoimento, refiro-me à professora Rita Deó, como
alguém que me ajudou muito no início de minha trajetória
como alfabetizadora. A professora Helena faz referência à
professora Carmem, que por sua vez, destaca a importância da professora
Egler. A professora Ana deixa transparecer durante toda a sua fala, a
forte influência da tia Sofia, também sua professora, que
por sua vez, também se remete às orientações
das freiras, em especial, madre Luci e madre Diná.
Essas referências apontam para relações que se estabelecem,
inclusive entre gerações diferentes, e que ao longo do tempo
vão desencadeando tanto processos de transformação,
como no caso de Helena e Carmem, como de permanência, como é
o caso da relação entre Ana e Sofia, que aparece recheada
de conceitos cristalizados que se mantém ao longo de gerações.
Paralelo a essas relações de afinidade, observam-se também
relações de conflito que surgem entre professoras com idéias
e concepções divergentes e ainda, as dificuldades de aceitação
e adaptação aos diferentes direcionamentos constantemente
propostos pelos programas oficiais que, na maioria dos casos, estão
atrelados aos diferentes programas de governo. Tal observação
nos mostra que a continuidade e a descontinuidade nos projetos de formação,
passam também, por esferas que estão além das vontades
e das determinações pessoais.
Repensar todos esses elementos juntos me faz concluir que é importante
valorizar no espaço escolar, as relações e as trocas
de conhecimento e experiências entre as professoras, uma vez que
a construção da prática pedagógica perpassa
por essas relações. E ainda, as concepções
que as professoras trazem ao longo de suas experiências como filha,
aluna e aquelas que vão sendo construídas ao longo de suas
vivências dentro ou fora da sala de aula, são também
responsáveis em seu processo de formação, por suas
escolhas, pela construção da própria prática
pedagógica e enfim, pelo seu modo de se constituir professora,
e portanto, precisam ser consideradas por aqueles que desejem ajuda-las
a construir ou transformar suas práticas.
O professor é a pessoa. E uma parte importante
da pessoa é o professor. Urge por isso (re)encontrar espaços
de interacção entre as dimensões pessoais e profissionais,
permitindo aos professores apropriar-se dos seus processos de formação
e dar-lhes um sentido no quadro das suas histórias de vida. (NÓVOA,
1992, p.25)
A propósito, transpor os muros que separam a escola
e a academia foi uma experiência muito significativa, que me ajudou
construir, entre outras, duas certezas: a de que professoras e acadêmicos
podem desencadear relações bastante interessantes e produtivas,
e ainda, que todas as coisas podem dizer muitas outras coisas, basta que
se ponha a observar e que se disponha a atentar para certos indícios
aparentemente elementares.
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