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A
RELAÇÃO ENTRE A HISTÓRIA DE LEITURA DO PROFESSOR
E O SEU TRABALHO ENQUANTO FORMADOR DE ALUNOS LEITORES
Delvair
Maria David de Moraes- Universidade Federal de Mato Grosso -UFMT
Cancionila Janzkovski Cardoso - Universidade Federal de Mato Grosso -UFMT
INTRODUÇÃO
As constantes críticas ao desempenho dos alunos brasileiros em
relação à leitura e a percepção de
que o trabalho da escola muitas vezes, ainda é centrado na decodificação
do texto escrito alavancaram essa pesquisa, que está em andamento,
como dissertação de mestrado, no programa de Pós–Graduação
da UFMT, desenvolvida dentro do grupo de pesquisa Alfabetização
e Letramento Escolar (ALFALE) . Esta pesquisa “A relação
entre a história de leitura do professor e o seu trabalho enquanto
formador de alunos leitores” se preocupa em discutir as possíveis
relações entre a história de leitura dos professores
e o seu trabalho enquanto formadores de alunos leitores. Apresento, a
seguir, um resumo e um início de análise dos dados coletados.
1. A LEITURA
NA HISTÓRIA E NA ESCOLA
Para uma contextualização a respeito da leitura fiz primeiramente
um estudo da sua história. Inicio com a idéia de que a concepção
de leitura e a sua valorização vão se transformando
com o passar do tempo, de acordo com as práticas sociais e o desenvolvimento
das técnicas de reprodução do material escrito. Para
Chartier (2002), a leitura passou por várias revoluções,
destacando como principais: a passagem da leitura oral para a silenciosa,
entre os séculos IX e XI; uma segunda revolução da
leitura ocorreu no século XVIII, na era da impressão, mas
antes da industrialização do livro. Outra revolução
da leitura, já na nossa época, foi a transmissão
eletrônica do texto.
Nota-se que as poucas pesquisas sobre a formação do leitor
no Brasil mostram, quase sempre, um quadro não muito animador,
bem como, a constante preocupação de que a formação
do professor que trabalha nessa área desde a época do Brasil
Colônia, tem deixado a desejar.
A formação do leitor no Brasil tem sido constantemente questionada,
pela evidência de que a escola não tem conseguido formar
leitores competentes, ou seja, leitores capazes de fazer uso da leitura
como instrumento no seu cotidiano, hoje indispensável, em uma sociedade
como a nossa, baseada na cultura escrita. As atividades de leitura realizadas
na escola muitas vezes são repetitivas, de cópia, de memorização,
que visam apenas à decodificação de palavras e não
ajudam na compreensão do texto. Segundo Kleiman (2004), não
é possível ensinar a compreensão e nem o processo
cognitivo, que “o papel do professor nesse contexto é criar
oportunidades que permitam o desenvolvimento desse processo cognitivo”,
e, para tanto é importante que o professor tenha conhecimento dos
aspectos envolvidos na compreensão das diversas estratégias
que compõem os processos cognitivos na compreensão da leitura.
Para alguns autores um dos aspectos utilizados na compreensão da
leitura é o conhecimento prévio, entendido como o conhecimento
que a pessoa vai adquirindo durante a sua vida. Para Kleiman (2004, p.
13). “É mediante a interação de diversos níveis
de conhecimento, como o conhecimento lingüístico, o textual,
o conhecimento de mundo, que o leitor consegue construir o sentido do
texto”. Por isso, a importância da realização
de atividades que proporcionem ao aluno a percepção da necessidade
de usar os conhecimentos que possui para a compreensão e não
a mera decodificação ou recepção passiva como
se os textos tivessem significado por si mesmos.
Outro aspecto importante é a formação do gosto pela
leitura que, segundo Magnani (1989), não é natural e não
se dá por acaso através da quantidade de textos lidos. A
autora afirma que esse é passível de aprendizagem. O professor
pressionado pela constante cobrança por parte da sociedade e, muitas
vezes, sem uma formação consistente, não se pergunta:
Por que formar leitores? Formar leitores que gostem de quê? Que
tipo de gosto pode ajudar o indivíduo, não só na
sua transformação como pessoa, mas para buscar também
uma transformação social?
Em se tratando do processo ensino aprendizagem da leitura não poderia
deixar de falar sobre o letramento, que vem sendo muito discutido ultimamente.
Segundo Soares ( 1998, p. 36), ser letrado é uma característica
da “pessoa que, além de saber ler e escrever, faz uso freqüente
e competente da leitura e da escrita”, e, envolvendo-se nas práticas
sociais de leitura e escrita, “torna-se uma pessoa diferente , adquire
um outro estado ou condição”. Para essa autora (2003),
o processo de letramento é um processo distinto e indissociável
da alfabetização, mas esses dois processos muitas vezes
têm sido confundidos, o que tem levado a uma descaracterização
da alfabetização. Ela reitera que são dois processos
com muitas facetas, com características distintas, mas ao mesmo
tempo, indissociáveis, considerando que,
A alfabetização
se desenvolve no contexto de e por meio de práticas sociais de
leitura e de escrita, isto é, através de atividades de letramento,
e este, por sua vez, só pode desenvolver-se no contexto da e por
meio da aprendizagem das relações fonema-grafema, isto é,
em dependência da alfabetização. (SOARES, 2003, p.
18)
Não
podemos discutir a qualidade da formação de alunos leitores,
assim como a qualidade de qualquer tipo de ensino, sem falar na formação
do professor, muitas vezes considerado culpado pela evasão repetência
e a formação de alunos incapazes de ler de forma competente.
“Basicamente sobre os professores repousam os anseios e as responsabilidades
pelo desenvolvimento de todo o processo educativo. A eles é atribuída
uma hiper-responsabilidade pela prática pedagógica e pela
qualidade do ensino” (Lima, 2003). Culpar apenas o professor pode
ocultar a realidade deixando as verdadeiras causas esquecidas.
Para Perrenoud (2002), na formação de um profissional competente,
não basta acrescentar uma maior parte na formação
profissional é necessário que se ultrapasse a condição
de ofício, com competência e autonomia no seu trabalho, “
o qual incita a formação de pessoas competentes para saber
o que devem fazer, sem serem limitados estritamente por regras, diretrizes,
modelos, programas, horários e procedimentos padronizados”
. Será que o professor tem sido formado para saber o que deve fazer,
ser sujeito das próprias ações e ser capaz de questionar:
O que ensinar, como ensinar, para que e por que ensinar o que ensino?
Segundo Nóvoa,
A formação
deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça
aos professores os meios de um pensamento autónomo e que facilite
as dinâmicas de auto-formação participada. Estar em
formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre
e criativo sobre os percursos e os projectos próprios, com vista
à construção de uma identidade, que é também
uma identidade profissional (NÓVOA, 1992, p. 25).
Portanto,
uma formação que busca a autonomia do professor, capaz de
estimular a vontade de investir em sua formação contínua,
por meio da crítica reflexiva do seu trabalho. Segundo Tardif (2002),
há poucos estudos a respeito dos saberes docentes, mas que pode
ser definido por um “saber plural formado pelo amálgama mais
ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional
e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais”. Sendo
que os saberes disciplinares “correspondem aos diversos campos do
conhecimento, emergentes da tradição cultural e dos grupos
sociais produtores de saberes”. Os saberes curriculares que se apresentam
“sob a forma de programas escolares.” E os saberes construídos
pela experiência, que são: “os saberes experienciais
ou práticos”. Sendo que tanto os saberes da formação
profissional como os saberes curriculares e disciplinares “se incorporam
efetivamente à prática docente, sem serem, porém
produzidos ou legitimados por ela”, eles aparecem como produtos
que já se encontram consideravelmente determinados em sua forma
e conteúdo.
Assim, a relação do professor com esses saberes é
uma relação de “exterioridade”, implicando,
segundo o autor, em uma relação de alienação
entre os docentes e esses saberes. Sendo que “essa relação
de exterioridade se manifesta através de uma nítida tendência
a desvalorizar sua própria formação profissional,
associando-a à ‘pedagogia e às teorias abstratas dos
formadores universitários’”. Portanto uma dupla desvalorização:
uma profissão que não é socialmente valorizada e
uma formação que pode não ser valorizada pelo profissional.
Quanto aos saberes experienciais ou práticos, segundo Tardif (2002),
se caracterizam por originarem-se da prática cotidiana da profissão.
“Pode-se chamar de saberes experienciais o conjunto de saberes atualizados,
adquiridos e necessários no âmbito da prática da profissão
docente e que não provêm das instituições de
formação nem dos currículos”. Os condicionantes
da realidade escolar exigem do professor “improvisação
e habilidade pessoal, bem como a capacidade de enfrentar situações
mais ou menos transitórias e variáveis”. Para resolver
essas situações que não são passíveis
de definições acabadas os docentes acabam desenvolvendo
os “habitus, que se manifestam, então, através de
um saber-ser e de um saber-fazer pessoais e profissionais validados pelo
trabalho cotidiano”. O professor não atua sozinho, portanto,
esse conhecimento é produzido concretamente num rede de interações
com outras pessoas, “onde estão presentes símbolos,
valores, sentimentos, atitudes que são passíveis de interpretação
e decisão que possuem geralmente, um caráter de urgência”.
Essas experiências são compartilhadas entre os pares, momento
em que são objetivadas.
Os saberes profissionais trazem à tona, no próprio exercício
do trabalho, conhecimentos e manifestações do saber-fazer
e do saber-ser bastante diversificados e provenientes de fontes variadas.
Para Nóvoa,
O professor é a pessoa. E uma parte dessa pessoa é o professor
(Nias, 1991). Urge por isso (re)encontrar espaços de interacção
entre as dimensões pessoais e profissionais permitindo aos professores
apropriar-se dos seus processos de formação e dar-lhes um
sentido no quadro das suas histórias de vida [...] Num trabalho
recente,Ivor Goodson (1991) defende a necessidade de investir a práxis
como lugar de produção do saber e de conceder uma atenção
especial ás vidas dos professores. A teoria fornece-nos indicadores
e grelhas de leitura, mas o que o adulto retém como saber de referência
está ligado á sua experiência e à sua identidade.
(NÓVOA, 1992, p. 25).
Destaca-se
a importância de se valorizar as experiências de vida na construção
dos saberes profissionais, uma vez que todo conhecimento se constrói
a partir de conhecimentos prévios, eles não se constroem
a partir do nada, transportados por outras pessoas detentoras desse saber.
Muitos saberes são construídos socialmente e anteriores
á docência e “mobilizados nas interações
diárias em sala de aula, é impossível identificar
imediatamente suas origens” (Tardif 2002). Não importa muito
de onde vêm, o importante é entendermos que eles existem
e precisam ser considerados. Esse autor considera que, “o saber
profissional está, de certo modo, na confluência entre várias
fontes de saberes provenientes da história de vida individual,
da sociedade, da instituição escolar, dos outros atores
educativos, dos lugares de formação, etc”. Pode-se
concluir que inclusive, as experiências enquanto aluno, durante
a formação de primeiro e segundo graus podem servir de subsídios
na prática dos docentes.
2. DELINEAMENTO
DO OBJETO DE PESQUISA
O meu interesse em desenvolver essa pesquisa na área da leitura
é fruto de várias indagações a respeito da
dificuldade que a escola vem enfrentando na formação de
alunos leitores. As constantes críticas a respeito da “crise
da leitura” no Brasil e essa mesma constatação no
dia-a-dia provocam inquietações e sugerem a busca de explicações.
Essa minha preocupação é uma constante nos meus 22
anos de carreira no magistério. Quando me iniciei na profissão
já havia algumas discussões com propostas de novas metodologias
para o ensino da língua, buscando uma concepção de
linguagem enquanto interação humana, valorizando, por isso,
o ensino da língua propriamente dita em detrimento da gramática
descontextualizada. Mas, como estas propostas chegaram até os professores?
Como elas foram ou são compreendidas?
Tenho observado que nas mesmas condições de trabalho, alguns
professores não habilitados legalmente e sem experiência
no magistério conseguem com que seus alunos obtenham sucesso, enquanto
outros professores habilitados e com muita experiência não
conseguem. Quais seriam os motivos pelos quais essas questões se
manifestam? A história de leitura do professor pode ser considerada
importante no seu trabalho de formação do aluno leitor?
Que relações podem ser percebidas entre o trabalho de leitura
desenvolvido pelo professor em sua sala de aula e sua própria formação?
Como fica a maioria dos alunos da escola pública que têm
como única alternativa a escola?
Entendo que a melhoria da qualidade da educação envolve
questões que fogem à responsabilidade direta da escola,
contudo, acredito que existem possibilidades de mudanças que podem
contribuir para a sua melhoria e são essas possibilidades que me
motivaram a realizar essa pesquisa. O mestrado veio trazer a oportunidade
de buscar referentes para estudar a questão.
Portanto, a minha questão de pesquisa é: Quais são
as possíveis relações entre a história de
leitura dos professores e o seu trabalho enquanto formadores de alunos
leitores?
3. OBJETIVOS
Para fazer uma reflexão a respeito do fracasso da escola em formar
leitores competentes quero construir uma história de leitura das
professoras, na qual busco saber onde e em quais condições
aconteceu essa formação, a importância da leitura
em sua vida pessoal e profissional e suas expectativas em relação
à formação de alunos leitores. Para depois procurar
perceber, no contexto da sala de aula, as possíveis relações
entre a formação dessas professoras das séries iniciais
e o seu trabalho como professora de leitura. Para tanto tenho como objetivo
geral: Analisar a relação entre o trabalho de leitura desenvolvido,
na escola, pelas professoras das séries iniciais do ensino fundamental
e sua própria formação enquanto leitor. Para atingir
esse objetivo proponho como objetivos específicos:
• Conhecer a história de leitura de professoras das séries
iniciais do ensino fundamental de uma escola municipal de periferia em
Rondonópolis;
• Investigar a relação entre a formação
dessas professoras enquanto leitoras e o seu trabalho na formação
do aluno leitor;
4. OPÇÃO
METODOLÓGICA
Para trilhar os caminhos desta pesquisa fiz opção por uma
abordagem qualitativa, concordando com Lüdke e Menga (1986, p. 3-5),
quando dizem que “em educação as coisas acontecem
de maneira tão inextricável que fica difícil isolar
as variáveis envolvidas e mais ainda apontar claramente quais são
as responsáveis por determinado efeito”. Consideram, também,
que os fatos e os dados não se revelam gratuitamente e diretamente
aos olhos do pesquisador. Nem este os enfrenta desarmado de todos os seus
princípios e pressuposições. Portanto, o meu desafio
é o de tentar captar nessa realidade dinâmica e complexa
o meu objeto de estudo, em sua realização histórica.
Busquei, ainda, subsídios em Bogdan e Biklen (1994, p. 47-50),
quando dizem que a influência dos métodos qualitativos no
estudo de várias questões educacionais é cada vez
maior e descrevem como características principais desses métodos
as seguintes: A fonte direta de dados é o ambiente natural e o
investigador constitui o instrumento principal, em contato direto com
os sujeitos da investigação, buscando compreender as ações
no contexto; ainda que o pesquisador utilize de algum equipamento, os
dados são recolhidos e complementados pela informação
que se obtém através do contato direto.
Esses autores dizem, ainda, que a investigação qualitativa
é descritiva e busca a análise dos dados em toda a sua riqueza.
A ênfase é dada mais ao processo do que aos resultados ou
produtos, as abstrações são construídas á
medida que os dados forem se agrupando. Há preocupação
com o modo como os sujeitos interpretam os seus afazeres, por isso, deve
ser levado em consideração o ponto de vista do informante.
Lancei mão do estudo de caso, com o objetivo de analisar as possíveis
relações entre o trabalho de leitura desenvolvido por quatro
professoras do I Ciclo, numa escola de periferia na cidade de Rondonópolis
e a sua própria formação enquanto leitoras, apoiando
na teoria de Menga e André (1986). Ao realizar as entrevistas contei
com embasamentos da História Oral que, segundo Sousa (1998), para
captar o modo como os indivíduos se percebem a si mesmos, os relatos
orais são imprescindíveis como ferramenta de pesquisa.
Usei como estratégias a observação, conversas informais
e entrevistas semi-estruturadas, no sentido de compreender, quem são
esses sujeitos? que concepções foram internalizadas ao longo
da sua formação enquanto leitoras na convivência social
e nas práticas escolares de leitura? quais são suas expectativas
quanto á formação dos seus alunos? como entendem
o papel da escola básica e seu próprio papel dentro dela?
4.1. A escolha
do local e dos sujeitos
Escolhi como campo de pesquisa uma escola municipal, na periferia de Rondonópolis.
Sua estrutura é bastante limitada e as condições
de trabalho são bem precárias. A escola trabalha com Ciclos
de Formação, sendo o Ensino Fundamental dividido em três
ciclos e cada ciclo dividido em três fases. Como a escola é
pequena funciona até a segunda fase do segundo ciclo. Ao todo a
escola atende sete turmas por ano. Escolhi essa escola, em primeiro lugar,
pelo interesse em pesquisar todas as professoras do I ciclo de uma escola,
e como a escola é pequena facilitava esse propósito. Em
segundo lugar foi o motivo de a mesma fazer parte do meu convívio,
facilitando o acesso às professoras. Finalmente, o meu desejo de
realizar a pesquisa em uma escola de periferia onde está a maioria
dos alunos que realmente necessita da escola para a sua formação
enquanto leitor.
4.2. Caracterização
dos sujeitos
Os sujeitos escolhidos foram 4 professoras que na primeira etapa da pesquisa,
no final do ano de 2004, trabalhavam no I Ciclo. Contudo, em 2005, uma
das professoras assumiu a 1ª fase do II Ciclo, mas continua com a
mesma turma do ano anterior. Pois, com o objetivo de observar momentos
diferentes do desenvolvimento dos alunos, bem como, das relações
entre professora/alunos e alunos/alunos, no começo e no final do
ano, as observações foram divididas em duas etapas: a primeira
no final de 2004 e a segunda no início de 2005.
Quadro
síntese de caracterização das professoras
|
Alice |
Bete |
Célia |
Débora |
Graduação |
Letras |
Geografia |
Matemática |
Pedagogia |
Especialização |
Planejamento
Escolar |
Organização
Espacial Urbano e Rural |
Didática
Geral |
Língua
Portuguesa |
Ciclo
que atua |
2ª
fase I Ciclo |
1ª
fase I Ciclo |
1ª
fase I Ciclo |
1ª fase II Ciclo |
Situação
funcional |
Efetiva
30 hs |
Efetiva
30 hs |
Efetiva
30 hs |
Efetiva
30 hs |
Idade |
Entre
40 a 45 |
Entre
40 a 45 |
Entre
30 a 35 |
Entre
30 a 35 |
Experiência
.no magistério |
20
anos |
20
anos |
14
anos |
10
anos |
Tempo
nessa escola |
11
anos e está iniciando o 12º |
3
anos e está iniciando o 4º |
1
ano e está iniciando o 2º |
1
ano e está iniciando o 2º |
Como podemos
observar são professoras relativamente novas, com considerável
experiência, efetivas e com formação bem variada.
4.3.Os instrumentos
de coleta e a busca dos dados
Para a coleta dos dados usei como instrumentos: Questionário, para
facilitar a caracterização dos sujeitos e alguns aspectos
quanto a sua formação, experiência e contextualização
do seu trabalho. Roteiros de entrevistas semi-estruturadas, quando procurei
buscar elementos para o entendimento de como foi a formação
dessas professoras enquanto leitoras, quais as suas propostas de trabalho
com leitura na sala de aula, bem como, as concepções de
leitura que permeiam os discursos e qual o significado da leitura na vida
pessoal e profissional de cada uma. Protocolos de Observação,
nos quais procurei registrar o maior número possível de
dados considerados relevantes para a pesquisa, durante as observações.
Os Protocolos foram numerados, de 01 à 42. Em cada protocolo foram
registradas 2 horas de aula, num total de 84 h, uma média de 20
h em cada sala.
As observações foram realizadas no contexto da sala de aula,
focalizando as estratégias adotadas com os alunos, a recepção
por parte destes, as atitudes das professoras com os alunos e deles ente
si; a utilização de materiais didáticos, de materiais
de leitura diversos e de leitura literária.
Inicialmente estava prevista apenas uma entrevista, mas a cada transcrição
surgia a necessidade de novos dados, dando origem a mais duas entrevistas.
Foram mais ou menos 1:50h de entrevista com cada professora, gravadas
em fitas k 7 e, posteriormente transcritas.
5. A RELAÇÃO
DAS PROFESSORAS COM O LIVRO DIDÁTICO
Quero antecipar que não tenho a intenção de criticar
os trabalhos realizados por essas professoras que se dispuseram em consentir
a observação das suas aulas e me concederam as entrevistas
necessárias à realização da pesquisa. Sou
testemunha dos seus esforços no sentido de trazer um material,
que, de acordo com as suas concepções, poderia despertar
mais interesse dos alunos nas aulas de leitura.
Os resultados provisórios indicam que existe uma relação
de conflito, uma certa tensão das professoras com o uso do livro
didático. Nas observações do ano passado nenhuma
professora trabalhava com esse material, pelo menos nas aulas observadas.
Quando perguntei se a escola recebe livros didáticos, deram as
seguintes explicações:
Pelo menos
o que a gente pede não. È o que sobra lá que eles
mandam pra cá. Mas não o que a gente acha que é bom,
que é escolhido por nós não. Não vem livro
suficiente nem pra nós e nem pros alunos,[...] (Alice, 2ª
entrevista, 14/03/2005)
Ás
vezes... [...] Mas não recebe pra todas as séries e nem
recebe todos os anos não. Se vem, por exemplo, nós temos
cinqüenta alunos, vem vinte, vinte e cinco livros só. Então
há uma falha, não sei de quem, porque a gente todo ano faz
aquele censo e manda pro MEC. (Bete, 2ª entrevista 14/03/2005)
Recebe. A
escola recebe livros didáticos, só que muita das vezes não
condiz com a quantidade de alunos.[...] como o censo é feito de
um ano pro outro, muitas das vezes a quantidade de livros que vem não
é suficiente (Célia, 2ª entrevista, 14/03/2005)
Recebe. Só
assim que eu percebo que ninguém trabalha com o livro didático
não. Aqui, os livros didáticos a gente utiliza pra pesquisa,
pra recorte e colagem. [...], e outra coisa, essa história que
diz: professor escolhe o seu livro, não é verdade.[...]
e quaaando escolhe, o livro que veio que nós escolhemos, não
foi o livro pedido... e não é suficiente para a turma toda.
(Débora, 2ª entrevista,14/03/2005)
Apesar desses
depoimentos, através das observações e conversas
com os alunos e com as próprias professoras, constatei que existem
livros de Matemática e Cartilha suficientes para todos os alunos
da primeira fase do I ciclo, livro de Matemática e de Português
para a segunda fase do I ciclo e de Português, Matemática
e de Ciências, para a primeira fase do II ciclo. Isso me leva a
acreditar que, na verdade, as professoras se recusam a trabalhar com os
livros didáticos. As severas críticas, constantemente feitas
ao livro didático, teriam causado uma preocupação
em dizer que trabalham com esse livro? Será que as professoras
entendem que pode ser mal visto o fato de trabalhar com o livro didático,
de estar presa a este livro? Ou os livros mudaram de configuração,
após o PNLD de 1997, e não são aceitos porque são
diferentes daqueles usados em seu tempo de alunas? Provavelmente essa
hipótese seja a mais adequada, uma vez que elas disseram que não
gostam e/ou não sabem trabalhar a leitura com livro didático:
Eu gosto...
assim...tipo uma orientação né... Então quando
eu estou seguindo a parte da gramática eu pego algumas atividades
do livro, mas eu não sigo só o livro não, muitas
outras coisas, porque eu pego é... igual agora... o tema é
escola... então eu pego um pouco nessas coleções...
Pintando o Sete..., o Terceiro Milênio, o Dia-a-Dia do Professor,
aí eu volto lá no livro que tem uma parte lá que
fala da história né... das escolas né... que faz
perguntas.[...] Eu tiro mais as perguntas: Quem trabalha na escola? Quais
são os funcionários?(Alice, 3ª entrevista, 18/04/2005).
Não.
Porque às vezes a gente tem que ficar presa em cima só dele.
Dependendo da direção da escola ou até dos pais,
eles ficam cobrando que a gente fique ali em cima. [...] igual a gente
vem trabalhando há um certo tempo sem livro didático, a
gente é obrigada a pesquisar e até fazer o próprio
aluno pesquisar em casa o que a gente quer que ele traga, que conheça,
trabalhar o dia-a-dia dele, a realidade dele. Eu acho mais fácil
trabalhar sem o livro didático. É bom ter o livro didático,
mas não fazer dele um manual. (Bete, 3ª entrevista, 18/04/2005).
Eu gosto,
mas eu não sei trabalhar com o livro didático (risos), porque
o livro didático ele é muito assim... é... ele vai...
como que eu vou... padronizado. Acabou essa vai aquela, vai... eu... uma
seqüência assim... sabe? E... às vezes eu num... num...e,
por exemplo, tem atividades ali... que... as crianças às
vezes ainda não se adaptou... tem que tá voltando eu tenho
procurado... eu não sei trabalhar com o livro didático.
Eu não sei ser bitolada naquilo ali assim sabe? Eu não consigo
fazer um trabalho com o livro didático. (Débora, 3ª
entrevista, 18/04/2005).
Não.
É... eu não gosto porque o livro didático, por exemplo,
às vezes você deve segui-lo página a página.
Às vezes você não segue, você trabalha um conteúdo
aqui e aí depois você pula umas dez páginas para trabalhar
um outro e o aluno ou o pai dele fala: Ah... professora, porque que não
tá seguindo?[...] às vezes você tá dando uma
aula ali, trabalhando um texto, alguma coisa e o aluno surge com uma determinada
pergunta que você imagina: nossa, na aula de amanhã eu vou
adicionar isso daqui e o livro didático ele... eu sinto, eu...
que ele é um roteiro assim que você tem que seguir e eu não
gosto. (Célia, 3ª entrevista, 18/04/2005).
Quando eu
tive certeza de que os alunos possuíam o livro, perguntei por que
não usavam e as professora da segunda e terceira fases responderam:
Eu não
consigo trabalhar com o livro. Eu dou assim mais como tarefa, deixo eles
livres, pra eles ficarem lendo, recortando, ta fazendo uma pesquisa, esse
tipo de coisa, mas eu não sei, não gosto, nunca trabalhei,
não gosto, não tenho afinidade com o livro didático
não. (Débora, 3ª entrevista, 18/04/2005)
Eu marco
atividade pra eles fazerem em casa,[...] aí traz pra dentro da
sala, corrijo tudo que eles fizeram não deixo nada sem correção.
[...] Aí eu corrijo no quadro e peço pra eles corrigirem
no...cad...no livro.(Alice, 3ª entrevista, 18/04/2005)
Quanto às
cartilhas que a escola recebeu e ainda não foi entregue para os
alunos, as professoras da primeira fase disseram:
Eu não
comecei... com ela... porque não tá ao nível dos
alunos ainda. E até porque a escola escolheu trabalhar com o tema
gerador: escola, e, nem não tinha como você trabalhar, por
exemplo, o tema escola, [...] então fica tão difícil
trabalhar com aquele livro, porque como que você vai trabalhar esses
temas que muitas das vezes não dá pra você encaixar
ele ali naquele livro didático. Por isso que eu deixei ele de mão.
(Célia, 3ª entrevista, 18/04/2005).
Porque ela
sai fora assim da nossa realidade de pensar eu acho, porque igual nós
trabalhamos com textos, músicas folclóricas, textos é...
produzidos pelos próprios alunos. [...] se ele pegar o livro, aquele
livro didático que nós pegamos, que veio pra gente, ele
é obrigado a ler inteiro esse texto que não traz a motivação
de leitura pra ele naquele momento. Então esse ano, por enquanto,
nós não optamos ainda pelo livro didático que veio
(Bete, 3ª entrevista, 18/04/2005)
Percebi que
as professoras têm vontade de fazer um trabalho diferente da proposta
do livro didático, demonstrando clareza quanto ao uso desse material
como única fonte de saber em sala de aula. É muito significativo
que esse grupo de docentes entenda um dos grandes princípios pedagógicos,
qual seja, a necessidade de adequação dos conteúdos
aos interesses e às experiências dos alunos, como atesta
Célia: Eu gosto assim de planejar minhas aulas conforme eu vejo
o desenvolvimento dos meus alunos.
Contudo, na prática, pude perceber que as professoras não
conseguem se livrar dos exercícios propostos no livro didático.
A começar pelos próprios exercícios do livro didático
que uma das professoras pede para completar e depois “corrige”,
ou seja, dá a resposta “certa” para o aluno copiar.
Ou deixa bem a vontade, como diz a outra, para que façam como quiser.
E mesmo quando são usados outros textos como historinhas, canções
infantis ou poesias, na maioria das vezes “Pedem respostas desnecessárias,
que reproduzem literalmente partes do texto, ora respostas que apesar
de ‘abertas’, pressupõem uma interpretação
fechada, como mostram as respostas ‘certas’ do livro do mestre”
(Magnani, 1989, p. 38). No caso, a resposta “certa” não
vem do livro do mestre, mas da própria professora. Alguns dos textos
usados nas aulas são copiados de livros didáticos, apresentados
aos alunos através de cartazes, fotocópias, mimeografados
ou passados no quadro para os alunos copiarem.
5.1. Relato
de uma aula observada
Na aula que assisti no dia 18/11/2004, registrada no protocolo nº
12, a professora escreveu no quadro o cabeçalho, o alfabeto maiúsculo
e o nome da história: “A moça e o coelho”. Segundo
a professora,
Desde o começo
do ano eu leio uma história todo dia no início da aula,
mas percebi que ficava muito solto e eles esqueciam com facilidade a história,
então eu resolvi passar no quadro pra eles copiarem e depois eu
faço um desenho no quadro representando a história pra ficar
registrado. Já tem um mês que eu venho usando essa estratégia.
(Célia, Protocolo nº 12, linhas 22 a 29)
Após
a leitura ela fez alguns comentários orais, fez um desenho no quadro
representando a história e pediu para os alunos copiarem o desenho
no caderno e depois pediu para responder umas questões que, na
verdade, as respostas eram partes do texto lido:
a) Quem morava na casa? (linha 52)
A professora pegou o livro e leu o pedacinho que falava quem morava na
casa. Depois chamou uma aluna para escrever no quadro. Com a ajuda da
professora, ela escreveu: “A moça com sua mãe.”(linha
60). A professora disse para os alunos: “Aí está a
resposta podem copiar” (linha 61). Depois a professora desenhou
a casa na frente da resposta. Muitos alunos estavam atrasados não
haviam chegado na cópia da questão.
b) O que havia no quintal? (linha 67).
As crianças pediram para a professora ler o trecho da história
que falava o que havia no quintal. Então ela leu: “No quintal
havia uma horta bem cuidada” (linhas 70-71). A professora tentava
ajudar os que estavam sentados perto dela, ditando as palavras letra por
letra. Na (aluna) que é uma aluna bem espertinha foi no quadro
e escreveu a resposta da segunda questão: “Uma horta bem
cuidada” (linha 81-82). A professora foi no quadro e desenhou a
horta com alfaces, cenoura e beterraba e explicou: “a cenoura e
a beterraba só aparecem as folhas, porque a raiz fica dentro da
terra. (linhas 92-93) e depois pediu para os alunos copiarem.
A Da (aluna) veio me mostrar o seu caderno e percebi que ela ainda estava
tentando escrever o nome da história. A professora avisou: “Terminem
logo que eu quero passar as outras questões” (linhas 102-103).
Outra pergunta:
c) O que você acha que havia nessa horta? ( linha 104) A professora
explicou: “Agora cada um vai escrever o que acha que havia nessa
horta” (linha 105-106). Mais ou menos um terço dos alunos
não acompanhavam as atividades. A professora ajudava os que iam
no quadro escrever as respostas. Para responder a questão “c”,
a professora foi chamando alguns alunos e cada um escrevia uma palavra
do que achava que tinha na horta. Os que tinham dificuldade para escrever
a professora ajudava ditando letra por letra.
d) Escreva o nome dos quatro animais da história. (linhas 121-122).
A professora perguntou quais eram os quatro animais da história
e os alunos iam dizendo: “chapeuzinho”, “leão”,
“sapo” e muitos outros animais que não tinha nada a
ver com a história. Eles já estavam cansados reclamando
de muita coisa para copiar e não queriam mais responder as questões.
Perguntei para a professora se fazia a “interpretação”
do texto todos os dias. “Faz sim, só raramente eu leio e
deixo sem interpretação, porque eles demoram muito para
copiar e preciso trabalhar também a Matemática.” (linhas
138 a 141). A professora resolveu olhar os cadernos e percebeu que muitos
alunos estavam atrasados e ficou esperando para passar a próxima
questão. Alguns alunos que já têm mais domínio
da escrita terminaram e pegaram livrinhos para ler, alguns não
terminaram e nem tentavam mais, estavam desanimados. Tocou o sinal para
o recreio e a professora disse que iria passar a “e”depois
do recreio. Portanto foram duas horas de trabalho e não conseguiram
fazer a “interpretação” do texto que foi lido.
Essa professora disse que enquanto aluna no ensino fundamental e segundo
grau, a leitura foi apenas com o livro didático “No primário
eram os textos dos livros que eram adotados, digamos da cartilha, dos
livros didáticos né... [...] no ginásio... aan...
continuou assim... o livro didático”(Célia, 14/03/2005).
Certamente com a devida “interpretação” sugerida
pelo livro. Quanto a metodologia, “uma leitura oral, cada um lia
um pedaço.”
Quando perguntei para ela com quem aprendeu ensinar leitura, ela respondeu:
“Ah... ninguém (risos), acho que especificamente assim ah...
eu aprendi assim com alguém que eu deveria ensinar meus alunos
a ler... não. Alguns cursos que a gente fez na Secretaria, por
exemplo o PROFA, eu observei assim a importância do ato de levar
meus alunos a ler.” Acredito que posso concluir que sua prática
tem muito a ver com suas experiências pré-profissionais (Tardif,
2002) e com a experiência profissional no ambiente de trabalho com
os colegas.
5.2. Os cadernos
de leitura
As professoras dizem que não gostam e/ou não sabem trabalhar
com o livro didático. Então procurei saber que tipo de material
elas usam no processo ensino/aprendizagem da leitura e quais são
as atividades realizadas na sala de aula. Quando relataram o seguinte:
Eu vou...
fichas, é... material didático, todos que eu posso lançar
mão eu lanço.[...]Eu lanço o texto lá e depois
eu pego a palavra do tema que eu gosto e aí aquilo ali eu trabalho
com fichinhas. Eu começo sempre... com textos deles mesmos, a ciranda
cirandinha, é... tipo assim, o sapo não lava o pé,
música de roda deles. [...] Na leitura... é essa de juntar
as sílabas, recorte de letras e eu uso muito também um pouco
da atividade mecânica, eu sou repetitiva, eu acho que de tanto falar,
falar, falar todo dia eles aprendem. (Alice entrevista no dia 03/02/05).
Tudo que
tem escrito, tudo que possa ser é... o jornal, o gibi, cartilha,
jogo, tudo, tudo que tiver alguma coisa escrita a criança pode
ler. [...] Ás vezes brincadeiras, às vezes uma musiquinha
que a gente pode ler, é... uma cruzadinha, uma leitura de... de
letras escritas que depois a gente junta e forma uma palavra.(Bete, entrevista
no dia 02/02/2005)
Olha, eu
tento trabalhar com textos, algumas historinhas, é... também
ensino os meus alunos, nunca deixei descartei, por exemplo que ensinar
tem um método específico, uma receita. Muitas das vezes
o seu aluno vai aprender... se ele aprender aquela silabazinha lá
antes. Outro não, outro vai ter uma facilidade. Então eu
uso de tudo; jornal, revistas, vou utilizar pra ajudar o meu aluno a ler.
(Célia, entrevista no dia 02/02/2005)
Eu uso muito
livro de literatura infantil, que eu gosto muito, então eu procuro
assim fazer muita leitura compartilhada na sala e tento fazer com que
o aluno tenha curiosidade, tento pegar o aluno pela curiosidade..[...]
tem texto que ela já sabe de cor mas ainda não lê
e aí a partir do momento que ela sabe, ela fala e a gente escreve
isso no quadro ou passa isso pra ficha,[...] Então eu procuro promover
atividade com o que ele sabe, com aquilo que ele tem experiência
pra depois passar para outros textos, pra outros tipos de leitura. (Débora,
entrevista no dia 03/02/2005).
Nas observações
constatei que realmente elas se utilizam muito de historinhas, poesias
e canções infantis. Quanto a outros materiais citados como
jornais, revistas, propagandas, entre outros, em todo o período
de observação, não tiveram presentes nas salas de
aula. O que chamou a atenção foi um “caderno de leitura”
confeccionado pelas professoras para o ensino da leitura, composto por
lições copiadas de cartilhas, inclusive os desenhos, através
do mimeógrafo a álcool e coladas em um caderno. Um processo
nada fácil e de qualidade duvidosa, pois a cópia no stencil
é complicada, por mais que se esforce, às vezes as letras
e os desenhos não saem perfeitos e ao “rodar” no mimeógrafo
podem ficar borrados ou apagados. As professoras “tomam” a
leitura no caderno e colocam uma estrela ou um comentário de incentivo.
Nos cadernos destinados à primeira fase, as lições
são idênticas às das cartilhas mais tradicionais.
Constando de uma gravura, palavra chave, família silábica
seguida de algumas palavras relacionadas com a mesma e no final uma ou
duas frases para reforçar. A seqüência das lições
obedece a antiga tradição, primeiro as sílabas consideradas
mais fáceis e depois as mais difíceis ou complexas. Os cadernos
da 2ª e 3ª fases têm algumas lições iguais
as da 1ª fase intercaladas por alguns pequenos textos sobre o meio
ambiente, poesias, canções infantis, entre outros. A maioria
deles mimeografados e outros recortados, possivelmente de algum livro
didático.
O que pode levar as professoras descartarem o livro didático que
os alunos recebem e confeccionar esse “caderno de leitura”?
Seria uma tentativa de resgatar o processo de alfabetização?
Sentem mais segurança trabalhando com materiais parecidos com os
quais foram alfabetizadas e por isso buscam essa alternativa?
Ao relatarem sobre o processo pelo qual foram alfabetizadas as professoras
foram unânimes quanto à metodologia e os materiais usados.
Disseram que aprenderam a ler pelo método silábico, começando
pelas vogais, depois as famílias silábicas, através
de cartilhas e que não tiveram dificuldade no desenvolvimento da
leitura. A ênfase com certeza era na decodificação,
como a história da alfabetização no Brasil pode confirmar.
Quando perguntadas a respeito de onde veio e o porquê da idéia
de confeccionar o “caderno de leitura” as professoras responderam
o seguinte:
A... (a idéia)
foi da professora Célia e da Bete. Elas que sugeriram porque elas
são duas professoras que trabalham na primeira fase, e aí
elas acharam... pelo tempo que elas têm né... de prática,
elas viram que com aquilo ali surte efeito, que as crianças lêem.
Elas fizeram o caderninho, aí eu fiz também, eu faço
também da segunda fase [...] (Alice, 2ª entrevista 15/03/2005).
A....a professora
Célia já tinha trabalhado numa escola maior e já
trouxe essa idéia de lá e pela falta também de um
livro de apoio, porque os nossos alunos eles ainda são de pais
que ainda foram alfabetizados silabicamente né...[...] Então
o livro é um apoio pra casa pros pais tá nos ajudando, porque
os pais cobravam isso. Professora, você não vai passar o
b a ba né... e aí então a gente teve essa idéia
deles levarem pra casa e tá lendo e aí seria um ponto de
apoio. (Bete, 2ª entrevista 14/03/2005)
Por incrível
que pareça a idéia é minha. Já há alguns
anos que a escola ficou... é... a gente trabalha mais com textos,
que as crianças tenham o letramento a partir dos textos. Porém,
os nossos pais ainda vieram daquele estudo por... silábico, e muitos
deles falam: professora eu não consigo ensinar meu filho porque
antes era assim, assim e assim. Então, eu peguei e pensei: bem,
a única forma de fazer isso seria não... não perder
essa pouca ajuda que a gente tem de casa,[...] E aí eu tomo a leitura
dele, que eu sei que ele leu, ele vai ganhando um incentivozinho, uma
estrelinha, um adesivozinho e...isso...é....vai fazendo com que
o aluno tome gosto. (Célia, 2ª entrevista, 14/03/2005)
Veio da professora
Célia né, que ela trabalhava noutra escola e já tinha
prática de confeccionar esse caderno. Então ela socializou
e nós achamos interessante e aqui acatou né, e foi muito
bom, esse ano nós também..., eu continuo trabalhando...
só que ao invés de eu colocar a leitura que eu quero que
as crianças leiam, eu estou pedindo pra elas escolherem e colocarem.[...]
ela vai falar: professora eu quero colar isso e nesse próprio texto
ela vai fazer a interpretação dela. (Débora, 2ª
entrevista. 14/03/2005)
Vários
autores (como Tardif, 2002; Nóvoa, 1992; Garcia, 1992; Perrenoud,
2002) consideram que os saberes docentes que colaboram para a realização
da prática do professor são formados pela contribuição
de todas as experiências por ele vividas. Segundo Tardif (2002),
o saber docente pode ser definido como um saber plural, formado pelo amálgama,
mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação
profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais.
Esses saberes vêm de várias fontes, compreendidos em sua
história de vida, inclusive,
tudo leva
a crer que os saberes adquiridos durante a trajetória pré-profissional,
isto é, quando da socialização primária e
sobretudo quando da socialização escolar, têm um peso
importante na compreensão da natureza dos saberes, do saber-fazer
e do saber-ser que serão mobilizados e utilizados em seguida quando
da socialização profissional e no próprio exercício
do magistério. (TARDIF, 2002, p. 69)
Garcia (1992)
cita Shulman, que, em suas pesquisas distinguiu diversas categorias de
conhecimento e chegou à conclusão que, dos diferentes níveis
de conhecimento o de maior importância do ponto de vista didático
é o conhecimento de conteúdo pedagógico, uma vez
que representa uma combinação entre o conhecimento da matéria
e o conhecimento do modo de a ensinar. Considerando que este tipo de conhecimento
não pode ser adquirido de forma mecânica e linear; nem sequer
pode ser ensinado nas instituições de formação
de professores, pois representa uma elaboração pessoal do
professor ao confrontar-se com o processo de transformar em ensino o conteúdo
aprendido durante o seu percurso formativo.
A esse respeito, como já foi dito anteriormente, Nóvoa (1992),
considera que o professor é a pessoa. E uma parte importante da
pessoa é o professor (Nias,1991). Portanto é necessário
que se dê ao professor, condições de (re)encontrar
espaços de interacção entre as dimensões pessoais
e profissionais, permitindo aos professores apropriar-se dos seus processos
de formação e dar-lhes um sentido no quadro das suas histórias
de vida.
Portanto, acredito que muito do trabalho dessas professoras, sujeitos
da minha pesquisa, é oriundo das experiências da própria
formação enquanto alunas, nas quais elas buscam apoio enquanto
professoras.
Quanto ao uso do livro didático, queira ou não, é
complicado o mestre resolver que não vai trabalhar com esse material,
considerado necessário desde que existe ensino. Apesar das severas
críticas, alguns autores percebem a importância do livro
didático nas escolas. Perini (1988, p. 81) propõe como hipótese
que, um aluno que não tem acesso a outros materiais de leitura
terá de depender crucialmente dos textos didáticos para
desenvolver sua leitura funcional. Essa é uma das diferenças
que o separam dos alunos mais privilegiados, que têm biblioteca
em casa, ganham livros próprios etc. O autor diz que as soluções
são complexas e os obstáculos são vários,
mas é necessário que se invistam tempo e recursos para a
melhoria do livro didático, pois sem ele a situação
pode ser pior.
Esse tipo de livro interessa a uma história da leitura, segundo
Lajolo e Zilberman, porque ele, talvez mais ostensivamente que outras
formas escritas, forma o leitor. Pode não ser tão sedutor
quanto as publicações destinadas á infância,
mas sua influência é inevitável, sendo encontrado
em todos os níveis de escolaridade. Considera, ainda, que o livro
didático é poderosa fonte de conhecimento da história
de uma nação, que, por intermédio de sua trajetória
de publicações e leitura, dá a entender que rumos
seus governantes escolheram para a educação, desenvolvimento
e capacitação intelectual e profissional dos habitantes
de um país. (Lajolo e Zilberman,2003, p.121).
Um marco importante para a melhoria da qualidade do livro didático
no Brasil ocorreu em 1996, quando foi criada uma comissão de avaliação,
a fim de assegurar a qualidade dos livros a serem distribuídos,
o Fundo de Desenvolvimento da Educação (FNDE) lança,
a cada três anos, edital para que os detentores de direito autorais
possam inscrever suas obras.(MEC 2005b). A partir dessas avaliações,
tanto os autores como as editoras têm procurado adequar os livros
às exigências, se apoiando nos avanços científicos
na área da educação. Talvez a não aceitação
dos livros didáticos por essas professoras sujeitos da pesquisa,
seja pelas modificações efetuadas após as avaliações,
que deixaram os livros com uma nova configuração, diferente
da que estavam acostumadas.
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