Paulo Tadeu Morais - Secretaria de Estado da Educação
do Estado de São Paulo – SEE/SP; Centro Universitário
Nove de Julho - UNINOVE
Introdução
O presente texto visa apresentar a problemática
existente nas escolas da rede estadual da cidade de São Paulo no
que concerne ao ensino da língua estrangeira moderna, em decorrência
do intenso fluxo migratório hispano-americano à cidade de
São Paulo desde a década de 80 do século XX.
O bilingüismo sempre foi regra histórica no processo imigratório,
na medida que aquele que emigra possui uma língua diferente do
país receptor, ou seja, a “língua materna” passa
a existir em relação ao surgimento de uma língua
paterna, que é a língua falada no país destino.
A partir desse entendimento, constata-se que o ato de emigrar possui em
seu cerne um dilema imediato, que é o da diferença lingüística.
O impacto primeiro para aquele que se submete a imigração
situa-se na diversidade do ato de falar, do não entendimento do
outro em relação a sua comunicação.
A presente análise integra-se a pesquisa que está se realizando
no Programa de Mestrado em Educação do Centro Universitário
Nove de Julho, que possui como objeto a educação escolar
dos imigrantes bolivianos na cidade de São Paulo. Assim sendo,
neste artigo será abordado sinteticamente o fluxo migratório
recente para o Brasil a partir de alguns referenciais que tratam sobre
o tema.
A partir da análise da legislação educacional brasileira
e paulista, e alguns documentos de organismos internacionais, tais como:
ONU e UNESCO; em relação ao processo imigratório,
será possível situar a problemática do bilingüismo
na sociedade paulistana, possuindo como centro de referência as
escolas estaduais da cidade de São Paulo.
Também, os referenciais teóricos que tratam do tema sobre
imigração e suas complexidades serão examinados –
sucintamente – com o objetivo de ampliar o entendimento sobre o
conceito de imigração e os estudos realizados. Considerando
que o objeto principal deste trabalho são os imigrantes, fez-se
necessário “dar voz” a esses indivíduos, para
que o dilema do bilingüismo não se considere apenas como observação
singular, e sim plural, à medida que os principais afetados conseguem
expressar suas angustias. Dessa maneira, alguns enxertos de entrevistas
serão inseridos no debate para que a compreensão do fenômeno
imigratório se realize não apenas pelas conceituações
e teorias, mas pela oralidade daqueles que vivem o drama cotidiano do
bilingüismo, das trocas lingüísticas que é a:
“relação de força entre o emissor
e o receptor: ali onde só se vê uma mera relação
de comunicação mediada por um código, parece-me que
há também uma relação de poder, na qual um
emissor dotado de uma autoridade social mais ou menos reconhecida dirige-se
a um receptor que reconhece mais ou menos essa autoridade” (BOURDIEU,
2000, p.23).
Dessa maneira, a escola posição central
nessa discussão, na medida que o fenômeno imigratório
se faz presente em seu cotidiano e, conseqüentemente, traz em seu
processo indivíduos que além de serem “essencialmente
uma força de trabalho” (SAYAD, 1998, p.54), trazem expectativas
de se integrarem na sociedade de destino, ficando a idéia de retorno
praticamente excluída dos objetivos desses imigrantes, como relata
Liana ao ser perguntada sobre a expectativa de retorno:
“Não é lógico, não é lógico...claro.
É interromper o curso da vida mesmo de você. É ....tem...tem
um percurso, então, você volta de novo e derruba esse percurso
de sua vida. Em vez de ir para frente, você está voltando
o tempo para trás”.
Considerando que o imigrante após seu contato inicial
com o país destino, procura se estabelecer com o objetivo de iniciar
sua trajetória de vivência e sobrevivência, apesar
do estado provisório e do sentimento de provisoriedade caminharem
alinhados no cotidiano desse individuo, como constata Abdelmalek Sayad
(1998), ao caracterizar o imigrante enquanto tal, e sua situação
de contradição, a educação escolar possuirá
importância fundamental na (des)inserção desses indivíduos
para com a sociedade e a cultura do país receptor.
A imigração no Brasil contemporâneo
As causas da imigração podem ser analisadas
através de algumas teorias presentes em uma extensa bibliografia,
que não é possível analisar no presente momento.
Contudo, há que se explicitar sucintamente algumas teorias que
possuem relevância para a análise do fluxo imigratório
existente no Brasil.
A imigração está intimamente ligada com o processo
de mundialização capitalista – considerado como a
fase inicial de globalização -, iniciado no século
XVI com as navegações e colonizações de diversas
áreas, e estruturado após o final da Segunda Guerra Mundial.
Com a globalização da economia, as atividades econômicas
dos países não são mais reguladas pelos governos
e sim pelas empresas transnacionais, ou seja, as fronteiras econômicas
se diluem, aumentando o fluxo de capitais, mercadorias, valores, informações,
tecnologias, doenças e pessoas.
Contudo, os países que possuem maior poder econômico e político
em âmbito mundial é que estabelecem as regras no sistema
globalizante, e a eliminação das fronteiras econômicas
dos países considerados subdesenvolvidos configura-se no elemento
central da estratégia dominadora do capital financeiro. Por outro
lado, as fronteiras naturais em relação à entrada
de pessoas se encontram cada dia mais fechadas, visto que não é
de interesse dos países ricos a entrada de imigrantes, concebidos
como ameaçadores a unidade nacional. Todavia, apesar das restrições
que se estabelecem cotidianamente a entrada de imigrantes nos diversos
países do globo, o fluxo imigratório se intensifica, na
medida que surgem alternativas variadas de inserção nos
territórios de destino.
Assim sendo, a explicitação mesmo que resumidamente das
teorias que discutem as causas da imigração torna-se de
primordial importância para o entendimento – mesmo que inicial
– desse fenômeno diverso e complexo que submete a sociedade
contemporânea a realizar uma introspecção em suas
atitudes e valores, no intuito de compreender o outro como ser integrante
de “espaços sociais, isto é, estruturas de diferenças
que não podemos compreender verdadeiramente a não ser construindo
o principio gerador que funda essas diferenças na objetividade”
(BOURDIEU, 2003, p.50).
O trabalho de Ravenstein sobre as Leis da Migração elaborado
no final do século XIX, é considerado como o fundador do
pensamento moderno sobre a migração/imigração,
na medida que analisou através de testes padronizados os censos
de 1871 e 1881, estabelecendo os conceitos de absorção e
dispersão. Dessa maneira, concebeu uma série de leis da
migração tais como: a maioria dos migrantes vai só
a uma distância curta; migrações de longas distâncias
favorecem cidades grandes; a maior migração é a rural/urbana;
a maioria dos migrantes internacionais são homens jovens; a maioria
dos migrantes são os adultos situados entre 20-45 anos; a maioria
das migrações procedem sistematicamente; cada fluxo de migração
produz uma contagem da população; mulheres são mais
migratórias que os homens dentro dos países; cidades grandes
são mais suscetíveis à migração; a
migração aumenta em volume de acordo com o desenvolvimento
das industrias e comércio, e a melhoria dos transportes.; a direção
habitual da migração são das áreas agrícolas
à centros de indústrias e comércio; as causas principais
das migrações são econômicas.
Thomas e Znaniecki estudiosos da Escola de Chicago, desenvolveram um livro
no início do século XX que se faz referência nos dias
atuais para os que procuram estudar e entender as migrações
internacionais. Analisando o imigrante camponês da Polônia
nos Estados Unidos, a partir de sua origem até o estabelecimento
no país destino, desenvolveu o conceito de atitude que “teve
um papel particularmente importante no estudo dos fenômenos ligados
à imigração, na compreensão e na explicação
dos problemas dos imigrantes, essencialmente ligados, tal como se diria
hoje, a um brutal transplante cultural e à descoberta de novas
regras econômicas de vida, individual ou coletiva.” (COULON,
1995, p.32). Concomitantemente, desenvolveram a noção de
desorganização a fim de explicar o processo imigratório,
visto que “sob a influencia da evolução técnica
e econômica, e ainda mais sob os efeitos da imigração,
um grupo social antes organizado começa a desorganizar-se para
em seguida reorganizar-se” (COULON, 1995, p. 36). Dessa maneira,
“a reorganização assume uma forma mista e passa pela
constituição de uma sociedade polonesa-americana, ou seja,
que já não é completamente polonesa, nem ainda inteiramente
americana” (COULON, 1995, p. 38), para enfim ocorrer o processo
de assimilação através da construção
da memória do imigrante, e sua emancipação das uniformidades
culturais de seu grupo, aprendendo não apenas a língua do
país destino, mas também sua cultura em sentido lato. A
escola possuirá dessa maneira importância relevante, porém,
necessita-se de uma fase transitória em que os indivíduos
cultivem e mantenham a sua cultura, a fim de estabelecer um elo entre
a cultura de origem e a de destino, constituindo uma promessa de “assimilação
das gerações futuras” (COULON, 1995, p. 38).
A teoria econômica neoclássica destaca que as causas principais
da imigração estão situadas na busca dos indivíduos
para obter melhoria em sua vida material, ou seja, aumentar seu capital
econômico. Dessa forma, a imigração seria uma decisão
individual, em que o sujeito a partir da posse de capitais diversos –
cultural, escolar, social, etc -, estabeleceria padrões de custo
e beneficio em relação ao país que pretende-se imigrar.
Como constata ARANGO (2000) o resultado da imigração está
situado na desigualdade
econômica e na de mão-de-obra disponível entre os
países.
Associada ao nome de Oded Stark, a nova economia de migração
de mão-de-obra é uma vertente enriquecida da teoria neoclássica,
na medida que estabelece a imigração como uma decisão
familiar e não mais de indivíduos isolados, com o intuito
de diminuir os dilemas ocasionados pelas disfunções econômicas
do país de origem.
Uma outra abordagem teórica é a do mercado de mão-de-obra
dual ou teoria da segmentação, relacionada ao nome de Michael
Piore. Esta teoria trabalha com uma perspectiva macro, ou seja, os fatores
que determinam a imigração estão diretamente associados
a estrutura do país receptor, na medida que possuem uma economia
avançada, produzem concomitantemente uma segmentação
de determinados postos de trabalho que os locais se recusam a preencher,
abrindo espaços para os imigrantes.
As redes de imigração, que remonta os estudos de Thomas
& Znaniecki comentados acima, é um conceito que possui importância
primordial para o entendimento e explicação do fenômeno
imigratório. Este conceito possui na teoria do capital social de
Pierre Bourdieu seu principal fundamento, sugerido por Douglas Massey
em um estudo de 1987 sobre o processo imigratório no México.
As redes de imigração são relações
sociais estabelecidas pelos imigrantes – vínculos familiares,
de amizade - , com o objetivo de facilitar a entrada e permanência
no país de destino. Dessa maneira, o imigrante recente recebe auxilio
econômico, de moradia e indicações para trabalho,
diminuindo os embaraços proporcionados pela imigração.
A imigração latino - americana na cidade de São Paulo
é caracterizada como limítrofe, ou seja são aquelas
que ocorrem por intermédio das fronteiras, e de acordo com o Centro
Scalabriniano de Estudos Migratórios (1991) existem na região
16 áreas de fronteiras que colaboram para esse fluxo migratório.
A presença de imigrantes latino -americanos no Brasil remonta o
século XIX, todavia, a partir da década de 80 há
um fluxo crescente da corrente imigratória em direção
à cidade de São Paulo, principalmente, devido a crise mundial
que assolou os países pobres nesse período, conhecido como
“a década perdida para o desenvolvimento”, termo este
denominado pela CEPAL (Comissão Econômica para América
Latina e Caribe ). Apesar do Brasil também ter apresentado recessão
econômica nesta década, conseguiu subverter os dilemas ocasionados
pela crise econômica, ao contrário de seus vizinhos latino-americanos.
Nesse sentido, a imigração limítrofe que antes possuía
seu centro receptor na Argentina e Venezuela, estabelece sua direção
ao Brasil, particularmente à cidade de São Paulo, em virtude
do desenvolvimento industrial existente e, conseqüentemente, oportunidades
variadas de sobrevivência.
A consolidação desse fluxo imigratório ocorreu na
década de 90, sobretudo de bolivianos, peruanos, paraguaios, chilenos
e colombianos, na medida que seus países não conseguiam
se estabilizar política-economicamente, gerando intensos movimentos
populacionais em direção à áreas promissoras.
Não existem números oficiais em relação a
quantidade de imigrantes latino-americanos na cidade de São Paulo,
uma vez que a maioria se situa na ilegalidade, porém, estima-se
a partir da confluência de dados consulares, Polícia Federal,
IBGE e CEM (Centro de Estudos Migratórios) que existam mais de
duzentos mil indivíduos alocados nessa categoria.
A imigração boliviana em direção à
cidade de São Paulo intensificou-se na década de 80 do século
XX, principalmente devido a crise econômica mundial que assolou
os países menos desenvolvidos, na medida que estes indivíduos
vinham em busca de trabalho e “acabaram preenchendo a necessidade
de mão-de-obra barata para as pequenas confecções,
cujo mercado antes dominado pelos judeus, passou a partir da década
de 1970, a ser abarcado pelos coreanos...” (SILVA, 1997, p.85).
Nesse sentido, constata-se atualmente que os imigrantes bolivianos são
o maior grupo hispano-americano na cidade de São Paulo, uma vez
que o CEM (Centro de Estudos Migratórios) considera um número
aproximado de 80 mil indivíduos na cidade.
Dessa forma, a “imigração estrangeira revela uma das
características que marcam o cenário das cidades globais
no atual processo de reestruturação produtiva internacional”
(BAENINGER & SALES, 2000, p.43), e a cidade de São Paulo situa-se
nesse contexto, tornando-se um dos espaços privilegiados como destino
pelos diversos grupos de imigrantes.
Bilingüismo, cotidiano e legislação:
dilemas e contradições
O processo imigratório sempre trouxe consigo problemas
diversos, tanto para aquele que emigra, quanto para o país receptor,
em virtude das diferenças culturais, econômicas e sociais
presentes no ato de emigrar. A diversidade lingüística que
o fenômeno da imigração proporciona constitui um dilema,
mais ao mesmo tempo oportunidade de pensar soluções para
a integração das diferentes identidades culturais estabelecidas
em um mesmo espaço geográfico.
A educação no século XX surge como conceito central
em todos os debates sobre a sociedade contemporânea e suas transformações,
principalmente, quando as inovações tecnológicas
modificam as relações sociais de forma vertiginosa e, a
compreensão do outro e do mundo se estabelecem como prioridades
no intuito de dirimir e evitar os conflitos.
Dessa maneira, torna-se salutar tecer considerações sobre
as contradições que permeiam a educação escolar,
a legislação e os documentos indicadores dos organismos
internacionais quando o foco central do debate é o processo imigratório
e seus sujeitos principais, ou seja, o imigrante.
Nas escolas estaduais de São Paulo, local que se encontram matriculados
a maioria dos imigrantes latino-americanos, principalmente os bolivianos
– objeto central deste trabalho –, o ensino da língua
estrangeira se situa aquém dos princípios direcionadores
dos documentos oficiais das organizações internacionais
como a UNESCO e a ONU, e da legislação brasileira e paulista.
Tal como explicitado em parágrafos anteriores, a comunidade de
imigrantes latino-americanos estabelecidos na cidade de São Paulo
– em sua maioria – são indocumentados, ou seja, ilegais,
quase sem nenhum direito na sociedade que está inserido. A palavra
“quase” é necessária devido ao fato de existir
no âmbito da legislação educacional a resolução
de n°10/95 que determina a matrícula do aluno estrangeiro documentado
ou não, baseando-se na legislação nacional e internacional.
Ato extremamente edificante do ex- Governador Mario Covas, que eliminou
a perversa e discriminatória resolução 09/90 de ato
o ex- Governador Orestes Quércia, que proibia a matrícula
do aluno estrangeiro que não estivesse legalizado em território
nacional.
Concomitante a resolução 10/95, em setembro de 1997, foi
promulgado o decreto 42.209, também de ato do Governador Mário
Covas, instituindo o “Programa Estadual de Direitos Humanos”
, visando uma sociedade mais justa e solidária. No capítulo
III deste programa, sobre os direitos civis e políticos, encontramos
no parágrafo 9 que trata sobre os Refugiados, Migrantes Estrangeiros
e Brasileiros, uma série de considerações sobre a
garantia de direitos aos imigrantes, proposta para regularização
de sua situação, garantia da implementação
da resolução 10/95, entre outras.
Constata-se dessa forma os esforços de algumas autoridades públicas
no sentido de dirimir os dilemas das minorias existentes no país,
especificamente na cidade de São Paulo, e que os imigrantes latino-americanos
possuem centralidade nessas ações. Contudo, a separação
entre a teoria e a prática se revela sempre como obstáculo
difícil de ser superado, principalmente, quando o suposto beneficiado
não possui posição de destaque nas reivindicações
do cotidiano. Garantir a escola a esses indivíduos é extremamente
salutar, porém, a que se considerar a diversidade cultural existente
no fenômeno imigratório.
Numa tentativa de esclarecer e significar o debate, toma-se como exemplo
a deliberação 10/97 que trata entre outros temas das matérias
obrigatórias do currículo da educação básica
da rede estadual de São Paulo:
“Uma língua estrangeira moderna, pelo menos,
será incluída obrigatoriamente a partir da 5ª série
do ensino fundamental. A escolha da língua estrangeira a ser obrigatoriamente
incluída ficará a cargo da comunidade escolar e dentro das
possibilidades da instituição.”
No caso do ensino da língua estrangeira ensinada
nas escolas estaduais da cidade de São Paulo, temos o inglês
já há muitos anos e,
conforme a legislação acima descrita, a escolha da língua
ficará a cargo da comunidade escolar. Nesse ponto verifica-se os
mesmos dizeres da LDB 9394/96 em seu artigo 26, mas de que maneira a comunidade
intervirá na deliberações da instituição,
se os indivíduos que mais necessitam das mudanças no currículo,
e são parte integrante desse lugar comum, não possuem representação
haja vista que são estrangeiros e na maioria das vezes, indocumentados.
Nesse sentido, considera-se significativo para melhor percepção
da problemática do bilingüismo, ou seja, a não opção
da língua materna dos imigrantes latino-americanos no currículo
das escolas estaduais da cidade de São Paulo e a imposição
da língua do país de destino sem que haja uma preparação
para essa assimilação, a palavra oral de alguns desses indivíduos
quando indagados sobre as diferenças lingüísticas entre
sua terra natal e o país de acolhida, e a forma de aprendizado
da nova língua:
“Ai..ai eu fiquei um ano sem estudar...por causa que nós
não conseguimos vaga na escola né. Mas até ai eu
já me acostumei entendeu...eu ia aprendendo a falar...ai tipo graças
a ....ao Centro Espírita aqui né...que a tia era o maior
legal com a gente. Ela ensinou tipo a gente...a escrever tipo várias
coisas...Ah a pronunciação..essas coisas assim básicas...É
assim que ajudou a gente....a gente a entrar na escola. Aprender tipo
não se perder...não se perder na escola...entendeu. Ai depois
que eu entrei na escola...eu já sabia já...tipo falar...não
bem, mas eu sabia escrever também, já aprendi com ela entendeu.
Acho que deu para conseguir...” (Juan, 16 anos, imigrante boliviano,
estudante do Ensino Médio)
“Eu tava...eu tava falando tudo..... boliviano.
As professoras não entendia nada e eu entendia nada ela. E depois
tudo mundo começou a cair em cima de mim. Quando...eu comecei a
ficar nervosa...Eles ficaram espalhados em cima de mim. As pessoas ficaram
em cima...Ah..Ao redor de mim. Ai começaram a falar olha!..olha!..Depois
comecei a falar tudo, como chamava lá, e eu entendi eles mais ou
menos... A gente fazia prova a professora me ensinava...Eu não
entendia direito. Então ela falava que para aprender com os colegas
para aprender a falar português. Então...ai eu errava e escrevia
e falava boliviano. Ai ela falava que eu tinha que aprender direitinho..Ela
me pôs com uma colega...e eu aprendi direitinho..Eu sentava com
uma menina... um pouco gordinha. Ela..Ela me ajudou a fazer as provas...A
professora deixava.” (Liete, 11 anos, imigrante boliviana, estudante
da 6° série)
Quando eu vim pra cá....ai a minha mãe já
estava aqui. Meus irmão também...meus irmão mais
novo. Então...eu não fui pra escola...Não deu...pra
minha mãe colocar. A documentação sabe...e..já
tinha começado o ano....essas coisas. Eu tinha meu irmão
que já sabia algumas coisa em português. Mas...não
sabia muito....Os colegas .....os vizinhos vinham...ficavam em frente
de casa. Depois começamos a fazer amizade....Eu não entendia
muito...Meu irmão entendia mais....já estava aqui mais tempo.
Aprendi assim...Depois na escola...Ai... tive que aprender. Os professores
passavam....e....eu fazia. Às vezes me explicavam. Mas...você
sabe...Não dava muito para ensinar, explicar. Essas coisas...Os
colegas ajudavam. Foi assim.... (Igor, imigrante boliviano, 18 anos, Ensino
Médio)
Constata-se a partir da análise dessas entrevistas
que, o problema do bilingüismo está presente desde a falta
do ensino da língua estrangeira condizente com o universo cultural
da comunidade em que está inserida a escola, até a ausência
de mecanismos pedagógicos que auxiliem o professor a ensinar a
língua nacional e socializar o imigrante no contexto cultural do
país de acolhida. Contudo, o que ajuda a aliviar o “sofrimento
social que tem como sujeito as próprias vítimas (ou, mais
exatamente, as condições sociais de que suas disposições
são produto)” (BOURDIEU, 2003, p. 591), são as relações
sociais que esses indivíduos articulam em seu cotidiano, favorecendo
relativamente a integração na sociedade receptora, a medida
que o estado não executa a legislação de acordo com
a realidade social.
No Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre
Educação para o século XXI organizado por Jacques
Delors, encontramos no capítulo 1 alguns parágrafos que
discorrem sobre a complexidade lingüística presente no processo
imigratório, e alguns indicativos para a inserção
cultural do outro: “De maneira geral, a diversidade lingüística
não devia ser considerada, unicamente, como um obstáculo
à comunicação entre os diferentes grupos humanos,
mas antes, como uma fonte de enriquecimento, o que vem reforçar
a necessidade do ensino das línguas” (DELORS, 2000).
Em outro documento de orientação da Unesco denominado “La
educación em un mundo plurilingue”, entre diversas reflexões
sobre os direitos das minorias e grupos indígenas, principalmente
no que tange a educação, a que se destacar sobre o ponto
que disserta sobre os direitos lingüísticos dos trabalhadores
imigrantes e suas famílias, estabelecendo que aos filhos dos imigrantes
devem facilitar-se a integração no território de
acolhida por intervenção do ensino da língua ensinada
no sistema escolar, e que também deve ser possibilitado o ensino
de sua língua e cultura natal.
Também em outro documento internacional, desta feita a resolução
45/158 da “Convenção Internacional sobre a proteção
dos direitos de todos os trabalhadores imigrantes e suas famílias”
das Nações Unidas, fica explicito em determinados artigos
o direito de ensino da língua materna e, preservação
da cultura de origem dos imigrantes:
Artículo 30
Todos los hijos de los trabajadores migratorios gozarán
del derecho fundamental de acceso a la educación en condiciones
de igualdad de trato con los nacionales del Estado de que se trate. El
acceso de los hijos de trabajadores migratorios a las instituciones de
enseñanza preescolar o las escuelas públicas no podrá
denegarse ni limitarse a causa de la situación irregular en lo
que respecta a la permanencia o al empleo de cualquiera de los padres,
ni del carácter irregular de la permanencia del hijo en el Estado
de empleo.
Artículo 45
1. Los familiares de los trabajadores migratorios gozarán, en el
Estado de empleo, de igualdad de trato respecto de los nacionales de ese
Estado en relación con:
a) El acceso a instituciones y servicios de enseñanza, con sujeción
a los requisitos de ingreso y a otras normas de las instituciones y los
servicios de que se trate;
b) El acceso a instituciones y servicios de orientación y capacitación
vocacional, a condición de que se cumplan los requisitos para la
participación en ellos;
c) El acceso a servicios sociales y de salud, a condición de que
se cumplan los requisitos para la participación en los planes correspondientes;
d) El acceso a la vida cultural y la participación en ella.
2. Los Estados de empleo, en colaboración con los Estados de origen
cuando proceda, aplicarán una política encaminada a facilitar
la integración de los hijos de los trabajadores migratorios en
el sistema escolar local, particularmente en lo tocante a la enseñanza
del idioma local.
3. Los Estados de empleo procurarán facilitar a los hijos de los
trabajadores migratorios la enseñanza de su lengua y cultura maternas
y, cuando proceda, los Estados de origen colaborarán a esos efectos.
4. Los Estados de empleo podrán establecer planes especiales de
enseñanza en la lengua materna de los hijos de los trabajadores
migratorios, en colaboración con los Estados de origen si ello
fuese necesario.
Esta resolução para ser ratificada precisava
do parecer favorável no mínimo 20 países, o que já
aconteceu, visto que mais de 20 países assinaram e emitiram seus
pareceres favoráveis, entre eles: Bolívia, Chile, Colômbia,
Egito, Equador, entre outros. Contudo, há que estranhar o não
Parecer do Brasil até o momento, na medida que pleitea uma vaga
no Conselho de Segurança das Nações Unidas e, nos
documentos oficiais que tratam sobre a educação escolar
sempre estão explicitados parágrafos sobre a valorização
humana, respeito à diversidade cultural e pluralidade lingüística,
etc.
Dessa maneira, constata-se a contradição tanto em relação
à legislação educacional brasileira e paulista, quanto
aos documentos dos organismos internacionais que tratam sobre o respeito
diversidade cultural e tudo o que a permeia – ambos explicitados
acima -, sobretudo ao se designar à “comunidade escolar”
a escolha da língua estrangeira e, estabelecer a “possibilidade
da instituição” oferecer a disciplina, na medida que
os elementos participantes da “comunidade escolar” não
conhecem – e muitas vezes não se interessam - os dilemas
dos imigrantes e, os alunos e suas famílias – que teoricamente
possuíram destaque nos colegiados escolares - raramente participam
de suas decisões – por diversos motivos - , e quando participam
não são conhecedores da legislação educacional,
nem tampouco dos dilemas da imigração.
Assim sendo, podemos considerar que o processo imigratório contemporâneo
concorre para que repensemos nossas atitudes em relação
ao outro, ou seja, o não nacional, o imigrante que se desligou
de suas raízes ao se retirar de seu país de origem com o
objetivo de conquistar um espaço de sobrevivência. No caso
dos imigrantes latino-americanos estabelecidos na cidade de São
Paulo, há que se ampliar o debate em relação as possibilidades
de integração e inserção desses indivíduos,
sem que os mesmos se desenraizem de sua cultura.
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