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DAS
‘ESCOLAS REUNIDAS’ À INDUSTRIALIZAÇÃO:
UMA ANÁLISE HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO PAULINENSE.
Meire Terezinha Müller - Doutoranda Educação pela FE da UNICAMP (HISTEDBR) - Diretora do Campus Paulínia da Universidade São Marcos “Paulínia tem se caracterizado, ao longo do tempo, como de vocação agrícola, com enorme predomínio das atividades primárias e da população rural . A vida é simples e pacata. Os divertimentos preferidos são os não comercializados, como a pesca, as rodas de conversas nos bares, a freqüência às cerimônias litúrgicas e procissões (...) No entanto, o impacto presente sobre o crescimento de Paulínia, certamente provém do programa da PETROBRÁS..” O propósito deste trabalho é resgatar o
contexto histórico da cidade de Paulínia, com vistas a evidenciar,
a partir daí, a organização de sua instrução
pública bem como levantar o tipo de leitura corrente nas “Escolas
Reunidas de José Paulino” no início do século
XX. Minha escola foi muito boa; tinha a professora dona Aurélia. O pouco que a gente aprendeu aquele tempo, logo se aprendia. Aprendia a tabuada...hoje não tem mais costume. A tabuada a gente sabia de cor. É difícil pegar num lápis. Hoje, qualquer coisinha precisa pegar no lápis. A gente faz tudo de cabeça. Antes de pegar no lápis, a gente já fez a conta: é a tabuada (Projeto Paulínia, Comunidade e História: um projeto de todos, 1982) Essas escolas privadas, domésticas, eram muito comuns nas décadas finais do século XIX. No Almanaque de Campinas de 1892, lemos que, naquele ano, a cidade possuía 13 escolas públicas, com atendimento a 452 alunos matriculados. A Câmara Municipal mantinha outras duas. Todas as demais escolas pertenciam à iniciativa privada. Como atesta Vidal (2000) ( ...) tem-se indícios de que a rede de escolarização doméstica, ou seja, do ensino e da aprendizagem da leitura, da escrita e do cálculo, mas sobretudo daquela primeira, atendia a um número de pessoas bem superior à rede pública estatal. Essas escolas, às vezes chamadas de ‘particulares’, outras vezes de ‘domésticas’, ao que tudo indica, superavam em número, até bem avançado o século XIX, àquelas escolas cujos professores mantinham um vínculo direto com o Estado. (p. 21) De acordo com Maziero e Soares (1999), a Escola dos Seixas
(como era conhecida), foi criada quando a família se mudou para
a Vila de José Paulino em 1899, tanto para fugir de um grande surto
de febre amarela que assolava Campinas quanto para trabalhar num pequeno
comércio, que fazia às vezes de distribuidor postal do povoado,
ao lado da estação da Estrada de Ferro recém-inaugurada.
A mãe, não querendo interromper os estudos dos filhos, passou
a ensinar-lhes; percebendo a falta de qualquer iniciativa pública,
sentiu a necessidade de alfabetizar as inúmeras crianças
filhas dos colonos, comerciantes e ferroviários. Documentos do
Museu Municipal atestam que a maioria dos alunos era advinda da zona rural,
sendo filhos de lavradores (na maioria imigrantes italianos). Segundo
Werebe (1994), no Brasil todo, logo após a República, poucas
crianças de zona rural freqüentavam a escola e as que iam,
permaneciam por poucos períodos, principalmente aqueles das entressafras.
Tinha a D.Maria Luiza que era professora lá na Vargem. Ela era carioca e ela se casou com o José Sidanez, espanhol. Nós íamos à escola, daqui do São Bento, a gente ia lá, não é como agora que as crianças têm condução, vão arrumadinhas. Naquele tempo a gente ia descalço e caminhava dali do São Bento (fazenda) até lá a pé. Iam todas as crianças de perto. A criançada brincava no meio do pasto. Chegava a hora de bater o sininho, então ela chamava: “ - Ida, vem aqui... venha bater o sininho que está na hora da entrada...” Então vinha aquela molecada, tudo do meio do pasto, todo mundo sujo...era assim lá, não era como agora. Eu fiquei na escola dois anos, depois mudou aqui para Paulínia. Era Escolas Reunidas de José Paulino e eu me lembro quando eu vim pra escola. Aqui era tudo diferente e a rua era de terra, não tinha luz, não tinha nada. A gente vinha da São Bento pra cá, ia na escola aqui com ela. Então eu completei três anos, agora, nesses três anos eram dois meses de férias. Dezembro e janeiro eram férias... (mimeo, 1982). Confirmando o depoimento, em 16/01/1916, um auto do Patronato Agrícola do Estado de São Paulo (Museu Municipal de Paulínia) atesta que a referida professora foi nomeada, pelo Governo do Estado de São Paulo, como adida de uma Escola Isolada, em Vargem, na seção “São Bento”, o que seria a primeira evidência da ação estatal na implantação de escolas públicas no futuro município de Paulínia, confirmando que Se, durante o século XIX, predominara no quadro educacional da cidade a oferta de escolas de iniciativa particular, o século XX viu florescer a participação significativa do poder público em relação à educação popular, especialmente com a criação de escolas isoladas e grupos escolares (NASCIMENTO, 1999, p. 106) Uma das características do corpo docente brasileiro,
comum ao magistério paulinense é o grande número
de professoras em contraste com o reduzido número de homens. O
trabalho feminino assim como o infantil foi muito utilizado em Campinas,
principalmente no setor têxtil. Segundo o recenseamento de 1920,
40% da mão-de-obra empregada no setor eram mulheres. Elas também
correspondiam a ¼ dos trabalhadores da zona rural, sem descuidar,
desde muito cedo, do árduo trabalho doméstico que à
época exigia esforços extras para o preparo dos alimentos,
o cuidado com os filhos e seu vestuário (já que as próprias
mães costuravam as roupas), a higiene pessoal e do lar. (MAZIERO
E SOARES; 1999, p.81-83) e Souza (1996, p.63). A idéia de que a educação da infância deveria ser atribuída à mulher, uma vez que era o prolongamento de seu papel de mãe e da atividade de educadora que já exercia em casa começava a ser defendida por pensadores e políticos. De um lado, o magistério era a única profissão que conciliava as funções domésticas da mulher, tradicionalmente cultivadas, os preconceitos que bloqueavam sua profissionalização com o movimento de sua ilustração, já iniciado nos anos 70. De outra parte, o magistério feminino apresentava-se como solução para o problema da mão-de-obra para a escola primária. (TANURI, 2000, p.66) As professoras tinham que ser solteiras ou, se casadas,
tinham que ter – além de atestado de bons antecedentes, a
autorização dos maridos para o exercício profissional. Ali foi o Grupo Escolar. Depois os Seixas pararam e o Pedro Motta comprou aquela casa, arrumou tudo e alugou para o Estado. Escolas Reunidas de José Paulino....acho que era Grupo Escolar Reunidas... é, uma coisa assim. (Antes) vinha uma professora que era da Escola Mista, chamada D.Aurélia. Até pagávamos uma mensalidade: meu pai pagava pros meus irmãos mais velhos; uma mixaria, mas pagava. Eram quarenta alunos. (...) meus irmãos mais velhos aprenderam com ela; agora, eu não! Quando eu entrei nas Escolas Reunidas de José Paulino já era do Estado. Ficava ali, tinha a estação do trenzinho e já esse prédio, era um casarão... E ali tinha tudo, bonito! Tinha cinco classes, bonito! E tinha escoteiros...eu fui escoteiro! Minha primeira professora foi dona Maria Luiza.(MAZIERO e SOARES, 1999, p.132). A importância da professora Maria Luiza, além de ser a primeira a residir no município, é que seu material – doado pela família ao Museu Municipal - nos fornece interessante fonte de pesquisa sobre a metodologia, os conteúdos programáticos, os planejamentos educacionais nos anos 10 e 20 do século passado. Nasceu a 25/08/1890, em local que alguns documentos registram como Campinas e outros como sendo no Rio de Janeiro. O que de concreto existe é que a profª Maria Luiza, por duas vezes esteve na então capital federal, em visita a familiares, tendo registrado suas impressões num diário pitoresco e esclarecedor sobre as condições de viagens na década de 10. Chegou a tão almejada hora do embarque. Na gare estava já entre as muitas pessoas que lá se achavam a espera do terrível comboio que nos devia transportal-los a bella Paulicéia; achava-se meu adorado pae e uma minha amiga e collega Risoleta Lopes de Oliveira, distincta professora do 4º anno do 2º Grupo Escolar Dr. Quirino dos Santos, de Campinas. (...) atravessamos bem tratados cafesaes, bellas roças, campinas verdejantes (...) Às 7:20 já eu estava accomodada n’um carro da Central do Brazil, carro esse que devia conduzir-me à sumptuosa capital do Brazil, esplêndida imagem. Atravessei cidades, innumeras estações, túneis, até que ao clarear o dia estava prestes a chegar a fim a tão sonhada terra, o comboio sempre a voar, a voar quando o astro-rei com seus doirados raios dardejava sobre as verdejantes collinas ennebriando-as com seu manto dourado, o comboio silvava, dando signal a seus passageiros que estavam prestes a saltar em terras cariocas (SIDANEZ, 1912) O estado de conservação de seu material
é surpreendente. Pela análise dos livros e cadernos, pudemos
depreender que os “pontos” eram preparados, por disciplina,
a partir dos livros e, resumidos numa linguagem mais clara, transmitidos
aos alunos, que os copiavam. De sombrinha Vejam-me só! Que elegância! Andando assim como ando Quero que todos exclamem: Seguro a minha sombrinha Maria Luiza Guerra, professora addida às Escolas Reunidas de José Paulino, no município de Campinas, vem por este, respeitosamente, pedir a V.Excia. que se digne localizar uma escola mista na chave João Aranha, no mesmo município, onde existe um núcleo regular de analphabétos e que o incluso recenseamento patentêa. Dest’arte pede, outrosim a V.Excia. se digne a nomeá-la para reger a referida cadeira a fim de poder continuar o seu exercício (Documento do Museu Municipal de Paulínia, datado de 17 de maio de 1924). A formalização do pedido, com a respectiva lista dos interessados era uma exigência do poder estadual que consultava a edilidade local para saber do interesse (ou não) em disponibilizar verbas visando a locação de prédios para instalação de novas escolas. Conforme Nascimento (1999). Apesar da clareza com que os novos donos do poder viam os benefícios que os resultados da educação popular podiam proporcionar ao país e aos seus cidadãos em particular, o que se pode observar é que, na esmagadora maioria dos casos, a criação de uma escola dependia de interferências políticas intensas e inúmeras solicitações. Quando estas eram atendidas, nota-se que predominavam os interesses políticos em detrimento daqueles ligados à distribuição racional geográfica para que fosse alcançada uma oferta equilibrada do ensino no Estado. (p.58). Provavelmente por não representar nenhum interesse
político, o pedido da professora não foi atendido, mesmo
com a apresentação da lista nominal das crianças.
Moradores na chave Funchal, linha Funilense, município de Campinas, vem respeitosamente requerer a V.Exª a criação de uma escola mixta neste logar, visto (ter) muitos moradores e não ter nenhuma escola, tendo umas oitenta crianças analphabetas em edade escolar. O primeiro dos que assigna este requerimento offerece a casa para a creação da escola, vez que seja localisada na Fazenda Bomfim, propriedade do mesmo senhor. Também pedimos a V.Exª que se digne nomear para reger esta escola a Exma. Sra. D. Maria Luiza Guerra, que já a conhecemos e sabemos que é uma professora cumpridora dos seus deveres. Infelizmente o documento não traz o nome do requerente
e nem a data. Nossa investigação, porém, sinaliza
para o período entre os anos de 1922 a 1925 quando então
Alarico da Silveira exercia as referidas funções. Nos anos
subseqüentes, durante a presidência de Washington Luiz (1926/1930),
Silveira foi um dos assessores do governo. Quanto ao signatário
do abaixo-assinado, muito provavelmente trata-se de Domingos de Salles
Júnior – Nonhô de Salles que, durante as primeiras
décadas do século XX era proprietário de um engenho
na “Chave do Funchal” (Maziero e Soares, 1999, p.42) . Um fazendeiro contractou 50 famílias de colonos e gasta com ellas 43:626$000. Quanto ganha cada família? Um mestre de obras tinha 30 operários, sendo: 09 carpinteiros que ganhavam 6$500 por dia; 8 pedreiros ganhando por dia 8$300; 5 pintores a 11$200 por dia e 08 serventes a 2$750 por dia. Tendo 25 dias de trabalho cada um, receberam do dono da obra 5:000$000. Quanto ficou para o mestre? (LEGENDRE, 1909). Segundo Maziero e Soares (1999) nas Escolas Reunidas de
José Paulino, a maioria das crianças permanecia por apenas
dois anos, ocorrendo a evasão quando do aprendizado da leitura,
da escrita e das quatro operações matemáticas, informação
convalidada pela análise de diários de classe. A política de expansão do ensino privilegiou, nesse período, a multiplicação das escolas reunidas, protótipo simplificado do grupo escolar, de menores custos para o Estado. Várias escolas isoladas localizadas nos bairros e distritos de Campinas foram agrupadas e transformadas em escolas reunidas. Em 1923, elas somavam 19 no município. O ‘Anuário do Ensino’ de 1924 registrou 16 escolas reunidas naquele ano – seis localizadas na sede do município, uma delas noturna, e 10 localizadas nos distritos de paz. (p.114-115). Outra fonte primária fundamental à nossa
investigação foi o “Livro de registro de títulos,
nomeações e licenças” do Grupo Escolar de José
Paulino (já com essa nomenclatura), aberto em 22 de setembro de
1936, pelo então diretor José Jorge Filho. Nele pudemos
encontrar anotações e pedidos encaminhados para publicação
no Diário Oficial do Estado, cuja data era anotada no rodapé
da folha, sem, contudo, manter um recorte da publicação. Era assim: quando chegava lá na escola, tocava o sino, era o servente que batia o sino. Formava a fila e cada um na classe dele... Chegava lá, tinha aquelas carteiras com acompanhantes, então davam lá...conta, problema, essas coisas pra fazer antes do recreio. Depois do recreio geralmente elas davam pra fazer caligrafia e história para ler. Aquele tempo a gente lia um trecho do livro “Minha Pátria” ou “Brasil...” ah, não me lembro... Eram uns livros emprestados pelo governo... aí ela mandava parar, lia uns 20 minutos. Depois tinha cópia do trecho...e contava desde o começo, quando veio Pedro Álvares Cabral, aquela coisa toda, a história do Brasil... ela fazia os pontos e a gente copiava; (MAZIERO e SOARES, 1999, p.135). Nas Escolas Reunidas, através de depoimentos de ex-alunos das décadas de 20, 30 e 40 (conforme MAZIERO e SOARES, 1999) os livros enviados pelo Estado eram: “Nosso Brasil” de Hildebrando G. Lima; Através do Brasil” de Olavo Bilac e Manuel Bonfim. As anotações da profª Maria Luiza atestam ainda a adoção dos Livros de Leitura e os de Geometria Prática Popular escritos por Abílio César Borges, o Barão de Macaúbas que era conhecido em todo o território nacional e também na vila de José Paulino. Alguns exemplares conservados no Museu Municipal de Paulínia atestam a utilização do referido material. No prólogo de um deles (BORGES, 1890), o autor defende a adoção de livros didáticos como instrumento imprescindível à alfabetização e admira-se de que... na província da Bahia, como tive ocasião de verificar o ano passado, a proporção de livros distribuídos nos nove últimos anos foi aproximadamente de 1 para 500 meninos! (...) Vale isso dizer que a maior parte dos meninos aprendem a ler sem livros, servindo-se, principalmente nas localidades centrais ou pouco consideráveis, das cartilhas do Pe. Inácio, de bilhetes e cartas (às vezes, oh Deus!, com que letra e ortografia!) ou de gazetas que seus pais lhes fornecem, ou de velhos autos, pelo comum indecifráveis, que os próprios mestres alcançam dos tabeliães do lugar! Não pensem os mal intencionados que estou a advogar aqui a causa deste e dos meus outros livros de leitura. Se os competentes os não acharem com préstimo, neguem-lhes entrada nas escolas; e, ainda quando adotados, se outros aparecerem melhores, dever é dos pais, dos mestres, e das autoridades, preferi-los. (op. cit. p. 18 e 19). Os livros desse autor, sem levar em conta as fronteiras culturais ou geográficas, promoviam “a igualdade entre os desiguais” sendo usados em todo o território nacional, citados em obras de poetas e romancistas nacionais. Nas palavras de Graciliano Ramos, o livro de leitura era (...) um grosso volume escuro, cartonagem severa. Nas folhas delgadas, incontáveis, as letras fervilhavam, miúdas, e as ilustrações avultavam num papel brilhante como rasto de lesma ou catarro seco. Principiei a leitura de má vontade. (...) Esses dois contos me intrigaram com o Barão de Macaúbas. Examinei-lhe o retrato e assaltaram-me presságios funestos. Um tipo de barbas espessas, como as do mestre rural visto anos atrás. Carrancudo, cabeludo. E perverso. Perverso com a mosca inocente e perverso com os leitores. (...) Temi o Barão de Macaúbas, considerei-o um sábio enorme, confundi a ciência dele com o enigma apresentado no catecismo. (RAMOS, 1969, p. 139 - 142.) Já nos objetivos traçados na Advertência e Explicação de Através do Brasil, Bilac e Bonfim (1948) demonstram uma preocupação com a questão pedagógica e de como ela deve se configurar para “transmitir conhecimentos” sem cair no enciclopedismo e no acúmulo de informações, que, segundo os autores, “confundem” a criança da escola elementar. Consideram os conteúdos didáticos muito áridos, propondo, em sua obra, uma interação da identidade entre as personagens e o leitor bem como sua imersão na história: Quando a Pedagogia recomenda que as classes primárias elementares não tenham outro livro além do de leitura, não quer dizer com isso que nesse livro único se incluam todas as noções e conhecimentos que a criança deve adquirir. Fora absurdo e impossível desde a primeira classe elementar, há-de a criança aprender, além da leitura e da escrita, a gramática e a prática da língua vernácula, noções de geografia e história, cálculo, sistema dos pesos e medidas, lições de cousas – isto é: elementos de ciências físicas e naturais e preceitos de higiene e instrução cívica. Como resumir tudo isso em um pequeno volume, em um simples livro de leitura, que deve ser acessível à inteligência infantil, e onde, por conseguinte, não será possível reduzir os ensinamentos e conhecimentos a simples fórmulas sintéticas e abstratas? É um erro compor o livro de leitura – o livro único – segundo o molde das enciclopédias. Infelizmente, esse erro se tem repetido em diversas produções destinadas ao ensino e constituídas por verdadeiros amontoados didáticos, sem unidade e sem nexo, através de cujas páginas insípidas se desorienta e perde a inteligência da criança: regras de gramática misturadas com regras de bem viver e regras de aritmética, noções de geografia e apontamentos de zootecnia, descrições botânicas e quadros históricos, formando um todo disparatado, sem plano, sem pensamento diretor, que sirvam de harmonia e base geral para a universalidade dos conhecimentos que a Escola deve ministrar. Como fonte de conhecimentos, a verdadeira enciclopédia do aluno é o professor. É ele quem ensina, é ele quem principalmente deve levar a criança a aprender por si mesma, isto é: a Pôr em contribuição todas as suas energias e capacidades naturais, de modo a adquirir os conhecimentos mediante um esforço próprio. (BILAC e BONFIM, 1948, Advertência e explicação).
Item 03 - (...) No caso da escolha ter recaído em livros não autorizados, (o diretor) determinará nova escolha e promoverá os meios para que o responsável indenize os escolares que tenham feito despesas inúteis.(...) Item 13 – As escolhas de livros de leitura suplementar só podem ser realizadas dentre os de uso autorizado para esse fim, e em grupos escolares com horário de quatro horas. Item 14 – Não devem ser adotados livros e cadernos auxiliares antes da publicação de instruções e relação dos de uso autorizado. Item 15 – Não podem ser adotados em grupos escolares do Estado cartilhas de método de silabação, salvo em classes selecionadas fracas e mediante autorização do diretor. As cartilhas de uso autorizado, classificadas como ‘de silabação’ vão assinaladas com observação especial, na relação anexa. São consideradas como ‘de silabação’ as cartilhas seguintes: Cartilha do povo, de M.B. Lourenço Filho; Cartilha da Infância, de Thomaz Galhardo e Cartilha Nacional, de Hilário Ribeiro. As outras da relação ou são de método analítico ou de métodos mistos, admitido. Dentre os livros “autorizados” estão Contos Pátrios de Olavo Bilac e Coelho Neto ; Sejamos Bons, de Júlio de Faria e Souza; Nosso Brasil, de Hildebrando de Lima; Cartilha Sodré, de Benedita Stahl Sodré; Cartilha das Mães, de Arnaldo de Oliveira Barreto; Minha Pátria, de J.Pinto e Silva e Poesias Infantis de Olavo Bilac. No prefácio dessa obra, o autor assume que não quis fazer uma obra de arte: quis dar às crianças alguns versos simples e naturais, sem dificuldades de linguagem e métrica, mas, ao mesmo tempo, sem a exagerada futilidade com que costumam ser feitos os livros do mesmo gênero. O que o autor deseja é que se reconheça neste pequeno volume, não o trabalho de um artista, mas a boa vontade com que um brasileiro quis contribuir para a educação moral das crianças de seu país (BILAC, 1929 – prefácio). Os preços elencados na lista são variados:
por Cr$ 1,50 poder-se-ia adquirir a Cartilha do Povo de Manuel B. Lourenço
Filho e Na Roça, de Renato Sêneca Fleury. Cr$ 7,00 era o
preço de Brasileirinho, de Ofélia e Narbal Fontes, e Cr$
8,00 Brasil, Minha Terra de Mário Sete, o maior preço dentre
os livros listados. Damos aqui por finda a nossa empresa. Abalançamo-nos a levá-la a termo sem vaidade, porque não trazemos novos subsídios à história nem nos alongamos tanto pelos episódios quanto deveríamos; muitos e admiráveis, deixamos de parte, por não caberem em um livro cujo principal intuito é despertar nas almas jovens o amor da pátria.(grifo nosso). Para tornar a leitura mais agradável procuramos revestir os fatos de uma forma amena que não enfastiasse os leitores. Daqui partireis para o estudo da verdadeira história nacional; neste livro há apenas quadros e exemplos; e não vos deveis limitar às suas linhas escassas, porque há ainda muitas e grandes belezas a conhecer no copioso documentário da nossa vida social e política. Ide por diante, buscai conhecer a vossa pátria, para que, vendo-a tão grande como é, façais por vos tornardes dignos dela.” (op.cit.s.p.) Uma análise da bibliografia indicada nos mostra claramente o pensamento político que vai além da simples orientação para indicação de livros: o Brasil, a partir de 30 e culminando no nacional desenvolvimentismo, vê ressurgir o nacionalismo, o ufanismo que oscila de tempos em tempos, alternando-se com momentos de pessimismo e descrença na nação. No período citado, porém, ocorreu um fenômeno a que Corbisier (apud Castanho 1993) qualifica como “tomada de consciência”, que ocorre “não arbitrariamente nem resulta do capricho de indivíduos ou grupos isolados, mas é um fenômeno histórico que implica e assinala a ruptura do complexo colonial” (p. 87). A construção da nação dependia da escola, dos livros adotados, pois o Brasil “já não era uma ‘coisa’, mas um processo, um projeto a ser realizado com esforço, trabalho e luta” (Castanho, 1993, p.77). Segundo Lajolo e Zilberman (1987),
ANUÁRIO DO ENSINO DO ESTADO DE SÃO PAULO.
São Paulo: Directoria Geral da Instrucção Pública,
1912 a 1940. |
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