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FUNDO DO MAR NUMA PERSPECTIVA DIALÓGICA
Meigue Alves dos Santos - Centro de Convivência
Infantil (CECI- Unicamp)
Luciana Nascimento - CECI- Unicamp
Esse tema foi desenvolvido no período de 4 meses,
com crianças entre 2 anos e 6 meses e 3 anos, no Centro de convivência
infantil (CECI- Unicamp), e teve como ponto de partida o interesse das
crianças pela vida marinha e foi centrada e fundamentada na dialogicidade
de Freire (1985), ou seja, o diálogo como base das relações
de comunicação e intercomunicação ( aluno
– educador, aluno – aluno), gerando crítica e incentivando
o surgimento de problemáticas.
E pensando no diálogo como uma das manifestações
da linguagem, é o que ajuda na formação de conceitos
e objeto, foi que vimos a importância da documentação
pedagógica como “material que registra o que as crianças
estão dizendo, fazendo, o trabalho das crianças e a maneira
com que o professor se relaciona com elas” (DAHLBERG, MOSS &
PENCE ,1999 :194), através da qual pudemos registrar e analisar
as diversas formas da manifestação das linguagens da criança,
em busca da aquisição de , conceitos e na construção
do conhecimento, sobre tudo o que o tema Fundo do Mar poderia trazer.
Através dos diálogos ocorridos na rodinha de conversa, surgiram
vários questionamentos e indagações sobre com o e
onde vivem os peixes, quais os outros animais marinhos existentes.
E, para atender a esses questionamentos foi usado 3 momentos:
No primeiro momento houve a investigação temática,
em que escolheram um nome para o peixinho Beta , “Azul”, e
deram rumo as investigações.
No segundo momento o Fundo do Mar;
O terceiro momento dizia respeito a problematização:
• O que se sabem
• Não queremos saber
• Qual a finidade no trato do tema
• Como se dará a apreensão dos diversos conhecimentos
e descobertas.
Para saber qual seria o conhecimento que as crianças
possuem com relação aos peixes e a vida marinha, houve a
utilização do diálogo e da intercomunicação
pensando na práxis (ação + reflexão). “A
fala da criança é tão importante quanto a ação
para atingir um objetivo (...) Sua fala e ação fazem parte
de uma mesma função psicológica complexa dirigida
para a solução do problema em questão (Vygtsky, 1987).
De acordo com o que foi surgindo, foi possível delimitar qual seria
a metodologia a ser utilizada e como se daria todo o processo de desenvolvimento
do tema.

Após
tentarem entender como um peixe poderia sobreviver em um aquário,
fomos passear em uma das lagoas do campos (Unicamp), para que pudessem
ver a diversidade de lugares que os peixes viviam.
Mas diante de tantas indagações e para que pudessem esclarecer
algumas dúvidas, as crianças trouxeram pesquisas contendo
diversos materiais, tais como: livros de enciclopédia, fotos, coleções
de livros infantis, conchinhas, pedrinhas, restos de peixe (vértebras),
e outros materiais.



Todo o material
foi minuciosamente analisado pelas crianças, e elas puderam relacionar
com as histórias contidas nos livros da coleção.
Esses livros foram expostos no painel de chamada, em que cada criança
tinha acesso irrestrita a esse material.

As coleções
de livros “Fundo do Mar”, traziam em sua narrativa histórias
e aventuras no fundo do mar, e toda estrutura da cadeia alimentar dentro
do habitat natural dos animais marinhos, tais como: o tubarão,
a baleia, o pingüim, o peixe palhaço, a raia, a tartaruga-marinha,
o caranguejo, o polvo e o cavalo-marinho, servindo de grande ajuda na
formação de conceitos pelas crianças.
Mas sabemos que, segundo Vygotshy (1987: 71,72 e 74), “os conceitos
se formam e se desenvolvem sob condições internas e externas
totalmente diferentes, dependendo do fato de se originarem do aprendizado
da sala de aula ou experiência pessoal da criança (...).
Um conceito é mais do que a soma de certas conexões associativas
formadas pela memória, é mais do que um simples hábito
mental; é um ato real do complexo de pensamento que não
pode ser ensinado por meio de treinamento (...); pois o desenvolvimento
dos conceitos pressupões o desenvolvimento de muitas funções
intelectuais: atenção deliberada, memória lógica,
abstração, capacidade de comparar e diferenciar (...)”.
Ou seja, para apreender conceitos, há necessidade de haver situações
interessantes que se adeqüem corretamente aos sues significados,
suas especificidade, e também que haja o compartilhamento com os
alunos , para que se apropriem destas. Assim, o professor tem que explicitar
o uso e o significado desses conceitos, em contextos diversos, usando
de experiências concretas, de modo a facilitar a compreensão
de seus alunos.
A participação dos alunos nas discussões em sala
de aula é um meio adequado para o processo de internalização,
que é fundamental para o desenvolvimento do funcionamento psicológico
humano, que, segundo Vigotsky (1987), envolve uma atividade externa que
deve ser modificada para tornar-se interna, é interpessoal e se
torna intrapessoal.
Pensando dessa forma, posso constatar o quanto foi rico para as crianças,
a sua participação através do diálogo (rodinha
de conversa) aquisição de conceitos a sua internalização.
Fomos passear diversas vezes, e pelo caminho as crianças colhiam
sementes e galhos de árvores, dizendo parecer com alguns animais
marinhos , e outros se pareciam com plantas (algas e conchas). Cada dia
confeccionamos algo para expor no painel, pintamos e colamos as “algas”,
as “conchas” e as “raias”.
 
Fizemos diversos
animais marinhos com sucatas e dobradura, que também foram exposto
no painel.
Com a saturação de materiais, as crianças sugeriram
que fizéssemos um aquário para colocarmos algumas de nossas
confecções. Mas começaram a questionar quanto ao
aquário ser pequeno demais e não comportar alguns peixes...
Profª: Sabe o que nós vamos fazer?
Ju: um aquário.
Profª:O polvo cabe no aquário?
Es- não ele é muito grande.
Profª:E a baleia?
Todos: Não!!!
Profª:Tubarão cabe?
Ro: Não ele é muito grande.
La: ele come pexinho.
Profª:A raia cabe?
Todos: Não ela é muito grande!!!
As: Ela cabe sim!
Profª:O golfinho?
La: cabe.
T : Não cabe.
Para ajudá-los
a decidir, colocamos alguns restos de peixe, que trouxeram em um microscópio.
A principio, imaginamos que não seriam capazes de usar esse instrumento,
mas foi surpreendente ver que “em muitas situações,
especialmente quando se estabelece desafios, as crianças mostram-nos
que sabem como caminhar rumo ao entendimento. Uma vez que as crianças
sejam auxiliadas a perceber a si mesmas como autoras ou inventoras a descobrir
o prazer da investigação, sua motivação e
interesse explodem” (EDWARDS, GANDINNI& FORMAN 1999:76). E foi
o que aconteceu ao passarmos algumas imagens para transparência
e mostramos usando o retro –projetor.

Algumas imagens
mostradas no retro-projetor :
Profª:O
que é isso? (Mostramos a imagem de um peixe
entre algas, e as crianças queriam , a todo o momento,
pegar as imagens)
T: O fundo do mar
Profª:O que o peixe esta fazendo nas algas?
La: Tá comendo a comida dele.
Lu: É algas.

Ao mostrarmos a imagem da Água –Viva., as crianças
ficaram receosos em chegar perto da imagem..
La: É água viva.
Al: Ela é perigosa.
La: Ela queima. Parece cinema !!!
Ma: Ela é quente.

Foram mostrado
diversos animais na sua variedade de tamanhos e formas. Logo depois dessa
etapa de atividades, fomos montar o aquário junto com as crianças
no maternal III. As crianças relataram tudo o que sabiam sobre
os animais marinhos do fundo do mar. Contaram que o cavalo marinho macho
é quem fica “gravido”, e muda de cor como o camaleão;
também mostraram e falaram da pinça do carangueijo, e outros
detalhes curiosos que descobriram sobre esses animais. Mas o entusiasmo
era geral, e convidaram as crianças para participarem da montagem
do “Aquário do Fundo do Mar”, como chamaram a maquete.
Ao distribuírem todo o material no “Aquário do Fundo
do Mar”, tiveram o cuidado em dispor os diversos animais, algas
e conchas, respeitando a cadeia alimentar, ou seja, separando o polvo
do carangueijo, por este ser alimento do polvo, ou o tubarão dos
peixinhos.


A confecção
do Livro de Atividade contendo os registros fotográficos das atividades
realizadas entre as crianças e as educadoras , foi editado depois
de concluído o projeto, e distribuído. As crianças
demostraram grande entusiasmo ao manusearem o livro, e puderam relembrar
os momentos através das imagens contidas no livro, e compartilhar
com seus familiares.
Foram momentos ricos passados durante todo o processo do projeto , do
qual pudemos comprovar que muitas vezes subestimamos as crianças
quanto à sua capacidade de aprender e apreender, construir seu
conhecimento através da descoberta sobre dado assunto. Com isso,
concluímos o nosso projeto com a construção do “Aquário
do Fundo do Mar”, como foi batizado pelo grupo, além de assistirmos
o desenho “Procurando Nemo”. Todos amaram , pois puderam ver
e comparar os diversos animais marinhos visto pelas crianças durante
todo o andamento do projeto.
Conclusão
Respeitar
a criança é não limitar suas oportunidades de descoberta,
é conhecê-la verdadeiramente e proporcionar-lhe experiências
de vida ricas e desafiadoras; é procurar não fazer por ela
e sim, auxiliá-la a encontrar meios da fazer o que quer. É
deixá-la ser criança.
Nessa perspectiva, todo o projeto “Fundo do Mar”, foi realizado
por esses pequenos autores, através do qual puderam construir e
ampliar seu conhecimento com relação ao tema e trocar informações
com o grupo.
Nessa interação , foi possível ocorrer oportunidades
de problematizar, questionar sobre o fundo do mar e sua diversidade marinha.
Foram levantados várias questões como: o fundo do mar é
escuro? As lulas são diferentes do polvo , e a água-viva
queima!!! Os cavalos marinhos mudam de cor como o camaleão?, entre
outras questões. Todo trabalho foi concretizado com o auxílio
das co-autoras e educadoras, que serviram de fio- condutor, instigando,
proporcionando e provocando momentos de discussão, propiciando
um clima de respeito às opiniões e diferenças, e
desafiando as crianças a crescer na compreensão e resolução
de seus próprios conflitos e questionamentos.
Os materiais que as crianças trouxeram, ajudaram a enriquecer mais
o projeto, além dos recursos utilizados como: o microscópio,
o retro- projetor, os livros, a pesquisas, e tantos outros meios.
Portanto os objetivos, as etapas do trabalho, as fontes de consulta, a
participação conjunta dos pais e o interesse sempre crescente
das crianças, foram fundamentais para a realização
desse projeto. Entretanto, o ponto central foi o saber ouvir as crianças,
negociar cada passo, cada consulta, cada produção.
Tanto Fontana(1993) quanto Smolka(1988), trazem experiências distintas,
na forma de aquisição de conceitos, através da interlocussão
entre alunos e professores, e discutem a importância do uso da linguagem,
não apenas como comunicação, mas também como
um elemento cultural, que é central ao desenvolvimento.
E nessa relação professor-aluno, centrada no discurso, amplia-se
e redimensiona as experiências historicamente constituídas,
e mostrando a manifestação das diferentes linguagens da
criança, como diz o poema As Cem Linguagens, de Loris Malaguzzi
((EDWARDS, GANDINNI& FORMAN 1999):
“A criança é feita de cem.
A criança tem cem mãos
Cem pensamentos
Cem modos de pensar
De jogar e de falar.
Cem sempre cem
Modos de escutar
As maravilhas de amar.
Cem alegrias
Para cantar e compreender.
Cem mundos para descobrir.
Cem mundos para inventar.
Cem mundos para sonhar.
A criança tem cem linguagens (...)”
Loris Malaguzzi
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DAHLBERG,
G. ;MOSS, P.; PENCE , A. Qualidade em educação da primeira
infância. Porto Alegre: Artmed, 2003.
EDWARDS, C. ;GANDINI, L. ; FORMAN, G. As cem linguagens da criança:
uma abordagem de Reggio Emilia na educação de primeira infância.
Porto Alegre: Artmed, 1999.
FONTANA, Roseli C. A elaboração conceitual: a dinâmica
das interlocussões na sala de aula, in SMOLKA, A. L.; GÓES,
M. C. A linguagem e o outro no espaço escolar: Vygotsky e a construção
do conhecimento. Campinas, SP: Papirus, 1993. Coleção do
Magistério.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. RJ: Paz e Terra, 1985.
GADOTTI, M. Convite à leitura de Paulo Freire. SP: Scipione, 1989.
SMOLKA, A. L. Salas de aula: relações de ensino, in SMOLKA,
A. L. A criança na fase inicial da escrita. Campinas, SP: Cortez,
1998
VYGOTSKY, L. Pensamento e linguagem. SP: Martins Fontes, 1987 |
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