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LEITURA
ELABORADA E MEMÓRIA DE LONGO PRAZO
Osvaldo Freitas de Jesus - Universidade Federal
de Uberlândia (UFU)
Nayara Franciele Lima - UFU
Adriany de Freitas Siqueira - UFU
Érika Gonçalves Borges - UFU
Keila Cristina Santos - UFU
Poliana Gonçalves Lima - UFU
Viviane Silva Nogueira - UFU
1 - INTRODUÇÃO
Esta pesquisa, desenvolvida nos últimos 24 meses
no Instituto de Letras e Lingüística - ILEEL/UFU - faz parte
de um projeto maior e integrado, "Leitura, Memória e Aprendizagem",
que tem à frente os professores/pesquisadores: Profa. Dra. Célia
Assunção Figueiredo, com o subprojeto "Leitura Crítica"
e o Prof. Dr. Osvaldo Freitas de Jesus com outro subprojeto "Leitura
Elaborada e Memória de Longo Prazo".
Leitura elaborada é uma atividade cognitiva, isto é, da
rede neuronal, quando ela processa paralelamente dados lingüísticos
escritos de maneira profunda, consistente, interconexa, registrando-os
na memória de longo prazo, para posterior re-utilização
e transferência para outras áreas de conhecimentos.
O tema é de grande relevância local e nacional, por ser parte
de uma das linhas de pesquisa do Mestrado em Lingüística da
UFU e por interessar muito à educação local e nacional.
A guisa de exemplo, o resultado do desempenho em leitura, matemática
e ciências de 4.500 alunos brasileiros do ensino fundamental, na
faixa etária de 15 anos, na última pesquisa da Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OCDE deveria deixar preocupados os educadores, os administradores
da educação e os políticos brasileiros. Entre 250.000
estudantes de 40/1 países, os alunos brasileiros classificaram-se
em 37° lugar em leitura, em 39° em ciências e em 40°
lugar em matemática.
Por mais que não concordemos com essa pesquisa, em termos de concepção
teóricometodológica, contra fatos, não há
argumentos e o resultado é lastimável e constrangedor para
um país que almeja ocupar posto de destaque no mundo contemporâneo,
pois do recurso humano jovem dependerá o futuro. Não concordarmos
com a pesquisa, por ela ser quantitativa, é muito pouco ou mesmo
inadequado na sociedade da ciência e da tecnologia. Este comportamento,
poder-se-ia dizer, mais se assemelha à atitude da raposa na fábula
de Fedro, "Vulpes et Uva" (Nóbrega, 1981, p. 111), a
qual, não podendo alcançar as uvas que pretendia apanhar,
retirou-se, dizendo que elas estavam azedas/verdes.
No meio escolar, grande parte da leitura exigida dos alunos, especialmente
nos níveis: final do ensino fundamental, ensino médio e
ensino superior, é sobretudo de natureza científico-educacional
(texto de biologia, matemática, dentre outros), ou seja, o que
é lido é matéria de prova, cujos dados devem ficar
na memória de longo prazo do aluno. Já a leitura lúdico-recreacional
(texto sobre jogo, filme, dentre outros) e a diretivo-instrucional (texto
sobre montagem de máquina, aparelho, dentre outros), ou seja, aquelas
leituras que não levam o aluno necessariamente a registrar informações
em sua memória de longo prazo, desempenham papel de menor relevo
na educação escolar.
Se, por um lado a leitura preferida nos níveis escolares acima
mencionados é a científico-educacional, a qual exige elaboração
da informação, por outro lado, os alunos lêem esses
textos, como se fossem lúdico-recreacionais, isto é, sem
elaboração cognitiva adequada. Ora ler um texto de ciência,
sem elaborar a informação, é uma atividade cognitiva
infrutífera. Na verdade, a leitura de um texto de ciência,
de literatura ou de artigo de jornal, exige procedimentos e estratégias
cognitivas diferentes.
Por esta razão, entre outras tantas, a leitura tornou-se um problema
nacional não só do nível fundamental e médio,
mas também do próprio nível superior. Ler e não
reter a informação, ler e não interpretar, isso é
tudo que a leitura não pode fazer. Compreender a informação,
retê-la, criticá-la e inclusive transferi-la para outras
situações seria o desempenho ideal para os leitores.
A leitura pode ser vista sob diversos enfoques teóricos, dentre
os principais, o cognitivo, o social e o cognitivo-social. Nesta pesquisa,
o enfoque cognitivo será preponderante, e mais ainda, com forte
viés para a bio-psicologia, por ela ser aquele campo de saber atual
que possibilita tratar a memória como um fenômeno sobretudo
fisiológico, isto é, do neurônio e da rede neuronal
em si mesmos.
2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS
A leitura é uma atividade cognitiva (neuronal)
e social (simbólica) de enorme complexidade. Ela envolve o funcionamento
de várias regiões do cérebro, especialmente aquelas
ligadas às atividades da linguagem. De modo igual, não há
como não reconhecer que uma das elaborações histórico-
sociais de maior relevância para a civilização, a
escrita, seja fundamental e decisiva para a leitura. Sem o texto, função
da escrita, descoberta há 5.000 anos, não haveria leitura.
A leitura serve para diversos fins. Dentre eles, os principais são
o recreativo, o diretivo e o instrutivo . No primeiro e no segundo caso,
nem sempre é importante reter a informação na memória
de longo prazo. No terceiro, entretanto, de maneira geral, a retenção
da informação na memória de longo prazo é
importante. A leitura que se requer na educação normalmente
culmina com as provas e os alunos precisam guardar na Memória de
Longo Prazo aquilo que leram. Do contrário, serão reprovados
nos exames de final de curso e de seleção para novos níveis.
A leitura que conta mais no processo educacional, tudo indica, é
a leitura instrucional, isto é, aquela que requer a retenção
de conceitos, proposições, esquemas, princípios teóricos
e números significativos na memória de longo prazo, enfim
que conduza à retenção da informação
elaborada sobre os diversos itens com os quais os alunos se deparam ao
longo do currículo escolar.
A memória é fundamental para as atividades cognitivas e,
porque não dizer, para a própria sobrevivência. Se
Descartes entendia que o "cogito, ergo sum" era de capital importância
para fundamentar a ontologia e a epistemologia daquele que, ao pensar,
estaria com sua existência e criticidade garantidas, hoje pensa-se
que o mais adequado seria "reminiscor, ergo sum", isto é,
"lembro, logo existo".
A memória pode ser declarativa e não-declarativa (Lent,
2004). A primeira é a memória expressa ou explícita,
aquela que se revela através da atividade lingüística.
Narrar um fato é uma manifestação da memória
declarativa. Já a segunda refere-se à memória de
hábitos, habilidades, comportamentos, enfim, que não se
expressam verbalmente, mas que estão arquivados na mente. Neste
caso, contar uma história e tocar os acordes do hino nacional são
expressões da memória declarativa e não-declarativa
respectivamente.
Além destas duas caracterizações conceituais, a memória
pode ainda ser compreendida como: memória de curto prazo (MCP),
memória de longo prazo (MLP) e memória de trabalho (MT)
. A primeira registra fatos de duração passageira na mente;
a segunda, fatos de longa duração, às vezes que duram
até a vida inteira; já terceira não registra, mas
apenas administra a busca e utilização das informações
existentes na MLP e sua combinação com as informações
advindas do relacionamento atual com o meio ambiente (Bear, 2002). Por
exemplo, o significado do código de luzes do trânsito (verde,
amarelo e vermelho) e a situação aqui-e-agora do motorista
diante das luzes do semáforo.
A memória que está sob foco nesta pesquisa é a de
longo prazo e o enfoque teórico para explicá-la, é
de natureza bio-psicológico, isto é, a memória compreendida
como função da estrutura bio-psicológica do ser humano.
Por meio desse enfoque teórico, procura-se explicar o conjunto
das ocorrências fisiológico-cognitivas que ocorrem no interior
dos neurônios, quando são formadas, combinadas e consolidadas,
ou não, as unidades de conhecimento que devem perdurar na memória
de longo prazo.
Fruto do trabalho neuronal, ou mais precisamente, das sinapses neuronais,
a informação é mantida e solidificada na memória
de longo prazo, porque uma reação bioquímica acontece
no interior do neurônio. Em outros termos, um neurônio-motor,
através de um neurotransmissor, dispara na direção
do neurônio-receptor.
Pela sua influência, o neurônio receptor mantém fendas
(entradas) abertas, medindo cerca de 20 a 50 nanômetros, ou seja
de 20 ou 50 bilionésimos de metro, para a recepção
de cálcio, o qual, por sua vez, combina com a proteína quinase
, elemento fundamental para a manutenção da sinapse que
está em atividade, no interior do neurônio receptor.
Um exemplo desse fato seria o glutamato, um neurotransmissor muito comum
na região do hipocampo, no sistema límbico, a parte mais
central do cérebro, fundamental para a formação de
engramas na memória de longo prazo. Pacientes com lesão
no hipocampo não conseguem mais estabelecer engramas na memória
de longo prazo.
Quando se observa a anatomia do interior do encéfalo, salta aos
olhos a estrutura das redes neurais, tendo a parte hipocampal como fundamental
nas interligações com todo o córtex. Daí a
importância do hipocampo na formação das memórias
de longo prazo. É ele que tem acesso ao conjunto todo do encéfalo
(Sobotta, 2000, p. 320), cuja superfície chega a 2.360 cm²
(Carlson, 2002, p. 77).
Em resumo, memória de longo prazo são sinapses consolidadas
através deste processo bioquímico, hoje bem conhecido pelos
biopsicólogos. Não há memória de longo prazo
sem as sinapses consolidadas e estas últimas são frutos
de reações bioquímicas na própria estrutura
dos neurônios.
Para que este fenômeno bioquímico possa ocorrer, é
necessário que reações internas sejam desencadeadas
através de elementos químicos ou que comportamentos sociais
levem o sistema neuronal a realizar os mesmos procedimentos de consolidação
das sinapses.
Em outros termos, a consolidação das sinapses pode ocorrer
por indução bioquímica, um método ainda distante
de nosso horizonte ou através de atividades re-ocorrentes e elaboradas.
Neste último caso, os dados de uma reação química
ficarão registrados na memória de longo prazo, por força
de comportamentos sociais re-ocorrentes e significativos. Uma lição
lida, compreendida e relidas várias vezes, pode-se dizer, tem grande
chance de suas informações permanecer na MLP.
Na verdade não é um fato novo dizer que "o hábito
e a memória" caminham pari passu. A novidade neste momento
é poder dizer que o hábito também provoca reações
bioquímicas no interior do neurônio. Changeux (1983) já
havia chamado a atenção para o fato do software e o hardware
nos humanos estarem intimamente interligados. No caso, a consolidação
das sinapses pode ocorrer por indução bio-química
ou por comportamentos sociais.
A leitura elaborada, aquela necessária para estruturar e consolidar
redes de informações neuronais, normalmente não acontece
com apenas uma leitura de um texto, se este contiver informações
interconexas. Nesta pesquisa, por exemplo, se houvesse uma questão
como esta: "com quem do grupo de pescadores Fukuma não tem
nenhum traço em comum?", certamente os participantes teriam
encontrado mais dificuldades, especialmente aqueles que leram uma única
vez o texto. O quadro n° 2 dos ANEXOS mostra o entrelaçamento
das informações. Sem ele no texto ficaria ainda difícil
a elaboração das inter-relações por parte
do leitor.
Para que itens interconexos sejam elaborados e consolidados pela estrutura
cognitiva e retidos na memória de longo prazo, o hipocampo gerencia
o estabelecimento de correlações possíveis daquela
informação com outras do gênero no córtex.
Na verdade, ele administra a formação da memória
distribuída ou com "backups" em diversos pontos do córtex.
Engramas que requeiram elaboração antes da consolidação,
terminam em redes neuronais ou memórias distribuídas. Visto
que as proteínas, que são a base estrutural de todo organismo
e conseqüentemente de todo neurônio, perecem após 12
dias, a melhor forma para garantir a sobrevivência da informação
é registrá-la em diversos pontos do córtex. Assim,
se uma informação se perde juntamente com o ponto b, ela
poderá continuar em outros pontos, tais como: a, c, d, e ,f , g
e h. Deste modo, poder-se-ia dizer que a elaboração e a
consolidação da informação na memória
de longo prazo implicam em realizar algo como "backups" ou distribuição
dos traços entre os neurônios que compõem uma determinada
rede.
3 PROBLEMA E HIPÓTESE
(Prob.) O problema que motivou esta pesquisa foi a dificuldade
que os alunos do PET/LETRAS, UFU, turma 2002, demonstraram por ocasião
do processo seletivo, a que se submeteram em 2002, pleiteando uma vaga
no grupo PET. (P) Apesar de terem lido o texto de Saussure, não
tinham clareza sobre os principais conceitos do "Curso de Lingüística
Geral". Se haviam lido, por que não retinham e se retiveram,
por que não o fizeram com clareza?
A explicação provisória para o problema foi a seguinte:
os alunos de Letras da atualidade, por terem de ler um grande montante
de textos, fazem-no de maneira apressada, isto, não conseguem ler
de maneira ELABORADA.
(Hip.) Se eles lessem mais elaboradamente (cuidadosamente), isto é,
pelos menos três vezes o texto em questão, certamente reteriam
melhor as informações na memória de longo prazo.
4 DESCRIÇÃO DA METODOLOGIA
4.1 A população selecionada para realizar
a experiência foi a do Curso de Letras da Universidade Federal de
Uberlândia. Mais precisamente, de seus aproximados 800 alunos de
graduação, foram selecionados 20 alunos do segundo e terceiro
período do curso.
Eles foram candidatos ao PET/LETRAS 2004, seleção feita
em novembro de 2004. Por ser um grupo de alunos especiais, já que
para o PET (Programa Especial de Tutoria), o candidato não pode
ter reprovação em nenhuma disciplina; ele precisa apresentar
alto rendimento escolar através de seu histórico escolar;
ter interesse em ciência e pesquisa, além de ter hábito
de leitura.
No caso, não se pretendeu avaliar o curso ou parte do Curso de
Letras, mas apenas observar o desempenho de leitura de um grupo de alunos
de Letras com nível acadêmico especial. Eles não foram
preparados de maneira especial, para participarem desta atividade de pesquisa.
Receberam instruções sob sua participação
na pesquisa duas horas antes do evento. Concordaram e assim foi feito.
Após terem feito a prova escrita do processo seletivo, cuja duração
foi duas horas, pediu-se a eles que lessem o texto preparado para a experiência.
Aos primeiros cinco candidatos que terminaram a prova escrita, foi pedido
que lessem o texto apenas uma vez, antes de responder ao questionário.
Este controle foi feito pelos auxiliares de pesquisa que estavam presentes
durante a aplicação.
Apesar do número inicial de candidatos ser 20, apenas 19 compareceram
à prova escrita do processo de seleção. Mais ainda,
para responder o questionário sobre o texto, utilizado na pesquisa,
apenas 13 candidatos compareceram.
No caso, aqueles candidatos que julgavam não ter tido um bom desempenho
na prova escrita, não compareceram, pois apenas os 10 melhor classificados
passariam para a fase final do processo seletivo.
Deste modo, responderam ao questionário sobre o texto, proposto
como leitura nesta pesquisa, apenas 13 candidatos, isto é, 5 alunos
que haviam lido o texto uma única vez; 4 alunos que haviam lido
o texto duas vezes e outros 4 alunos que o leram três vezes.
4.2 - Participaram da pesquisa na condição
de auxiliares de pesquisa, 6 alunas do PET/LETRAS atual, a saber: 1
Adriany de Freitas Siqueira; 2 Érika Gonçalves Borges;
3 Keila Cristina Santos; 4 Nayara Franciele Lima; 5
Poliana Gonçalves Lima e 6 Viviane Silva Nogueira.
Para participarem, participaram do projeto proposto, fizeram leituras
relativas ao tema da leitura na perspectiva cognitiva e na fase da aplicação
do teste, foram elas que coordenaram as atividades com os sujeitos participantes.
4.3 A pesquisa estendeu-se ao logo dos anos de 2003
e 2004. Ela exigiu muita preparação teórica, já
que a área de biopsicologia é bastante nova e não
houve como evitar a leitura de textos difíceis, inclusive com forte
viés da área da biologia, anatomia e da psicologia.
4.4 Um texto de 511 palavras, escrito pelo próprio
pesquisador, foi utilizado na pesquisa. Ele descreve a preparação
e os resultados de uma pescaria, fato muito comum nesta região
de Minas Gerais. Embora não seja um texto encontrado em páginas
publicadas, ele não pode ser classificado como artificial, pois
a publicação propriamente dita não garante sua naturalidade.
Seriam naturais os textos "Ulysses" de Joyce, "The Waste
Land" de T.S. Eliot e "Grandes Sertões e Veredas"
de Rosa?
O texto tem informação isolada, quadros de informações
cruzadas, como por exemplo, com o nome de cada um dos pescadores e suas
inter-relações. Ele tem também informações
gerais, por exemplo, os dados pessoais , mas sem quaisquer cruzamentos.
Além disso, há correlação de informações.
No caso, os dados de um determinado pescador não cruzam com os
dados de outro pescador. Com o uso dos quadros, pretendeu-se organizar
melhor as informações e assim facilitar sua retenção
na estrutura cognitiva do leitor.
Por fim, no texto há informação que requer interpretação
e uso de esquemas, ou seja, o leitor não tem como evitar a utilização
de suas próprias experiências de mundo, ou de cultura geral,
para comparar e estabelecer relações de semelhanças
e diferenças entre os dados existentes e anteriores. Por exemplo,
os estereótipos do alemão, dos japoneses e do português
de acordo com nossa cultura.
4.5 O tempo de leitura variou para cada grupo, isto
é, o grupo que leu apenas uma vez, teve 5 minutos; o que leu duas
vezes, teve 10 minutos e o que leu três vezes, teve 15 minutos.
4.6 Um questionário de 10 perguntas foi passado
aos alunos depois de terem lido o texto 48 horas antes. A primeira das
perguntas era de natureza geral; a segunda implicava em retenção
de informação isolada; a terceira, quarta e a quinta pergunta
também requeriam apenas retenção de informação
na MLP; a sexta requeria interpretação, isto é, o
leitor precisaria usar de sua experiência de esquemas anteriores.
A sétima exigia informação mais elaborada, ou seja,
distribuída ao longo de proposições e não
apenas localizada em ou outro termo da proposição. A oitava
e a nona de novo exigiam apenas informação isolada. Por
fim, a décima, permitia ao leitor a lembrar-se de fatos isolados
bem com de fatos combinados.
Este questionário não lhes foi entregue para ser respondido
na mesma hora. Na verdade, somente após 48 horas, responderam ao
mesmo. Esse intervalo se deveu ao fato de a memória de longo prazo
só se consolidar e manifestar horas depois do evento (Izquierdo,
2004). Do contrário, entraria em cena a memória de curto
prazo, quando a pesquisa está unicamente interessada nos registros
neuronais de longo prazo.
5 RESULTADO E ANÁLISE
Três grupos de alunos leram o mesmo texto, diferenciando-se
um do outro apenas pelo número de vezes lidas. Não se levou
em conta qualquer outra variável, como por exemplo, a motivação.
Embora seja complexo, o fenômeno da retenção memorial,
nesta pesquisa, foi focada apenas a quantidade de leituras do mesmo texto.
Os critérios de correção das respostas foram objetivos.
As possibilidades eram de resposta correta, errada e/ou não respondida.
Se uma resposta exigia 16 itens de informação, como a número
10, ao responder de maneira completa 12 itens, o aluno obteve 0,75 de
um ponto.
TABELA 1
DESEMPENHO DE LEITURA DO GRUPO 1
Participantes |
Acertos (1) |
Erro/Branco (2) |
01 |
3,5 |
6,5 |
02 |
4,2 |
5,8 |
03 |
6,0
|
4,0 |
04 |
6,0 |
4,0 |
05 |
9,0 |
1,0 |
SOMA de (1) e de (2) |
28,7 + |
21,3 = 50 (100%) |
Após
ler o texto uma vez, cada participante do grupo 1 respondeu a um questionário
de 10 questões, relativas ao texto, pelas quais, se acertadas,
receberia 10 pontos, ou seja, 100%. Sendo 50 o equivalente a 100%, ao
obter 28,7, os participantes do grupo 1 obtiveram 58,8% e perderam 41,2%.
Ou seja, se a nota fosse 100, eles teriam conseguido 58,8%, o que não
é um índice merecedor de destaque.
Dos participantes do grupo, vale destacar o desempenho do aluno número
05. Ele acertou 90% das questões, inclusive com descrições
detalhadas em suas respostas. Segundo seus colegas, ele mesmo diz que
possui memória fotográfica, com o que registra facilmente
as informações à primeira vista.
Enquanto a média de seus colegas girou ao redor de 5 acertos, ele
obteve 9 acertos de 10 questões. Não estivesse ele no primeiro
grupo, certamente a média geral seria menor. Por exemplo, se em
vez de 9, ele acertasse 5, o total de acertos do grupo seria 24,7 e não
28,7, ou seja, 48%.
Há exemplos de indivíduo com memória excepcional.
Na antiga União Soviética, por exemplo, havia um indivíduo,
cuja nome era Sherashevsky, paciente de Aleksandr R. Luria, com uma memória
de longo prazo praticamente inesgotável. Há diferenças
de desempenho da memória entre os indivíduos (Bear, 2002).
TABELA 2
DESEMPENHO
DE LEITURA DO GRUPO 2
Participantes |
Acertos (1) |
Erro/Branco (2) |
01 |
5,8 |
4,2 |
02 |
4,8 |
5,2 |
03 |
4,7 |
5,3 |
04 |
8,4 |
1,6 |
SOMA de (1) e de (2) |
23,7 + |
16,3 = 40 (100%) |
Os participantes do grupo 2 leram o texto duas vezes, para responder às
10 questões contidas no mesmo questionário. Tendo quatro
participantes, 40 pontos correspondem a 100% dos pontos possíveis.
No caso, 23,7 pontos equivalem a 60% de acerto e a 40% de erro e/ou questões
em branco.
A diferença entre uma leitura e duas leituras não foi marcante.
Talvez o desempenho extraordinário do participante número
05 possa ter criado um paradoxo no resultado do grupo 01.
TABELA 3
DESEMPENHO
DE LEITURA DO GRUPO 3
Participantes |
Acertos (1) |
Erro/Branco (2) |
01 |
7,8 |
2,2 |
02 |
8,7 |
1,3 |
03 |
10,0 |
0,0 |
04 |
8,7 |
1,3 |
SOMA de (1) e de (2) |
35,2 + |
4,8
= 40 (100%) |
O grupo que
leu o texto três vezes obteve o melhor resultado, como foi pressuposto
inicialmente pela pesquisa. No caso, os 35,2 de pontos obtidos equivalem
a 88% do total de 40 pontos e os 4,8 de erro e/ou em questões deixadas
em branco equivalem a 12% do mesmo total.
Embora não seja conclusivo o resultado da pesquisa, poder-se-ia
imaginar que o fato de 88% das questões propostas terem sido respondidas
pelos alunos que leram três vezes o texto e que o mesmo fato não
ocorreu com aqueles que leram menos, seja significativo a favor da leitura
elaborada. Isto é, quanto mais vezes o aluno ler o texto, mais
chance terá de reter as informações e mantê-las
de maneira duradoura.
Neste caso, seria melhor que o aluno lesse volume menor de texto, mas
que conseguisse elaborar o conteúdo de tal forma que pudesse retê-lo
por longo tempo. A leitura elaborada implica em repassar o texto mais
vezes, consolidando a informação e integrando-a a outras
já existentes na estrutura cognitiva. Poder-se-ia dizer que quem
lê muito e retém pouco do que leu, na verdade não
leu, mas apenas olhou o texto.
LER é processar a informação, reconhecendo os itens
lexicais e gramaticais, com seus sentidos e funções, clarificando-os,
relacionando-os em termos de sentido e de função sintático-semântica,
além da situação de comunicação. Do
contrário, pouco ou muito pouco será elaborado e retido
na memória de longo prazo.
LER três vezes não é apenas uma receita quantitativa
para a leitura. A re-ocorrência da informação é
ponto-chave para a elaboração da informação.
Jesus (2003) sugere três leituras, para que os engramas fiquem na
memória de longo prazo: a leitura de reconhecimento, de análise
e de síntese. Com a primeira, faz-se uma vistoria geral do texto;
com a segunda, marcam-se os pontos importantes para a elaboração
do sentido do texto; finalmente com a terceira, o leitor faz sua própria
síntese, inclusive personificando as informações.
Comumente diz-se que o indivíduo é capaz de descrever com
as próprias palavras o que leu. Na verdade, este é o grande
sinal de que a leitura levou para a memória de longo prazo as informações
obtidas do texto.
Uma técnica com este mesmo espírito, bastante conhecida
nos Estados Unidos, é a PQRST, uma sigla inglesa para as palavras:
preview, question, read, self-recitation e test. Ou seja, prever, questionar,
ler, descrever para si mesmo e testar (Atkinson, 2002, p. xx).
Para esta pesquisa, está clara a idéia de que não
é necessariamente o número de vezes que se lê um texto
que determina a consolidação de engramas na memória
de longo prazo. Na verdade, a re-ocorrência da informação
é que é importante. Para a estrutura cognitiva, vital é
aquilo que re-ocorre ou que é feito com muita intensidade ou motivação.
Esta é uma lei da natureza biológica. Só os estímulos
fortes ou re-ocorrentes ganham espaço definitivo na memória
de longo prazo.
Normalmente não nos esquecemos daquilo que nos marcou profundamente
quer pelas dificuldades, quer pela intensidade emotiva (motivação)
ou pela re-ocorrência do evento. A MEMÓRIA DE LONGO PRAZO
é seguramente muito seletiva. Ela guarda apenas aquilo que demonstrou
ser útil e necessário ao organismo.
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BIBLIOGRAFIA BÁSICA
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7 - APÊNDICE
A PESCARIA
DE FUKUMA
Como vem
acontecendo nos últimos três anos, os inseparáveis
amigos estão se preparando para mais uma pescaria de verão
no Pantanal do Mato Grosso. Os quatro estrangeiros, Johann, Nakasa, Pedro
e Fukuma, agora naturalizados brasileiros, estão na fase final
dos preparativos para a viagem. Duas camionetas, uma canoa com motor,
instrumentos de pesca, alimentos congelados, bebidas, gerador de energia,
aparelhos elétricos, utensílios, roupas e calçados.
Neste verão, a pescaria promete ser melhor que nos anos anteriores.
Cada um dos pescadores tem um sonho diferente: Johann quer pegar um jaú
de 50 kg; Nakasa quer beber cerveja o dia todo; Pedro quer dormir durante
o dia e pescar à noite e Fukuma quer filmar a beleza do Pantanal,
para enviar aos seus parentes no Japão.
Por serem bons pescadores, a firma CGMG (Comércio Geral de Minas
Gerais) está patrocinando a aventura. Os pescadores, entretanto,
precisam usar camisetas e bonés com a marca CGMG. Além disso,
quando retornarem do Pantanal, deverão ser entrevistados na TV
local. Com isso estarão promovendo a CGMG.
Ao formar o banco de dados sobre os quatro pescadores, a secretaria da
CGMG, além dos dados de identificação, tais como:
RG, CPF, Título Eleitoral, inseriu também informação
sobre o estado civil, a nacionalidade e a profissão dos pescadores.
QUADRO NO.
1
NOME |
NACIONALIDADE |
ESTADO CIVIL |
PROFISSÃO |
Johann |
Alemão |
Solteiro |
Dentista |
Nakasa |
Japonês |
Casado |
Engenheiro |
Pedro |
Português |
Divorciado |
Advogado |
Fukuma |
Japonês |
Casado |
Advogado |
Um dado curioso
do quadro da secretária da CGMG aparece de imediato, isto é,
em cada coluna há um item repetido. Por exemplo, em nacionalidade,
dois traços "japonês". Isso deve-se ao fato de
haver quatro indivíduos e apenas três traços como
atributos criteriais.
O mais interessante de tudo, entretanto, é o fato que o quarto
pescador está em correlação com o terceiro e o segundo
e em nenhuma com o primeiro. Através do seguinte gráfico
fica claro o fenômeno:
QUADRO NO.
2

Como ela
escolheu três atributos criteriais (itens de informação)
e há quatro pescadores, há inter-relações
entre três, mas não entre todos os quatro. Isso pode ser
observado no quadro acima.
Fukuma compartilha dados com Pedro e com Nakasa, mas não com Johann,
como se pode ver no gráfico acima. Isso foi o resultado de a secretária
ter enumerado apenas três características de quatro indivíduos.
Além disso, há outras curiosidades entre os atributos do
início do texto. Por exemplo, o alemão quer pescar um jaú
de 50 kg; já um dos japoneses quer tomar cerveja o dia inteiro.
No caso, o alemão devia beber e o japonês pescar.
O mais interessante, contudo, foi o resultado da pescaria. Johann não
pegou o peixe de 50 kg que ele queria; Nakasa não pôde beber
cerveja o dia todo, porque teve uma diarréia e foi obrigado a não
beber; Pedro não dormiu muito, porque os borrachudos atacaram-no
o tempo todo e finalmente Fukuma pôde fazer o que mais queria: filmou
o local, o próprio fracasso de seus companheiros e ainda pegou
uns bons peixes. Esta foi a pescaria do Fukuma.
Perguntas:
1 De
que trata este texto acima?
2 Quem são as pessoas envolvidas?
3 Qual o sonho de cada uma delas?
4 Com qual firma comercial negociaram?
5 Qual condição comercial foi imposta a eles?
6 Há algum detalhe irônico na pescaria?
7 Quem se deu melhor na pescaria?
8 Esta foi a primeira ou segunda vez que os amigos pescaram juntos?
9 Quantos veículos foram na pescaria?
10 Enumere detalhes de cada pescador.
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