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A
MÍDIA, A ESFERA PÚBLICA E A REFORMA PROTESTANTE NO SÉCULO
XVI
Fernando
Henrique Cavalcante de Oliveira
Esta comunicação propõe uma narrativa sobre mudanças
na mídia, analisando a seqüência dos eventos da comunicação,
da década de 1450 até a de 1970; focaliza acontecimentos
ou grupos de ocorrências que receberam algum rótulo, como
a Reforma, as guerras religiosas, a guerra civil inglesa, a Revolução
Gloriosa de 1688 e a Revolução Francesa de 1789. Concentra-se
em um único tema introduzido no fim da conclusão; o surgimento
da esfera pública e daquilo que ficou conhecido como política
cultural – a informação política, as atitudes
e os valores compartilhados em determinadas sociedades européias
ou em grupos sociais específicos dentro de uma sociedade. Examinaremos
como diferentes meios de comunicação contribuíram
para esses eventos e como os próprios acontecimento colaboraram
para evolução e modificação do sistema de
mídia. Um estudo recente sobre os primeiros livros de notícias
em The Invention of the Newspaper [A invenção do jornal]
(1996), de Joad Raymond, previne os leitores contra o relato linear tradicional
¨de uma expansão da participação política
refletida no crescente e amplo acesso a notícias; no término
da censura e na evolução da liberdade política; no
movimento do antigo regime para um regime democrático¨. Ao
contrário, a historia a ser contada nesta paginas pode ser descrita
como um ziguezague que se move entre regiões e mostra momentos
particulares nos quais o acesso à informação tornou
–se menor, e não mais amplo. Da mesma maneira, algumas mudanças
a longo prazo são visíveis entre as décadas de 1520
e 1790. Como no caso da revolução da imprensa, não
há uma data precisa para começar essa história, nenhum
marco divisor nítido. Antes da reforma, nas cidades- estados italianas,
especialmente em Florença nos séculos XIII, XIV e XV, fazia-se
referência constante ao “povo” (il popolo, os membros
do comércio e de associações de artesãos).
Uma proporção relativamente alta da população
florentina participava da vida política: entre quatro e cinco mil
adultos homens em uma cidade de menos cem mil habitantes. Escritórios
políticos importantes eram preenchidos por nomes sorteado de uma
sacola, e por sua vez as pessoas não se mantinham no cargo mais
de dois messes. A política cultural de Florença, como a
da Atenas clássica, era essencialmente oral e visual. As praças
da cidade, sobretudo a Piazza della Signoria, eram um tipo de esfera pública
nas quais se ouviam discursos e debatia-se política. Discursos
fluentes eram bastante apreciados, sendo cruciais para o que os italianos
da época chamavam de vita civile, a vida ativa política
do cidadão. Os cronistas urbanos freqüentemente registravam
os cartazes políticos afixados e os grafites desenhados nas paredes,
sendo que as relações públicas da cidade eram feitas,
além da forma oral, com o envio de embaixadores a outros estados
e também por escrito. A chancelaria de Florença, onde se
escreviam as cartas oficiais, era cheia de humanistas, estudantes da cultura
da antiguidade clássica, capazes de escrever em latim elegante
e persuasivo. Dizia-se que o duque de Milão, um dos principais
inimigos da república florentina, afirmava temer mais a pena do
chanceler humanista Coluccio Salutati (1331-1406) do que uma tropa de
cavaleiros. Em escala menor do que Florença ou Veneza, algumas
cidades da Holanda, Alemanha e Suíça, como AntuéRpia,
Nuremberg e Basel, desenvolvem cultura cívica parecida.
A Reforma
Se a cidade-estado italiana foi o ambiente onde se desenvolveu o Renascimento
sua correspondente alemã, a “cidade livre”, como Nuremberg
ou Estrasbugo (ainda não incorporada à França) foi
o centro da Reforma- o primeiro e principal conflito ideológico
no qual a matéria impressa teve papel preponderante. A Reforma,
pelo menos em sua primeira geração, foi um movimento social,
uma empresa coletiva consciente, mesmo que tivesse como objetivo reformar
a velha Igreja, e não fundar outras novas, o que na realidade aconteceu.
Marinho Lutero (1483- 1546), um frade que se tornou herege, era professor
da Universidade de Wittenberg (no leste da Alemanha) e se ressentia muito
do que via como a dominação italiana da Igreja, da magia
da Igreja e sua comercialização. Favorável a um envolvimento
mais direto de leigos com as atividades religiosas, Lutero incentivou
a leitura da Bíblia e a liturgia em vernáculo – o
que envolveu novas traduções. Ele justificava esse envolvimento
pelo que chamou de sacerdócio de todos os crentes, idéia
de que cada um tivesse acesso direto a Deus sem necessidade da mediação
dos clérigos. Habermas realçou o que chama de efeitos da
privatização da Reforma, um deslocamento dos crentes para
o domínio interior, movimento apoiado pela crença de Lutero
de que a obediência ao governante era dever de todo bom cristão(deve-se
ressaltar que Lutero não viveu em uma cidade livre e autogovernada,
mas era súdito do leitor da Saxônia). No que concerne às
conseqüências a longo prazo da reforma, Habermas pode estar
certo. No entanto, nos primeiros anos do movimento, os vigorosos debates
ocorridos, primeiro na Alemanha e depois em outras partes da Europa, sobre
as funções e os poderes do papa e da Igreja e a natureza
da religião deram uma contribuição importante para
a emergência do pensamento critico e da opinião pública.
Esses eventos seguiram um padrão recorrente que pode ser descrito
como um modelo aprendiz de feiticeiro de mudança política
no inicio da Europa moderna. Repetidas vezes as disputas ente as elites
levaram- nas a requisitar apoio de grupo maior, freqüentemente descrito
como o povo. Para atingir esse grupo mais amplo, as elites não
podiam se basear na comunicação boca a boca, e então
começaram a promover debates públicos e utilizar panfletos.Muita
vezes o apelo ao povo teve sucesso. Na realidade, foi mais bem sucedido
do que esperado ou desejado pelos solicitantes. Em certas ocasiões,
amedrontada pelo que havia começado a elite tentava acabar com
o debate, somente para descobrir o que era tarde demais e o fogo já
estava fora de controle. Embora o termo opinião pública
ainda não tivesse em uso no início do século XVI,
a visão do povo interessava aos governos da época por motivos
práticos, fosse a intenção suprimir esses pontos
de vista, molda-los ou – raramente- mais segui-los (como em alguns
lugares da Alemanha, na década de 1520, em que o Conselho perguntou
aos cidadãos se a cidade deveria permanecer católica ou
virar protestante). O envolvimento do povo na reforma foi tanto causa
quanto conseqüência da participação da mídia
A invenção da impressão gráfica solapou o
que foi descrito, com certo exagero, como monopólio de informação
da Igreja medieval, e algumas pessoas tinham consciência disso na
época. O protestante inglês John Foxe, por exemplo, pregava
que o papa devia abolir o conhecimento e a impressão gráfica,
ou esta, a longo prazo, vai acabar com ele”. Como vimos, os papas
parecem ter concordado com Foxe e foi por esta razão que se criou
o Índex de Livros Proibidos. Depois que as Igrejas protestantes
se estabeleceram – luteranas, calvinistas e zwinglianas - , elas
começaram a transmitir suas tradições por intermédio
da educação das crianças. Peças, pinturas
e impressos agora eram rejeitados em favor da palavra, fosse ela escrita
ou falada, Bíblia ou sermão. Por outro lado, na primeira
geração (um período bem curto, essencialmente as
décadas de 1520 e 1530), os protestantes se baseavam no que pode
ser chamado de ofensiva da mídia, não somente para comunicar
suas mensagens,mas também para enfraquecer a Igreja católica,
ridicularizando-a, usando o repertório tradicional do humor popular
para destruir o inimigo pelo riso. Em contraste com o comportamento posterior,
esse foi um período em que os protestantes fanáticos eram
muitas vezes satíricos, irreverentes ou subversivos. Um dos principais
objetivos dos reformadores era se comunicar com todos os cristãos.
Enquanto o grande humanista Erasmo (c.1466- 1536), que também quis
reformar a Igreja, escrevia em latim para ser lido nos círculos
acadêmicos de toda a Europa, Lutero normalmente usava a estratégia
oposta. Escrevia em vernáculo de modo que sua mensagem pudesse
ser compreendida pelas pessoas comuns, mesmo que tivesse de se restringir,
no inicio, ao mundo de língua germânica.
Graças ao novo meio, Lutero não pôde ser silenciado
da mesma maneira como foram os primeiros hereges, a exemplo do reformador
tcheco Jan Hus (1369- 1415), cujas idéias em diversos pontos eram
parecidas com as de Lutero e que foi morto na fogueira. Nesse sentido
a impressão gráfica converteu a Reforma em uma revolução
permanente. Na realidade pouco teria ajudado à Igreja Católica
queimar Lutero como herege, uma vez que seus escritos estavam disponíveis
em grande número e a preços bastante razoáveis. Quatro
mil cópias do discurso aos nobres cristãos da nação
germânica (na der christilischen adel deutscher nation) foram vendidas
em poucos dias após a publicação, em 1520, pelo impressor
Mechior Lotter de Wittenberg, um amigo do autor. Para o desenvolvimento
do protestantismo a longo prazo, a tradução da Bíblia
de Lutero foi ainda mais importante do que seus planfletos. Ele não
ficou totalmente satisfeito com o texto impresso do seu Novo Testamento,
de 1522, que tinha alguns erros. Mas qualquer impressão em vernáculo
permitia a muito mais pessoas lerem a Bíblia. Um único impressor
em Wittenberg, Hans Lufft, vendeu cem mil cópias em 40 anos, de
1534 a 1574. O pequeno catecismo de Lutero (1529) provavelmente alcançou
público ainda maior.A façanha não deve ser menosprezada.
Não havia um vernáculo padrão da língua alemã
na época, em parte porque também não havia muitas
publicações de literatura popular, e uma das razões
para a pequena quantidade de textos era a falta de um vernáculo
padrão. De um modo ou do outro, Lutero conseguiu quebrar o círculo
vicioso ao escrever, não em seu dialeto saxão, mas em um
tipo mais simples de dialeto, que funcionava como denominador comum dos
outros, usando como modelo da chancelaria, compreensível de leste
a oeste, da saxônia às terras do Reno. Dessa maneira, a leitura
potencial de seus escritos se multiplicou, tornando-os um empreendimento
comercial; a longo prazo, sua tradução da Bíblia
ajudou a tornar padrão a língua escrita alemã. Não
foi somente a técnica de impressão nem apenas Lutero, mas
a combinação de ambos que tornou isso possível. Alguns
impressores de Estrasburgo e outros lugares estavam preparados para publicar
tanto os texto de Lutero quanto de seus oponentes católicos, como
se fossem mercenários interessados apenas nas; outros, porém,
como Lutter e Lotter, comprometidos com as idéias de Lutero e seus
seguidores, imprimiam somente obras protestantes. Não eram os únicos.
Uma carta ao reformador suíço Ulrich Zwínglio (1484-
1531) mencionava um mascate que vendia de porta em porta somente os escritos
de Lutero.
Apesar de pequena, a cidade universitária de Wittenberg, onde Lutero
vivia e ensinava, era o centro de comunicação do luteranismo.
Uma das razões para a difusão de suas idéias no nordeste
da Alemanha – ao contrario do sudeste, onde prevaleceram as de Zwinglio
– era a facilidade com que chegavam naquela região pregadores
e material impresso de Wittenberg. Em ambos os casos, os panfletos em
vernáculo dirigidos às pessoas comuns foram de importância
crucial para o sucesso da reforma. Mais de 80% dos livros em alemão
publicados no ano de 1532 - para ser exato 418 títulos em um total
de 498 – tratavam da reforma da Igreja. Em 1525 foram impressas
25 mil cópias dos Doze artigos dos camponeses rebeldes Duzentos
e noventa e seis panfletos polêmicos apareceram na cidade de Strasburgo
entre 1520 e 1529. Por volta de 1550, cerca de dez mil panfletos tinham
sido impressos em alemão.
Eles foram descritos, com algum exagero, como um meio de comunicação
de massa. O exagero deve-se ao fato de que somente uma minoria da população
de língua germânica tinha recursos para comprar panfletos
e capacidade para lê-los. Provavelmente os textos eram lidos muito
mais em público do que privadamente, e suas mensagens, ouvidas
por mais pessoas do que apenas aquelas que sabiam ler. Outra afirmação
que hoje parece exagerada é que sem o livro não teria havido
Reforma.
Essas afirmações ignoram o papel importante na época
da propaganda oral e visual. Para entender a difusão da Reforma,
é necessário olhar não somente para as publicações,
mas também para o sistema de mídia como um todo. Como somente
uma minoria da população sabia ler, e menos ainda escrever,
presume-se que a comunicação oral deva ter continuado a
predominar na chamada era da impressão gráfica. Ela teve
muitas formas distintas em diferentes contextos, indo de sermões
e conferências em Igrejas e universidades a rumores e boatos nos
mercados e tabernas. O sermão teve muita importância nos
primeiros da Reforma, enquanto os hinos vernáculo permitiam à
audiência participar dos serviços religiosos mais ativamente
do que nos dias em que simplesmente ouvia missa. O próprio Lutero
compôs hinos com esse objetivo, sendo o que mais notável
deles ainda hoje é cantado: Uma poderosa fortaleza é Nosso
Senhor (Ein Feste Burg ist Unser Gott).
Os arquivos judiciais que registram tentativas de reprimir heresias têm
muito a dizer sobre a recepção da idéias novas com
a ajuda d diversos meios de comunicação. Eles revelam por
exemplo a freqüência com que as baladas impressas tratando
de tópicos religiosos e eventos políticos podiam ser cantadas,
outro exemplo da interação entre meios de comunicação.
Muitos desses registros ressaltam em particular a taberna, revelando-a
como centro importante de troca de idéias e boatos. Talvez seja
uma tradição o papel comunicador das hospedarias, mas esse
fato não costuma ser registrado a respeito da Idade Média.
No entanto, na Alemanha dividida da década de 1520, certos indivíduos
eram apanhados no ato de criticar o clero, debatendo os texto de panfletos
ou levantando dúvidas sobre as doutrinas católicas, como
a transubstanciação ou imaculada concepção.
Os registros revelam a importância dos debates públicos de
idéias heréticas, assim como o papel do livro ou panfleto
em provocar tais discussões. Portanto os julgamentos de heresia
se baseavam na chamada teoria de comunicação de dois passos,
desenvolvida a partir de um estudo sobre a eleição presidencial
norte americana de 1940. De acordo com essa teoria – difundida por
Elihu Katz e Paulazarsfed, em Personal Influence (1955), os eleitores
que mudavam o voto não eram diretamente influenciados pelas mensagens
vindas de jornais e rádios. O que sentiam era a influência
pessoal dos lÍderes de opinião locais. Esses líderes
seguem os eventos na mídia (no nosso caso, os panfletos protestantes)
com mais atenção do que os leitores, mais depois influenciam
seus seguidores sobre tudo no contato corpo a corpo.
Uma importante forma de comunicação com os analfabetos,
as imagens ainda constituíram um meio muito importante na difusão
das idéias protestantes Lutero tinha plena consciência disso
quando apelava para o povo simples, como ele chamava. Seu amigo Lucas
Cranach (1472 – 1553) produziu não somente pinturas de Lutero
e sua mulher, mas também muitas gravuras polêmicas, como
a famosa Cristo e Anticristo, que contrastava a vida simples de Jesus
com a magnificência e o orgulho de seu Vicário, o papa. Assim,
um par de xilogravuras mostra Cristo fugindo dos judeus porque estavam
tentando transformá-lo em seu rei, enquanto o papa, ao contrário,
defendia com espada o direito de governar os estados da Igreja (uma referência
óbvia ao beligerante papa Júlio II, que morrera em 1513).
Cristo foi coroado com espinhos, o papa, com a tríplice coroa ou
tiara. Cristo lavava os pés dos seus discípulos, mas o papa
apresentava os seus para serem beijados pelos cristãos. Cristo
viajava a pé, enquanto o papa era carregado de liteira.
Muitas pinturas de Lutero foram feitas no ateliê da família
de Cranch, em Wittenberg, sem dúvida para serem colocados em residências
privadas como símbolo lealdade à Reforma. Algumas dessas
imagens, principalmente uma xilogravura de 1521, mostra o reformador como
uma espécie de santo, com um halo e uma pomba acima da cabeça,
para representar sua inspiração pelo Espírito Santo.
O uso de tais convenções facilitava a comunicação
com pessoas comuns de mentalidade tradicional. No entanto, o preço
desses recursos – preço pago muitas vezes na história
da comunicação – era a diluição da mensagem
protestante pela adoção da mesmas práticas que ela
pretendia substituir.
Nesta época, os rituais eram meio e objeto de debates. Os ritos
católicos foram parodiados na procissão da Saxônia,
na década de 1520, em que ossos de cavalos eram carregados como
relíquias falsas, em protesto contra a canonização
recente de um santo local, Beno da Saxônia. Nos primeiros anos da
Reforma, os protestantes também se valiam de encenações
teatrais de rua para convencer as pessoa a ficarem contra a Igreja. Por
exemplo, em 1521, o impressor suíço Pamphilus Gengenbach,
da Basiléia (c.1480–1524) encenou um ataque aos lucros do
clero provenientes da doutrina sobre o purgatório. A peça
se intitulava os comedores dos mortos (Die Totenfresser) e mostrava um
bispo, um macaco e outros padres sentados ao redor de uma mesa cortando
um cadáver. Novamente, em 1528, o pintor suíço Nikolas
Manuel, de Berna (c. 1484 – 1530), encenou outra peça chamada
de O vendedor de indulgências (Der Ablasskramer), na qual ridicularizava
a comercialização da religião pelo catolicismo, assim
como Lutero havia feito antes.
Quanto aos católicos, eles não respondiam aos desafios protestantes
usando os mesmos meios de comunicação, pelos menos não
na mesma escala ou para o grande público. Também não
produziam tantos panfletos para defender a Igreja quanto os protestantes
para atacá-la. Não faziam suas próprias traduções
da Bíblia, o que a Igreja achava perigoso. Quando produziam peças
religiosas, em geral eram dirigidas, não ao povo, mas a uma audiência
de elite, como a dos pais de alunos de colégios jesuítas
na França, Itália e Europa Central.
Isso ilustra um modelo geral de comunicação que pode ser
chamado dilema conservador, comum a regime autoritários –
pelos menos na sociedades em que há poucos letrados – quando
sob ataque. No caso do século XVI, se a Igreja não respondesse
a Lutero, o povo podia ser levado a pensar que os hereges tinham razão.
Por outro lado, se respondesse, podia-se a encorajar a laicidade, a comprar
os dois lados, pensar por si mesmo e escolher entre as alternativas, em
vez de fazer o que era dito. Para os defensores de velhos regimes que
se baseiam em hábitos de obediência, a resposta correta à
mensagem pode, portanto, ser a resposta errada em termos de meio.
Por sua, vez os católicos continuaram a se esforçar por
produzir imagens religiosas depois que os iconoclastas protestantes destruíram-
nas dentro e fora e das Igrejas, no processo de transformação
da aparência dos lugares sagrados. Os católicos prestavam
grande atenção à retórica da imagem, tornando
as pinturas mais dramáticas e – assim acreditavam- em um
meio mais eficaz de persuasão do que haviam sido antes da chamada
Contra – Reforma em seguida ao Concílio de Trento (1545-63).
Muitas vezes a iconografia se referia as doutrinas que os protestantes
haviam atacado. Cenas do arrependimento de são Pedro ou de santa
Maria Madalena, por exemplo, eram especialmente retratadas, pois representavam
justificativas para o sacramento da confissão. Os halos voltaram
aos santos, que em alguns casos os tinham perdido (apesar do halo de Lutero).
O desenvolvimento das instituições opostas – em retrospectos
complementares – de propaganda e censura pode ter sido conseqüência
inevitável da invenção da impressão gráfica,
mas ambos foram resultado imediato das guerras religiosas do século
XVI. A propaganda e a censura eram religiosas antes de se tornarem políticas.
Assim como os impressores ajudaram a garantir a sobrevivência da
Reforma protestante, tornando impossível suprimir as ideais de
Lutero do modo como foram aniquiladas as dos hereges medievais, também
a Reforma representou um sucesso econômico para os impressores,
seja com a grande venda de panfletos, ou a prazo mais longo, de bíblias
em vernáculo. Contrariamente à tese de Habermas, pode-se
argumentar que a Reforma alemã contribuiu para o aparecimento de
uma esfera pública, pelo menos durante algum tempo. Os escritores
de panfletos usavam estratégias autoconscientes de persuasão,
tentavam atingir um vasto público e estimulavam a crítica
à Igreja. Depois que as novas idéias tinham sido amplamente
debatidas em público durante os primeiros anos do movimento, eles
mencionaram abertamente os nomes de alguns católicos. Quando às
autoridades seculares, também elas descobriram que a nova mídia
era uma força poderosa que talvez servisse para fins políticos.
O conflito entre o imperador Carlos V e seu rival , o rei Francisco I
da França, trava-se também em panfletos, além das
batalhas campais, a parti de meados da década de 1520; o desenvolvimento
dessa campanha de papel mostra que ambos os governantes tinham aprendido
uma lição com Lutero.
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