Giovana Flávia de Oliveira - Universidade
de Taubaté – UNITAU
Muito se tem questionado sobre o desinteresse de jovens
da faixa etária entre onze e dezesseis anos por livros de literatura
infanto-juvenil. Este trabalho parte da visão de um grupo de adolescentes
sobre leitura. Desta forma, buscou-se, através de um questionário
aplicado em 127 alunos de escolas públicas de periferia dos municípios
de Caraguatatuba e São Sebastião, conhecer a idéia
que esses adolescentes têm de leitura e a possível influência
da escola na formação desses leitores. A partir dos resultados,
foram elaboradas intervenções dirigidas a seus centros de
interesse visando sempre à formação do leitor autônomo.
Introdução
O trabalho com leitura em sala de aula é um desafio
constante para professores de diversas áreas. Muito se tem pesquisado
sobre o assunto: Bordini e Aguiar (1993), Bamberger (2001), Zilberman
(1998), Brandão e Micheletti (1998), Coelho (2000), Lajolo (2001)
e Faria (2004), entre outros, muito contribuíram para o desenvolvimento
de pesquisas sobre a importância do ensino e aprendizagem da leitura
nas escolas.
De um lado do problema, testes apontam para a péssima condição
de interpretação de textos dos estudantes brasileiros, alunos
afirmam que não gostam de ler, a mídia ataca com uma imagem
negativa de leitores, o preço dos livros é muito alto. Por
outro lado, pesquisas apontam para a importância da leitura na formação
do indivíduo crítico, campanhas governamentais buscam o
desenvolvimento do gosto pela leitura, professores são cobrados
para desenvolverem em seus alunos a habilidade de leitura.
As escolas recebem, anualmente, centenas de títulos de obras literárias
que, muitas vezes, ficam amontoados nos cantos das escolas com a justificativa
de que os alunos não gostam de ler. Quando usados, limita-se o
trabalho à leitura dos livros para posterior avaliação
do professor, feita por meio de provas, resumos ou exposições
orais. Pouco se faz para o desenvolvimento efetivo do gosto pela leitura.
Neste contexto, os objetivos deste trabalho são analisar qual a
opinião de adolescentes de classe baixa de bairros de periferia
dos municípios de Caraguatatuba e São Sebastião sobre
leitura e propor sugestões de intervenção no percurso
de formação do leitor visando ao desenvolvimento do gosto
pela leitura.
Metodologia
Foram aplicados questionários a 127 alunos dos
3º e 4º ciclos do ensino fundamental (5ª a 8ª séries)
de duas escolas de periferia: uma estadual, em Caraguatatuba; e uma municipal,
em São Sebastião.
Os questionários buscavam caracterizar os alunos de duas formas:
primeira (questões de 1 a 5), quanto à identificação
do aluno e opinião sobre leitura – idade, sexo, número
de livros lidos em média por ano, se gosta de ler - seguida da
justificativa para a resposta escolhida -, e atividades preferidas; segunda
(questões de 6 a 10), quanto aos gostos específicos de leitura
– tipos de leitura que gosta de realizar, o que chama a atenção
em um livro, livros que gostariam que a escola indicasse, nome do último
livro lido, e nome da história favorita.
Análise do corpus
a) Identificação do aluno e opinião
sobre leitura
Dos 127 alunos pesquisados, 26% tinham 11 anos; 16%, 12
anos; 20%, 13 anos; 35%, 14 anos e 3% tinham 15 anos. Destes, 54% eram
do sexo masculino e 46% do sexo feminino.
Questionados quanto ao número de livros lidos durante o ano de
2004, 10% dos alunos responderam que não tinham lido nenhum livro;
25% afirmam ter lido um ou dois livros; 29% dos alunos afirmam ter lido
três ou quatro livros; e 36% dos alunos afirmam que realizaram a
leitura de 5 ou mais livros.
Quando questionados se gostam de ler, 14% dos alunos responderam que sim,
muito; 25% dos alunos responderam apenas que sim; 59% dos alunos responderam
que às vezes; e 2% dos alunos responderam que não.
Quanto à justificativa para a pergunta “Você gosta
de ler?”, as respostas foram abertas e 28% dos alunos justificaram
o gosto (ou não) pela leitura devido a um interesse pessoal; 12%
disseram que o interesse pela leitura se dava porque ler faz bem e distrai;
17% disseram que gostam de ler dependendo do assunto, se é interessante,
legal; 5% justificaram que lêem porque ler auxilia na aprendizagem
e na interpretação; 7% dizem que gostam de ler quando têm
tempo; 9% afirmam não possuírem muito gosto pela leitura
porque não entendem o que lêem; 4% afirmam que têm
preguiça de ler, pois os livros têm muitas páginas;
3% disseram que não acham livro algo legal; 15% dos alunos não
justificaram a resposta.
Por meio da observação destes resultados, pode-se observar
que a idéia de que o aluno não gosta de ler não é
verdadeira; pouquíssimos foram os que afirmaram não gostar
de ler. No entanto, a preocupação com o tipo de leitura
a se realizar é grande. Ao afirmarem que lêem quando se interessam
pela leitura, os alunos demonstram que já possuem um certo gosto
por leitura, já possuem certa autonomia que, quando não
respeitada pela escola, pode levar à falsa idéia de que
os alunos não gostam de ler.
Afirmações de que não gostam de ler porque não
entendem o que lêem é outro reflexo do que precisa ser feito
na escola. Se os alunos não entendem o que lêem, um trabalho
sistematizado com leitura poderia ajudá-los na solução
deste problema e colaborar para que passem a gostar de ler.
Entre as atividades preferidas, as que mais se destacam como favoritas
pelos alunos são jogar bola e assistir a filmes. A atividade que
eles menos gostam de fazer é dançar. A leitura, quando comparada
às outras atividades, obteve notas medianas na preferência
dos alunos.
O interesse por atividades práticas, como o futebol, também
pode abrir um campo de estudo e idéias sobre possíveis trabalhos
com leituras: os alunos não gostam de ficar parados, querem movimentos.
Assistir a filmes é, também, uma preferência quase
que absoluta para os alunos. Desta forma, associar a literatura a outras
áreas de conhecimento pode ser um ponto de partida para o desenvolvimento
do leitor.
b) Gostos específicos de leitura
Entre os tipos favoritos de leituras, 14% dos alunos afirmam
que gostam de ler livros; 40 % preferem a leitura de gibis; 17% afirmam
que gostam de revistas de esportes; 26% afirmam que gostam de revistas
sobre TV; e 3% afirmam gostar de outros tipos de leitura.
A preferência por gibis entre os alunos é grande e provavelmente
se deve ao fato do custo relativamente baixo deste material, o que o torna
mais fácil de ser levado à sala de aula pelos professores.
A facilidade de leitura também pode ser um fator que contribui
para a preferência pela leitura do gibi: os desenhos e textos pequenos
colaboram com isso.
Sobre o que mais chama a atenção em um livro, os alunos
responderam: assunto, 47%; ilustração, 28%; capa, 13%; propaganda
na mídia, 6%; e letra 6%.
Quanto ao tipo de livro que os alunos gostariam que a escola indicasse
para a leitura, 15% dos alunos sugerem histórias de terror; 23%,
histórias de suspense; 13%, histórias de aventura; 10 %,
histórias sobre conflitos de adolescentes; 8% preferem a leitura
de assuntos atuais; e 31% das indicações foram variadas,
com muitas sugestões, inclusive, de leitura de livros didáticos.
Entre os títulos dos últimos livros lidos pelos alunos,
apareceram muitos livros didáticos (de História, de Ciências,
por exemplo), gibis, livrinhos da coleção Contos Clássicos
(contos de fadas adaptados a crianças e vendidos nas lojas de R$1,99),
e livros das coleções Literatura em minha casa, distribuídos
pelo governo para as escolas.
Entre as histórias favoritas dos alunos, apareceram muitos títulos
de contos clássicos (A Bela e a Fera, Os três porquinhos,
Chapeuzinho vermelho) e filmes americanos (Shrek, Procurando Nemo, Harry
Potter e O senhor dos anéis).
É através das leituras que os alunos gostam de realizar
que eles poderão chegar a leituras mais profundas. Quando se pega
um livro, há certos interesses que fazem com que o leitor interaja
com o texto. A escola deve respeitar os centros de interesses dos alunos
e daí propor novas leituras.
Propostas de intervenção
Serão descritas neste artigo duas atividades desenvolvidas
com alunos de 6ª e 7ª séries de uma escola de periferia
do município de São Sebastião.
A primeira atividade foi realizada com alunos de 6ª série
no ano de 2004, durante os meses de novembro e dezembro; a segunda atividade
foi realizada com alunos de 7ª série no ano de 2005 durante
o mês de junho.
Atividade 1 – A menina dos fósforos, de Hans
Christian Andersen.
A primeira atividade teve como texto gerador o conto A
menina dos fósforos, de Hans Christian Andersen. Cada aluno recebeu
o texto xerocopiado e colou-o no caderno.
A primeira leitura foi realizada em voz alta pela professora. É
importante que os alunos tenham um referencial de leitura, um modelo de
leitor. Muitas vezes, alunos de periferia, quando crianças, não
tiveram acesso às histórias infantis interpretadas por profissionais
(como aquelas gravadas em fita cassete ou CD), muito menos assistiram
a peças de teatros ou filmes infantis. Desta forma, a leitura dramatizada
feita pelo professor é muitas vezes o único referencial
de leitura que estes alunos possuem.
Após a leitura feita pela professora, foi aberta a discussão
para a classe do que havia acontecido com a menina.
Os alunos comentaram sobre as dificuldades passadas pela personagem até
chegar a sua morte. Foram comentadas as diferenças da menina descrita
no texto de Andersen e as crianças que passam necessidades aqui
no Brasil: aquela, loira de cabelos cacheados; estas, normalmente negras
e mulatas. Outras diferenças foram observadas: a neve, na noite
de ano novo (Ano Bom, como é falado no texto); os alimentos que
estavam postos à mesa, o fato da menina vender fósforos,
entre outras coisas.
Os alunos fizeram, num primeiro momento, comentários orais quanto
a essas diferenças. Num segundo momento, foram feitos no caderno
exercícios de interpretação para fixação
destes elementos observados.
Na semana seguinte, uma segunda versão do conto A menina dos fósforos,
desta vez de um livrinho infantil, deste com grandes ilustrações
e pouco texto, foi apresentada para a classe. A primeira leitura da história
também foi feita pela professora, enquanto mostrava os desenhos
do próprio livro.
Os alunos puderam notar que a história era a mesma, porém
com algumas diferenças: nesta versão, a menina não
morre, é adotada e aparece no final do conto em seu quarto, “em
uma cama bem quentinha”. Questionados quanto ao porquê desta
diferença, os alunos chegaram à conclusão de que
deveria ser para não assustar as crianças, público-alvo
deste tipo de livrinho, que ainda são muito pequenas e se assustariam
com a versão original da história.
Na semana seguinte, alguns alunos levaram para a sala de aula outras versões
da mesma história, descobertas entre os livros que tinham em casa.
As histórias eram lidas e os alunos comentavam as diferenças
entre a versão atual e as outras que já conheciam.
Num terceiro momento, os alunos leram a versão de Ricardo Ramos
do conto A menina dos fósforos (neste texto o autor conta a mesma
história, porém adaptada à realidade brasileira:
a menina morre de fome e de calor na noite de ano novo.). Os alunos ficaram
chocados com a versão brasileira do conto. A história, mais
próxima à realidade que conhecem, causou a compaixão
de muitos alunos. Discutiram-se assuntos como os direitos da criança
e do adolescente e o ECA, Estatuto da criança e do adolescente.
A última versão da história apresentada aos alunos
precisou de um preparo prévio: por se tratar do mesmo conto já
lido várias vezes, só que em cordel, os alunos foram apresentados
a este gênero primeiramente por meio de outras histórias.
Muitos, migrantes do Nordeste brasileiro, já conheciam o gênero
e lembraram a forma de apresentação das histórias.
Foi relembrada com a turma a história Cordel adolescente, ó
xente!, já conhecida dos alunos por causa das aulas de leitura,
e também foram mostrados alguns livrinhos de cordel com histórias
variadas. Foram elencadas com a classe algumas das características
do cordel: histórias em versos na maioria das vezes rimados, impressas
em livrinhos feitos em xilogravura (alguns alunos pesquisaram o significado
de xilogravura), vendidas em feiras e/ou nas ruas penduradas em cordinhas
– daí o nome literatura de cordel.
Mais uma vez a versão da história foi lida primeiramente
pela professora. Depois, os alunos leram trechos da história, representando,
carregando no sotaque nordestino, que muitos já possuíam
naturalmente.
A etapa seguinte do trabalho foi a de produção. Foram feitas
as seguintes propostas, de acordo com as características das classes:
turma E: reprodução da história na versão
em cordel em livrinhos ilustrados pelos grupos, feitos com folhas de sulfite
cortadas em quatro partes; turma B: reprodução do dois primeiros
versos da história já existente em cordel e criação
dos versos finais para cada estrofe, feitos pelos alunos em livrinhos
“reciclados” de uma campanha contra cópia ilegal de
livros (os livros não tinham nada impresso, apenas as páginas
em branco); turma C: criação de nova versão em prosa
do conto, porém adaptado à realidade do bairro onde moravam
(Saíram histórias cujos títulos eram A pequena vendedora
de balas, A pequena vendedora de drogas. Infelizmente estas histórias
foram destruídas por alunos da própria escola, no período
em que ficaram em exposição na sala de aula); turma D: foram
produzidas versões integrais do conto A menina dos fósforos,
também em cordel. Serão descritos a seguir os passos desta
atividade.
Este trabalho foi realizado em grupos e dividido em várias etapas:
criação no caderno da versão da história;
correção pela professora dos problemas gramaticais; passagem
a limpo da história em folhas de sulfite, obedecendo à diagramação
para a produção do cordel; ilustração das
folhas do cordel; criação da capa para o livrinho; escrita
das versões finais das histórias em estêncil (cedido
pela escola); produção final dos livrinhos, com o uso do
mimeógrafo.
Os alunos tinham de produzir, com material cedido pela professora, um
mínimo de três livrinhos: um para a professora, um para a
escola e um para o grupo. Alguns grupos, porém, produziram livrinhos
para todos os membros do grupo e até para os familiares. Os alunos
que não tinham material foram auxiliados pela professora e pelos
próprios colegas.
Atividade 2 – Um apólogo, de Machado de Assis.
A segunda atividade descrita neste artigo foi realizada
com alunos de 7ª série desta mesma escola de periferia do
município de São Sebastião. Desta vez, o texto gerador
foi o conto Um apólogo, de Machado de Assis.
No início do trabalho, os alunos pesquisaram sobre a vida e a obra
de Machado de Assis. Foram orientados pela professora de que encontrariam
material sobre este autor em enciclopédias, em livros de Língua
Portuguesa do Ensino Médio e nos próprios livros do autor,
que poderiam ser encontrados na biblioteca da escola e do bairro. No prazo
marcado para a entrega dos trabalhos, houve um momento para comentários
sobre as descobertas a respeito de Machado de Assis. Muitos citaram que
Machado de Assis era de origem pobre, mulato, e que se tornou o maior
escritor brasileiro. Outro fato muito comentado foi sobre Machado de Assis
ter sido autodidata e não ter freqüentado escolas. Conhecido
o autor, foi apresentada para a classe parte do conto Um apólogo
(até o parágrafo 17).
Os alunos copiaram o texto da lousa e foram avisados de que o texto não
estava completo, e que trabalhariam com ele por algum tempo.
A 1ª atividade desenvolvida com o texto relacionou-se ao vocabulário.
As palavras desconhecidas, inclusive o título, foram procuradas
nos dicionários ou elucidadas pelos colegas ou pela professora.
A 2ª atividade foi a leitura dramatizada do texto: primeiramente,
feita pela professora e um aluno da classe, que se ofereceu como voluntário;
posteriormente, feita pelos próprios alunos, divididos em trios
(um narrador, uma linha e uma agulha). Os alunos tiveram o prazo de um
final de semana para treinar em casa a leitura do texto.
A atividade de leitura dos textos foi uma das atividades de avaliação
do bimestre. Durante a atividade, alguns alunos puderam perceber a importância
de uma cópia bem feita no caderno, pois não poderiam, durante
a leitura, omitir ou trocar nenhuma palavra. Para que as leituras ficassem
atraentes e que as personagens fossem bem representadas eram necessários
treino e compromisso. Um dos critérios de avaliação
era o maior respeito possível por quem estivesse lendo. Aqueles
que realizavam leituras insatisfatórias eram orientados a treinar
mais um pouco e tinham a chance de recuperar a nota na aula seguinte.
Alguns alunos tiveram grandes dificuldades na divisão da leitura
entre as personagens: liam bem, com entonação adequada,
porém não dividiam corretamente as falas entre as personagens.
Alguns paravam de ler no primeiro ponto final; outros trocavam de leitor
a cada linha do caderno. Estes alunos forma orientados pela professora
para que realizassem as leituras novamente, atentando para as falas das
personagens. Paras que lessem corretamente, os alunos pintaram, no caderno,
com lápis de cor, as falas de sua personagem. Alguns grupos com
maior facilidade ajudaram os colegas nesta tarefa.
Realizadas as leituras, a terceira atividade consistiu numa espécie
de julgamento da linha e da agulha. As salas, divididas em dois grandes
grupos, tinham como tarefa buscar, no texto e na vida real, argumentos
para verificar quem tinha razão na discussão apresentada
na história: a linha ou a agulha. Alguns alunos, que faltaram no
dia da divisão da sala, julgaram o desempenho dos colegas durante
a atividade.
As discussões, num primeiro momento, ficaram presas ao texto, com
falas do próprio autor. Posteriormente, foram se estendendo à
vida real, com os possíveis valores e funções de
uma linha e uma agulha. Ao final do debate, era apresentado o veredicto
final, resultado da votação do júri.
A quarta atividade foi a leitura do final do conto, para verificar quem
venceu a discussão, na versão de Machado de Assis. A leitura
completa do conto foi apresentada pelos alunos por meio de um CD com a
narração da história realizada por um ator profissional.
Os alunos ouviram atentamente a leitura do conto e perceberam que, em
dois momentos, o ator comete pequenos deslizes na leitura, trocando palavras
ou se perdendo quanto à entonação.
Com o texto completo, os alunos comentaram suas conclusões: no
início, com um certo estranhamento quanto à entrada do professor
de melancolia no final do conto; depois de alguns comentários dos
próprios colegas, compreendendo a moral do texto.
A quinta atividade proposta aos alunos foi a transformação
do conto “Um apólogo” em história em quadrinhos.
Os alunos poderiam escolher entre fazer a atividade em trios, duplas ou
individualmente. Foi dada a orientação de que a história
não poderia ser modificada, porém que, para que ficasse
agradável na versão em quadrinhos, teria de ser diminuída.
Para isso, os alunos poderiam resumir o texto como um todo, ou suprimir
algumas partes da história.
Foram revistos alguns elementos básicos das histórias em
quadrinhos: os balões, a presença do narrador, a expressão
dos desenhos, as onomatopéias, as cores, tipos de letras, entre
outras coisas. Durante a atividade, surgiram dúvidas quanto ao
uso ou não de travessões dentro dos balões. Voltada
a pergunta para a classe, os próprios alunos chegaram à
conclusão de que não precisaria ser usado o travessão
no balão, uma vez que o próprio balão já indica
que aquele texto é fala da personagem.
Os alunos levaram, aproximadamente, uma semana (seis aulas de 45 minutos)
para a realização da atividade. Neste período, alguns
alunos chegaram a decorar trechos do texto e ficavam brincando durante
as aulas como as personagens. Alguns preferiram levar as histórias
para adiantarem uma parte em casa, pois não gostariam de perder
a aula de leitura (realizada com as turmas toda quinta-feira) terminando
a atividade. A grande maioria dos alunos entregou as histórias
em quadrinhos no prazo, inclusive aqueles alunos que não realizam
freqüentemente as lições.
A sexta atividade realizada com a turma a partir da leitura do conto de
Machado de Assis foi a criação e uma paródia para
o texto. Esta idéia surgiu da observação de que os
alunos, enquanto faziam as atividades de reprodução do conto
em história em quadrinhos, durante vários momentos perguntaram
se não poderiam modificar as histórias, sendo negada pela
professora esta possibilidade. O momento de transgressão do texto
seria a produção da paródia da história.
Para a compreensão do que seria uma paródia, foi realizada
com as salas a leitura de duas versões da fábula O lobo
e o cordeiro: a primeira, escrita por Monteiro Lobato (alguns alunos já
haviam notado semelhanças entre fábulas e o apólogo);
a segunda, versão de Luis Fernando Veríssimo, paródia
da fábula, chamada A solução. Ambos os textos se
encontram no livro didático adotado pela escola.
Após discussões sobre a fábula e a sua paródia
lidas em sala (discussões quanto a diferenças e semelhanças
nas idéias apresentadas, na estrutura do texto, nas questões
éticas dos textos), os alunos passaram à produção,
em duplas ou individualmente, de uma paródia do texto Um apólogo.
No momento de revisão dos textos, apareceram alguns problemas quanto
à pontuação do diálogo. Foi relembrada, então,
a pergunta feita durante a criação das histórias
em quadrinhos, quanto ao uso dos travessões em balões, e
os alunos puderam perceber a importância do uso do travessão
no texto em prosa.
O momento seguinte foi de apresentação para a classe das
paródias produzidas. A pedido dos próprios alunos, a leitura
foi realizada pela professora. Ficou combinado que, se o autor do texto
não quisesse se manifestar quanto à autoria da história,
esse direito seria garantido. Todos os alunos, porém, se manifestaram,
assumindo a autoria dos textos, e eram aplaudidos pela sala após
a leitura dos mesmos.
As histórias produzidas pelos alunos serão digitadas e organizadas
pela professora em um livro, para divulgação na escola durante
o 2º semestre.
Comentários finais
O trabalho com literatura nas escolas de 5ª a 8ª
séries, quando bem realizado, pode colaborar na solução
de muitos problemas que vêm sendo enfrentados na educação
nos últimos tempos. Os alunos gostam de ler, basta que compreendam
as obras e que tenham claros objetivos de leitura em mente. Por meio destes
dois trabalhos, um de leitura de texto popular outro de leitura de literatura
clássica, procurou-se demonstrar que o trabalho com literatura
entre alunos de escola pública de periferia é possível.
Mais que quantidade, o trabalho com literatura deve buscar qualidade.
Ronca e Terzi (1998, p.76) afirmam que:
Num tempo em que se cultua a imagem, ela é apresentada com tal
força e constância onde, com muita facilidade, se desvaloriza
a reflexão; há pressa na apresentação de conteúdos,
que incita a superficialidade e afugenta a crítica. Subjugados
ao falso mito de que um Homem informado é um Homem poderoso, supervalorizamos
a quantidade de informações, em detrimento de sua qualidade
e aprofundamento.
Sabe-se que é preciso que algo seja feito com a
leitura destes livros. Um acompanhamento por meio de resumos e/ou exposições
orais pode ser adequado se possibilitar a organização do
aluno e gerar um trabalho mais efetivo de leitura, que parta do texto
para a realidade do aluno, que extrapole todas as possibilidades de leitura
e retorne para a realidade do aluno e para o texto, que mais uma vez retornará
à sociedade como algo concreto.
Os dois trabalhos aqui descritos foram rigorosamente acompanhados pela
professora. A participação dos alunos com comentários
sobre os textos só é possível se a sala tiver um
ambiente de extremo respeito. Gostar de ler é um hábito
e, como tal, se adquire através do exemplo, da constância
e do acompanhamento do adulto. Ter consciência do que se está
fazendo, do lugar onde se está e de onde se quer chegar são
etapas que poderão nortear um trabalho efetivo com leitura.
Referências
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