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TÍTULO
DO TRABALHO: “LEITURAS POSSÍVEIS – MODA, MÍDIA,
COMPORTAMENTO: RELAÇÕES DE LINGUAGENS”.
Carlos
Pellegrino – Faculdade Tecnológica Uirapuru (FATU) /Sorocaba
– calospellegrino@click21.com.br
Eneida Maria Molfi Goya – Doutoranda da Faculdade de Educação/Universidade
de Campinas (UNICAMP)
“um
indivíduo emerge através dos processos de interação
social”,
não como um produto final relativamente fixo,
mas como um que é constituído e reconstituído
através de várias práticas discursivas das quais
participa.
... os seres humanos são caracterizados tanto
pela identidade pessoal continuada
“como pela descontinuidade da diversidade pessoal”
(DAVIES E HARRÉ, 1990, P. 46).
INTRODUÇÃO
Partindo-se
do princípio de que moda é um reflexo de uma determinada
cultura ou grupo, e que funciona com um instrumento aglutinador de idéias
e conceitos, o presente trabalho propõe uma reflexão sobre
o efeito da mídia que veicula determinada moda no comportamento
de massas. Neste trabalho procura-se refletir sobre as tentativas de se
estabelecer as principais relações entre Moda e Mídia
e as decorrências culturais e comportamentais dessa parceria no
âmbito sócio-cultural.
A Moda como definição, se presta a moldar atitudes e comportamentos,
baseados em imagens ou signos, traduzidos pelos indivíduos que
a observa. Quando essa situação transcende limites e atinge
as massas, observa-se nitidamente a atuação dos vários
processos midiáticos.
Como prever a mesma interpretação pelos dois receptores:
indivíduo e massa?
Qual a bagagem sócio-cultural e histórica de cada um, que
lhes possibilitará desenvolver ou construir o todo necessário
para o entendimento das mensagens?
Haja visto na atualidade a diversidade de comportamentos que se convenciona
denominar tribos com as mais variadas alcunhas: Clubbers, Rappers, Skaters,
Hip-hoppers, Punks, Skinheads, Roqueiros, Clássicos, Darks, Plocs,
Patricinhas, Mauricinhos, Yuppies, etc. As conseqüências desse
envio e decodificação de mensagens é a questão
preponderante no entendimento do processo de modificação
pelo qual a sociedade contemporânea vem passando.
Assim, é importante fazer uma discussão aprofundada a respeito
dos meios de comunicação como forma de linguagem que influenciam
uma outra linguagem que é convertida na forma de vestir. Este assunto
nem sempre é tratado nos centros acadêmicos, sendo assim,
moda – na maior parte das vezes – faz parte de uma discussão
de senso comum. Trazer esse assunto para o meio acadêmico significa
falar sobre este tema embasando-o numa teoria com perspectiva sócio-cultural.
A LINGUAGEM DA MODA: A MODA COMO AGLUTINADORA E /OU DISPERSORA DE SUJEITOS
Sendo a Moda
considerada como o sistema de expressões de um grupo em lugar e
tempo específico, ela reúne e revela diferentes valores
e padrões hegemônicos desse grupo. Também pode ser
vista enquanto possibilidade de agrupar pessoas e ao mesmo tempo, excluí-las.
Essa exclusão pode se dar por diferentes fatores: culturais, sociais
e principalmente econômicos. Por outro lado, esses mesmos fatores
que excluem, reúnem pares que compartilham de padrões semelhantes
- padrões estes definidos por estilo e biótipo.
Isso é facilmente identificado quando nos deparamos com um traje,
carregado de signos pertencentes a uma determinada época (saia
godê dos anos 50 por exemplo), de fácil leitura e nos reporta
a um momento histórico específico.
No que se refere ao momento contemporâneo, como já comentei,
a vestimenta de um grupo de jovens, incluindo a sua linguagem, atitudes
e comportamentos específicos, definem sua inclusão em um
determinado grupo. Ou seja, é preciso mais do que uma simples vontade
de pertencer a um determinado grupo. È preciso identificar-se com
ele até do ponto de vista da vestimenta. É como se a roupagem
de determinado sujeito refletisse uma espécie de "uniforme”
que o identifica e faz com que esse sujeito tenha livre acesso a um determinado
grupo. Esse grupo existe por meio desta uniformização que
o diferencia do todo, não somente pela forma de vestir mas essa
vestimenta também traz com ela comportamentos e atitudes; preconceitos
e posturas diante de uma determinada sociedade.
Em alguns casos essas tribos têm na sua gênese uma vontade
de burlar o que se estabeleceu como tradicional e hegemônico.
Se falarmos sobre o movimento hippie teremos que nos lembrar que, por
detrás das vestimentas, cabelos, rock’n holl, drogas, havia
o lema “Paz e Amor”. Esse grupo surgia num momento em que
o mundo sofria com a guerra que escandalizava os jovens, jovens estes
que com seu pensamento pacifista influenciaram de forma bastante precisa
o movimento ambientalista que posteriormente teria um forte impacto nas
políticas mundiais.

MÍDIA
E SUA LINGUAGEM
A Moda, considerada
uma expressão sócio-cultural, utiliza-se de diferentes mídias
com diferentes intenções. Tais intenções vão
desde a necessidade da venda de um determinado produto, bem como a construção
de todo um sentimento que leva a um comportamento.
Segundo relatório da UNESCO: Perspectivas sobre a criança
e a Mídia, lançado em 2001, “a televisão reforçou
sua posição de principal meio de comunicação
de massa depois do rádio”. Nesse mesmo relatório,
lê-se que no ano de 1996, “estimava-se que sete em cada dez
domicílios em todo o mundo, possuíam um aparelho de televisão,
superando e muito o número de domicílios que possuíam
telefone” (Trigueiro, 2003).
Se fizermos um pequeno levantamento para verificarmos quanto de espaço
a TV ocupa na vida das pessoas iremos verificar inclusive que ela dita
regras no cotidiano das pessoas: “depois da novela das oito”,
comentários sobre o Big Brother Brasil, o Fantástico como
anunciador da semana que se inicia, trazendo uma pontinha de angústia
diante do fim de semana que se finda,...
Com essa invasão de privacidade, podemos dizer que na Era da Informação,
na Idade Mídia, os profissionais da comunicação pertencem
ao que se convencionou chamar de “Quarto Poder”. Nesse cenário,
a Moda tem ocupado cada vez mais espaço, não só no
que diz respeito às propagandas, bem como em noticiários
referentes às recentes “Fashion Weeks”.
Isso tem um significado forte quando o Brasil - um país com inúmeras
necessidades básicas de saneamento, desnutrição,
violência, desemprego e analfabetismo – tem a modelo mais
bem paga de todos os tempos. A desnutrição de pessoas que
não têm o que comer convive com a “esqualidez”
de uma modelo que não come para manter gorda sua conta bancária
e poder atender as empresas e estilistas que sobrevivem às custas
de sua imagem.
Na TV paga, programas e entrevistas sobre moda, estilo e comportamento
ganham cada vez mais espaço em detrimento de outros de cunho mais
intelectual e educativo ou de interesse público com temas sócio-políticos
por exemplo. Hoje, encontramos programas vespertinos como todos aliás,
reservando espaço para tal na TV aberta, tendo como apresentadora/consultora,
uma Top Model falando sobre tendências, combinação
de cores e roupas num telejornal. Questiono qual (is) representação
(ões) social (ais) sobre moda e vestimenta que se constrói
ou consolida nas pessoas comuns, que assistem a esses programas, visto
que a realidade destas muitas vezes não condiz com a condição
social exibida naquele programa.
“Quanto mais você é informado do inessencial, menos
você sabe sobre si mesmo e mais você é controlado pela
lógica do medo” (Sodré, 1981). “É essa
avalanche de informações que nossa capacidade de discernir
e entender a complexidade do mundo moderno com olhar sobre aquilo que
é essencial”. (Trigueiro, 2003)
Nos idos anos 80, assistíamos a programas do tipo “TV Mulher”,
onde um renomado estilista de elites, dava sugestões de modelos
às telespectadoras em resposta as suas dúvidas expostas
através de suas cartas. Este formato de construção
de sentido, teve que ser modificado em função da maior quantidade
de informação acessível às massas nos dias
de hoje.
Ao longo
da história, grandes movimentos da moda acompanharam seu modo de
produção, de comunicação e veiculação
de determinadas tendências. Esse movimento só se justifica
por tratar-se de uma sociedade capitalista, consumista por excelência.
Com certeza esta reflexão não teria o mesmo sentido se estivéssemos
vivendo em uma sociedade oriental socialista. É bom lembrar que
o mundo vive – com a abertura econômica da China (país
mais populoso do mundo) um branqueamento da população chinesa,
onde valores, padrões estéticos e culturais têm ganho
espaço inclusive na própria não aceitação
de sua etnia (aumentando o número de pessoas que passam por cirurgias
para “abrir” os olhos e ficar com o olhar ocidentalizado).
MODA / MÍDIA / COMPORTAMENTO: DIFERENTES LINGUAGENS E LEITURAS
A partir
do momento que diferentes imagens coexistem, podemos refletir sobre a
questão da individualidade. Numa tribo, por exemplo, em nome do
grupo, o individualismo morre para beneficiar a construção
de um imaginário sobre aquela determinada tribo. Ou seja, aquilo
que parece ser algo de atitude, assumir a identidade de determinado grupo,
simplesmente pulveriza o EU para a criação de um EU COLETIVO,
que pouco tem do sujeito.
Desta forma, Moda, Mídia e Comportamento, co-habitam em espaços
onde as fronteiras são tênues, podendo-se dizer que formam
uma espécie de “híbrido” de algo que é
diferente e semelhante ao mesmo tempo. Assim, novas leituras sobre as
leituras que se faz sobre a moda deve ser feita e refeita.
Não é raro observarmos nas ruas das cidades, comportamentos
ditados por celebridades da “novela das oito” por exemplo,
cunhadas pela Mídia, de pessoas tentando se passar pelas mesmas
ou imitá-las em suas roupas, corte e cor de cabelo, maquiagem e
acessórios num vai e vêm frenético de efêmeros
temas e tendências.
“A
publicidade reforça os padrões de comportamento estabelecidos
pela e na sociedade, refratando e refletindo a realidade idealizada, para
tornar atraente e vender o produto anunciado. Na televisão, utiliza-se
de forma intensa um sistema composto por operações concomitantes
de dois ou mais eixos semióticos: o lingüístico, fotográfico,
visual e sonoro”.
(Garboggini, 2002, p. 141)
Em nosso
cotidiano, observamos diversos tipos de mulheres ou homens que trazem
em suas vestimentas e comportamento, os reflexos viróticos da publicidade,
criando a ilusão de que determinada roupa ou postura, poderá
revolucionar suas vidas muitas vezes difíceis e invariavelmente
dirigidas a tarefas banais e sem glamour do cotidiano.
Seguir a Moda é uma opção individual e de cunho fortemente
calcado na aceitação que essa atitude dispara. Quanto às
massas, seguir a Moda é a única opção disponível
visto que o padrão dominante baseia-se em tendências seguidas
por todos os fabricantes que visam esse público.
Qual a expectativa de vida em longo prazo na questão Moda / Sociedade
e o alcance de suas mensagens nas sociedades individualizadas previstas
para o futuro?
Personalizar, customizar, na corrente linguagem cognitiva da Moda atual
as duas palavras chave expressivas do novo conceito de vestir e se apresentar
na sociedade. As ferramentas utilizadas atualmente pela Mídia não
estão capacitadas para atuar desta forma e para este fim. Pó
quais mudanças conceituais ela deverá passar para se atualizar?
Ao olhar a “Folha de São Paulo” (Mídia Impressa
publicada em 30/04/05), me deparei com uma jovem modelo, com fortes indícios
anoréxicos, sentada em um banco de madeira, trajando uma roupa
de conhecida grife brasileira e ao tentar enquadrar essa imagem às
pessoas de meu convívio, percebo que nenhuma ou muito poucas, pudessem
consumir esse produto não só do ponto de vista econômico,
mas, principalmente do ponto de vista do biótipo escolhido para
sua representação. Que fabricante é esse que visa
a exclusão de pessoas do seu mercado, apoiando-se na imagem de
um estereótipo totalmente contrário ao da consumidora, brasileira
no caso, e com todas as imperfeições estéticas que
não lhe são exclusivas, mas sim de todo cidadão comum,
de qualquer etnia ou nacionalidade.
“O padrão de beleza dos anos 90, exige que a mulher tenha
um corpo escultural, bem modelado, como se, sem isso, ela fosse menos
mulher. Como se não sendo magra e jovem, não pudesse ser
sedutora e atraente. Não é de hoje, logicamente, que o valor
de beleza está presente em nossa cultura. Apenas foi sendo modificado,
nos últimos tempos. De Marilyn Monroe à Gisele Bündchen,
significativas transformações ocorreram”.
(Ghilard – Lucena, 2002, p. 122)
No entanto,
não podemos esquecer que determinados tipos de publicidade, revelam
aspectos ou mesmo tempo que escondem outros, muitas vezes presentes subliminarmente.
Certos efeitos vistos hoje e considerados perniciosos e que se determina
serem conceitos de Moda, mas, interpretados e mal direcionados pela Mídia,
como: anorexia, bulimia, dismorfismo, Alienação, etc, deveriam
ser encarados como signos / ícones dessa parceria, desta forma
vista como mórbida ou simplesmente como efeitos colaterais do processo
de divulgação e enriquecimento dos fatos e particularidades
do “Mundo da Moda”.

Qual o motivo
para tal relação ou responsabilidade? Não esqueçamos
a individualidade nesta questão, pois que a massa, não é
anoréxica, muito pelo contrário é faminta por inclusão
nesse contexto sócio-cultural. A moda deveria ser a meu ver, algo
divertido, sem compromisso, uma brincadeira de adultos, de preferência
de bom gosto, mesmo que underground e capacidade cultural de construção
e produção artística. O lado comercial e todos os
seus paradigmas, infelizmente vão contra meu querer e acho difícil
ser de outra forma pois, o mundo precisa de dinheiro circulante.
Racionalizar esses dois lados antagônicos da Moda exige frieza e
desprendimento do que considero ser parte desse contexto de alguma forma:
a Arte. A Moda enquanto criação e a Moda como simples objeto
de consumo.
E a Mídia? Que espaço ocupa? Com certeza e da mesma forma,
séria e honesta enquanto meio de comunicação de diversos
assuntos de interesse público, levada a termo por jornalistas que
prezam essa profissão. E o lado descompromissado, descontraído
e até mesmo irresponsável quando o assunto é Moda
e seus eventos.
A Mídia reserva um grande espaço para as publicações,
via de regra produtos para consumo em suas páginas ou vídeo-minutos.
Em compensação, para os eventos de Moda, visto sua importância
comercial, são realizados programas inteiros de televisão
e publicações exclusivas sobre o assunto. Sendo assim, não
podemos ignorar Moda e Mídia, como sendo grandes parceiras nos
bons e nos maus momentos, num casamento de interesses e oportunismo indissolúvel,
em que cada um cumpre sua parte do contrato em prol do “imaginário
social”.
Temas que discutam a sociedade, padrões de consumo e imaginário
coletivo, são pertinentes em aprofundamento na Academia. Pesquisar,
produzir trabalhos acadêmicos em diferentes espaços das universidades:
Artes, Sociologia, Antropologia e Filosofia, faz-se necessário,
pois, só assim a discussão sobre Moda, Mídia e comportamento
poderá a partir do “senso comum”, aprofundar-se e retornar
a ele não mais como forma de dissenso.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
AUMONT, J.
A imagem. Campinas: Papirus, 1995.
DAVIES, B., HARRÉ, R. Positioning – the discursive production
of selve. Journal for the theory of social behavior. Vol 20(1): 44-63,
1990.
GHILARDI, M. I., BARZOTTO, V. H. Nas telas da mídia. Campinas:
Editora Alínea, 2002.
MAFESSOLI, M. O tempo das tribos: o declínio do individualismo
nas sociedades de massa. Rio de Janeiro: Forense-Universitária,
1987.
SODRÉ, M. O monopólio da fala: função e linguagem
da televisão no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1981.
TRIGUEIRO, A . Meio Ambiente no século 21. Rio de Janeiro: Sextante,
2003. |
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