Michelle Mendes Penha FFC – Unesp - Campus
de Marília – Bolsista FAPESP-
Orientadora: Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto
A pesquisa apresentada tem como objetivo evidenciar o
caráter fundamental das atividades de reflexão e operação
sobre a língua para a formação do aluno leitor e
produtor de texto. Centra-se no desenvolvimento de um projeto de aprendizagem,
com professores e alunos de 3ª e 4ª séries do Ensino
Fundamental de duas escolas públicas do município de Marília,
durante o qual os alunos são orientados na realização
de atividades de reflexão e operação sobre textos
escritos, por meio de atividades coletivas e individuais, conduzindo-os
à mobilização dos processos internos de aquisição
de saberes socialmente elaborados, fornecendo as ajudas necessárias,
propiciando um ambiente adequado e favorecendo as interações
sociais para a discussão dos assuntos previstos, com base numa
relação dinâmica entre os processos de ensino e aprendizagem.
Nesse sentido, e evocando agora o aspecto metodológico da questão,
o nosso papel é orientar o aluno em sua interação
com os diferentes tipos de textos, possibilitando-lhe o conhecimento da
dinâmica do processo de produção, permitindo que ele
desenvolva as competências lingüísticas necessárias
à elaboração de cada texto, dentro da situação
específica na qual deve produzir-se. (Jolibert e col., 1994b, p.
15-32 e 1994a, p. 139-145)
O contexto da sala de aula, propicio para esse tipo de trabalho, caracteriza-se
por ser dinâmico, cooperativo, pondo em relação a
participação coletiva e individual nas tomadas de decisão
e no encaminhamento das ações, a fim de que se consiga o
envolvimento pessoal da criança com a escrita, através de
projetos que permitam a cada aluno compartilhar com os demais as suas
produções e que privilegiem as escolhas das crianças
quanto a temas e tipos de textos, para que, desta forma, possam ser mais
aproximados os interesses curriculares e os interesses dos alunos (Calkins,
1989, p.45).
A proposta de Jolibert e colaboradores (op. cit.) favorece a organização
de projetos de aprendizagem de diferentes tipos de textos (denominados
“canteiros” ou “módulos de aprendizagem”)
que preenchem essas exigências e, em conseqüência, põem
em andamento um trabalho de construção, nos alunos, dos
saberes necessários ao domínio das diferentes manifestações
do texto escrito.
Essa proposta (sobre a qual se baseia o encaminhamento da pesquisa objeto
deste trabalho) está organizada da seguinte forma:
a) Determinar os parâmetros de situação de produção,
é uma entrada indispensável antes que as crianças
se apossem do papel para começar a escrever. É a primeira
etapa de toda a estratégia de produção de textos
e, portanto, é uma aprendizagem a ser conduzida com exigência,
até que se torne um automatismo para cada criança. (A quem
exatamente me dirijo? Por quê?, etc.).
Envolve, no entanto, cinco parâmetros:
• destinatário (e relação de paridade ou não
com o enunciador)
• status do enunciador;
• objetivo que o escrito deve produzir;
• efeito que o escrito deve produzir;
• objeto preciso de troca.
O que se deseja, nesta fase, é que as crianças consigam
perceber a relação da dependência entre esses elementos
e os textos produzidos.
b) “1ª versão do texto”, é
a produção propriamente dita, por isso, deve ocorrer uma
preparação inicial sobre os parâmetros da situação
de comunicação e sobre as competências lingüísticas
que se deve ter antes e durante a produção de texto. Nessa
perspectiva, não é apenas um rascunho, sendo portanto, esboços
completos levados o mais longe possível por cada criança.
c) Confrontações para resgatar as características
globais de um texto, é uma fase de análise, de elaboração
progressiva e de sistematização das características
do tipo de texto trabalhado, considerado como decorrente ao mesmo tempo
dos parâmetros da situação de produção
e hábitos sociais.
Nessa fase trabalhamos a estrutura/silhueta do texto, o esquema gráfico,
os elementos da lingüística textual e da frase. Espera-se,
nesse sentido, que os alunos possam usar os conhecimentos adquiridos por
meio da prática de análise lingüística para
expandir as possibilidades de uso da língua e a capacidades de
análise crítica
Nesse contexto, enfocando Girotto (1999b):
Escrever textos significa saber usar a escrita para expressar conhecimentos,
opiniões, necessidades, desejos e a imaginação. Nessa
aprendizagem entra em jogo a disponibilidade da pessoa de se expor e criar.
Para expressar-se por escrito, o educando tem que lançar mão
de um sistema de convenções já estabelecido, mas
deve utilizá-lo para expressar suas próprias idéias
ou sentimentos, apropriando-se criativamente dos modelos disponíveis
(GIROTTO, 1999b, p.72).
d) Reescrita
A escrita de um texto é um processo que pode ser corrigido, melhorado
e reescrito até que o produtor sinta-se “satisfeito”,
por isso, o nosso objetivo é orientar o educando com relação
às inadequações de seu texto, pois através
dessa análise, que se dá com base na reflexão sobre
o seu escrito, há a possibilidade do sujeito-aprendiz avançar
em suas escritas tornando-as cada vez mais adequadas.
e)Atividade de sistematização lingüística
A fase das reescritas é favorável a todas as sistematizações
a respeito de aspectos específicos da língua dos quais se
tem necessidade para o tipo de texto trabalhado. Pela clareza da apresentação,
e porque os objetivos dominantes são diferentes, é que distingui-se
este tópico do anterior. Mas, na realidade dos desdobramentos,
trata-se mais de um vaivém entre os dois pólos – reescritas
e atividades de sistematização lingüística.
Segundo o tipo de texto, mas também de acordo com as aquisições
anteriores e as necessidades manifestadas na classe, o trabalho irá
se concentra-se:
• nos modos de funcionamento global do texto;
• nos pontos de gramática;
• nos pontos de léxico;
• na morfologia verbal;
• nos pontos de ortografia.
Pode-se fazer fichas de estudos para reforçar esse
tipo de atividade e a reflexão sobre o texto. Espera-se, nesse
sentido, que os alunos possam usar os conhecimentos adquiridos por meio
da prática de análise lingüística para expandir
as possibilidades de uso da língua e a capacidades de análise
crítica, pois conforme Girotto:
Aprender a produzir textos, exige um intenso trabalho de análise
da linguagem por parte do aprendiz. E nesse processo, ele acaba aprendendo
e servindo-se de palavras e conceitos que servem para descrever a linguagem,
dos mais simples aos mais complexos. O importante é que as atividades
de análise lingüística estejam voltadas para a reflexão
sobre a produção de texto, ajudando os alunos a melhorarem
cada vez mais a forma de escrever. (Girotto, 1999b, p.75).
f) Produção final, vem em decorrência
de todo o trabalho das fases anteriores.
Essa segunda escrita enfatiza de um lado, a função mediadora
do processo de discussão coletiva sobre o conteúdo das atividades
previstas e, de outro, o trabalho do aluno que reflete sobre o seu próprio
texto. Serve também de base para a análise do progresso
conseguido pelo aluno durante esse período.
g) Avaliação (pragmática +sistemática)
Esta fase subdividi-se em:
• Avaliação pragmática
-avaliação feita pelos colegas de classe;
-avaliação do destinatário: pesquisa-se sistematicamente
sua reação
• Avaliação sistemática
• a auto-avaliação, que permite ao aluno tomar consciência
dos requisitos básicos para a elaboração do texto,
e, ao mesmo tempo, ter percepção de quanto já havia
dominado e do quanto ainda faltava dominar para escrever esse tipo de
texto.
Em outras palavras, enfatizando Miller:
A participação do aluno nesse processo avaliativo é,
portanto, de fundamental importância para a formação
do aluno produtor autônomo de textos, uma vez que a reflexão
e a avaliação feitas durante as atividades de produção
escrita conduzem a resultados que vão alem da aquisição
de habilidades e conhecimentos acerca do tipo de texto que se escreve,
dirigindo-se às capacidades de aprender a aprender, de planejar
e organizar-se, tomar decisões, envolver-se em ações
coletivas, responsabilizar-se, etc (MILLER, 1998, p.83).
h) Produção final: maqueta e “obra
prima”
Jolibert e colaboradores falam (1994b) em “maqueta e obra-prima
nesta fase:
• A maqueta
A maqueta é a última etapa antes do “imprima-se”,
no fim de um canteiro:
- Ela respeita os contornos definidos pela “silhueta” do texto.
- Ela inclui, no lugar das etiquetas, o último estado das reescritas,
com todos os aditivos e retificações de última hora.
- É sobre ela que se realiza a última e intransigente limpeza
ortográfica (há uma releitura centrada exclusivamente nesse
aspecto do texto).
- Faz-se reler o conjunto pelos colegas ou professor: é o momento
dos primeiros leitores (exigentes porque competentes...) do texto produzido
e das melhoras de ultimo minuto.
• A “obra prima”
É empregado esse termo obra-prima, tentando insuflar seu “espírito”
nos canteiros.
Em focando esse mesmo grupo de pesquisadores a “escola primária”,
encerrada em seu mundo e cadernos e de folhas pautadas ou quadriculadas,
vive à margem de todos esses prazeres e emoções –
no entanto eminentemente educativos – que são:
- a grande felicidade da folha limpa, branca ou de cor, flexível
ou cartonada, lisa ou granulada, tosca ou brilhante, de formato cartaz
ou cartão de visita, que se toma para nela traçar seu texto;
- o prazer respeitoso que se pode sentir ao nela escrever os sinais com
uma caneta, uma hidrocor, um pincel, os caracteres da impressão
ou tipográficos;
- a extraordinária valorização de si e da coisa que
isso representa.
i) Dossiês de canteiros
Quanto ao dossiê trata-se de cada criança ter sua pasta para
cada tipo de texto trabalhado em canteiro;
Nesse sentido, cada dossiê compreende:
-pelo menos duas de suas produções: o primeiro lance e a
versão final ( ou sua cópia se estiver sido remetida ao
destinatário; eventualmente uma reescrita se for significativa;
-todos os instrumentos elaborados durante o canteiro: silhueta, esquema.
Tabelas, fichas avaliativas.
A partir dessa organização didático-pedagógica
percebe-se a relevância do trabalho com projetos para a organização
da ação pedagógica destinada à aprendizagem
da escrita de textos.
Essa proposta permite a inserção das atividades escolares
em situações funcionais, nas quais os alunos podem experimentar
o ato de escrever não como uma atividade escolarizada, mas como
a auto-avaliação do aluno.
Em suma, no contexto dos projetos, a escrita é focalizada como
prática cultural, que faz sentido para as crianças e consegue
“despertar nelas uma inquietação intrínseca
ser incorporada a uma tarefa importante e básica para a vida”.
(Vygotsky, apud Baquero, 1998: 87)
Desse modo, para a consecução da presente pesquisa, adotamos
os seguintes procedimentos: revisão de pesquisa feita na área
– para estudo da literatura sobre o trabalho de reflexão
e de operação sobre a língua escrita - e pesquisa
empírica – trabalho de campo, buscando comprovar a fundamental
importância dessas atividades para a formação de leitores
e escritores autônomos, que consigam lidar com as exigências
do texto escrito de maneira voluntária, consciente e intencional.
Tem sido utilizados os seguintes instrumentos de pesquisa em vista da
abordagem qualitativa adotada para investigação: entrevistas
com os alunos, professores e pais de alunos (ou responsáveis),
observações das aulas, coleta de produções
de textos dos alunos, planejamento e implementação de atividades
de leitura e de escrita de textos desenvolvidas com os alunos sob nossa
orientação, na perspectiva de um trabalho de intervenção,
em parceria com a escola e com a anuência dos respectivos professores.
Assim, pretende-se demonstrar que ao proporcionar a reflexão sobre
textos escritos e conduzir o aluno a reescrever o seu próprio texto
a partir dessas reflexões, este incorpora, à sua produção,
os saberes adquiridos nesse processo, ou seja, o aluno produz um discurso
inserido numa situação de comunicação, a partir
de situações concretas, em que sabe o que está fazendo,
para quê e para quem o faz, desenvolvendo, dessa forma estratégias
de autonomia no ato de ler e escrever, tornando-se verdadeiro leitor/produtor
de textos.
Referências Bibliográficas
BAQUERO, R. Vygotsky e aprendizagem escolar. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1998.
CALKINS, L. A arte de ensinar a escrever. Porto Alegre: Artes Médicas,
1989.
GIROTTO, C. G. G. Leitores e escritores em construção: análise
de uma prática junto a adultos pós-alfabetizados. São
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GIROTTO, C. G. G. O processo de construção e (re) construção
do texto escrito: a reescrita como trabalho.
Tese (doutorado) Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de
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JOLIBERT, J. et al. Formando crianças produtoras de textos. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1994a.
JOLIBERT, J. (coord) Formando crianças leitoras.Porto Alegre: Artes
Médicas, 1994b.
MILLER, S. O epilingüístico: uma ponte entre o lingüístico
e metalingüístico. Tese (doutorado) Universidade Estadual
Paulista (UNESP), Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília,
1998.
VIGOTSKII, L.S., LURIA, A.R. e LEONTIEV, A.N. Linguagem, desenvolvimento
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VIGOTSKII, L.S., Obras escogidas. Madrid: Visor, 1991.
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