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NUMERAMENTO
E A MATEMÁTICA DO JORNAL
Paulo
César da Penha - USF
Profa. Dra. Alexandrina Monteiro- USF
Introdução
Vivemos hoje um contexto histórico no qual o volume de informações
que se veicula no dia-a-dia das pessoas é grande e ocorre a velocidades
cada vez maiores devido aos avanços dos meios tecnológicos.
A informação deixou de ser apenas um fato a se comunicar
e tornou-se um produto ou meio gerador de lucro para aqueles que detém
os recursos da difusão. Dessa forma, para os meios de comunicação
(televisão, rádio ou jornal impresso), a informação
é a matéria-prima e, ao mesmo tempo, o produto com o qual
almeja-se conquistar o consumidor (telespectador, ouvinte ou leitor).
Muitas das informações que compõem o cotidiano do
cidadão são veiculadas através das mídias,
sendo, portanto, o seu meio de atualização – saber
o que está acontecendo no mundo, saber se vai haver aumento no
combustível, saber sobre o filme que vai ser lançado no
cinema no final de semana, saber sobre as tendências da moda, que
cor usar, o que vestir, etc.
A dependência que o homem e a mulher nesses tempos modernos possuem
em relação aos meios de comunicação é
bastante marcante. Pode-se dizer que as relações humanas,
os costumes, modos de se expressar e de se vestir, nos dias atuais, são
mediados pela influência dos meios de comunicação.
A força que os meios de comunicação possuem no sentido
de influenciar ou até determinar decisões é preocupante.
Freire (1983, p. 43) já apontava isso como uma das grandes tragédias
do homem moderno, pois, segundo este autor, o homem moderno é dominado
pela força dos mitos e comandado pela publicidade organizada, ideológica
ou não, e por isso vem renunciando cada vez, sem o saber, à
sua capacidade de decidir.
A informação veiculada pelas mídias está,
sem dúvida, ideologizada. Ou seja, não apresenta uma neutralidade,
mas traz em si valores dos autores que a expressam, seja falando, no caso
de rádio ou televisão, ou escrevendo, quando nos referimos
à mídia impressa. Basta observarmos a mesma notícia
em veículos diferentes para notar a ênfase que cada mídia
atribui: tempo de exposição, no rádio e na televisão
e espaço de impressão ou número de páginas
nos jornais.
Explicitar o conjunto de valores que estão subjacentes a uma notícia
requer do leitor, telespectador ou ouvinte uma visão crítica
que o leve a “enxergar” além das aparências.
Ou seja, receber uma informação de forma não ingênua
e ciente de que relações ideológicas e de poder se
fazem presentes.
Essa atitude frente à informação requer um certo
domínio do texto e do contexto. Nesse sentido, é essencial
que os processos educativos, especialmente os promovidos por instituições
escolares atentem e se comprometam com uma formação que
permita aos sujeitos (crianças, jovens e adultos) assumirem uma
postura crítica, indagadora e transformadora frente à massificação
alienante provocada pela mídia.
No que se refere especificamente aos jornais impressos, a leitura crítica
por parte do leitor deve propiciar uma compreensão do texto a qual
levará, como aponta Freire (1997b, p. 11), à percepção
das relações entre o texto e o contexto.
A capacidade de fazer uma leitura que seja significante requer uma formação
que transcenda a simples apropriação dos instrumentos de
leitura e escrita. A leitura de textos jornalísticos, por exemplo,
deve propiciar a reflexão sobre questões mais amplas, como
a política e a economia, que são influenciadas pelas informações
veiculadas nessa mídia.
Nesse sentido, podemos inferir que a formação mínima
do indivíduo, que já foi considerada como aquela que habilitava
o sujeito para o ato da leitura e escrita, deve possibilitar também
a consciência daquilo que o próprio sujeito escreve e o entendimento
das informações a que tem acesso através dos meios
de comunicação.
Alfabetização,
Letramento e Numeramento.
O entendimento sobre o que é ser alfabetizado modificou-se com
o passar do tempo devido a própria dinâmica da sociedade.
Por volta do século XVIII, segundo Cook-Gumperz (1991), a alfabetização
já ocorria no interior das próprias famílias, de
acordo com necessidades específicas. Nessa época, a alfabetização
acontecia sempre vinculada com o contexto, ou seja, ela não ocorria
por acaso, tinha sempre uma função, uma finalidade para
aquele que a “recebia”. Tal função estava, em
geral, ligada a questões políticas e de poder com o intuito
de manter o status quo de uma família.
Com o desenvolvimento econômico houve uma substituição
da mão-de-obra rural pela mão-de-obra operária e
neste contexto a instituição escola passa a ser o veículo
principal de formação. O conceito de alfabetização
assume uma característica mecânica e nessa concepção
a alfabetização é tida como o ensino das técnicas
de leitura e escrita. Saber ler e escrever, neste caso é uma atividade
individual de codificação e decodificação,
ou seja, saber escrever o que é falado e saber verbalizar o que
é escrito. Abud (1987) aponta tal definição como
alfabetização no sentido restrito. Entretanto, é
esse tipo de alfabetização que é adotado pelo método
tradicional de ensino.
A ligação direta entre escolarização e alfabetização
contribuiu, segundo Tfouni (2004), para o entendimento restrito do conceito
de alfabetização. Fato este criticado pela autora, pois
dessa forma a alfabetização é vista como um processo
finito. Para Tfouni (2004, p. 15) a alfabetização não
se limita à aquisição de objetivos. Os objetivos
a serem atingidos devem-se a uma necessidade de controle mais da escolarização
do que da alfabetização.
A preocupação com o uso social da escrita, ou seja, da capacidade
de se servir dos conhecimentos lingüísticos (interpretar textos
e manifestar-se através da escrita, de forma crítica) para
ter uma ação mais ativa e menos passiva na sociedade, diante
dos problemas do cotidiano, obrigou a ampliar o conceito de alfabetização.
A partir de 1975, O Simpósio Internacional sobre Alfabetização
de Persépolis, aprova uma declaração que dá
ao conceito de alfabetização um sentido que transcende à
simples aprendizagem da leitura e da escrita, ou seja, o desenvolvimento
de uma consciência crítica, que possibilite ao alfabetizando
a transformação da realidade social, passa a ser a tônica
das discussões em âmbito acadêmico. A partir dessa
declaração
a alfabetização não é só o processo
que leva ao aprendizado das habilidades de leitura, escrita e aritmética,
mas sim uma contribuição para a liberação
do homem e seu pleno desenvolvimento (...). (apud Silva e Espósito,
1990, p. 64)
Com esse sentido o termo alfabetização deixa de ser referido
e adota-se a terminologia letramento para designar o caráter funcional
da alfabetização. Ou seja, o termo alfabetização
em si referir-se-á à apreensão do código escrito,
vinculado, portanto, à instituição escolar, enquanto
o letramento refere-se ao uso social do código escrito.
O sentido dado ao termo letramento, nos campos da Educação
e da Lingüística, é o da palavra da língua inglesa
literacy. Segundo Soares, literacy
é o estado ou condição que assume aquele que aprende
a ler e escrever. Implícita nesse conceito está a idéia
de que a escrita traz conseqüências sociais, culturais, políticas,
econômicas, cognitivas, lingüísticas, quer para o grupo
social em que seja introduzida, quer para o indivíduo que aprenda
a usá-la. (Soares, 2002, p. 17)
A palavra letramento foi criada partindo da tradução, ao
pé da letra, do sentido que possui o inglês literacy. Letra
- do latim littera. Mento - sufixo que denota o resultado de uma ação.
Assim, pois, Soares define letramento como o
resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever:
o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um
indivíduo como conseqüência de ter-se apropriado da
escrita. (Soares, 2002, p. 17)
Cabe ressaltar que essa definição de letramento não
é única. Há uma perspectiva etnocêntrica de
letramento que, segundo Tfouni (2004, p. 24), entende que somente com
a aquisição da escrita as pessoas conseguem desenvolver
raciocínio lógico-dedutivo.
Tfouni entende o letramento como um processo, cuja natureza é sócio-histórica.
E opõe-se a definições baseadas estritamente na tradução
do termo inglês literacy, pois este apresenta uma variedade de definições
e visões.
Kleimann (1995), se apoiando em Scribner e Cole (1981), entende o letramento
relacionado a práticas sociais. Segundo a autora,
podemos definir hoje o letramento como um conjunto de práticas
sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto
tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos
(Kleimann, 1995, p. 19).
Entendemos que essa definição tende a abarcar várias
práticas de uso da escrita. Para a autora, as práticas específicas
da escola (...) passam a ser, em função dessa definição,
apenas um tipo de prática – de fato dominante – que
desenvolve alguns tipos de habilidades, mas não outros, e que determina
uma forma de utilizar o conhecimento sobre a escrita. (p. 19)
É nessa mesma direção, observando o contexto social,
que Mendes (2001) discute a questão do letramento. A autora assume
a visão de Street (1984), cujo autor propõe dois modelos
para o estudo do letramento: o modelo autônomo e o modelo ideológico.
O modelo autônomo analisa o letramento e suas conseqüências
cognitivas, enquanto o modelo ideológico entende o letramento em
termos de práticas sociais e ideológicas.
É com referência aos estudos de Street (1984, 1995), que
relaciona a escrita aos seus contextos sociais de uso, que Mendes (2001)
traz essa discussão para o campo da educação matemática
sob a denominação de numeramento.
Mendes (2001) faz uma discussão sobre numeramento relacionando
seu conceito ao modelo de letramento como proposto por Street (1984).
O modelo autônomo do letramento, que relaciona a escrita com o desenvolvimento
cognitivo, está ligado ao ensino tradicional da matemática,
pois segundo Mendes (2001, p. 73), um dos objetivos da inclusão
dessa disciplina no currículo seria justamente o desenvolvimento
das capacidades de raciocínio e abstração.
Relacionando com o modelo ideológico de letramento, a discussão
sobre numeramento, segundo Mendes, deve ser feita a partir dos contextos
sociais de uso. Para tanto, é necessário não pensar
em dicotomias: letrado/oral, letrado/iletrado, numerado/inumerado, (...),
pois, tais dicotomias têm como referência a escolarização.
O conceito de numeramento de Mendes parte da
perspectiva que relaciona o conhecimento matemático e as práticas
matemáticas aos seus contextos específicos, visualizando
o uso das noções de quantificação, medição,
ordenação e classificação em sua relação
com os valores sócio-culturais que permeiam essas práticas.
(Mendes, 2001, p. 81)
O estudo de Mendes sobre numeramento leva em conta o contexto social no
qual as relações humanas em seu cotidiano, seja entre os
homens (sujeito–sujeito) ou entre o homem e o meio ambiente (sujeito-meio
ambiente), fazem com que surjam situações problemáticas
nas quais a necessidade de uma construção (ou uso) da matemática
seja conseqüência da prática cotidiana. O olhar da pesquisadora
se deu num contexto de um grupo específico analisando as práticas
dos professores Kaiabi. A constatação de Mendes foi de que
as práticas de numeramento não se davam de forma isolada,
mas tinham o letramento a elas associado. Razão pela qual a autora
decidiu usar a denominação numeramento-letramento em sua
análise.
Essa concepção de numeramento adotada por Mendes tem uma
ligação estreita com a Etnomatemática, pois entende
o conhecimento matemático não apenas associado à
escolarização, mas nas palavras da autora, relacionado ao
contexto de usos específicos de um grupo social.
O entendimento sobre numeramento, da mesma forma como o letramento, apresenta
diferentes concepções. Apenas para ampliar as discussões
acredito ser importante apontar uma visão de numeramento difundida
no âmbito da pesquisa sobre o Índice Nacional de Alfabetismo
Funcional – INAF-2004, que relaciona o numeramento ao uso social
da matemática escolar.
Fonseca (2004, p. 13) aponta que na construção desse indicador,
habilidade matemática foi entendida como
a capacidade de mobilização de conhecimentos associados
à quantificação, à ordenação,
à orientação e a suas relações, operações
e representações na realização de tarefas
ou na resolução de situações-problema, tendo
sempre como referência tarefas e situações com as
quais a maior parte da população brasileira se depara cotidianamente.
Esse entendimento sobre habilidade matemática traz em si uma concepção
de numeramento bastante próxima do conceito de letramento como
tradução do termo literacy. Ou seja, espera-se que o indivíduo
tenha um domínio dos conceitos matemáticos aprendidos na
escola e, principalmente, consiga usá-los na resolução
de problemas que surgem em seu cotidiano, como aqueles que exigem o uso
das operações aritméticas simples.
O termo numeramento é uma tradução do inglês
numeracy, que, segundo Toledo (2004), vem sendo estudado por autores como
Cumming, Gal e Ginsburg (1998), Gal (1993, 1994, 1999), Johnston (1999),
entre outros e vem sendo entendido como
... um agregado de habilidades, conhecimentos, crenças e hábitos
da mente, bem como as habilidades gerais de comunicação
e resolução de problemas, que os indivíduos precisam
para efetivamente manejar as situações do mundo real ou
para interpretar elementos matemáticos ou quantificáveis
envolvidos em tarefas (Cumming, Gal, Ginsburg, 1998, p. 2). (apud Toledo,
2004, p. 94)
Esse sentido dado ao numeramento também tem uma ligação
com o conceito de letramento. Para a concepção de letramento
que se tem adotado, como uma tradução do termo literacy,
espera-se que o sujeito tenha não apenas e, tão somente,
a posse dos instrumentos de leitura e escrita, mas saiba fazer uso desses
recursos de modo a ter uma participação mais ativa no contexto
social onde vive. Para o numeramento, o paralelo que se faz com a educação
matemática é o mesmo. Ou seja, não basta ao cidadão
o domínio de regras ou a habilidade para fazer contas.
De certa forma, podemos sintetizar as idéias de numeramento, aqui
apontadas [Mendes (2001), Fonseca (2004) e Toledo (2004)], guardadas suas
diferentes matrizes teóricas, como sendo o uso social da matemática.
Num contexto escolar, mostrar a aplicabilidade dos conceitos matemáticos
implicaria numa tendência utilitarista da matemática, o que
nem sempre é possível para todos os conceitos e também
não se pode deixar de lado o aspecto de construção
lógico-dedutivo inerente ao pensamento matemático. Entretanto,
o que se espera é que a escola possa propiciar ao educando situações
de experiência matemática nas quais sejam exigidas habilidades
que envolvam não apenas o uso de algoritmo, mas sim, leitura, coleta
de dados, resolução, interpretação e conclusão.
Dessa forma, estaremos diante de uma construção matemática
que contribuirá para a formação de um cidadão
crítico. Nesse sentido, acreditamos haver uma ligação
das idéias de numeramento às teorizações da
Educação Matemática Crítica considerando que
tais construtos comungam a preocupação em fazer com que
a Educação Matemática contribua para a atuação
política do cidadão.
Algumas considerações
sobre a Educação Matemática Crítica
Skovsmose (2001) concorda com Freire quanto à relação
de diálogo entre professor e aluno para que a educação
crítica funcione. Além disso, a criticidade no processo
educacional implica que tal diálogo leve em conta os problemas
sociais e as desigualdades existentes. Para o autor, a crítica
deve tentar fazer da educação uma força social progressivamente
ativa (Skovsmose, 2001, p. 101).
Para tanto, o desenvolvimento de uma competência crítica
se faz necessário. Tal competência é considerada por
Skovsmose (2001) como um dos pontos chaves da educação crítica,
e leva em conta o envolvimento do estudante no controle do processo educacional.
Considerando o fato de se trabalhar com o texto jornalístico, é
imprescindível o envolvimento do aluno dado que na leitura e discussão
dos assuntos, certamente emergirão suas opiniões, experiências
ou sentimentos, as quais permitirão identificar temas relevantes
ao processo educacional, através do diálogo professor-aluno
e aluno-aluno. Esta relação se dá numa horizontalidade
na qual a imposição por parte do professor deixa de existir.
Para Barbosa
a competência crítica diz respeito ao desenvolvimento das
competências (condições) e capacidades dos alunos
para abordarem criticamente a vida diária, de tal maneira que eles
possam apoiar os processos de democratização da sociedade.
(Barbosa, 2001, p. 22, apud Jacobini, 2004, p. 24).
Skovsmose (2001) entende que a matemática tem um poder de formatação
da sociedade devido a sua influência, e a concebe como um constructo
social que é interpretada e utilizada segundo interesses econômicos
e culturais.
Nesse sentido, é necessária uma formação matemática
que permita ao cidadão desvelar esse poder formatador. Isso será
possível a partir de um ensino que leve em conta a necessidade
de uma criticidade no indivíduo. Tal pensamento crítico
deve passar pela leitura de mundo a que todo indivíduo faz para
conhecer e sentir-se engajado no ambiente onde vive.
No contexto histórico no qual vivemos, em que os meios tecnológicos
possibilitam a rápida troca de informações, os meios
de comunicação são imprescindíveis na vida
do cidadão. Entretanto, é através desses meios que
o cidadão se relaciona com sua localidade e com o mundo.
Tendo a matemática um status de legitimadora das verdades, cujo
uso em textos jornalísticos dão a estes uma maior confiabilidade
e credibilidade nas informações veiculadas, se o cidadão
não compreende o significado e o papel dos números presentes
nas notícias, sua participação na vida democrática
também estará comprometida.
Dessa forma precisamos enfatizar que a leitura crítica de textos
jornalísticos exige não apenas a alfabetização,
ou seja, a apreensão (ou aquisição) dos códigos
para ler e escrever, mas também devem ser desenvolvidos no indivíduo
instrumentos que possibilitem o uso social dos códigos aprendidos
tornando-o letrado.
Além disso, como o texto jornalístico muitas vezes contempla
informações numéricas, a formação do
cidadão deverá também levar em conta o caráter
formatador que a matemática possui e garantir não apenas
as habilidades de cálculo, mas também o caráter ideológico
presente “atrás” dos números.
Nesse sentido, a proposta de nossa investigação foi a de
usar o jornal nas aulas de matemática levando em conta as teorizações
da Educação Matemática Crítica e as idéias
de numeramento.
Acreditamos que o uso do jornal na escola como um recurso didático,
possibilita o surgimento de questões de contexto social mais abrangente,
favorecendo o conhecimento, principalmente da matemática, em situações
de contexto diferente daquele encontrado nos textos didáticos,
mesmo considerando a inserção de recortes de notícias
trazidos pelas edições mais atualizadas dos livros didáticos.
A seguir apresentarei algumas considerações para o uso do
texto jornalístico em uma aula de matemática discutindo
uma possível situação de aula com o uso do jornal.
O texto jornalístico
na aula de matemática
Se observarmos o montante de informações que chegam ao cotidiano
dos cidadãos, através dos diversos meios: televisão,
rádio, jornal impresso, folhetos de propaganda e internet, chegaremos
à conclusão de que a escola deve ter o compromisso e objetivo
de instruir o aluno hoje para poder amanhã, enquanto um cidadão
adulto, saber se posicionar diante desse volume de informações.
Para isso, torna-se imprescindível à escola abrir as portas
e oportunizar discussões sobre temas atuais e estes, sem dúvida,
estão presentes nos meios de comunicação diariamente,
visto que a atualidade é característica inerente do meio
de comunicação. Nesse sentido a presença dos meios
de comunicação na escola, principalmente do jornal impresso,
é apontada por diversos autores como de suma importância.
Faria (2003, p. 11) considerando a escola como um ambiente relativamente
fechado onde o aluno é instruído e formado, justifica a
presença do jornal na sala de aula como uma forma de trazer o mundo
para dentro da escola.
Para Pavani,
além de constituir material útil para facilitar e estimular
a aprendizagem e a prática da leitura, o jornal diário possibilita
ainda uma ampla gama de “leituras” coerentes com as diversas
áreas do currículo e do conhecimento, isto é, “leituras”
práticas matemáticas, científicas, históricas,
geográficas, artísticas, sociais e outras.” (Pavani,
2002, p. 24-25)
Nessa mesma direção, Corrêa também enfatiza
a importância do uso do jornal na escola quando aponta que
pela sua agilidade, pela permanente sintonia com a realidade imediata,
pelas características da linguagem que utiliza, pode constituir-se
em um recurso didático com potencial para estabelecer uma maior
interação entre a escola e a comunidade, entre a escola
e a sociedade. (Corrêa, 2005, p. 97)
A interação entre a escola e a comunidade na qual pertence
é fundamental para que o aluno possa entender o contexto social
onde habita, assim como para a escola, para que ela, enquanto instituição,
possa compreender-se como uma escola na comunidade e não para a
comunidade, ou seja, a interação escola-comunidade tem por
objetivo possibilitar ao aluno compreender, de forma crítica, seu
meio sócio-cultural e, também, possibilitar à instituição
escolar definir sua função e identidade junto ao grupo ao
qual pertence. Ela deixa de ser algo “alienígena” que
vem para atender a comunidade para ser algo integrado ao contexto dessa
comunidade.
Nesse sentido, o uso do jornal pode ser um caminho metodológico
para a concretização dessa interação escola-comunidade,
uma vez que este veículo apresenta informações de
diversos contextos, local e global, possibilitando a reflexão em
ambos. Quando a interação escola-comunidade é uma
intenção real, o uso do jornal se potencializa, pois os
contextos globais e locais veiculados por essa mídia, podem ser
problematizados e analisados pelos agentes envolvidos gerando além
de análises reflexivas, atitudes, seja passiva ou ativa, para influenciar
o meio ao qual pertencem.
Com a mesma intenção, documentos oficiais como os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN’s) também preconizam o uso dos
meios de comunicação em contexto escolar, sobretudo no tópico
Tratamento da Informação. De acordo com este documento,
assuntos [do jornal] (...) costumam despertar o interesse dos alunos pelas
questões sociais e podem ser usados como contextos significativos
para a aprendizagem dos conceitos e procedimentos matemáticos neles
envolvidos. (PCN, 5ª a 8ª séries, 1998, p. 134)
A presença dos meios de comunicação, principalmente
o jornal impresso, na sala de aula é possível, e apresenta
um ganho bastante considerável quando permite a reflexão
sobre temas atuais, que chegam ao conhecimento do aluno através
de alguma ou de várias mídias. O trabalho com os meios de
comunicação pode ser efetivado através de um projeto
sistemático a ser incorporado pela escola, em parceria com alguma
empresa jornalística, ou mesmo de forma autônoma, de acordo
com o projeto de educação que a unidade escolar possui.
Para o ensino da matemática, especificamente, o uso freqüente,
por parte do jornal impresso, de elementos como gráficos, tabelas,
números sob as mais diversas formas, pode instigar o professor
a usar o texto jornalístico na aula de matemática com o
intuito de ensinar alguns temas como porcentagem, proporcionalidade, estatística,
etc.
A forma de abordagem das informações de um jornal na sala
de aula pode ocorrer de diversas maneiras, conforme a perspectiva que
o professor defende para o ensino de matemática, bem como sua visão
de mundo. A postura do professor é fator determinante para o tipo
de utilidade que o texto jornalístico terá em uma aula de
matemática. Para exemplificar uma proposta tomaremos uma reportagem
sobre o desmatamento na Amazônia, que foi publicada pelo jornal
Folha de São Paulo em 07 de abril de 2004. Apresentamos abaixo
um resumo desta reportagem.
Folha de São
Paulo – 07 de Abril de 2004
No dia 07 de abril o jornal Folha de São Paulo noticia o desmatamento
da Amazônia com a manchete Desmatamento em 2003 supera 21 mil km2.
Logo no início, o texto aponta que o índice de 2003 pode
superar a marca de 25.400 km2 que fora registrada no ano anterior. No
entanto com base em fotos de satélite, o secretário de Biodiversidade
e Florestas do Ministério do Meio Ambiente acredita que em 2003
o índice será menor. Segundo ele, em vários municípios
houve queda nos índices. Os resultados oficiais estavam sendo fechados.
Os dados preliminares do desmatamento foram mostrados na reportagem sendo
descritos por Estados e cidades os quais são apresentados também
por gráfico, mapa e tabelas que acompanham a mesma. Vale frisar
que os três Estados que mais desmataram foram os de Mato Grosso,
Pará e Rondônia assim como 25 municípios pertencentes
aos mesmos. Estes tiveram um desmatamento equivalente a metade dos 21517
km2. Várias causas foram apontadas para o desmatamento, dentre
elas está a boa fase do agronegócio no Brasil.
Escolhemos tal reportagem,
pois acreditamos que o tema possibilita abertura para uma ampla discussão
em diversas disciplinas do currículo escolar que não só
a matemática. A discussão sobre o meio ambiente é
bastante pertinente e está presente no programa curricular de disciplinas
como Ciências e Geografia.
Por se tratar de desmatamento florestal a discussão se torna ainda
mais abrangente, pois a Amazônia se constitui na maior área
de floresta do mundo, a qual atrai para si, muitos interesses: econômico,
científico e de sobrevivência da vida vegetal e animal.
Para propor uma situação de aula de matemática com
o uso do texto jornalístico pautado em uma discussão crítica,
nos apoiaremos no esquema gráfico seguinte, elaborado por Corrêa
(1992, p. 37) o qual sintetiza as possibilidades didáticas que
um texto jornalístico propicia.

Discutiremos a seguir
alguns itens do quadro acima a partir da reportagem sobre o desmatamento,
já citada acima.
? Promove debates, incentiva opiniões e questionamentos;
Um tema como o desmatamento pode levar o grupo a pensar e debater sobre
diversos fatos. Inicialmente, pode levar o aluno a pensar na sua realidade
local. Por exemplo, nas árvores que são derrubadas próximo
a sua casa ou cidade.
Além disso, refletir sobre o processo de reflorestamento, no tempo
que as mudas levam para se desenvolver, inclusive avaliar o impacto que
uma derrubada de árvores, mesmo num local tão distante,
pode ocasionar em seu ambiente, como mudanças de temperatura.
Nesta reportagem, quando da própria leitura do título: Desmatamento
em 2003 supera 21 mil km2 e da “linha fina” que o complementa:
Governo debate dados parciais com ONGs; área derrubada se estabiliza
no patamar do equivalente a um Sergipe, já sugerem que não
é uma região pequena, pois a compara a um Estado da federação,
e mostra que o governo está preocupado considerando a reunião
com as Organizações não-Governamentais. A leitura
do título por si já dispara as mais diferentes reflexões
que podem contrapor-se ao desmatamento, como também pode encontrar
argumentos favoráveis. Um exemplo disso é a defesa que pode
ser feita por alguém que entenda que a região citada pela
reportagem precisa evoluir economicamente através do agronegócio,
e as árvores são empecilho para isso.
São suposições de opiniões que poderiam surgir,
ou não, se tal reportagem fosse apresentada em sala de aula.
O segundo aspecto apontado por Corrêa diz respeito às relações
e contribuições que se podem estabelecer entre diferentes
disciplinas em um trabalho sob o mesmo tema.
? Provoca ações inter e transdisciplinares;
Para Corrêa (2005, p. 97), é uma característica do
jornal tratar suas matérias de forma transdisciplinar. Para a autora,
isso se dá, pela forma abrangente e sem a preocupação
de estabelecer fronteiras entre conhecimentos de diversas naturezas.
Nesse sentido, o uso do texto jornalístico em sala de aula possibilita
ao estudante a leitura de textos de várias áreas do conhecimento.
Tal leitura possibilitará a problematização de questões
que não estão necessariamente no universo escolar, bem como
não estão inseridos apenas no campo da matemática.
Isso vai ao encontro da Educação Crítica, que segundo
Skovsmose (2001, p. 19) entende o processo de ensino-aprendizagem baseado
em problemas que estão fora do universo educacional. Nesse sentido,
a mídia de um modo geral, contribui ao expor notícias que
estão, em certa medida, relacionadas a fatos e situações
de algum contexto social.
Um tema como o desmatamento propicia o envolvimento de outras disciplinas
além da Matemática, tais como Ciências, Geografia,
História, Língua Portuguesa e Inglês.
A disciplina de Ciências traz dentre outras discussões, a
questão do Meio Ambiente em sua proposta curricular. Com o tema
desmatamento, a contribuição de um professor especialista
na área ajudará a responder questões do tipo: Qual
o impacto do desmatamento para a região desmatada e para outras
partes do país e do Globo Terrestre?; Em que medida o solo é
afetado pelas queimadas?; etc. Disciplinas como Geografia e História
sem dúvida encontrarão elementos para suscitar a curiosidade
sobre as características geográficas da região e
também sua situação política em cada momento
histórico.
Das disciplinas voltadas para o ensino de línguas, o uso do texto
jornalístico possibilita o estudo de um tipo de texto real (que
existe fora da escola), sua estrutura e suas características.
? Evoca o “o que”, “onde”, “por que”,
“para que”, “como”, “quando”;
São evocações que ajudarão a relativizar a
notícia que está sendo estudada. Tais questionamentos, de
certa forma ajudarão a evocar conceitos matemáticos que
envolvem questões espaciais, temporais, numéricas e estatísticas.
Para um posicionamento mais crítico, acreditamos que é necessário
acrescentar questões que evoquem o “quanto” e nisso
estarão sendo contemplados os valores numéricos envolvidos
no texto; “para quem” e “com que interesses”.
? Propicia o estabelecimento de relações matemáticas
amplas;
Entendemos que nesse item a autora refere-se às possibilidades
que um texto oferece para desencadear temas, no campo da matemática
ou não, que estão além do próprio texto que
está em estudo.
Particularmente na reportagem sobre desmatamento que estamos analisando,
o texto nos remete a estabelecer relações nos campos: social,
ambiental, histórico, político, dentre outros que podem
surgir conforme o perfil do professor e dos alunos.
Além disso, alguns dos temas transversais preconizados pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais, podem ser contemplados a partir de um texto jornalístico
que nesse caso seriam: meio-ambiente, trabalho, consumo e pluralidade
cultural. Nesse sentido, a atenção para a diversidade seria
despertada, assim como a necessidade e a importância de ouvir o
outro e poder expressar ou opinar criticamente.
No campo da matemática, a forma de aprender ou fazer matemática
divergiria da matemática escolar. Isso significa dizer que o texto
jornalístico possibilita ampliar para além dos conceitos
matemáticos que possam estar “visíveis” no texto,
que em geral são conteúdos de porcentagem ou construção
e interpretação de gráficos. Para um ensino de Estatística,
por exemplo, o texto remete a discussão para o estudo sobre amostragem,
pois a reportagem foi construída a partir de dados de uma amostra
de 77 imagens de satélite; tipos de dados, se quantitativos ou
qualitativos; inferência estatística; previsão ou
probabilidade; unidades de medida (comprimento, área, volume, tempo);
escala e proporcionalidade.
? Facilita questionamentos matemáticos específicos;
Sabemos que a função intrínseca de um jornal é
veicular informação. O olhar do professor de matemática
que pretende transportar esse meio de comunicação para a
sala de aula e usá-lo como recurso didático, normalmente
está direcionado para as informações numéricas
do texto, ou gráfico e tabelas que o acompanham. Esse olhar já
é, em si, diferente daquele que a mesma pessoa teria caso estivesse
apenas lendo o jornal, sem ter a preocupação com questões
didáticas. Entretanto acreditamos que uma situação
de aula com o uso do jornal contribuirá para chamar a atenção
para alguns conteúdos (conceitos) matemáticos que aparecem
com certa freqüência em muitas reportagens.
Notícias sobre o tema desmatamento, normalmente trata o assunto
com uma grande quantidade de dados numéricos envolvendo alguns
conteúdos matemáticos, dentre os quais destacamos: a idéia
de número e porcentagem. Entender esses conceitos é fundamental
para o exercício de nossa cidadania. O exercício da cidadania
implica em estar informado e também entender o contexto sócio-cultural
no qual vivemos, ou seja, não basta ter acesso às informações,
mas é também necessário compreendê-las e analisá-las
criticamente de forma que possamos construir opiniões que permitam
uma atuação comprometida com o meio onde vivemos. Em nosso
caso, o conhecimento (ou se possível o domínio) dos conteúdos
matemáticos presentes nos textos jornalísticos é
fundamental.
Nesse sentido, o trabalho com o jornal ajudará na percepção
desses conceitos matemáticos que são usados com maior freqüência
nos textos jornalísticos e entender também, que tais conceitos
diferem substancialmente na forma como são empregados em textos
didáticos.
Tomemos como exemplo a relatividade que um número possui. Quando
na reportagem o texto afirma que o município campeão de
desmatamento é São Félix do Xingu, no Pará,
com 1332 km2 de área desmatada, está se considerando um
número comparado ao total de desmatamento entre outros municípios.
Caso fosse considerada a extensão territorial de cada município
seria São Félix do Xingu o campeão do desmatamento
naquela região?
Outros conteúdos matemáticos que podem ser trabalhados a
partir desse texto sobre o tema desmatamento são: medidas de superfície,
forma de escrita de números, medida, proporcionalidade, razão,
porcentagem, gráficos, tabelas, entre outros.
? Resgata conceitos matemáticos já estudados;
Um aluno, em qualquer nível escolar que esteja, traz em sua formação
conhecimentos matemáticos que foram adquiridos na própria
escola, bem como de uma forma não sistematizada, quero dizer, diferente
da matemática escolar, através do contexto cultural onde
vive. Dessa forma, os elementos matemáticos contidos em um texto
jornalístico, não serão, todavia, uma novidade para
o aluno. Entretanto, o contexto e a forma como são empregados no
texto, exigirá um olhar atento para que possa interpretar a informação
anunciada. Nesse sentido, num ambiente escolar muito dos conceitos carecem
ser retomados, aprofundados e sistematizados, respeitadas as origens e
o histórico de conhecimento matemático que o aluno possa
trazer.
Um conceito matemático que está sempre presente na vida
do estudante é o conceito de número. Este é um recurso
da linguagem matemática usado na transmissão de informações
quantitativas e apresenta outros significados como medida, comparação
e ordem. Dessa forma, as informações numéricas presentes
no texto jornalístico podem ser disparadoras para o resgate e aprofundamento
da idéia de número.
? Aprofunda e Evolui para novos conceitos.
Esses dois itens que finalizam o esquema proposto por Corrêa (1992)
para o uso do texto jornalístico como recurso didático,
dependem, ao nosso ver, de várias questões dentre as quais
destacamos: a série em que se esteja trabalhando, o perfil do professor
para dar continuidade ou não aos temas matemáticos que emergirem
das discussões temáticas, bem como das condições
materiais e sociais de trabalho que se tenha.
A evolução, ou melhor, a possibilidade de irmos além
de nós mesmos, que este trabalho pode garantir está no sentido
de que, olhar para as questões sociais pode suscitar uma auto-reflexão
de modo a nos percebermos como agentes ativos de nosso tempo e espaço,
com capacidade para opinar criticamente. Como aponta Freire (1997, p.
59), somos seres inacabados, no entanto: porque inacabado, sei que sou
um ser condicionado mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir
além dele.
A reportagem sobre o desmatamento na Amazônia é apenas um
exemplo de como podemos propor alguma discussão no sentido de levantar
questionamentos de modo a fazer uma análise mais crítica
do tema proposto, que não o de olhar apenas para os conteúdos
matemáticos. A discussão e a reflexão críticas
devem também levar os atores da aula (professor e alunos) a ampliar
sua visão de mundo de modo a perceber a realidade e contribuir
para melhorá-la se assim for necessário.
Nosso objetivo com essa breve exposição foi a de mostrar
a potencialidade pedagógica do uso da mídia escrita. Acreditamos
que a mesma só se tornará um recurso pedagógico efetivo
e transformador, se for utilizado na perspectiva da educação
crítica.
Acreditamos também que o caminho para podermos transformar informação
em conhecimento ou formação passa por uma educação
que leve em conta uma dimensão mais crítica para a formação
do indivíduo. Pois, sendo o nosso mundo hoje globalizado, é
através dos meios de comunicação que ficamos informados,
quase que em tempo real, de tudo o que acontece no Globo Terrestre e até
fora dele. Diante disso, nossa percepção criteriosa de tudo
o que chega a nós através das diferentes mídias,
precisa ser questionado e relativizado para não perdermos a dimensão
regional (ou local) de nossa vida, que é onde temos a responsabilidade
direta de atuar, viver e transformar, se necessário.
Quanto a dinâmica da sala de aula, devemos levar em conta que um
veículo de comunicação como o jornal impresso pode
gerar curiosidades nos alunos, o que fará com que a classe certamente
fique “agitada” devido aos diferentes comentários que
surgem, pois cada aluno pode se interessar por um tipo diferente de assunto.
Caberá, sem dúvida, ao professor administrar essa situação,
que já configura um momento de aprendizagem no sentido da diversidade
de opiniões. Quanto à escolha de uma matéria jornalística
para o trabalho em sala de aula, de modo que este seja efetivo e mais
participativo, Corrêa enfatiza que tais escolhas
devem ser selecionadas levando-se em consideração o interesse
dos alunos, a sua opção na escolha dos assuntos, a sua curiosidade
em querer saber mais, em pesquisar outros assuntos relacionados, etc.
Primordialmente, cabe ao aluno fazer uma seleção inicial
de matérias jornalísticas, a partir de um tema pré-definido,
ou não. (Corrêa, 2005, p. 99)
Acreditamos que o trabalho com o texto jornalístico em muito contribuirá
para cumprir aquele que tem sido o objetivo de toda instituição
escolar, que é formar um cidadão consciente e participante
na sociedade.
Nossa defesa por uma Educação Matemática Crítica
se deve à crença que temos de que o saber matemático
também é uma questão de cidadania. Poder interpretar
uma informação matemática contida em uma reportagem,
decidir com consciência quanto à melhor forma de pagar por
um produto que se compra, são situações corriqueiras
do cotidiano do cidadão que exigem dele um pensamento lógico
matemático. Mas não é só isso. O conhecimento
matemático pode também estabelecer relações
de poder, na medida em que o mesmo é usado para selecionar pessoas,
por exemplo para ocupar uma vaga no mercado de trabalho.
Enfim, esperamos que essas reflexões possam contribuir para futuras
reflexões e mesmo para críticas a elas, pois, se assim ocorrer,
é porque as palavras contidas neste texto puderam criar um estado
de dúvida, ou indignação ou curiosidade, ou necessidade
ou vontade de ir além.
Paulo Freire (in Freire 1997a, p. 152) aponta para a importância
de uma abertura sincera ao mundo. A consciência de que as opções
políticas, éticas, pedagógicas, etc. tomadas por
mim podem não ser as mesmas que outros tomaram, não implica
jamais na necessidade de conquista por qualquer das partes, mas implica
sim, na possibilidade de um crescimento conjunto na medida em que nos
disponibilizamos ao diálogo.
Toda mudança é resultado de uma ruptura. E esta é
muitas vezes dolorosa, pois temos que sair do estado inercial a que estamos
acostumados. O trabalho com o jornal na sala de aula sob uma perspectiva
crítica exige de nós um saber que é novo em nossa
constante formação. Nesse sentido, finalizo com as esperançosas
e sempre animadoras palavras de Paulo Freire:
Como professor não me é possível ajudar o educando
a superar sua ignorância se não supero permanentemente a
minha. Não posso ensinar o que não sei. Mas, este, repito,
não é saber de que apenas devo falar e falar com palavras
que o vento leva. É saber, pelo contrário, que devo viver
concretamente com os educandos. O melhor discurso sobre ele é o
exercício de sua prática. (Freire, 1997a, p. 107)
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