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ENTRE
A FICÇÃO E A REALIDADE: A UTILIZAÇÃO DA TECNOLOGIA
AUDIOVISUAL DESCONSTRUINDO AS “VERDADES” DA TV
Josias
Pereira (Mestrando/UNIRIO)
Gisele Cardoso (Mestranda/NUTES/UFRJ)
Guaracira Gouvêa (Orientadora/UNIRIO e NUTES/UFRJ)
Introdução
No cotidiano
escolar brasileiro, torna-se cada vez mais presente o uso dos recursos
audiovisuais, resultado de uma transposição para a educação
formal, de um ambiente extra-escolar no qual proliferam as imagens em
movimento.
O mundo contemporâneo faz com que todos nós estejamos imersos
em imagens que foram criadas para atender a determinados usos individuais
ou coletivos e que nos trazem informações visuais. Neste
universo, o aspecto imagético é predominante, por isso é
urgente que a imagem pertença ao contexto escolar, que o aluno
saiba ler uma imagem, assim como ele lê um texto.
Busca-se, neste trabalho, refletir sobre possibilidades de integração
da tecnologia audiovisual na construção de conhecimento
do aluno, por meio da leitura das linguagens dessa tecnologia.
Para que a esperada leitura crítica de imagens do cidadão
contemporâneo se realize, torna-se, então, essencial que
o professor oriente o acesso às informações e articule
os processos de comunicação.Desta forma, o professor deve
ser capaz de trabalhar com múltiplas linguagens.
A pesquisa, cujos resultados estão apresentados neste trabalho,
tem foco no aluno e em sua relação com a TV, desejando,
assim, desmistificar o poder da maquina de narciso, pois como nos diz
o professor Moran (2000 p. 63) “o poder da interação
não está na tecnologia, mas nas nossas mentes”.
Não temos mais como negar, nem duvidar da força exercida
pela tecnologia sobre as distintas dimensões da vida social e econômica.
Nos processos de educação formal e informal, a cada dia
crescem as preocupações com as mídias denominadas
formadoras de opinião. Nosso trabalho centra-se nas questões
que envolvem a infância, a influência da mídia no contexto
escolar, especialmente no que se refere à experiência de
ser criança numa sociedade dominada pelas novas tecnologias e as
relações que estão implícitas na sociedade
com estas tecnologias.
Sabe-se que o tempo gasto em frente aos aparelhos de TV é superior
a qualquer outra atividade realizada pelas crianças, como brincar,
realizar tarefas escolares, conversar ou passear com os pais, etc. Segundo
dados divulgados pela Unesco (2002), em livro organizado por Ulla Carlsson
e Cecília von Feilitzen, o estudante brasileiro passa quatro horas
na sala de aula e três horas e 55 minutos assistindo TV. Diante
desse dado, não se pode negar o impacto dessa tecnologia, nossas
crianças estão de fato expostos a essa mídia globalizada
e completamente vulneráveis, caso não a colocarmos no centro
de nossas discussões. A sociedade não é mais da escrita,
ela é imagética. Só com a TV na sala de aula conseguimos
educar o olhar critico dos alunos.
No livro “construção social da realidade” Luckmann
e Berger (1976) apontam como o ser se socializa pela família, escola
e sociedade, porem, hoje não podemos deixar de colocar nesta aliança
a mídia, formando o quarteto de interação social
do ser.
Uma das tecnologias presente na maioria das escolas dos grandes centros
urbanos é o vídeo. Este unido à televisão
permite uma multiplicidade de usos, dentre eles estaria a sensibilização,
que é considerada por Moran (2000, p. 39) “o uso mais importante
na escola”. Alem desse, possibilita a introdução de
“um novo assunto, desperta a curiosidade, a motivação
para novos temas”. Esse mesmo autor ainda defende que “os
modelos de educação tradicional não servem mais”,
porém, a função primordial da escola continua sendo
a mesma: o ensino, tendo a questão pedagógica na base de
todos os esforços para a melhoria da sua qualidade. Porém,
a escola precisa re-significar o seu papel estabelecendo uma relação
prazerosa entre o conhecimento e o saber, transformando-se em um lugar
de produção e não apenas de reprodução
de conhecimento e cultura. McLuhan (1971, p.17) informa que “a escola
perde muito tempo ensinando para um mundo que não existe mais”.
A Televisão
A TV iniciou suas transmissões no Brasil na década de 50,
com Assis Chateaubriand na cidade de São Paulo, Assis espalhou
200 televisões pela cidade para a população poder
assistir o inicio da TV no Brasil. A TV foi difundida nos anos 70 por
força dos projetos de integração nacional patrocinados
pelo regime militar. Na década de 80 se impulsionou o uso dos vídeos
e filmadoras caseiras e se expandiram as locadoras de fitas de vídeo.
Segundo dados da ONU no Brasil há 93 % de domicílios com
geladeira e 97% com televisão, então podemos ver a força
que essa maquina de narciso apresenta. Segundo Luiz Costa, em seu livro
“A vida com a TV” (2002. p.43), “Dois milhões
de casas no Brasil têm televisor , mas não tem geladeira.”
Talvez estejamos supervalorizando a TV, mas nossas crianças estão
trocando as brincadeiras de rua por assistir TV e mexer no computador
e vídeo game “.
O fato de a maioria das famílias brasileiras possuir um aparelho
de TV em suas residências não pode significar por si só
o aumento de oportunidades para a maioria da população,
pois a maioria dessas famílias é privada de condições
básicas de sobrevivência, incluindo alimentação,
saúde e saneamento básico. Desta forma, é preciso
problematizar que muitas famílias, às vezes, sentem-se detentores
da informação, sem perceber que informação
gerada pelos meios de comunicação está vinculada
ás condições sociais de produção dessa
mídia. Assim, é apresentada de forma rápida e ideologicamente
estudada. Que a matéria é editada, e o que se apresenta
é um recorte da entrevista, da noticia. Consideramos necessário
mostrar a nossos alunos que a TV, que eles estão acostumados a
assistir, também pode não falar a verdade, pois a lógica
cotidiana nos diz - vejo é real - , mas no mundo imagético
produzido por diferentes aparatos técnicos, como nos informa Santaella
e Nöth (2000), a verdade que nos parece real, nem sempre representa
a realidade.
Não queremos ser apocalípticos e condenar a TV pelas mazelas
da escola ou do mundo, Corroboramos com o pensamento do professor Arlindo
Machado (2000, p.35) “A TV é e será aquilo que fizermos
dela” Por isso, se faz necessário a aproximação
da escola com o mundo das mídias, pois para muitos alunos de escolas
públicas, a escola passa a ser o único local que lhe possibilita
o contato crítico com as estas.
O papel do professor é ser mediador entre as informações
contidas nas mídias e o processo de ressignificação
dessas idéias para os alunos, contribuindo como um dos elementos
na acumulação de capital cultural das crianças. Nosso
experimento foi calcado nestes princípios de mostrar aos alunos
que a TV pode mentir.
A escola, assim, participa do processo de acumulação de
capital cultural adquirido pelos estudantes, Nas relações
sociais estabelecidas nesse processo, as crianças estabelecem diferentes
vínculos, incluindo os afetivos e todos os outros constitutivos
de suas subjetividades. Para Piaget ( ) não podemos separar o cognitivo
do emotivo, são inseparáveis. Talvez esse seja um dos truques
da TV, pois ela consegue ao mesmo tempo trabalhar o cognitivo e o emocional.
E a criança fica fascinada com o mundo imagético que passa
no écran. Em minutos vamos da tristeza para a comedia, da riqueza
para a pobreza. Cenas de sexo com cenas de carinho. E é com esta
baba eletrônica que nossos filhos estão aprendendo e crescendo
emocionalmente.
Os pais por diversos motivos, entre eles o educacional, desde cedo privam
os jovens, cerceam um pouco a liberdade, dão limites fazendo a
criança viver a realidade e um pouco da frustração.
Depois de alguns anos a criança conhece a escola, um lugar onde
a cobrança continua, onde seus desejos não são realizados.
Já a TV é sua amiga, esta sempre ali a sua espera, é
só apertar um botão e pronto, lá esta a imagem da
ilusão. A TV nunca ira brigar com ela, os seus programas preferidos
estão lá, é só esperar a hora certa ou colocar
o vídeo ou DVD que deseja.
Com isso, acreditamos que para as crianças, elas crescem achando
que a TV não mente, que a TV é sua amiga. Muitos adultos
quando chegam em casa, a primeira coisa que fazem, para relaxar é
ligar a TV. E nem ficam vendo as imagens, vão realizar outra tarefa,
mas com a TV ligada o mundo esta passando por ele. Se algo acontecer a
TV ira informar. Se não passar na TV não é verdade,
não aconteceu.
A Pesquisa
o cenário
Como a nossa pesquisa tem condução metodológica fundamentada
na pesquisa-ação, descreveremos o cenário da ação,
e ao mesmo tempo, estaremos descrevendo a coleta de dados e os sujeitos,
bem como tecendo comentários.
A partir de uma atividade realizada em uma turma de ensino fundamental
do CIEP Adão Pereira Nunes, localizado no bairro de Acari, na cidade
do Rio de Janeiro, problematizamos a relação das crianças
com a televisão.
A atividade constituía-se em uma oficina de vídeo, realizada
toda sexta feira com os alunos do ensino fundamental, discutíamos
como a especificidade da linguagem era produtora de sentidos e que as
imagens não correspondiam à realidade, assim a perspectiva
era de desmistificação da mídia, tentávamos
que as crianças realizassem leituras de compreensão na forma
concebida por Orlandi (1988), que efetivamente elaborassem leituras de
apropriação, na perspectiva adotada por Chartier
(1998).
Depois de algumas semanas, percebemos que por mais que explicássemos
a magia da linguagem da TV. Por exemplo, como o plano e o contra plano
são utilizados e como o que esta fora da tela, muitas vezes é
mais importante do que o que esta na tela, a curiosidade deles não
era saber como funciona a produção de um programa, mas queriam
aparecer nele, estar na tela e por algum motivo assim, estarem vivos.
Como se a câmera legitimasse suas existências, muito mais
do que a certidão de nascimento. E no fim da oficina que durava
a manhã, íamos almoçar com as crianças e escutávamos
o que eles comentavam, quase a mesma coisa em um uníssono.
– Eu apareci na TV, você viu?
Pensávamos como mostrar aos alunos que a TV não tem esse
poder todo, e mesmo que tenha é preciso vigiá-la. Sabíamos
que a desmistificação da TV teria que se dar por via emocional,
pois eles simplesmente amam a TV. Aproveitar os ensinamentos de Vygotsky
(..........), “fazer o aluno vivenciar o que estávamos falando”,
pois mesmo com as aulas expositivas e debates sobre a mídia, julgamos
que deveriam vivenciar a experiência de produzir uma mídia
e nesse processo perceber como esta não expressa somente verdades.
Assim, surgiu a idéia de fazermos uma “pegadinha” audiovisual,
com um objetivo pedagógico - fazer os alunos sentirem a força
da mídia.
Convidamos uma aluna da 2ª série para se repórter,
e um câmera-man da 4ª série, para fazer a gravação
e os dois atuariam em uma turma de 3ª série . Conversamos
com os dois sobre o objetivo.
A seguir os alunos foram para a sala, e a aluna, assumindo seu papel de
repórter fez a todos os alunos a mesma pergunta “qual o professor
que você mais gosta?”, e o estudante, em seu papel de câmera-man
filmou as crianças. Estas responderam conforme sua vivencia escolar
e suas alegrias durante o período. Ao final ela saiu da sala, os
alunos ficaram conversando sobre qual o professor que eles mais gostavam.
A equipe foi para uma sala e foi gravada com a repórter uma fala
nova, em outro ambiente: “Vocês vão assistir agora
um vídeo onde os alunos falam dos professores que eles menos gostam”.
Com esta mudança de texto, sem os alunos saberem, queríamos
ver qual seria a reação deles. Será que eles iriam
logo no começo entender o que aconteceu?
Crtl C +
Crtl V
Manipular uma imagem é como manipular um texto. A diferença
talvez seja na ferramenta usada, em vez de caneta ou editor de texto é
usado um editor de imagem. Com os programas de computador, editores de
texto, você recorta (crtl +c) e depois cola (crtl +v), criando assim
um texto novo. Com a imagem a idéia é a mesma. O que fizemos
na verdade foi denominar a cena da aluna/reporter perguntando Qual o professor
que você mais gosta? de imagem “A”, a cena dos alunos
respondendo de imagem “B”. (nome dos professores apenas) e
a cena gravada em outro ambiente da aluna/reporter perguntando “Qual
o professor que você menos gosta?” de imagem “C”.
Então a montagem criaria uma nova realidade. Em primeiro lugar,
colocamos a imagem “C” substituindo a imagem “A”
e depois seguia a imagem “B”. De volta a sala, anunciamos
o programa: “Vocês vão assistir agora um vídeo
onde os alunos vão falar dos professores que eles menos gostam”.
Os alunos ao assistirem à fita, onde a repórter mudou a
pergunta, todos, sem exceção, aceitaram as imagens e as
falas contidas no programa e acharam que eles não haviam entendido
a pergunta. O que nos chamou atenção é que os alunos
não conseguiram compreender que houve manipulação
das imagens. Não conseguiram ver que a imagem tinha sido alterada,
que houve um falseamento, uma mentira. Explicamos aos alunos o que aconteceu,
que o erro não era deles, que eles não ouviram errado, que
na verdade a imagem fora manipulada. Explicamos, ainda, que havia ocorrido
um processo chamado edição, que alterou as imagens e gerou
uma reportagem diferente.
Quando associamos a edição de vídeo à edição
de texto os alunos compreenderam. Só então os alunos tomaram
consciência do que havia acontecido e alguns ficaram indignados
de saber que a TV poderia mentir.
Discussão
A edição cria a nova verdade, a nova realidade.
Para Fischer (2001, p.12) as imagens nos olham e os sentidos por nós
produzidos ao lermos essas imagens são plenos de elementos culturais
e sociais. “A TV torna visíveis para nós uma série
de olhares de pessoas concretas – produtores, jornalistas, atores,
roteiristas, diretores, criadores, enfim, produtos televisivos”.
Na realidade queríamos que as crianças percebessem esses
olhares e as estratégias de elaboração da linguagem
desse artefato midiático que são geradoras de sentidos.
Desta forma, ao se inserir o uso das mídias nas práticas
educativas escolares é fundamental que se vá além
do uso, mas que se discuta as condições de produção
dessa mídia, pois assim as leituras realizadas pelas crianças
poderão ser criticas. Isto significa que estas realizarão
leituras de compreensão, que segundo Orlandi (1988), são
estabelecidas quando o leitor percebe que o sentido poderia ser outro,
e que compreender é apreender que a constituição
de sentidos de qualquer discurso, inclusive o televisivo, está
associado com o domínio da enunciação – o do
aqui e agora. Assim, para compreender, a criança leitora deve conhecer
sua posição como leitora, identificar o momento de sua prática
de leitura e reconhecer o discurso apresentado. Isso só será
possível com a problematização da produção
dessa mídia e, particularmente com crianças que estas vivenciem
essa produção.
Neste trabalho, observamos como a TV tem uma grande importância
para as crianças, por isso corroboramos como autores como Belloni
(2001), Fischer (2001), Mcluhan (1971), Machado (2000), dentre outros,
da importância de se estudar a tecnologia audiovisual e de se problematizar
a leitura das diferentes mídias.
Referências
BELLONI,
Maria Luiza. O que é mídia-educação. Campinas,
SP: Autores Associados,
2001.
CARLSSIN, U. FEILITZEN, Von, C. A criança e a Mídia: Imagem,
educação, participação. São Paulo:
Cortez. Brasília. DF:UNESCO, 2002.
CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São
Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.
PEREIRA, C.J, Luis. (org). A vida com a TV: o poder da televisão
no cotidiano. São Paulo: SENAC, 2002.
FISCHER, ROSA, M.,B. Televisão e Educação: fruir
e pensar a TV. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
BERGER Peter L. LUCKMANN Thomas. The Social Construction of Reality: A
Treatise its the Sociology of Knowledge. New York: Anchor Books, 1966.
MACHADO, Arlindo. A televisão levada a sério. São
Paulo: Editora Senac, 2000.
MORAN, José Manuel, MASETTO, Marcos T., BEHRENS Marilda Aparecida.
Novas
Tecnologias e Mediação pedagógica. Campinas, SP:
Papirus Editora, 2000.
MCLUHAN, M. Os Meios de Comunicação como extensões
do Homem. São Paulo: Cultrix.. 1971.
ORLANDI, Eni, P. Discurso e Leitura. São Paulo: Cortez Editora,
1988.
PIAGET, Jean. Linguagem e o Pensamento da Criança. São Paulo:
Martins Fontes, 3ª ed, 2001.
SANTAELLA, L. NÖTH, W. Imagem: cognição, semiótica,
mídia. São Paulo: Editora Iluminuras, 1999. |
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