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CURSO
DE APERFEIÇOAMENTO PARA MONITORES DE EDUCAÇÃO INFANTIL
DE CAMPINAS: UMA EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO EM AÇÃO
Sarah Cristina Peron,
Denimar Christine Coradi de Freitas,
Lisandra Minto Lourenço,
(Secretaria Municipal de Educação – Prefeitura Municipal
de Campinas SME/PMC)
No princípio, era a angústia. Então,
na vontade da descoberta fez-se a dúvida. E da dúvida, a
busca em vontade convulsa de saber, de compreender, conhecer. Transpor
sombras antigas, fazer-nos construtores de algo novo, diferente, ver o
mundo de outro modo, de outro modo ver a realidade da criança...
(...)
E acreditando que algo deveria ser feito – fez. Em teoria e ação.
E outros também acreditaram, estudaram, criticaram, refletiram.
Enfim, compreenderam. E compreenderam a compreender colegas educadores
afogados no pó e fracasso, e outros adormecidos na paralisia do
ensino. Acordaram, e logo conflitos afluíram ante toda construção.
Mas teve gente que não acreditou, e com seu giz e tradição,
fincou pé no lugar. E ainda hoje está lá.
(Jorge Luis Ribeiro dos Santos)
A Educação Infantil é a etapa da
Educação Básica destinada ao atendimento de crianças
na faixa etária de 0 a 6 anos. A partir desta definição,
é coerente pensarmos nas características desta área
da educação: idades específicas trazem demandas específicas.
No caso da Educação Infantil, estudos bastante atuais dizem
respeito à necessidade de estruturarmos uma proposta de educação
e cuidado no trabalho com crianças pequenas . O trabalho deve ser
conduzido de forma que criemos oportunidades sólidas para que estas
crianças possam interagir com o mundo e com outras pessoas, num
espaço especificamente estruturado para suas ações,
utilizando-se de todas as suas linguagens/formas de expressão,
tendo como ação principal o brincar e, a partir deste eixo
condutor, abrir caminho para a manifestação livre de toda
a cultura produzida no grupo e na interação entre crianças
e entre adultos e crianças.
DAHLBERG, MOSS e PENCE (2003) discutem, em sua abordagem a respeito da
construção qualitativa de uma instituição
dedicada à primeira infância, qual deve ser o papel do profissional
desta modalidade de serviço:
“O profissional que trabalha com a primeira infância
mobiliza as competências de construção de significado
das crianças, oferecendo-se como um recurso ao qual elas podem
e querem recorrer, organizando o espaço, os materiais e as situações
para proporcionar novas oportunidades e escolhas para a aprendizagem,
ajudando as crianças a explorar as muitas linguagens diferentes
que estão a elas disponíveis, ouvindo e observando as crianças,
levando a sério suas idéias e teorias, mas também
preparando para desafiar, tanto sob a forma de novas questões,
informações e discussões como sob a forma de novos
materiais e novas técnicas.” (p. 112)
No município de Campinas, a Educação
Infantil vem se estruturando ao longo dos anos, desde a criação
dos primeiros Parques Infantis do Município, datados aproximadamente
da década de 40, passando pela administração das
creches pela Secretaria de Promoção Social, até a
sua incorporação à Secretaria Municipal de Educação,
em meados de 1989.
No que diz respeito aos profissionais que atuam diretamente com as turmas
de crianças nas salas de Educação Infantil do município,
encontram-se os professores e professoras e os monitores e monitoras.
Aos professores e professoras é exigida a formação
específica – magistério ou pedagogia. Ambas as categorias,
atualmente, são efetivadas em serviço através de
concurso público.
No caso dos monitores e monitoras com bastante tempo de serviço,
muitos deles ingressaram na rede através de contratação
especial. Há casos em que agentes da Promoção Social
circulavam pelo bairro onde seria inaugurada uma creche e convidavam pessoas
para trabalharem com as crianças. Estas pessoas passavam por treinamento
e, logo em seguida, iniciavam a sua atuação nas creches.
Mesmo nos últimos concursos realizados para a contratação
de monitores e monitoras infantis, não houve exigência de
formação específica em educação infantil,
apesar de sua formação inicial variar desde o ensino fundamental
até a pós-graduação.
Sabemos, porém que as especificidades da Educação
Infantil, levando em conta a sua característica marcante de estruturar-se
em ações de educação e cuidado dentro das
demandas das crianças de 0 a 6 anos, exige profissionais sintonizados
com tais especificidades. Tais profissionais deverão usufruir de
uma formação em serviço de tal modo que possam estar
conscientes dos objetivos de suas ações, para que lancem
mão de iniciativas de trabalho pedagógico que atendam com
qualidade às necessidades desta etapa da educação.
Tais ações pedagógicas englobam um trabalho de interação
social a partir de linguagens específicas - a brincadeira, as artes,
a oralidade, as histórias, a música, o movimento, dentre
tantas outras. A criança produz cultura por meio da interação
com seus pares e com os adultos que a cercam, dos quais ela necessita
até mesmo para a sua sobrevivência e integridade no mundo
em que vive.
Sendo assim, é possível remeter um olhar atento à
condição de trabalho dos monitores e monitoras que atuam
na Educação Infantil do município, levando em conta,
ainda, para esta discussão, o agravante da questão salarial
e a desvalorização profissional enfrentados ao longo dos
anos. Estes profissionais têm sido encarados, geralmente, como cumpridores
de propostas de trabalho elaboradas exclusivamente pelos professores,
ou ainda como meros “cuidadores” de crianças, não
sendo encarados como educadores que sempre foram, ao longo de toda a sua
trajetória como profissionais da educação. Entendemos,
portanto, que a predisposição de tais condições
de trabalho acabam por desvalorizar ou desqualificar toda a experiência
prática destes profissionais, acumulada durante tantos anos de
sua atuação com crianças pequenas.
Portanto, acreditamos que estes profissionais devem atingir, entre outros
objetivos, uma confiança pessoal em seu próprio trabalho
e uma maior autonomia na delimitação de sua atuação
pedagógica, e somente uma formação continuada consistente
e contextualizada poderá gerar tais posturas.
A formação continuada de educadores pressupõe um
processo político-pedagógico e implica na transformação
de saberes já construídos. BENINCÁ (2002) nos remete
a Paulo Freire para alertar sobre os desafios de uma pedagogia transformadora
e “a pedagogia da práxis, por natureza, requer a transformação
dos sujeitos nela envolvidos; por isso, gera medo”. (101). Sendo
assim, o desafio é conscientizar os envolvidos neste processo sobre
a importância da formação em exercício, incentivando
uma pedagogia da práxis sem criar resistência ao processo
de transformação.
Pautando-se na busca de uma maior qualidade no atendimento educativo de
crianças de 0 a 6 anos no município de Campinas, algumas
profissionais integrantes da Rede Municipal de Educação
– entre elas, professoras, coordenadoras pedagógicas, orientadoras
pedagógicas, diretoras e vice-diretoras da Educação
Infantil – iniciaram, em 2003, a montagem de um curso de formação
específico para a categoria profissional dos monitores e monitoras.
Sabemos que estes profissionais, muitas vezes, puderam participar de grupos
de formação e de trabalho oferecidos pela Secretaria Municipal
de Educação – apesar das inúmeras dificuldades,
como impossibilidade de horários para freqüentar os cursos,
e até mesmo outros tipos de restrições colocadas
por diretores das Unidades Escolares - mas nunca haviam tido a oportunidade
de fazer parte e construir juntos um curso de formação voltado
exclusivamente para as suas demandas de trabalho. Pensou-se então,
em um curso que oportunizasse um resgate de suas experiências práticas,
adicionado ao embasamento teórico sobre questões relacionadas
à infância, à Educação Infantil e ao
profissional dedicado a esta área da educação, dentre
outros aspectos englobados nesta temática.
Assim, iniciamos o funcionamento deste curso em meados de março/abril
de 2003. Os monitores e monitoras participantes estavam divididos em aproximadamente
nove grupos de dez profissionais, orientados, geralmente, por duas formadoras.
Em 2004, o curso contou com cerca de dezoito grupos com aproximadamente
doze profissionais em cada grupo, coordenados, novamente, por duas formadoras
por grupo, em sua maioria. Dentre estas formadoras, estavam professoras
de Educação infantil e Ensino Fundamental, Coordenadoras
Pedagógicas, Supervisoras, Orientadoras Pedagógicas, Diretoras,
e até mesmo três educadoras que freqüentaram o curso
em 2003 e foram convidadas a participar do processo formativo de seus
colegas em 2004. Atualmente, ano de 2005, contamos, até o momento,
com 13 turmas, com aproximadamente vinte profissionais em cada uma, sob
orientação de uma ou duas formadoras, as quais, neste ano,
são apenas professoras da Rede.
O curso divide-se em horas de discussão em grupo e horas práticas,
as quais são convalidadas no próprio trabalho dos profissionais
nas U. E.’s.
Nas discussões em grupo, ou estudos teóricos, como também
denominamos, fica evidenciada a opção da metodologia de
trabalho do curso como um todo, a qual consiste em dar voz às experiências
práticas e, conseqüentemente, às demandas formativas
dos educadores e educadoras, combinando tais relatos com estudos de textos
e discussão sobre conceitos relacionados à Educação
Infantil em geral. Tal metodologia envolve a construção
de uma postura de educador-pesquisador de sua própria prática,
em busca da melhoria, em termos de qualidade, de suas ações
cotidianas, tornando-se consciente de sua prática pedagógica.
A respeito do trabalho pautado na pesquisa sobre a prática, pelos
próprios educadores, DICKEL (2002) aponta:
“Pelo trabalho de pesquisa, ao engendrar a possibilidade
de aproximação entre teoria e prática, o professor
é capaz [...] de elaborar formas de atingir o seu trabalho e a
criança, de modo a reconstituí-los como sujeitos do processo
pedagógico e dos processos sociais, capazes de produzir um projeto
histórico que não prescinde das pessoas, mas que as inclui,
que as forma pela capacidade que possuem de formar o outro e de inventar
o futuro.” (p. 80)
BENINCÁ e CAIMI (2002) tecem considerações
a respeito das relações entre os fazeres dos educadores
e educadoras, ou seja, a sua consciência prática, adquirida
através da ação-reflexão-ação
e do embasamento teórico das ações desenvolvidas
pelos profissionais da educação:
“Se, de um lado, constatamos a coerência na
relação da consciência prática com a ação
por ela intencionada, por outro, percebemos que, nesse nível do
senso comum pedagógico, muitas ações se apresentam
de forma fragmentada, sem coerência entre uma e outra, ou seja,
percebemos as ações como contraditórias.” (p.
21)
Pensando em um processo formal e espontâneo de formação
continuada remetemo-nos a afirmação dos autores:
“A formação do professor, para que consiga construir
coerência entre seus estudos e a sua prática, não
pode se limitar apenas ao domínio do conhecimento; necessita também
da reflexão ética sobre o uso dos conhecimentos em sua prática
pedagógica. Sabemos que ninguém pode intervir sobre a consciência
do outro e exigir-lhe que haja dessa ou daquela maneira. [...] A pesquisa
que tem por objeto a ação pedagógica do professor,
necessariamente, envolve as duas dimensões: a produção
do conhecimento pedagógico e a formação do professor
no sentido de que seja capaz de fazer de sua prática uma práxis
pedagógica”. (idem, p. 23-4, grifo nosso)
Para que esta metodologia – análise e estudo
sobre a prática cotidiana - seja levada a cabo neste Curso de Formação
e Aperfeiçoamento para monitores e monitoras da S.M.E., optamos
também por estruturar, como dinâmicas principais para o andamento
das discussões em grupo, a prática de atividades em diversas
linguagens , os relatos sobre a prática e os registros. Entendemos
que estas práticas possibilitam aos monitores e monitoras, coordenados
pelas formadoras, uma observação sistematizada da relação
pedagógica estabelecida em sua atuação nas U.E.’s.
Esta observação é carregada de escolhas, contexto
e subjetividade, sendo o monitor e a monitora os observadores de sua própria
prática educativa e os observados por si mesmos. Relato e registro
possibilitam a aproximação necessária à observação
refletida. É o fenômeno lido na consciência.
Conseqüentemente, a partir da reflexão e da re-leitura destes
relatos e registros, detectam-se os indicativos da prática educativa
e da relação pedagógica que merecem análise,
buscando-se o auxílio da teoria. A partir daí, estes materiais
defrontam-se com as “possibilidades pedagógicas de superação
dos problemas indicados” (ibidem, p. 26), passando então
à formulação de hipóteses sobre as condições
de transformação da prática, levando em conta as
relações contextualizadas e percebendo onde se requer mudanças
na ação.
É importante ressaltar, é claro, que não há
uma linearidade absoluta em todo esse processo. Há assuntos julgados
pelo grupo como mais relevantes em relação a outros e que
merecem um maior tempo de dedicação, bem como, há
assuntos pelos quais o grupo não se interessa em aprofundar. Alguns
temas não partem exclusivamente de registros ou relatos sobre a
prática, mas de curiosidades transformadas em perguntas, elaboradas
tanto por parte dos monitores e monitoras como também por parte
das formadoras, em sua leitura compartilhada das necessidades do grupo
em que atuam. Tais questões são explicitadas em diversos
momentos - ou seja, nos encontros do grupo de monitores e monitoras e
nas reuniões de planejamento das formadoras - e reconhecemos estarem
implícitas em toda a dinâmica do trabalho cotidiano desenvolvido
pelos integrantes do grupo.
Destacamos, também, o uso de diversas linguagens na dinâmica
instaurada nos grupos deste curso de formação. Assim, além
do uso dos relatos orais, dos registros escritos e da leitura sistematizada
de textos - práticas presentes na maioria dos cursos – nossos
fazeres também envolvem a arte, a leitura de imagens e a análise
de vídeos e filmes, as dramatizações, os jogos, as
músicas, as brincadeiras, as dinâmicas de relaxamento, o
movimento corporal, dentre outras práticas.
Através deste relato de experiências, compartilhamos agora
algumas de nossas vivências enquanto formadoras de dois dos grupos
deste curso , onde a opção metodológica anteriormente
explicitada poderá ser visualizada de forma mais dinâmica.
Como refletem PÉREZ, SAMPAIO e TAVARES (2001), ao relatarem suas
experiências sobre o processo formativo de educadoras infantis da
rede pública, assumir tal opção metodológica
“(...)
significa insistir em um movimento de co-coordenação ou
alternância de coordenação, onde o processo de mediação
é ocupado por todas aquelas [pessoas] que se colocam disponíveis
para a intervenção, o que não significa a ausência
de intencionalidade da nossa parte como formadoras, mas, sobretudo, uma
urgência político-epistemológica em democratizar e
fazer circular relações de poder/saber. Poder, para nós,
adquire significados de co-responsabilidade por si, pelo outro, pelo grupo,
pelo processo de trabalho realizado nas escolas e creches da rede.”
(p. 90)
Assim, compartilhamos
aqui práticas, memórias, trajetórias e experiências.
O texto pessoal de cada uma de nós está entretecido com
os outros tantos textos de todas as participantes destes grupos de formação
de monitoras aqui abordados.
Relatos orais
sobre a prática
Desde os primeiros encontros nos grupos de formação, optamos
por solicitar às monitoras que relatassem sua trajetória
como profissionais da Educação Infantil, bem como suas expectativas
em relação ao curso de aperfeiçoamento: quais seriam
os seus desejos, ao ingressarem neste curso? O que gostariam de aprender
ou trocar com as colegas? Gostariam de mudar algo em suas práticas?
Gostariam de aperfeiçoá-la? Enfim, outras muitas perguntas
puderam ter suas primeiras respostas a partir destes relatos iniciais.
Fizemos questão de que cada monitora fosse ouvida por todas as
outras. Acreditamos que estes primeiros momentos, configurando-se como
momentos de interação social entre todos os membros do grupo
e até mesmo propiciando a criação de vínculos
entre todas nós, deram início a um processo de descoberta
de significados da prática pessoal e do outro, propiciando a compreensão
sobre os diferentes olhares que as monitoras têm de seus fazeres.
Desta forma, as atividades de narrativa acompanham a prática nos
grupos em cada um dos encontros, nas suas diversas modalidades, as quais
englobam:
- comentários sobre fatos ocorridos no CEMEI , sejam estes acontecimentos
configurados como problemas ou experiências satisfatórias
em relação às atividades realizadas com as crianças;
- relatos sobre as interações entre crianças e entre
adultos e crianças, bem como suas reações e verbalizações,
em atividades programadas, brincadeiras e usos diversos dos espaços
e materiais do CEMEI;
- relatos sobre o relacionamento entre os profissionais e as famílias
e comunidade do entorno do CEMEI, bem como sobre experiências pessoais
de relacionamento das monitoras com os pais, mães e responsáveis
pelas crianças com as quais atuam diretamente, sejam estas experiências
preocupantes ou satisfatórias;
- depoimentos sobre o relacionamento das monitoras com os demais profissionais
do CEMEI: diretores, vice-diretores, administradores, orientadores pedagógicos,
professores, guardas, cozinheiros, agentes de limpeza etc., sejam estes
relacionamentos configurados como problemáticos ou satisfatórios;
- relatos sobre a participação das monitoras em reuniões
de formação continuada, planejamento geral ou de setor,
reuniões de integração, reuniões de trabalho
docente, entre outras, bem como relatos sobre casos onde não há
abertura, no CEMEI, para a participação das mesmas nestas
reuniões;
- relatos sobre a participação das monitoras nas reuniões
específicas da categoria (T.E.’s) e suas impressões
sobre o trabalho realizado nestes momentos;
- relatos sobre as experiências das monitoras quanto à realização
de planejamentos, registros e avaliações da prática
pedagógica;
- comentários a respeito de acontecimentos gerais da rede municipal
de educação: discussões sobre carreira, salário,
normas de funcionamento, enfim, determinações que influenciam
direta ou indiretamente no trabalho pedagógico dos CEMEI’s;
- comentários das monitoras sobre a sua participação
em diversos cursos oferecidos pela Secretaria Municipal de Educação,
bem como as dificuldades enfrentadas por estas profissionais a respeito
de adequação de horários e possibilidade de participação;
- comentários, exposição de opiniões e debates
sobre as temáticas estudadas neste curso de formação
e aperfeiçoamento específico para monitores e monitoras;
- comentários a respeito de textos lidos e estudados no curso,
bem como sobre outras atividades realizadas: registros, dramatizações,
trabalhos artísticos, vídeos ou filmes assistidos, trabalhos
com imagens, dinâmicas, jogos e brincadeiras ;
- exposição de suas impressões pessoais a respeito
da sua própria prática como educadoras infantis, relacionando-a,
inclusive, às suas experiências pessoais de vida.
Enfim, a fala está presente em todos os momentos de nossos encontros,
assim como os silêncios ocasionais são, é claro, também
permitidos e respeitados; embora, às vezes, tais silêncios
nos tragam preocupações, e nos instiguem a tentar entendê-los,
nos remetendo aos processos de exclusão e desvalorização
já sofridos pelas monitoras no decorrer de sua trajetória
profissional. O olhar para os silêncios das educadoras... Não
falam por não ter confiança em si ou por nunca terem sido
ouvidas? Como perceber as entrelinhas do silêncio? Tal postura nos
leva a instigá-las com novos questionamentos e oportunidades de
se colocarem ativamente em seu processo formativo.
Esta dinâmica de abertura à narrativa pessoal permite-nos
efetivar a socialização dos saberes e fazeres das monitoras,
bem como a abertura de espaços para a interferência do grupo
nas falas, apontando questões que possam ser aprofundadas e pensadas.
Tais relatos, juntamente com atividades escritas, tanto no início
quanto no decorrer do curso, nos permitiram/permitem detectar as necessidades
formativas das monitoras, bem como as temáticas preferenciais para
estudo, possibilitando a construção de um plano de curso
que possa ser visualizado por todas as participantes do grupo.
Tal movimento permite, também, uma negociação permanente
com o outro, “(...) especialmente no campo dos afetos, no campo
das emoções, não somente no campo intelectual racional”
. (PÉREZ, SAMPAIO e TAVARES, idem, p. 87)
Constitui-se como nosso objetivo, neste movimento, conscientizar-nos da
possibilidade de transformação dos conhecimentos produzidos
em novas práticas.
Como afirmam PÉREZ, SAMPAIO e TAVARES (ibidem)
“Tal
procedimento se fundamenta numa concepção que vê a
narrativa como dispositivo detonador de um processo de reflexão,
onde o sujeito-autor constrói a trama narrativa a partir de seus
interesses e necessidades. Por esse caminho, acreditamos que as narrativas
orais da prática desencadeiam um processo auto-reflexivo fundamental
à compreensão das formas particulares de ser e viver a docência”
. (p. 86)
Atividades
de registro: aprendendo em todos os sentidos
Acreditamos que, para a monitora infantil, a importância de adquirir
uma prática de registro ou documentação de seu trabalho,
está na possibilidade de criar as bases para se construir uma relação
entre ela mesma e os demais indivíduos com os quais atua. Selecionar
os elementos que se quer registrar constitui uma escolha pessoal, carregada
de historicidade e envolvimento com o trabalho realizado. Esta escolha
se faz percebendo e tentando extrair sentido dos acontecimentos da prática
cotidiana, incorporando pensamentos, refletindo sobre as ações
pedagógicas realizadas com as crianças e as maneiras de
lidar com os impasses surgidos no dia-a-dia.
O curso é um espaço onde as monitoras são levadas
a observar atentamente cada passo de seu trabalho, descrevendo o processo
de suas construções, de suas propostas, os recursos utilizados,
sua atuação e mediação, a reação
das crianças perante as propostas (hipóteses, fantasias,
falas, expressões, desejos...) e como se propõem desafios
neste processo de aprendizagem.
A prática da observação da realidade é parte
integrante da atividade de registro a ser realizada pelas monitoras, sendo
importante que se compreenda tal processo. Observar a criança significa
entender que as monitoras são mediadoras de quase todas as suas
experiências no CEMEI. Sendo assim, para que se realmente conheça
as reais necessidades das crianças, é preciso aprender a
observá-las. Para tanto, são incentivadas no grupo práticas
de registro que estejam pautadas na observação das diversas
situações do cotidiano de trabalho com as crianças.
A prática de observação e registro também
é defendida por BENINCÁ (2002):
“A prática refletida transforma o senso comum e torna o ser
humano sujeito; requer porém, o processo de observação
documentado em registros.” (p. 108)
Em momentos diferenciados, esta documentação é socializada
no grupo, aprofundando a troca e a construção de saberes,
valorizando a prática pedagógica das educadoras. Tal prática
recebe novos olhares na troca coletiva, carregados de reflexão
e possibilidades de transformação.
O registro trará às monitoras, entre outros sentidos possíveis,
a possibilidade de:
- socializar o seu trabalho no grupo de profissionais do CEMEI, em reuniões
de TD,TE, Integração, Setor e de Formação
Continuada, possibilitando ao grupo novas formas de entendimento das ações
educativas, apresentando-se como um estímulo à construção
de novas práticas que desafiem os discursos já cristalizados;
- utilizá-lo em reunião de pais, a fim de socializar como
se estabelece o processo de aprendizagem das crianças e como surgem
e são encaminhados os projetos de trabalhos;
- servir como instrumento para a avaliação e re-planejamento
de sua própria prática, adequando-se, assim, à construção
de uma postura investigativa da monitora.
Na prática do registro, instaurada em nossos grupos, surgem também
alguns impasses ou desafios, enfrentados por nós, formadoras, no
decorrer dos encontros.
Um primeiro impasse a ser trabalhado com as monitoras diz respeito à
consideração das subjetividades nas escritas dos registros.
Muitas monitoras nos questionam: o que registrar – o que aconteceu
ou o que eu penso sobre o que aconteceu? Posso dar a minha opinião,
ou tenho que descrever exatamente os fatos do cotidiano do CEMEI? Tenho
que registrar tudo ou voltar o meu olhar ao que mais me chamou a atenção?
Diante destas indagações, esclarecemos que o registro não
é, puramente, um retrato fiel da realidade, do cotidiano das práticas
pedagógicas. Ao contrário, como já dito anteriormente,
contém escolhas, atribuição de significados, interpretações
e reflexões da monitora. O registro, portanto, é seletivo,
parcial e contextual.
Um outro desafio enfrentado por nós diz respeito à grande
dificuldade de algumas monitoras no processo de escrita. Como já
foi destacado, algumas delas possuem apenas o ensino fundamental. Outras,
não possuem o hábito de escrever, por isso deparam-se, constantemente,
com dificuldades de se expressarem por meio da escrita.
Diante deste quadro, nossa postura é “ajudar”: ajudá-las
a re-escrever suas produções, se este for o desejo, ou ajudá-las
a expressarem-se de maneiras diferentes - falando, contando episódios,
trazendo fotos sobre acontecimentos do CEMEI, para, só então,
tecer novas propostas de escrita.
Envolvido em uma pesquisa a respeito das deficiências de expressão
oral e escrita de alunos do curso de Pedagogia, MÜHL (2002, p. 142-3)
aponta qual deverá ser o papel do formador, neste contexto: “(...)
elevar o nível deste diálogo para as condições
requeridas à compreensão da temática em debate”,
respeitando as diferenças e estando atento às necessidades,
cuidando para não portar-se “(...) de forma autoritária
e basista, quando uma das partes se sobreporá à outra, anulando
o diálogo e a conseqüente comunicação”.
Enfim, para que a relação comunicativa seja mantida, devem
se traçar caminhos para o não-bloqueio das educadoras, respeitando
suas possibilidades, partindo “(...) das condições
reais e das dificuldades de que são portadoras”. (p. 145)
Enfim, é importante ressaltar que os espaços para essa reflexão
das monitoras sobre suas próprias práticas devem ser efetivamente
garantidos, sendo o registro entendido como instrumento fundamental para
o educador infantil. Assim, tais práticas são realizadas
no próprio curso, bem como fora deste espaço.
Partilhamos, agora, alguns destes espaços destinados à prática
de compartilhar saberes e fazeres das monitoras, no curso de formação
e aperfeiçoamento, dados a partir das atividades ligadas ao registro,
as quais nos proporcionaram, enquanto formadoras, elementos para o planejamento
dos estudos e debates a serem levados a cabo nos encontros.
Em um dos grupos de trabalho abordados neste relato de experiência
– grupo G - após realizarmos dinâmicas interativas,
as quais nos ajudaram na efetivação da união e do
vínculo afetivo entre as monitoras e formadoras do grupo –
permitindo momentos de cumplicidade, nos quais éramos envolvidas
e sensibilizadas por lembranças de experiências significativas
que marcaram a nossa trajetória enquanto educadoras infantis, partimos
para dinâmicas outras que nos auxiliassem a retirar das monitoras
quais seriam alguns de nossos temas de trabalho para o ano. Diante de
uma proposta de escrita onde as monitoras deveriam relatar o que é
ser uma educadora infantil, começamos a detectar os temas que mais
interessavam ao grupo. Após este momento, realizamos a confecção
da “Caixa dos Desejos” (Figura 1): as monitoras escreveram,
em um papel em formato de coração – afinal, são
nossos desejos mais importantes, desejos não somente racionais,
mas que envolvem a opção por uma vida melhor, por um mundo
melhor - as suas expectativas em relação ao curso. Diante
destas expectativas explicitadas, pudemos definir quais seriam nossos
principais temas de trabalho, dentre outros, é claro, que mais
tarde surgiriam, diante de observações realizadas em situações
cotidianas e socializadas no decorrer do curso. Esse material nos proporcionou
também a discussão específica e organizada de situações
cotidianas, ressaltando a importância da troca de experiências
e da construção coletiva de saberes. Num trabalho de parcerias,
foi sendo estruturado, no curso, um espaço real de socialização
de impressões acerca de acontecimentos do cotidiano de trabalho
nos Centros Infantis, como pode ser visto a seguir, na reprodução
de alguns desejos inseridos na caixa .
Meu desejo
é entender sobre o relacionamento entre escola e família.
(monitora do grupo G/2004)
Desejo que
todos trabalhem centrados num só objetivo – a criança
– estimulando-a para que seja um indivíduo capaz de criticar,
tendo autonomia para pensar. Para tanto, necessitamos de formação.
Sugiro o trabalho com os ateliês de Freinet e com a proposta de
trabalho diversificado.
(monitora do grupo G/2004)
O meu desejo
é que sejamos reconhecidas como educadoras profissionais, não
só como aquelas que cuidam, mas sim como aquelas que educam e contribuem
para que a criança seja alguém na vida. Gostaria que tivéssemos
oportunidade de aprender mais, como neste curso. Que o futuro das crianças
seja lindo, e o meu também!
(monitora
do grupo G/2004)

Figura 1
– A “Caixa dos Desejos” (Grupo G)
Com o objetivo
de proporcionar às monitoras o acesso aos saberes construídos
a respeito de uma pedagogia da infância partimos, primeiramente,
do resgate das histórias vividas em suas próprias infâncias.
Utilizando como objeto disparador o filme “A colcha de retalhos”
propusemos a elaboração de um texto: Relato de Infância
– momento em que, individualmente, relembraram tempos que pareciam
estar esquecidos, mas que simplesmente adormeceram (Figuras 2 e 3).
Afinal, como afirmam ANDRADE E MARQUES (2003)
“Olhar para a nossa história é evidenciar significados.
Aquilo que contamos hoje não é – nem pode, nem deve
ser – precisamente o que vivemos. Contar é rever, criar,
inserir outros elementos da nossa experiência, transitar entre o
real e o ficcional”. (p. 64)
Utilizamos como recurso o relato escrito e criamos, de acordo com Habermas,
um ambiente que possibilitou “construir e ampliar os canais de comunicação
que permitiram uma convivência enriquecedora e crítica entre
as diversas experiências culturais existentes” (MÜLH,
2002, p.121).
E foi a partir desses relatos, que traziam uma diversidade de vivências,
histórias e culturas que começamos a conhecer um pouco a
respeito da História da Infância.
“Construir e reconstruir memórias no coletivo da sala de
aula ou em qualquer outro coletivo representa lançar-se na busca
de construção de comunidades de escritores e leitores críticos,
participativos e autônomos”. (idem, p. 122)
O relato de infância permitiu, a partir da memória das “infâncias
de ontem” relacionadas às “infâncias de hoje”,
o resgate de experiências diversificadas na história da Educação
Infantil da Rede e a reflexão a respeito das práticas efetivadas
ao longo deste percurso. A constituição de cada uma das
monitoras que hoje atuam no cuidado e na educação das crianças
de 0 a 3 anos no município de Campinas foi se dando em diferentes
contextos históricos, fator que possibilitou uma reflexão
coletiva a respeito de experiências individuais vividas no processo
de sua formação.

Figura 2 – Pasta dos relatos
de infância (Grupo G)

Figura 3
– Trabalho com retalhos para a pasta dos relatos de infância
(Grupo G)
Uma outra
proposta pensada por nós, além de uma atitude reflexiva
das monitoras sobre suas práticas, serviu-nos como um instrumento
para detectarmos quais seriam os pontos de interesse para estudo em nossos
grupos. Desta forma, as monitoras deveriam escrever sobre o cotidiano
do CEMEI pensando em suas GRANDES QUESTÕES em relação
à sua prática, ou seja, quais dificuldades encontram, o
que desejam mudar ou melhorar, quais assuntos desejam conhecer melhor
etc. Esta tarefa rendeu, além dos temas de trabalho elencados a
partir dela, a elaboração de um livro: O LIVRO DAS GRANDES
QUESTÕES (Figura 4). Este “livro” – uma pasta
com plásticos - é composto por textos relacionados às
grandes questões surgidas nas tarefas, bem como folhas em branco
para que as monitoras possam escrever as suas reflexões sobre as
leituras ou até mesmo sobre cada uma das questões .
Figura 4
– Capa do “Livro das Grandes Questões” - auto-retrato
(Grupo G)
A prática
de registro escrito de situações e temas ligados diretamente
à prática das monitoras e às especificidades de cada
CEMEI, também está presente nos grupos. Já foram
realizadas propostas neste sentido: pesquisar no PPP e observar atentamente
a realidade, descrevendo, então, quais as especificidades da clientela
da U.E., entendendo que só pode haver planejamento real se houver
conhecimento sobre quais crianças estamos atendendo; realizar um
“trabalho diferente” com uma história infantil, uma
música, uma brincadeira, a organização de atividades
diversificadas, e descrevê-lo posteriormente: como foi planejado,
quais recursos foram usados, quais atividades foram propostas às
crianças, quais foram as suas reações etc.; analisar
a proposta pedagógica dos CEMEI’s onde trabalham, reforçando
a necessidade de uma participação coletiva na construção
do Projeto Político Pedagógico da U.E., levando em conta
aspectos importantes do cotidiano do trabalho.
Uma outra proposta de registro sempre presente em nossos encontros diz
respeito à elaboração de pequenos relatórios
sobre filmes, vídeos sobre educação, palestras assistidas,
dramatizações realizadas etc. Enfim, tudo que vemos, discutimos,
refletimos e fazemos, transformamos em registro, com base em questões
ou em forma de textos livres e organizados pelas próprias monitoras.
Para o estudo de textos, também apresentamos propostas de registro,
procurando elaborar questões que busquem relacionar o conteúdo
e as discussões do grupo sobre os temas com a prática das
monitoras no CEMEI. Assim como as propostas citadas no parágrafo
anterior, estas também são um pouco mais trabalhosas para
as educadoras, pois exigem reflexão e entendimento dos conteúdos,
o que nos leva a uma prática solicitada por elas e que também
consideramos positiva: voltar as produções às monitoras,
com nossas observações, para que possam aprimorá-las,
se desejarem (destacamos que nem todas se sentem motivadas a completar
suas tarefas...). Também procedemos esta revisão das tarefas
fazendo a leitura com o grupo e discutindo os pontos principais da escrita,
bem como o que pode ser melhor explicitado ou re-escrito. Por isso, registrar,
escrever, construir textos, para as monitoras, é aprender a materialidade
e os significados da escrita, em todos os sentidos.
Vale a pena destacar, também, a atividade de conclusão do
curso, realizada no final do ano de 2003: a elaboração de
um jornal, com artigos diversos sobre os temas estudados. Nesta atividade,
as monitoras construíram uma escrita bastante elaborada –
os textos foram lidos, discutidos e revistos por todas - e o trabalho
configurou-se como algo bastante gratificante para todas as profissionais
envolvidas.
Enfim, enfrentamos o desafio de criar – ou recriar – nas monitoras
a prática do registro e da reflexão sobre suas ações
educativas, para dar a ver, para si mesmas e para quem possa interessar,
as experiências tão maravilhosas destas profissionais na
educação de crianças de 0 a 6 anos.
Usando diferentes
linguagens: estratégias para um maior envolvimento no curso
A criatividade está sempre permeando a construção
de saberes e a discussão dos conteúdos trabalhados no curso;
portanto, o método de estudo não é único,
nem homogêneo, nem irreversível. Sendo assim, propomos às
monitoras, constantemente, a vivência de diferentes situações,
além da legitimação de um espaço amplo de
participação, aberto aos relatos de sentimentos, desejos,
angústias e à socialização de experiências.
Esta dinâmica de trabalho é permitida por meio da diversidade
das estratégias de estudo dos conteúdos.
Desta forma, construímos uma trajetória de exploração
de diferentes recursos, os quais aprofundam propostas educacionais variadas,
partilhadas por indivíduos que trazem consigo ricas e fantásticas
experiências construídas/adquiridas no decorrer de sua história/constituição
enquanto educadores.
Trabalhar com as diferentes linguagens ou diferentes formas de expressão
contribui para que uma diversidade de habilidades sejam exploradas e,
dessa forma, a participação e o envolvimento das monitoras
nas dinâmicas se dêem em contextos e situações
variadas, havendo a possibilidade de atender às diferenças,
evidenciando as capacidades, habilidades e desejos de cada uma.
As dinâmicas realizadas sempre resgatam estudos teóricos
por meio de atividades lúdicas que permitem uma participação
espontânea e descontraída de todo o grupo. Esta prática
diferenciada faz com que a construção de saberes se efetive
e que a troca seja uma constante. A ludicidade é o cerne deste
trabalho, é um momento de relaxar, sentir, se mexer, tocar, cantar,
dançar, enfim é movimento e expressão através
da arte de aprender brincando.
Neste contexto citamos aqui algumas das linguagens que nos possibilitaram
a percepção da riqueza deste trabalho:
- a dramatização: o resgate de situações do
cotidiano do CEMEI trazidos ao grupo em forma de teatro, enfatizando as
relações entre os profissionais, as possibilidades e dificuldades
na resolução de problemas, enfim, as ações
das monitoras pautadas no caráter integrado das práticas
de educar e cuidar;
- filmes e vídeos: o resultado de todas as reflexões coletivas
sobre temáticas abordadas nos filmes e vídeos constitui-se
em um dos mais ricos instrumentos de estudo, pois permite ampliar a visão
para além de nossa realidade;
- imagens: leitura, análise e interpretação de fotos,
recortes de revistas, obras/pinturas de artistas plásticos e desenhos
diversos;
- a construção da capa do “Livro da Vida”: trabalho
artístico manual envolvendo a utilização de retalhos
que contam histórias: colagem, bordado, recorte, costura;
- a construção da capa da pasta dos relatos de infância:
trabalho com retalhos – colagem, bordados, pintura... – que,
combinados e costurados, contaram a nossa história, como crianças
que fomos e educadoras que somos;
- a construção de trabalhos artísticos ilustrando
direitos das crianças discutidos no grupo (Figura 5);
- a construção da capa do Livro das Grandes Questões:
pintura do auto-retrato – afinal, quem compõe este grupo
que tanto quer saber?
- a caixa dos desejos: encapada com desenhos e pinturas que representem
um desejo e que podem suscitar outros, caixa esta que serviu para “abraçar”
os desejos mais profundos das monitoras em relação ao curso;
por assim dizer, “desejos do coração”;
- a modelagem em argila: momento para relaxar – construir algo que
represente a infância, relacionado com as discussões do dia;
- a música: resgate de brincadeiras de roda, letras que representem
um contexto histórico e as visões de infância e criança
neste determinado contexto, ou músicas relacionadas aos momentos
de infância de cada uma de nós;
- a “caça ao tesouro”: frases de um texto espalhadas
pelo ambiente e a organização deste para posterior debate
das informações recolhidas;
- jogos: desafiadores, inquietantes, expressivos e alegres momentos -
bingo, memória, quebra-cabeça, todos relacionados a conteúdos
estudados no grupo;
- enfim, as brincadeiras tradicionais (Figura 6): hora de quebrar o gelo,
movimentar-se, brincar de roda, jogar a bexiga para o alto e não
deixar cair (nem que seja para estudar concepções de infância
lidas nos textos...), apostar corrida (nem que seja para encaixar as frases
no lugar correto...), resgatando a nossa infância para, depois,
no CEMEI, agora e sempre, brincar, brincar e brincar...
Afinal,
“Para fazer emergir o ‘brincar’, entrelaçamos
histórias da nossa infância, trocando com os outros as lembranças
de brinquedos e brincadeiras. Mergulhamos no tema com olhos de quem foi
criança, de quem cresceu e não perdeu o fio de sua história”.
(ANDRADE E MARQUES, 2003, p.64)

Figura 5 – Fazendo arte para ilustrar alguns dos muitos direitos
das crianças.


Figura 6
– Brincando de roda!
As dinâmicas
de interação nos grupos: tecendo caminhos e descobrindo
inquietações
Inicialmente, compartilhamos aqui uma das tantas dinâmicas usadas
nos encontros, as quais nos permitiram/permitem conhecer um pouco mais
de cada uma das monitoras e suas expectativas em relação
ao curso, ao oferecermos espaços onde as individualidades possam
manifestar-se no coletivo das interações. Destacamos que
esta dinâmica é específica do grupo M.
Afinal, como tecer caminhos sem conhecer certamente os rumos e inquietações
que os ecos que ali se propagavam queriam representar? Como descobrir
que elementos traçariam nossa trajetória como formadoras
daquelas educadoras que ali, sentadas, ansiosas esperavam por algo que
lhes acalentasse os medos, sanasse as dúvidas, clareasse os saberes
que lhes constituíam e desse voz aos silêncios? Pedras, rosas,
ar, água, espinhos, fogo, terra, perfume e som foram os elementos
que guiaram nossa trajetória.
“Mesa vazia... pensamento querendo voar, navegar, buscar. Os elementos
que contribuiriam para o início de nosso percurso haviam sido encontrados.
O Caminho...
Agora, mesa repleta, sobre ela o caminho estático: terra fértil,
pétalas de rosas, flores com e sem espinhos, pedras, areia, água,
incenso, velas acesas, perfume, música, meia luz...
Sala vazia que aos poucos vai ganhando corpos. Corpos que devagar se aconchegam,
relaxam, olhares surpresos, desconfiados, curiosos, desejosos...
Grupo completo, ambiente tranqüilo, desejo de começar. Hora
de dar voz àqueles olhares que por si só quase falavam,
mas era preciso ouvi-las.
Suas vozes tomaram forma diante de questionamentos: em que lugar daquele
caminho se encontravam? Quais elementos representavam as experiências
vividas como educadoras? Qual momento profissional poderia ser descrito
diante daquele caminho?
Silêncio...
Seus olhos descansavam sobre os elementos dispostos e o rosto espelhava
pensamentos que emergiam. Mas de que lugar/objeto do caminho se apropriavam?
Qual elemento ali disposto carregava os pensamentos que transitavam pela
sala?
Aos poucos o silêncio foi sendo quebrado e os desejos e indagações
ganharam todo o espaço. E foi a partir dos relatos expostos nesse
momento que recheamos as entrelinhas do curso que havia se iniciado no
silêncio. As vozes deram vida e movimento aos saberes que aquelas
educadoras desejavam construir... O caminho é movimento”.
Apropriando-se dos elementos materiais ali dispostos, mexendo, remexendo,
pegando, conhecendo, montando seus caminhos, ora com pedras, ora com flores
ou espinhos, as vozes deram vida ao que parecia morto. Cada monitora deu
voz às suas inquietações e/ou (in)satisfações
e assim nos forneceram elementos que permitiram que o plano do curso fosse
tecido, planejado, organizado, partindo das próprias experiências
vividas nos CEMEI’s. A prática exercida no cotidiano foi
descrita em diferentes contextos, relatando experiências diversificadas
que traziam elementos para que nossas discussões tomassem rumo
e enriquecessem ainda mais o dia-a-dia das monitoras, que agora recheariam
seus fazeres com novos saberes construídos no coletivo de um espaço
de formação.
Vale ressaltar que, além das dinâmicas de interação
nos encontros, foram proporcionados momentos de encontro entre grupos
deste curso de formação e aperfeiçoamento. Tais encontros
propiciaram trocas de experiências e saberes entre os grupos, a
partir de propostas diversas de estudo: palestras abordando diversos temas
(Figura 8), exibição de vídeos, atividades de relaxamento,
trabalho com a questão do lúdico e da psicomotricidade nas
educadoras, entre outras.

A seguir,
destacam-se momentos da “Oficina do Brincar” (Figuras 9, 10
e 11): encontro entre dois grupos do Curso de Aperfeiçoamento para
Monitoras da região Sudoeste de Campinas (grupos G e P, no ano
de 2004), objetivando a troca de experiências a respeito das brincadeiras
na Educação Infantil, destacando a sua importância
na prática pedagógica com as crianças pequenas. Neste
encontro, as monitoras puderam conversar sobre a abordagem teórica
do “brincar” na Educação Infantil e a abordagem
desta temática na Literatura Infantil, assim como pudemos, juntas,
vivenciar na prática nossas brincadeiras preferidas, as quais estão
presentes em nosso cotidiano com as crianças.



Figura 11
– Momentos de discussão entre monitoras dos grupos –
discutindo o tema “brincadeira” na literatura infantil.
Momentos
de reflexão: avaliando encontros e reescrevendo a prática
Há um movimento de reflexão e ação, permitindo
a avaliação das práticas relacionadas com as teorias
estudadas no grupo. É nesse movimento de pensar e agir que nós,
formadoras, direcionamos nossos olhares para as construções,
elaborações, falas, questionamentos e registros realizados
em cada encontro, verificando, assim, se os objetivos propostos estão
sendo atingidos.
Acreditamos que a avaliação seja processual e contínua.
Para tanto alguns momentos que demarquem esse processo de elaboração
e construção de novos conhecimentos, são garantidos
nos encontros.
Em meio a cada trabalho realizado, nós formadoras procuramos proporcionar
às monitoras um clima descontraído que permite expressões
verbais e escritas objetivando avaliar cada atividade realizada. Dentre
as estratégias de avaliação utilizadas procuramos
elaborar questões específicas que permitam a visualização
do trabalho formativo realizado no grupo, tais como: quais aspectos do
estudo lhe chamaram a atenção? Qual a relação
existente entre o que estudamos e a sua prática cotidiana? As discussões
trouxeram algum benefício? Permitiram mudanças em sua prática?
Quais dificuldades sentiram ao realizar este estudo? Quais são
suas sugestões para a melhoria de nossos encontros?
Enfim, ao final de cada encontro ocorre uma reflexão individual
a respeito das discussões que nortearam o estudo. Essas avaliações
são lidas pelas formadoras e utilizadas para o replanejamento dos
encontros posteriores.
O momento de exposição das avaliações torna-se
enriquecedor, pois possibilita que o grupo analise o andamento dos encontros,
não só a partir das impressões individuais, mas respeitando
o ponto de vista dos outros membros do grupo. As alegrias, bem como as
dificuldades ou angústias que todos têm são socializadas,
proporcionando uma relação de parceria, em busca de objetivos
semelhantes, onde o importante é aprimorar o trabalho e não
verificar as capacidades individuais.
Todos os materiais construídos – textuais, artísticos,
visuais, lúdicos, entre outros - constituem objetos de avaliação,
além de permitirem a visualização da memória
do grupo, valorizando o trabalho coletivo, ressaltando progressos e subsidiando
nossas práticas cotidianas.
Por meio desses materiais, além dos registros pessoais de cada
formadora, é possível que nas reuniões de planejamento
e estudos, as quais acontecem semanalmente, a elaboração
dos encontros seja construída com base nas reais necessidades,
desejos e intenções do grupo (Figura 12).

Figura 12
– Dinâmica de envolvimento e interação no encontro
de estudo das formadoras do NAED SUDOESTE
Tecendo algumas
considerações, envolvendo reflexões que ainda não
terminaram...
Quem acreditou,
sofreu. Sofreu toda dor e alegria da mudança. Descobriu, descobriu-se.
(...)
Essa professora aprendeu além de tudo que ensinar é também
aprender e amar, apesar do pouco salário e pouco pão, e
da insensibilidade do patrão. Mas sabe que a vida é embate
diário, na história – educação e salário.
E mesmo com a circunstância em contra mão, acredita na mudança.
Porque também somos cimento e massa desse mundo em construção.
(Jorge Luis Ribeiro dos Santos)
Por ser finito, é um projeto e, como tal, quer sempre transcender-se,
“ser mais”. (Elli Benincá )
O presente
artigo aborda as experiências de uma prática de formação
de monitores e monitoras infantis. Esperamos, com isso, é claro,
que tais experiências possam tornar-se objeto de reflexão
para quem se dedicar à sua leitura. Também desejamos que
outras experiências de formação possam ser colocadas
em prática e compartilhadas entre todas as pessoas que almejam
práticas de qualidade em Educação Infantil.
No entanto, para nós, formadoras e autoras deste texto, relatar
nossas concepções e experiências de formação
significou algo mais; muito mais do que dar a ver nossas idéias
e ações, mais do que firmar nossa iniciativa, nossos propósitos
e os resultados advindos desta prática.
Escrever este texto significou, para nós, voltar nossos olhares
para nossos fazeres: o que já construímos, como caminhamos
e até mesmo o que ainda não alcançamos. Relembrar
cada momento, cada proposta de estudo, cada dinâmica de trabalho,
transformando a nossa leitura da realidade em palavras disponíveis
a novas leituras, nos permitiu refletir e dar novos significados às
nossas ações formativas.
Assim, (re) significamos a escrita deste texto como um rico processo de
avaliação de nossa prática enquanto formadoras, usufruindo
dessa experiência como indicadora de pistas que nos conduzem à
tentativa de ampliação constante da qualidade do Curso de
Formação e Aperfeiçoamento para Monitores e Monitoras
da Rede Municipal de Campinas, bem como do movimento de formação
continuada dos profissionais da Rede como um todo.
Referências
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BENINCÁ, Elli, CAIMI, Flávia E. A relação
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In BENINCÁ, Elli, CAIMI, Flávia E. (orgs.) Formação
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PÉREZ, Carmen L. V., SAMPAIO, Carmen S., TAVARES, Maria Tereza
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