Voltar | ||
INTERDISCIPLINARIDADE:
TEORIA E PRÁTICA NO ENSINO PÚBLICO
Edna Scola Klein; Este texto tem o objetivo de apresentar o desenvolvimento
inicial do subgrupo de trabalho Interdisciplinaridade. Este subgrupo é
integrante do projeto “Escola Singular: Ações Plurais”,
financiado pela Fapesp e coordenado pelos professores Sadalla e Prado
na EMEF “Padre Francisco Silva”, em Campinas-SP. “A identificação com a imagem de docente de área é muito forte em nossa tradição social e pedagógica. Nos apegamos a esse saber-fazer docente, ‘eu sou profissional de minha área’. Abrir esse horizonte profissional nos parece arrombar cercas. Perder nossa propriedade”.(Arroyo, 2000, p.69). Um dos autores que nos trouxe uma nova forma de olhar foi Furlanetto (2000) que traz a metáfora da fronteira. Segundo ela, normalmente as fronteiras, nos mapas, são linhas divisórias que delimitam os territórios e promovem a separação. Mas elas também definem a singularidade e, hoje em dia, são plenas de provisoriedade, podendo ser transformadas a qualquer momento. A autora propõe que as fronteiras não sejam vistas como linhas estanques, mas sim como regiões fronteiriças, nas quais o eu convive com o outro. Dessa forma, a fronteira passaria a ter uma multiplicidade de sentidos, possibilitando trocas, encontros, diálogos. De acordo com a autora, “a interdisciplinaridade pode ser percebida como esse conhecimento produzido quando as fronteiras deixam de ser linhas estanques, rígidas, que aprisionam e se flexibilizam, assumindo múltiplas possibilidades”. (p. 88) Acredito que esse é o maior desafio em um grupo que se propõe a realizar um trabalho interdisciplinar: ir se permitindo alargar os territórios, flexibilizar as fronteiras, enxergando o conhecimento como um todo. [...] É no grupo que se exercita o ouvir o outro e ser ouvido, que se colocam as dificuldades, que se planeja e depois se avalia o que foi possível realizar, o que deu certo e o que não deu. Pinheiro, 2005. Abrir o diálogo entre as disciplinas, verificando que as fronteiras assumem o papel de transgressão no sentido de inovar, possibilitar encontros e trocas, nos trouxe um novo olhar para as nossas dificuldades. As fronteiras delimitam e mostram o outro lado. Assim, para iniciar, não temos que mudar toda uma concepção tão forte de disciplinarização, mas podemos encarar que: O ponto de partida e de chegada de uma prática interdisciplinar está na ação pedagógica. Desta forma, através do diálogo que se estabelece entre as disciplinas, evidencia-se uma mudança de postura na prática docente. A interdisciplinaridade não se propõe a desconfigurar a identidade das disciplinas; pelo contrário, a idéia é que, estabelecido o diálogo, cada disciplina sirva de referência para as demais, intensificando o sentido e a identidade de cada uma delas. Assim, não se trata de propor a eliminação de disciplinas, mas, sim, da criação de movimentos que propiciem o estabelecimento de relações entre as mesmas, tendo como ponto de convergência a ação que se desenvolve num trabalho cooperativo e reflexivo. [...] Com isso, busca-se conseguir uma visão mais ampla e complexa da realidade, que tantas vezes aparece fragmentada pelos meios de que se dispõem para conhecê-la e não porque o seja em si mesma. Olguin, 2003, in EMEF Padre Francisco Silva et al, 2003, p. 19. Durante as nossas leituras e discussões ainda não
chegamos a um consenso a respeito do conceito de interdisciplinaridade
e nem da melhor maneira de a colocarmos em prática. Acreditamos,
contudo, que é fundamental o professor ir, aos poucos, adquirindo
uma postura interdisciplinar dentro de seu próprio conteúdo.
A partir do momento em que se utilizam estratégias variadas, como,
por exemplo, poemas, letras de músicas, dramatizações,
textos descritivos ou desenhos em qualquer disciplina, quebra-se um pouco
o estereótipo de que desenho só é realizado em Artes,
cálculos só aparecem em Matemática e assim por diante.
Acreditamos que esta postura acaba sendo conquistada e ampliada quando
o professor vivencia uma experiência de planejamento coletivo, troca
e partilha e também se disponibiliza a trabalhar com a flexibilização
das fronteiras. Esses assuntos foram escolhidos levando-se em conta o tema geral da escola proposto para o terceiro trimestre – “Eu e o Mundo”. Em seguida, cada uma de nós, nos nossos encontros, foi contando um pouco como/o que vinha trabalhando, na época, em sala de aula. Procuramos, então, escolher algo que se relacionasse com os temas. Para as disciplinas de Português e História e para a professora substituta contínua (que ministra aulas quando algum professor falta) foi mais fácil fazer as adequações/adaptações no planejamento. Já a professora de Ciências teve uma dificuldade maior, pois seu conteúdo referente ao terceiro trimestre não estava muito relacionado a esses temas. Como eu já havia iniciado o estudo de Sangue e Circulação Sanguínea com as sétimas séries, discuti nestas classes o problema de anemia falciforme que está presente na raça negra. Na verdade foi pouco tempo. Klein, 2005. O depoimento de uma das professoras de Português nos mostra um pouco mais a maneira como esse trabalho se deu durante as suas aulas: O TRABALHO
EM SALA DE AULA: Na 8ª
série A, o tema principal desenvolvido com eles foi o trabalho
e as profissões. Esse tema foi escolhido por ser esse um período
da vida deles em que alguns já estão fazendo escolhas profissionais,
prestando vestibulinho para escolas técnicas ou procurando um emprego.
Cada aluno realizou entrevistas com dois profissionais de áreas
diferentes, escolhidos por eles mesmos. Poderia ser um parente, conhecidos
ou mesmo profissionais da própria escola. As perguntas das entrevistas
foram elaboradas em sala de aula, de maneira coletiva. Depois de realizadas,
os alunos se juntaram em pequenos grupos e confeccionaram cartazes sobre
as profissões com trechos das entrevistas, comentários e
ilustrações. Durante o trimestre várias das leituras
propostas tinham esse tema como assunto principal, como por exemplo, o
poema “Operário em construção” de Vinícius
de Moraes, um pequeno texto retirado do livro “Cidadão de
papel” de Gilberto Dimenstein que aborda o trabalho realizado por
crianças bem pequenas na colheita de algodão, um texto de
Guilherme Werneck que trazia a experiência de um office-boy e a
discussão sobre o desemprego e o trabalho informal, entre outros.
O trabalho com produção de textos também enfocou
esse tema e dessa forma os alunos produziram dissertações,
charges e textos adivinhatórios sobre esse assunto. Também
assistimos a um vídeo sugerido pela orientadora pedagógica
da escola que trazia itens relacionados com o trabalho tais como a elaboração
de um curriculum vitae, a entrevista no processo de seleção,
a importância de ser uma pessoa envolvida profissionalmente, etc.
Os alunos também trouxeram as suas próprias experiências,
seus sonhos, suas ambições, seja nas produções
escritas, seja nos momentos de conversa e debate. Foi um trabalho bem
interessante e a grande maioria dos alunos esteve envolvida no mesmo.
Como atividade
para fechar o semestre, a escola programou uma caminhada pelo bairro,
levando os temas trabalhados com os alunos para serem mostrados à
comunidade. Como o tema era para a escola como um todo, conseguimos trabalhar
de forma mais ampla com educandos de outras classes também. Desse
modo, crianças das 3ªs séries se juntaram ao tema de
Poluentes, desfilando com as 8ªs e 5ªs séries. Fauna
e Flora foram trabalhadas além da 6ª série, com as
crianças de 1ªs e 4ªs séries. O corpo humano foi
trabalhado pelas 7ªs e também pelas 2ªs séries. Percebemos que a organização e o preparo de um evento como esse, que mobiliza a escola como um todo, é também um incentivo ao trabalho interdisciplinar. Tivemos várias dificuldades ao longo do processo, mas abriram-se possibilidades e espaços para o corpo docente (especialmente o de 5ª a 8ª série) planejar conjuntamente, trocar idéias, tomar decisões... O resultado foi bastante positivo, com um envolvimento um pouco maior da comunidade em relação à caminhada realizada no ano anterior. Houve também frustrações, como, por exemplo, uma presença dos alunos na caminhada bem menor do que era esperado, desde os alunos menores até os maiores, a dificuldade de envolvimento de alguns professores, o cansaço natural de um final de semestre. São desafios a serem vencidos ao planejarmos as nossas próximas caminhadas. O subgrupo Interdisciplinaridade é formado atualmente por cinco professoras de diferentes componentes curriculares: Ciências, História, Português, FEC (Filosofia, Ética e Cidadania) e Inglês, cuja professora acaba de se juntar ao grupo. O grupo tem conseguido estreitar os vínculos de confiança e amizade entre os participantes, mas tem oscilado entre momentos de muita disposição e fé na possibilidade de realização de um trabalho coletivo e interdisciplinar e momentos de desânimo, em que parece que a gente não consegue caminhar e “produzir”. Acreditamos que essa troca, esse partilhar de momentos entrecortados de entusiasmo e desânimo fazem parte do processo e é através dele que a nossa postura enquanto profissionais vai se modificando e nos permitindo enfrentar diferentes desafios de uma maneira mais flexível. Acreditamos, entretanto, que ainda há um longo percurso a ser percorrido a caminho da interdisciplinaridade, que vai se fazendo a cada dia. Utilizando a metáfora empregada por Cecília Warschauer, 1997 (p.69), nosso desafio constante tem sido o de criar “pontes entre diferentes territórios: entre as “matérias escolares”, através de uma atitude interdisciplinar; entre escola e vida, através de aprendizagens significativas e entre a(s) teoria(s) e a prática do professor, abreviando a distância entre ensino e pesquisa, entre o professor e o pesquisador”. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARROYO, M.
G. 2000. Ofício de mestre: imagens e auto-imagens. Petrópolis,
RJ: Vozes. |
||
Voltar |