Fátima
Maria Elias Ramos
“[...] hoje
em dia se a pessoa não tiver uma leitura, a pessoa praticamente
não é nada, né? porque hoje em dia se a pessoa for
a um serviço de zeladora, se você não souber ler,
ali já não tem aquele emprego, né? e a gente que
sofre tanto na vida desde pequeno pra continuar sofrer até o final
da vida sem conseguir um serviço melhor pra gente, né? porque
a pessoa estudando, tendo vontade e fé, a gente chega lá
onde a gente quer.”
(Alfabetizanda, 34 anos)
Quem são os
atores?
Ler e escrever, duas
palavras, dois signos, aparentemente, tão simples, sem novidade,
para os que possuem este conhecimento. No entanto, em uma sociedade grafocêntrica
como a nossa, aprender a ler e a escrever é uma condição
necessária para buscar compreender e conviver melhor nesse mundo
semiotizado, em que as relações sociais são marcadas
também pelo uso dessas práticas lingüísticas.
O discurso escolhido para a análise foi extraído do corpus
de uma pesquisa do PIBIC/CNPq/UFPB , orientada por mim, no biênio
2000-2001, sobre as “Funções sociais da leitura e
da escrita no cotidiano dos alfabetizandos jovens e adultos.” As
entrevistas foram realizadas com os alunos da Educação de
Jovens e Adultos (EJA) das Escolas Municipais da cidade de Cajazeiras-PB.
No decorrer deste artigo, outras falas desses alfabetizandos serão
apresentadas, à medida que o tema for sendo desenvolvido, uma vez
que direciona-se o olhar ao discurso deles sobre “aprender a ler
e a escrever para mudar de vida.”
Em uma conferência sobre “Bakhtin e a subversão do
enunciado,” no Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), em março de 2001, o professor Faraco afirmou
que é indispensável na formação acadêmica
o abrir-se para a pluralidade teórica, para evitar o dogmatismo.
Por esta e outras razões, nunca é demais lembrar que “a
linguagem é uma realidade de tão extrema complexidade que
nenhuma filosofia ou teoria científica pode sequer sonhar ser mais
que uma aproximação sempre e apenas parcial.” Por
isso, não se apoiará em uma fundamentação
teórica única, última. A nossa voz será constituída
de muitas outras vozes autorais. Sobre isto, diz Faraco (1999, p. 197):
O enfrentamento dos
dilemas epistemológicos trazidos pela progressiva percepção
do esgotamento dos paradigmas hegemônicos do cientificismo nas ciências
humanas no século XX abre espaço justamente para formas
de pensamento capazes de fornecer meios para se compreender não
coisas e fragmentos de coisas, mas a própria condição
humana, isto é, formas de pensamento capazes de acomodar a heterogeneidade,
a plurivocidade, a polissemia, o movimento incessante, o sempre inconcluso.
Formas de pensar que recusem as grandes sínteses, as ordens pasteurizadas
das estruturas, a submissão de vozes, o esforço de finalização.
Assim, concebe-se
a linguagem como uma forma de inter-ação entre pessoas,
tendo como suporte textos verbais e não-verbais, em uma relação
aberta e inconclusa. Em razão disso, considera-se o ato de ler
e de escrever como um processo permanente de produção de
sentidos, de busca e de construção de significados entre
leitor e autor mediado pelo texto.
Na epígrafe, o discurso da alfabetizanda já nos revela algumas
questões que serão refletidas, tais como: a concepção
da prática da leitura como uma exigência da própria
condição humana, como requisito indispensável para
conseguir emprego, para conseguir um serviço melhor, portanto,
ascender socialmente; bem como a relação do estudo com vontade
e fé sendo instrumentos possíveis de realização
pessoal dos desejos e das utopias. Isto faz perceber que há no
discurso dos alfabetizandos jovens e adultos uma crença na mudança
de vida ao aprender a ler e a escrever. Eles verbalizam esse desejo como
um movimento de transgredir, “de atravessar, como ação
de passar de uma parte a outra,” de acordo com o dicionário
de Houaiss. Será que basta aprender a ler e escrever para acontecer
essa travessia, esse ato de passagem?
Alfabetização
e mudança social
Ao discorrer sobre
a relação entre alfabetização e cidadania,
Magda Soares faz uma reflexão aprofundada sobre a natureza ideológica
e política da alfabetização e do letramento. E esta
reflexão vem esclarecer ainda mais o motivo do vínculo entre
alfabetização e mudança social presente nos discursos
sobre alfabetização. Soares (2004, p. 55-60) coloca muito
bem a questão sob duas perspectivas: de um lado, nega; de outro,
afirma a vinculação entre o exercício da cidadania
e o acesso à leitura e à escrita.
Ao negar, Soares assegura que a alfabetização como o acesso
à leitura e à escrita não é imprescindível
ao exercício da cidadania, nem mesmo à conquista da cidadania.
Embora a concepção corrente é que só quem
sabe ler e escrever é capaz de ser cidadão. O que oculta
essa concepção? Os reais determinantes não só
da exclusão da cidadania, mas também da construção
da cidadania.
Para a autora (2004, p. 56), a explicação dessa negação
é a seguinte:
a) a ênfase excessiva posta na alfabetização como
fator determinante da cidadania e, correspondentemente, no analfabetismo
como causas da exclusão da cidadania oculta as causas mais profundas
dessa exclusão, que são as condições materiais
de existência a que são submetidos os “excluídos;”
b) a ênfase excessiva posta na alfabetização como
fator essencial à construção da cidadania ignora
que não é o acesso à leitura e à escrita que
conduzirá o povo à conquista da cidadania, mas por intermédio
da prática social e política, dos movimentos de reação
e reivindicação das organizações populares,
expressões de uma cidadania em permanente construção.
Sob a perspectiva da afirmação, Soares evidencia que a alfabetização
é instrumento na luta pela conquista da cidadania, pois, em sociedades
grafocêntricas, não há possibilidade de cidadania
sem o amplo acesso de todos à leitura e à escrita, quer
em seu papel funcional, quer em seu uso cultural.
A partir dessas reflexões, percebe-se que o discurso da sociedade
e, conseqüentemente, dos alfabetizandos sobre a alfabetização
está enraizado de uma ideologia da mudança social, tendo
em vista que o valor e a importância dela dependem da função
e dos usos que lhe são atribuídos no contexto social.
Dentro dessa situação, na qual se insere o Brasil, o significado
da alfabetização vai além da simples aquisição
de uma “técnica” – o saber ler e escrever. O
acesso à leitura e à escrita é:
[...] o acesso a condições
de possibilidade de participação social e cultural, fundamentalmente
, é um processo político, através do qual grupos
excluídos dos direitos sociais, civis e políticos e dos
privilégios culturais têm acesso a um bem simbólico
que lhes é sonegado e que é um capital indispensável
na luta pela conquista desses direitos e desses privilégios. (SOARES,
2004, p. 59).
Essa luta constante
em busca de direitos faz sentido, porque as pessoas que não têm
acesso à leitura e à escrita se defrontam com sérios
obstáculos em seu cotidiano, dentre eles, destaca-se o estigma
da ignorância e da exclusão. Eis o que diz essa alfabetizanda
de 43 anos: [...] mudou minha vida, mudou completamente né? porque
eu era completamente ignorante né? porque a pessoa que não
sabe ler é completamente ignorante né? a pessoa que não
tem cultura né?.
Essa é a compreensão presente também em nossa sociedade
de que o analfabetismo é a falta e, neste caso, a falta da leitura
e da escrita, só que essa realidade não pode ser dissociada
também da falta de melhores condições de vida por
que passam os milhões de analfabetos em nosso país. Não
é casual que analfabetos sejam os pobres, os excluídos,
porque a eles faltam escrita, bens materiais e culturais, emprego, poder,
moradias em boas condições, transportes dignos, lazer etc..
Talvez o que falte na verdade não é só leitura e
escrita, mas a escrita de uma outra história em que os direitos
sejam de fato preservados e a cidadania seja (re)construída.
O discurso da mudança social tendo como suporte o acesso à
leitura e à escrita se faz presente, sobretudo nas propagandas
governamentais de Programas ou Ações Sociais voltados para
a EJA. Cita-se, por exemplo, um out-door que foi exposto em 2004 na Rodovia
BR 101, no trecho João Pessoa/Recife, onde se lia: ENSINANDO A
LER, A ESCREVER E A MUDAR DE VIDA. Ação do PROMATA –
Programa de EJA – especialmente para os trabalhadores da zona da
mata de Pernambuco do município de Goiana-PE.
Assistindo-se ao vídeo-clipe na TV sobre o Programa BRASIL ALFABETIZADO
sob a responsabilidade do Governo Lula, percebe-se diferença se
comparado ao da ALFABETIZAÇÃO SOLIDÁRIA do Governo
FHC: “Adote um aluno. O bem que você vai fazer não
está escrito”. Na propaganda do governo atual há uma
atenuação no uso das palavras na composição
da música: “Pra aprender a ler, pra isso não tem hora,
pode ser de dia, pode ser de noite, pode ser agora. Pode ser jovem, pode
ser adulto ou aposentado. Pra aprender a ler, só não pode
ficar parado.” O sentido do texto musicado convida, conclama, estimula
o jovem, o adulto ou o aposentado para aprender a ler. Todavia, os slogans
utilizados após a música dão ênfase ao processo
de alfabetização com o viés da mudança social:
“Aprender a ler e escrever é o início de um futuro
melhor. Em todo o país já são mais de 3.000 municípios
participando do Programa BRASIL ALFABETIZADO.Ligue: 0800-6161 e saiba
como dar esse importante passo na sua vida. BRASIL ALFABETIZADO, a educação
mudando o Brasil. Ministério da Educação. BRASIL
– Um País de Todos”.
Múltiplas vozes
sociais
Na verdade, os “sujeitos”
de discurso aqui explicitados, tanto os alfabetizadores como os organizadores
dos Programas e Ações Governamentais são sujeitos
sociais, falam de um lugar-social, por isto os argumentos discursivos
apresentados não são argumentos de criatividade pessoal,
única e isolada dos outros. Esses argumentos discursivos são
construídos socialmente, a partir do já-dito, olhando para
os outros olhares. Sob esta visão, concorda-se com o pensamento
de Brait (2001, p. 19) ao citar a afirmação de Holquist,
capturada de Bakhtin, de que “O que vemos é governado pelo
modo como vemos e este é determinado pelo lugar de onde vemos”
(HOLQUIST, 1990, p. 19).
Essa presença de vozes no texto faz reportar-nos ao que Cunha (1996,
p. 131) diz, citando Bakhtin (1970) e Authier-Revue (1982) sobre os conceitos
de heterogeneidade mostrada e heterogeneidade constitutiva: este segundo
conceito é inerente à própria linguagem, pois “todo
discurso se constrói a partir de outros sobre o mesmo tema, sendo,
portanto, constituído, habitado por diferentes vozes não
mostradas explicitamente na superfície textual.”
Com certeza não é fácil explicitar teoria ou concepção
de discurso que dê conta sozinha da problemática que está
sendo refletida, neste trabalho, uma vez que existem várias abordagens
teóricas que tratam a noção de discurso também
de forma diferenciada. Nesse sentido, as idéias colocadas aqui
se fundamentam nas leituras empreendidas, principalmente, em Bakhtin e
em Fairclough.
Ora, se “a palavra é o fenômeno ideológico por
excelência, é o modo mais puro e sensível de relação
social” (BAKHTIN, 1986, p. 36), compreende-se o porquê dos
excluídos enaltecerem o acesso ao mundo da leitura e da escrita:
“[...] se a pessoa não tiver uma leitura, a pessoa praticamente
não é nada, né?.” Esse discurso confirma o
pensamento bakhtiniano: “As palavras são tecidas a partir
de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a
todas as relações sociais em todos os domínios.”
Ao apresentar a teoria social do discurso, Fairclough (2001, p. 89-131)
analisa o discurso num quadro tridimensional, como texto, prática
discursiva e prática social, dando ênfase em sua teoria a
forma como a sociedade é estruturada, por isso, o autor afirma:
[...] o discurso é
socialmente constitutivo, pois contribui para a constituição
de todas as dimensões da estrutura social que, direta ou indiretamente,
o moldam e o restringem: suas próprias normas e convenções,
como também relações, identidades e instituições
que lhe são subjacentes. O discurso é uma prática,
não apenas de representação do mundo, mas de significação
do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado (Fairclough,
2001, p. 91).
Nessa direção,
Fairclough integrou uma variedade de perspectivas teóricas e métodos
como um poderoso recurso para estudar as dimensões discursivas
da mudança social e cultural, combinando também aspectos
de uma concepção foucaultiana de discurso com a ênfase
bakhtiniana na intertextualidade, afirmando que ambas apontam para o modo
como as ordens de discurso estruturam a prática discursiva e são
por ela estruturadas. E estas pontuações emergem nas práticas
discursivas dos alfabetizandos jovens e adultos, como uma das formas de
constituição e construção de significados
do mundo. Eis o que diz essa alfabetizanda:
[...] Uma mudança
que marcou muito a minha vida que eu não esqueço nunca foi
o que a professora fez não só pra mim como pras outras,
a gente aprender a escrever o nome da gente que não tem mais como
errar... acho que a coisa melhor que teve que nunca aconteceu em toda
a minha vida. (Alfabetizanda, 56 anos)
O sentido deste discurso
não é dado a priori, mas vai sendo construído à
medida que se constitui o próprio discurso. O sujeito desse discurso,
que é a alfabetizanda, ocupa um lugar de onde enuncia, e é
este lugar (o lugar de analfabeta), que determina o que pode ou não
dizer a partir dali: “[...] Uma mudança que marcou muito
a minha vida...a gente aprender a escrever o nome da gente[...].”
Ou seja, “este sujeito, ocupando o lugar que ocupa no interior de
uma formação social, é dominado por uma determinada
formação ideológica que preestabelece as possibilidades
de sentido de seu discurso.” (MUSSALIM, 2001, p. 133).
Se o discurso dos alfabetizandos jovens e adultos é marcado também
pela heterogeneidade, tem-se um sujeito heterogêneo. Um sujeito
descentrado, que se define como sendo a relação entre o
“eu” e o “outro.” Na perspectiva da Análise
do Discurso atual, a alfabetizanda é um sujeito descentrado, pois
ao explicitar o seu discurso, crê que a mudança aconteceu
e foi possível porque a professora fez. A prática discursiva
da alfabetizanda reflete o lugar de sua participação nas
práticas sociais.
É nessa atmosfera
heterogênea que o sujeito, mergulhado nas múltiplas relações
e dimensões da interação socioideológica,
vai se constituindo discursivamente, assimilando vozes sociais e, ao mesmo
tempo, suas interrelações dialógicas. É nesse
sentido que Bakhtin várias vezes diz, figurativamente, que não
tomamos nossas palavras do dicionário, mas dos lábios dos
outros. (FARACO, 2003, p. 80-81)
Como a realidade
lingüístico-social é marcada pela heterogeneidade,
o sujeito se faz com o outro. Assim, nos discursos desses alfabetizandos,
percebe-se que o diálogo, forma privilegiada de relação
com a alteridade, materializa-se pela palavra própria e alheia.
Essa questão da alteridade é colocada no Dicionário
de Análise do Discurso (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004, p. 34) como
uma “noção derivada da filosofia, no interior da qual
serve para definir o ser em uma relação que é fundada
sobre a diferença: o eu não pode tomar consciência
do seu ser-eu a não ser porque existe um não-eu que é
outro, que é diferente.”
Nessa direção, Faraco (1999, p. 198) afirma que, na Fenomenologia
do Espírito, Hegel já argumenta que a auto-consciência
nasce do outro e passa necessariamente pela consciência do outro.
Com essa formulação, é possível perceber,
então, que existe, na formação discursiva dos alfabetizandos,
por meio dos discursos já citados, a presença do outro,
e é esta presença que confere ao discurso o caráter
de ser heterogêneo.
Quando os alfabetizandos dizem: “[...] mudou minha vida porque eu
era completamente ignorante, né?”: “[...] estudando
a gente chega lá onde a gente quer;” vê-se claramente
que estes dizeres são internamente dialogizados, como afirma Bakhtin.
E ao tratar essa dimensão da dialogicidade, Faraco (2003, p. 58)
a explica como uma articulação de múltiplas vozes
sociais, como o ponto de encontro e confronto dessas múltiplas
vozes. Para ele, essa dialogização interna será ou
não claramente mostrada; ou, para usar uma figura recorrente em
Bakhtin, será aspeado ou não, em escalas infinitas de graus
de alteridade ou assimilação da palavra alheia (conforme
diz ele no manuscrito O problema do texto, p. 120-121).
Anotações
finais
Ao discorrer sobre
a vinculação entre o acesso à leitura e à
escrita como instrumento de mudança social presente nos discursos
dos alfabetizandos jovens e adultos, bem como nos discursos dos Programas
e Ações Governamentais e Não-Governamentais, buscou-se
refletir que esta similaridade não acontece por acaso, pois os
analfabetos ouvem esse discurso oriundo do poder constituído, das
instituições sociais responsáveis por essa modalidade
educativa. Então, é significativo e estratégico também
para eles reproduzirem, confirmarem o que escutam, além disso,
os analfabetos possuem uma crença muito forte na palavra e em quem
a pronuncia.
Em uma de suas aulas na UFPE, o Professor Marcuschi afirmou que “conhecer
é transgredir.” Logo, a busca do conhecimento, do saber,
do aprender é transgressão. Porém, o acesso ao conhecimento
de qualidade, particularmente o acesso à leitura e à escrita
pelos jovens e adultos analfabetos freqüentemente é camuflado,
pois, em geral, o pretenso “alfabetizado” não se apropria
da leitura e da escrita como bem simbólico de uso político
e social, nem se integra realmente na cultura letrada. Esta realidade
desvela a certeza de que basta aprender a ler e a escrever para mudar
de vida.
Fica evidente, portanto, que esse discurso da transgressão no dizer
dos alfabetizandos jovens e adultos só se dá no plano da
verbalização, porque a transgressão se realiza no
nível do desejo, na vontade desses alfabetizandos mudarem de vida
, de atravessarem, de ascenderem socialmente. Eles constróem o
discurso deles a partir do discurso que circula na sociedade, nas instituições,
sobretudo na escola, na família, nos programas de EJA, nas organizações
governamentais e não-governamentais.
Em decorrência disso, a reflexão elaborada por Magda Soares
sobre a necessidade de negar e, ao mesmo tempo, afirmar a relação
entre alfabetização e cidadania é relevante, desde
que as verdadeiras causas da exclusão social sejam explicitadas,
cabendo, assim, aos promotores e executores da Alfabetização
de Jovens e Adultos desvelarem a função politicamente distorcida
que os programas de EJA vêm quase sempre exercendo; bem como disseminarem
caminhos, soluções que realmente os levem à inserção
na cultura letrada, para que esse acesso seja marcado pelo significado
que o vincula à luta, à conquista e ao exercício
da cidadania.
Apesar de iniciativas governamentais e não-governamentais, de universidades,
associações, igrejas, entidades empresariais e trabalhadores
desenvolverem esforços para consolidarem a EJA, as mudanças
sociais não se fazem apenas em dados estatísticos de quantos
lêem e de quantos escrevem, porque mesmo que “resolvido o
problema” do analfabetismo, outras formas de exclusão social
já se vão delineando agora na sociedade entre aqueles que
dominam o uso da informática ou não.
“É fundamental prosseguirem esforços, para que se
garantam o acesso e a permanência dessa população
em processos educativos de qualidade,” eis o que declara Soares
(2001, p. 221). Compreende-se também que a educação,
por si só, não elimina a pobreza e a exclusão. Entretanto,
estudos e pesquisas têm revelado que sem a educação
não há possibilidade de desenvolvimento.
Talvez sejam estes os ensinamentos maiores do educador Paulo Freire e
do filósofo Mikhail Bakhtin: “a grandeza da inconclusão
humana e a partilha de um futuro em que a diferença sobrepuje a
desigualdade. Por isso, a importância para ambos da ética,
da estética e da política.” (GERALDI, 2003, p. 65).
Desse modo, das reflexões desenvolvidas, infere-se que não
há educação sem utopia, sem esforço, sem luta
para construir uma sociedade melhor.
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