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A
LEITURA DO ESTUDANTE DE ODONTOLOGIA: TRAJETÓRIAS EM FORMAÇÃO
Jurema Nogueira Mendes Rangel - Universidade Estácio
de Sá
1 INTRODUÇÃO
Este estudo tem como objetivo traçar os percursos
dos estudantes de odontologia em relação à leitura,
focalizando os atos de leitura presentes na sua vida universitária.
Acredito que a leitura é fundamental na formação
de qualquer universitário, pois favorece o entendimento do mundo
numa perspectiva crítica e interdisciplinar, como propõe
a abordagem interativa de leitura (KLEIMAN, 1993). Esta perspectiva considera
que, ao se ler qualquer tipo de texto, coloca-se em ação
um sistema de valores, crenças e atitudes constituídos em
diálogo com o grupo social, que acaba instituindo práticas
de leitura que conformam e contrastam as formas de ler, criando expectativas
e interesses diversos nos grupos de leitores. (CHARTIER, 1991)
Neste sentido, os estudos sobre leitura e suas práticas têm
merecido espaço na produção científica apresentada
em eventos como o Congresso de Leitura do Brasil (COLE), em 2003 e o Encontro
Nacional de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE) em 2004,
para citar alguns. No entanto, verifica-se que a maioria dos estudos sobre
a leitura está centrada na educação infantil e no
ensino básico, principalmente, no ensino fundamental, sendo poucos
aqueles voltados para como se processa a leitura empreendida pelos alunos
do ensino superior. Quando realizados, há um interesse evidente
na área de humanas, em especial, os cursos de letras (RAMIRES,
2001) e pedagogia (CARVALHO, 2002; CARVALHO, RANGEL, SANCAS, 2004; CORREA,
1999; LEITE e OLIVEIRA, 2004), visto que os profissionais provenientes
destes cursos deverão atuar como formadores de outros leitores.
Estes trabalhos têm apontado a necessidade de se criar uma pedagogia
de leitura na universidade por meio de uma orientação teórica-metodológica
que favoreça aos estudantes uma leitura proveitosa e reflexiva.
Mas, e os alunos das demais áreas? Como são constituídos
estes alunos-leitores? Quais são as práticas de leitura
dos estudantes de odontologia favorecedoras da leitura de mundo?
Tendo como norte estas questões, na segunda parte, faz-se uma contextualização
do papel da leitura na universidade, em especial, no curso de odontologia,
considerando os aportes teóricos da história cultural que
destaca o modo como os estudantes interagem e convivem com os objetos
da cultura letrada que alinhavam os contornos do leitor e as contribuições
da abordagem interativa da leitura.
Na terceira parte, apresentam-se os resultados do levantamento de uma
pesquisa-ação em andamento no curso de odontologia da Universidade
Estácio de Sá, junto aos alunos do 1º. Período,
cursistas do 1º. Semestre de 2004, sobre suas trajetórias
de leitura.
E, por último, as considerações finais sobre as trajetórias
de leitura em curso apontadas pelos estudantes.
2 A LEITURA E SUA INSERÇÃO NO CURSO DE ODONTOLOGIA
Os pressupostos que norteiam os documentos oficiais, em
especial, a LDB 9394/96, reforçam a universidade como um espaço
para a formação profissional que deve reunir o desenvolvimento
de ações educativas relativas à busca de informações,
ao aprimoramento e uso das tecnologias, à construção
e comunicação do conhecimento.
Na esteira destas propostas, os cursos de odontologia vêm sofrendo
mudanças significativas em seu projeto pedagógico introduzidas
pelas Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação
em Odontologia (BRASIL, 2002). Entre os vários aspectos destacados
no documento, o compromisso com a saúde, com a ética e com
a atuação filiada à transformação social
é um elemento fundamental contido numa proposta humanizadora de
educação odontológica (MOYSÉS, S; MOYSÉS,
S. J; KRIGER, 2005). Evidencia-se, nestes documentos, não apenas
a intenção de cuidar da doença, mas, buscar uma direção
na formação do cirurgião–dentista voltada para
a promoção da saúde bucal, o que requer uma mudança
substancial nos currículos vigentes. Um dos caminhos propostos
para atingir esta meta está indicado nas Diretrizes, em seu art
4, inciso III, que destaca a habilidade da leitura e escrita em relação
à competência da comunicação. Cada vez mais,
a contemporaneidade exige que o sujeito saiba resolver problemas e apresente
uma capacidade de abstração que lhe permitam desvendar as
situações que emergem do cotidiano.
Assim, a formação crítica supõe um sujeito
que pense por conta própria, ou melhor, seja autor de suas idéias.
O pensar exige o repensar, o rever, o indagar, o transgredir o conhecimento
já construído para que se possa propor, reafirmar, inovar,
transformar a realidade.
Nesta perspectiva, pode-se afirmar que ler é pensar, pois, coloca
em jogo a imaginação e a realidade, as interdependências,
as relações entre os sujeitos, moldadas pelo poder, o possível
e a utopia. A leitura, então, requer um processo de construção
de sentidos cuja dimensão abrange as formas de representação,
prática e apropriação, configuradas historicamente
(KLEIMAN, 1993; CHARTIER, 1991). Ler um texto ou decifrar um sistema de
pensamento consiste em considerar, ao mesmo tempo, a linha diacrônica,
em que se estabelece a relação do texto ou de um sistema
de pensamento com as manifestações já existentes
e a linha sincrônica que permite relações do conteúdo
em pauta com os de outras áreas de uma cultura (CHARTIER, 1991).
Entendida dessa forma, acredito que a leitura atua como um eixo interdisciplinar,
devido a sua natureza integradora de saberes e constitutiva da construção
de novos conhecimentos. Logo, cabe a universidade aprimorar as competências
de leitura que o aluno traz ao ingressar na instituição,
com vistas a possibilitar outras leituras de mundo. (RANGEL, 2005; CARVALHO,
2002)
Nessa linha, os aportes de Chartier (1991) sobre o livro, o texto e as
práticas de leitura anunciam a existência de diferentes formas
de se apropriar do texto. Não se lê um texto da mesma forma,
nem igual à leitura feita por outro. As experiências individuais,
em diálogo com as representações dos diferentes grupos
sociais, formam um todo que impulsionam, determinam, desenham as práticas
de leitura valorizadas pela sociedade em detrimento de outras que esta
mesma sociedade considera como menores. Ler um livro considerado um clássico
é mais valorizado que ler, regularmente, as revistas semanais que
fazem circular as notícias econômicas e políticas,
por exemplo. As tensões existentes, permeadas de interesses, sejam
eles políticos, econômicos e sociais, estabelecem formas
de apropriação de textos, gestos e modos de ler que alimentam
as trajetórias de leitura do sujeito e acabam confluindo para que
o leitor estabeleça um determinado capital cultural. Os estudos
da história cultural, desenvolvidos por Chartier, ajudam a entender
que a leitura está submetida às mesmas regras de outras
práticas culturais e, por estar vinculada, primordialmente, à
sistematização escolar, age como um diferencial entre os
sujeitos. As experiências individuais de leitura estão inscritas
no interior de modelos e de normas socialmente compartilhadas.
Estes elementos merecem ser considerados ao se refletir sobre como se
dá o processo de leitura na universidade, pois, é comum,
em reuniões e na sala dos professores, ouvir que os alunos apresentam
dificuldades em compreender os textos. Além das preocupações
metodológicas que podem contemplar “a falta” do estudante
em relação a certas habilidades, frente às diferentes
dificuldades de leitura com as quais os alunos se deparam, tem-se que
compreender as várias formas de apropriação do texto,
os tipos de textos colocados em circulação, os diferentes
protocolos de leitura (CHARTIER, 1991, p.188) que se relacionam diretamente
“às oportunidades objetivas da escrita que tiveram os diferentes
grupos de estudantes que chegam à universidade, isto é,
o tipo de letramento, aí, incluídos, os vínculos
sociais e as disponibilidades culturais”.
Assim, a pesquisa de Leite e Oliveira (2004) é esclarecedora, quando
se refere aos eventos de leitura planejados dentro das disciplinas pelos
professores universitários do curso de pedagogia, intra ou extra-classe
e as experiências vividas pelos estudantes. A leitura científica
tem na figura docente o mediador necessário para estruturar e orientar
a discussão de textos, promovendo o envolvimento do aluno. O estudo
demonstra que esta mediação é transpassada pelo entendimento
do professor sobre leitura e as ações que desencadeia em
sala de aula constituirão os eventos de letramento vividos pelos
estudantes.
Da mesma forma, Carvalho, Rangel e Sancas (2004) revelam que as alunas
do 5o. período do Curso de Pedagogia têm um história
de leitura que permeia as práticas de ler das quais fazem uso na
graduação. Durante o curso, as alunas demonstram ter adquirido
uma certa autonomia, aprendendo a lidar com as múltiplas e fragmentadas
leituras que lhes são propostas, desenvolvendo uma didática
da leitura bastante própria. Distinguem a leitura que pode ser
feita de uma forma superficial daquela para fins de estudo
Tudo isto, mais a percepção de que se impõem universos
referenciais próprios da academia, (BRITTO, 2003; CARVALHO, 2002)
mostra o quanto ainda é necessário se caminhar para que
a leitura, na universidade, seja encarada como uma atividade intelectual
importante na formação profissional.
Assim, formar o cirurgião-dentista, na perspectiva humanista, implica
entender, antes, os processos que envolvem a construção
do conhecimento e, dentre eles, a leitura, pois é fundamental compreender
“[...] o modo como os estudantes interagem e convivem com os objetos
da cultura letrada, em particular com as formas de produção
do conhecimento formal” (BRITTO, 2003, p. 176).
Estes pressupostos norteiam a investigação que procura revelar:
Quais as práticas efetivas de leitura adotadas pelos estudantes
de odontologia? Como estes alunos estabelecem os primeiros contatos com
os diversos objetos de leitura que o ensino superior coloca em circulação?
2 AS TRAJETÓRIAS DE LEITURA DOS ESTUDANTES DE ODONTOLOGIA
O estudo tem caráter exploratório, com contorno
de uma pesquisa-ação, circunscrito a 70 estudantes calouros
do curso de odontologia: 45 freqüentam o campus localizado na zona
oeste e 25 estão matriculados no campus da zona norte da cidade
do Rio de Janeiro.
Os estudantes, em sua maioria, são oriundos de um grupo social
privilegiado e possuem idade entre 18 e 23 anos, em média.
Para a coleta de dados, aplicou-se um questionário com 12 perguntas,
sendo 3 abertas. Usou-se o horário da aula da disciplina de metodologia
científica lecionada por mim para o preenchimento do questionário,
para o qual não foi solicitada a identificação, visando
deixar o aluno à vontade para responder. No entanto, dos 70 respondentes,
45 se identificaram.
Os dados quanti-qualitativos foram organizados em categorias apresentados
nas partes que se seguem. Nesta linha, pretende-se não apenas traçar
um panorama descritivo de aspectos importantes para o entendimento do
problema, mas, também buscar compreender a natureza do fenômeno,
diante da complexidade que o processo de ler assume nos diferentes grupos
sociais, possibilitando o entendimento de particularidades do comportamento
dos estudantes. (RICHARDSON et al, 1985). Os aspectos qualitativos retratam
os microprocessos instituídos nas interfaces dos sujeitos com seus
pares.
2.1 A LEITURA FORA DA UNIVERSIDADE: o repertório
construído
A preocupação inicial do estudo está
vinculada às ações de ler que os alunos fazem uso
no seu cotidiano. Embora neste momento, a investigação não
tenha contemplado a formação inicial do leitor no seu percurso
escolar anterior à entrada na universidade, não se pode
deixar de considerar que este é fundamental para compreender os
modos de ler incorporados pelo alunado, que serão abordados em
outra etapa da pesquisa.
Carvalho (2002) e Carvalho, Rangel e Sancas (2004), ao analisarem a leitura
dos textos acadêmicos pelas alunas do curso de pedagogia de uma
universidade pública, mostram que a leitura na universidade é
um campo de tensões entre o ponto de vista do aluno e o dos docentes:
estes esperam que os estudantes possuam certa capacidade de interpretação
dos gêneros textuais próprios do ensino superior e aqueles
apresentam preferências literárias específicas, nem
sempre reconhecidas como válidas pela academia.
No entanto, os gestos de leitura que os alunos apresentam, na sala de
aula, são resultantes de um percurso que não se dá
apenas dentro dos muros da instituição. As experiências
de leitura a que são submetidos nos vários tempos e espaços,
ao longo da vida, também interferem na sua formação
como leitor. Se, se pensar que a experiência de leitura, quando
envolve o ensinar e aprender, implica a relação de cada
um consigo mesmo e com os outros (LARROSSA, 2001, BRITTO, 2003), vê-se
que a leitura coloca em jogo uma série de movimentos que vão
além da simples decodificação das informações
que um texto contém.
Neste sentido, 80% dos alunos parecem considerar estas experiências
para se reconhecerem leitores. Os alunos demonstram ser leitores de uma
gama bastante ampla de impressos (TABELA 1), que não se restringe
às solicitações acadêmicas, à semelhança
dos dados encontrados por Carvalho (2002), Carvalho, Rangel e Sancas (2004),
Correa (1999) e Ramires (2001) em seus estudos. Estes autores mostram
que há uma “leitura paralela”, não obrigatória,
que atende aos interesses pessoais e caminha junto com a leitura acadêmica,
a leitura de estudo.
TIPO
N. ALUNOS |
auto-ajuda |
14 |
autobiografia |
4 |
ficção científica |
8 |
história em quadrinhos |
10 |
jornais |
42 |
livros religiosos |
8 |
poesia |
9 |
policial |
8 |
revistas semanais |
34 |
romance |
18 |
suspense |
1 |
terror |
1 |
Livros didáticos |
1 |
Considerando
que algumas práticas de leitura possivelmente estejam interiorizadas
pelos estudantes, pois, pertencem a um grupo social que tem acesso a livrarias
e bibliotecas e, portanto, possuem condições de adquirir
livros e formar o seu próprio acervo, o livro parece ocupar lugar
de destaque nas leituras de preferência. Embora haja um interesse
maior pelo romance e auto-ajuda, vê-se uma pulverização
dos demais gêneros. De certa forma, o panorama encontrado revela
que a experiência de leitura se faz alicerçada na diversidade
de objetos impressos, se considerado a presença significativa de
periódicos.
Embora se perceba que o livro é um dos suportes de leitura dos
estudantes, quando solicitado que identificassem o último livro
lido e seu autor, 40 alunos não responderam. Apenas 30 nomearam
a última leitura realizada , sendo que alguns mencionaram apenas
o título da obra ou o autor. Vale destacar que a turma matriculada
no campus da zona norte da cidade indicou um maior número de obras
e autores do que o grupo da zona oeste, o que permite levantar a hipótese
da possível influência da origem social destes alunos moradores
desta região, conhecidos como “emergentes”, no gosto
pela leitura.
Por outro lado, sabendo-se da proliferação das leituras
devido ao fomento das atividades gráficas e a profusão de
textos que assolam os dias atuais, tão bem estampados no acervo
encontrado nas bancas de jornais e nas prateleiras das livrarias e que
chegam às mãos dos alunos (CHARTIER, 1999), pode-se questionar
se há uma asfixia de leituras e pouco fica na memória ou
que sentido é atribuído às leituras realizadas.
Dentre as obras mencionadas, estão Harry Porter, O senhor dos anéis,
Carandiru que alcançaram grande sucesso de vendas no mercado recentemente,
atreladas ao lançamento de filmes das grandes produtoras cinematográficas.
Outras, como Dom Casmurro, Senhora, Iracema, O santo e a porca e Memórias
Póstumas de Brás Cubas podem estar relacionadas às
leituras realizadas nas escolas de ensino médio, onde é
comum o uso de obras literárias para fim de estudo em vista da
inclusão nas provas do vestibular.
No conjunto, há forte predominância da leitura de publicações
periódicas: jornais e revistas semanais. Ambos instituem uma forma
de ler diferente daquela promovida pela leitura dos livros. Os alunos
dizem ler os jornais de grande circulação na cidade, sendo
os de maior preferência O Globo e Jornal do Brasil, seguidos de
outros como O Dia e Extra. Apenas 2 alunos mencionaram fazer a leitura
de jornal on-line, uma modalidade de leitura que permite o acesso imediato
à informação em tempo real, sinalizando a inserção
do texto eletrônico como uma prática de leitura do mundo
contemporâneo que inaugura um novo protocolo de leitura. (CHARTIER,
1999)
As revistas semanais desenham um repertório diversificado, abrangendo
revistas como Veja, Isto é, Época, seguidas por Caras, Superinteressante,
Boa Forma, Criativa, Capricho, Contigo, 4 Rodas, Playboy entre outras.
Estas últimas apresentam, em suas páginas, temas de interesse
bastante próprios da faixa etária em que se encontram os
estudantes: notícias de artistas, cuidados com o corpo, roteiro
de viagens, moda, etc. Em sua maioria apresentam textos leves, de leitura
rápida e linguagem direta e fácil, diferentemente das primeiras
que fazem circular reportagens vinculadas aos aspectos políticos
e econômicos, por exemplo.
Esta diversificação dos objetos de leitura reforça
a idéia de que o estudante lança mão de um tipo de
leitura que não corresponde ao cânone escolar que, comumente,
define uma leitura como legítima. O problema não está
neste tipo de leitura em si, mas cabe ao professor reconhecer a força
destas leituras que apontam “[...] práticas incontroladas
e disseminadas para conduzir esses leitores, pela escola, [e orientar],
sem dúvida, por múltiplas outras vias, a encontrar outras
leituras”. (CHARTIER, 2001, p. 104)
Sobre a freqüência de leitura destes materiais, vê-se
o seguinte:
Tabela 2- FREQUÊNCIA DE LEITURA
Frequência de leitura |
|
n.
alunos |
|
Jornais |
revistas |
literatura
em geral |
livros
acadêmicos |
todos
os dias |
36 |
1 |
|
4 |
|
2 |
uma
vez/semana |
21 |
24 |
|
3 |
|
6 |
mais
de 1 vez/semana |
21 |
19 |
|
7 |
|
17 |
às
vezes |
|
13 |
20 |
|
25 |
|
23 |
raramente |
9 |
4 |
|
22 |
|
16 |
nunca |
|
|
2 |
|
6 |
|
4 |
em
branco |
|
|
|
3 |
|
2 |
A freqüência
de leitura do material impresso vem reforçar os dados encontrados
anteriormente sobre a predominância da leitura de jornais e revistas
em comparação com a leitura de literatura em geral, (englobando
aqui, contos, ficção, romances, poesias, etc.) e de livros
acadêmicos, que objetivam proporcionar conhecimentos científicos
ou técnicos. Os livros de literatura são lidos por 47 alunos,
muito espaçadamente e 6 alunos afirmam não fazer leitura
deste tipo de material. De modo geral, a leitura dia a dia não
é comum, independente do tipo de texto. A leitura de livros acadêmicos
também é esporádica.
Todas estas leituras, independente do gênero, proporcionam gestos
e modos de ler que incluem, também, os espaços de ler. Com
efeito, a motivação, a leitura em voz alta ou silenciosa,
a leitura socializada são indicativos de que a apropriação
da leitura se dá por práticas diferenciadas. Ler em casa
é a preferência de 40 alunos, que elegem o quarto (20 alunos)
como o local de leitura mais usual, indicando que o isolamento e a privacidade
são características presentes, incorporadas, historicamente,
pela prática da leitura extensiva (CHARTIER, 1991). A sala e o
ônibus são os locais escolhidos para ler, igualmente, por
8 estudantes. Outros espaços aparecem listados: praia, varanda,
biblioteca ou “qualquer lugar cômodo e com luz boa”.
Os espaços socializados e/ou públicos inventam maneiras
de ler, mudam gestos e objetos lidos. A leitura é menos atenta,
mais rápida e descompromissada, mistura-se com a diversão
e o lazer. Pode ser uma leitura descontínua, salteada, que não
se incomoda com possíveis interrupções. A leitura,
nesses espaços, subverte aquela do espaço retirado e privado.
2.2 A LEITURA
NA UNIVERSIDADE: primeiras aproximações
Além
das leituras de periódicos e obras literárias, os alunos,
ao ingressarem na universidade, começam a ter contato com leituras
mais densas que constituem o corpo teórico de cada disciplina,
introduzidas pelos professores por meio de suas indicações
bibliográficas apresentadas no programa ou mesmo durante as aulas.
A leitura científica passa a ocupar um lugar importante visto ser
encarada como a leitura de estudo. Porém, os alunos, no 1°
período, começam a estabelecer as primeiras aproximações
com leituras deste tipo. A qualidade dos textos, as exigências e
cobranças dos docentes, a leitura como tarefa (CARVALHO, RANGEL
e SANCAS, 2004) modificam a aproximação do estudante com
texto escrito, inaugurando experiências diferentes das anteriores.
Além de mobilizar estratégias de leituras específicas
para compreender o texto (KLEIMAN, 1993; CARVALHO, RANGEL e SANCAS, 2004),
não contempladas no limite deste estudo, espera-se que o aluno
faça uso da bibliografia para complementar as anotações
de sala de aula, para estudar e rever conceitos debatidos em sala, para
buscar o diálogo com outros textos e autores sobre um determinado
assunto, o que foi confirmado apenas por 17 alunos. A maioria parece não
ter o hábito de consultar as fontes indicadas pelo professor, fazendo
deste tipo de leitura um ato esporádico (39) ou mesmo inexistente
(4). (TABELA 2). Neste caso, o aluno restringe a possibilidade do pensar
que o texto e autor promovem na multiplicidade do dito: “[...] o
importante não é o que nós saibamos do texto, o que
nós pensamos do texto, mas o que- com o texto ou contra o texto
ou a partir do texto- nós sejamos capazes de pensar”. (LARROSSA,
2001, p. 142).
Os dados revelam que, ao serem convocados a identificar um livro acadêmico
lido recentemente e a autoria da obra, no período letivo em curso,
apenas 8 alunos conseguiram fornecer a informação completa,
indicando apenas uma fonte. 28 alunos citaram o título da obra
ou o autor e, muitas vezes, o nome da disciplina que solicitou a leitura.
A maioria (34 alunos) não conseguiu indicar um livro acadêmico
lido recentemente e seu respectivo autor. Para confrontar as respostas
dos estudantes, foi feito um levantamento junto à bibliotecária
do campus que confirmou a existência de informações
trocadas, títulos de livros incompletos e pequenos equívocos
sobre a identificação da autoria. Das indicações
fornecidas, mesmo incompletas, há indícios de que a área
de Biologia Molecular se destaca.
Quanto à leitura de textos indicados no programa das disciplinas,
necessários para acompanhar o conteúdo discutido em sala
e colaborar para a ampliação dos debates, 49% dos estudantes
não mantêm uma sistemática regular de leitura sobre
os textos solicitados pelos professores. Apenas 29% da turma costumam
realizar as leituras solicitadas.(GRÁFICO 1):
Sem o preparo
prévio necessário, os alunos comprometem o nível
de participação nas aulas e acabam se colocando no lugar
de espectador do tema abordado pelo professor, deixando pouco espaço
para uma postura interativa. Na maioria das vezes, as aulas expositivas
tomam o espaço da problematização provocada pela
leitura, propiciando um afastamento da perspectiva que trabalha a construção
do pensamento crítico, baseada na troca de pontos de vista. Ao
que parece, há a promoção de atos mínimos
de leitura, suficientes para um grupo significativo de alunos que acabam
não contemplando a manipulação de textos mais densos
que levariam a apropriação progressiva do discurso acadêmico,
sob a forma específica de textos científicos.
O volume dos textos lidos pelos estudantes é um indicador importante,
no sentido de se verificar a sobrecarga ou não das leituras solicitadas.
A média de textos lidos por semana é expressa no seguinte
gráfico:
Percebe-se
que mais da metade dos alunos (45) afirma ter um volume pequeno de leituras
por semana. Se considerado que os alunos do 1º período cursam
4 disciplinas, o volume de leitura deveria corresponder a essa demanda,
posto que é possível que cada disciplina solicite leituras
a cada aula. Mesmo assim, apenas 29% dos alunos costumam fazer a leitura
dos textos solicitados pelo professor. (GRÁFICO 1). Tendo em vista
que a maioria dos alunos não exerce atividade remunerada, apenas
a função de estudante, depreende-se que há disponibilidade
de tempo para a execução das leituras solicitadas, o que
sugere uma investigação mais cuidadosa sobre o não
cumprimento desta tarefa.
Embora não tenha sido foco do estudo, neste momento, cabe compreender
como estas leituras são trabalhadas pelo professor em sala de aula,
pois o fato da não leitura pode estar relacionado à motivação
desenvolvida na sala de aula. Será que o professor faz uso do texto
como suporte da aula? Introduz a prática de leitura assistida (BRITTO,
2003), de forma a orientar, questionar os aspectos apresentados no texto?
O professor cobra a leitura? De que forma?
Outro aspecto que mereceu atenção diz respeito à
formação de um acervo pessoal sobre odontologia e áreas
afins. 21 alunos dizem que costumam adquirir os livros indicados pelo
professor no programa da disciplina. Tendo em vista que as obras acadêmicas
da área da odontologia têm custo elevado, devido à
inclusão de muitas imagens ilustrativas, este dado é significativo.
De certa forma, evidencia a iniciativa de alguns em formar o seu próprio
acervo sobre a área, comportamento desejável para um profissional
em formação. Por outro lado, 32 alunos dizem que, às
vezes, adotam este procedimento e o restante, raramente ou nunca costuma
adquirir algum livro à semelhança dos resultados encontrados
por Carvalho (2002) que confirmam ser privilégio de poucos a compra
de livros para a formação de uma biblioteca mínima.
Em relação ao uso da biblioteca, dos 70 alunos investigados,
apenas 7 dizem que raramente ou nunca utilizam o acervo da biblioteca
do campus. 29 alunos freqüentam sempre o espaço e 34, às
vezes. A possibilidade de encontrar a informação desejada
na biblioteca é atestada por 17 alunos e 26 dizem nem sempre encontrar
o que procuram. Foram poucos os alunos que dizem nunca ou raramente encontrar
o material desejado na biblioteca.
Segundo as informações colhidas com a bibliotecária
do campus, o acervo disponível atende a demanda dos alunos do 1º
período e levanta-se a hipótese sobre o pouco domínio
dos estudantes a respeito das formas de busca do material: uso de palavras-chave,
indicação da autoria, etc. Embora os resultados confirmem
o trânsito do aluno na biblioteca, o uso da internet como recurso
para a busca de material para estudo ou pesquisa é uma prática
incorporada pela maioria. (GRÁFICO 3). O gráfico mostra
o número de alunos que costuma adotar este procedimento.
O acesso
à informação pelos meios eletrônicos parece
estar favorecido pela própria situação econômica
e social destes estudantes e pela facilitação de usarem
a sala de informática disponível no campus. Lá, os
alunos podem agendar horários de sua conveniência para fazer
uso do laboratório e acessar a Internet, além da base de
dados disponível na biblioteca.
De qualquer forma, vale lembrar que a leitura do texto no meio eletrônico
favorece a leitura privada, recolhida do olhar do outro, bastante diferente
daquela realizada no espaço da biblioteca que, mesmo algumas vezes
individualizada, está submetida aos olhares dos colegas e a uma
certa vigilância dos encarregados do espaço. Embora não
se possa questionar os ganhos dessa forma de coleta de informações,
é evidente que este suporte de leitura insere novas formas de ler,
pois: “ler um artigo em um banco de dados eletrônico, sem
saber nada da revista na qual foi publicado, nem dos artigos que o acompanham,
e ler o ‘mesmo’ artigo no número da revista na qual
apareceu, não é a mesma experiência” (CHARTIER,
1999, p. 128).
Cabe destacar que é responsabilidade do docente, além de
fazer as indicações bibliográficas, sugerir aos estudantes,
sites referentes às bibliotecas eletrônicas e às instituições
de pesquisa relativas a área para que as informações
obtidas possam ter a referência científica, o que não
invalida a iniciativa dos estudantes de organizarem buscas de livre escolha.
Sobre o uso da biblioteca, buscou-se perceber que tipo de instituição
os alunos costumam freqüentar. Do total, 64 estudantes apontam a
biblioteca do campus. Quando não encontram o material desejado,
usam a Internet. Os alunos não têm o hábito de freqüentarem
outras bibliotecas públicas ou privadas ou universitárias,
nem a Biblioteca Nacional, apresentada a eles na disciplina de metodologia
científica, como atividade extra-muros (RANGEL, 2004).
Embora o contato com a Biblioteca Nacional, na ocasião, tenha causado
impacto ao se depararem com a grandeza e variedade do acervo e sua organização,
18 alunos não pretendem lá realizar consulta alguma, pois
alegam ser o local distante de onde moram. Um número significativo
de alunos (38) afirma não conhecer a Biblioteca Nacional antes
da visita. Alguns (13) conheciam o exterior do prédio, mas não
o seu interior e 14 alunos conheciam o interior do prédio, mas
sem ter realizado uma consulta. Apenas 5 alunos dizem ter feito consulta
no acervo desta instituição, porém, antes de ingressarem
na universidade.
Mesmo assim, 50 alunos demonstram a intenção de retornar
à Biblioteca Nacional para a realização de consultas,
justificando que o espaço proporciona “uma pesquisa mais
detalhada”, “acervo variado e completo”, mas, apenas,
se “a Internet não suficiente” e “não
encontrar o que procuro na biblioteca do campus”.
3 CONSIDERAÇÕES
FINAIS
A formação
do leitor, estudante de odontologia, assim como a de outros profissionais,
é de responsabilidade da universidade que, de certa forma, continua
o processo iniciado na escolaridade anterior. O leitor ideal, desejado
pelos docentes universitários, ainda não é uma realidade.
Os resultados encontrados espelham que a formação do aluno
crítico, delineado nas Diretrizes Curriculares dos cursos de graduação
da saúde, tendo a leitura como um caminho para uma postura reflexiva,
encontra alguns percalços materializados em práticas que
distanciam o estudante de um olhar mais investigativo sobre a realidade,
privilegiando o lugar do aluno como receptor da visão do professor
sobre os aspectos abordados em sala, visto que as leituras prévias,
importantes para acompanhar as aulas e estabelecer um diálogo com
o professor, acontecem de forma precária. Os alunos parecem se
contentar com a exposição do professor, ficando este encarregado
de destacar aquilo que é fundamental na leitura proposta.
O uso de fontes complementares, sugeridas ou não pelo docente para
a ampliação do conhecimento tratado em sala, é uma
estratégia que precisa ser incentivada. Ler é fundamental
para produzir conhecimento.
Da mesma forma, a leitura inspirada no prazer, aquela chamada de livre
escolha e que acontece fora dos muros da instituição, apresenta
contornos fluidos que precisam ser fortalecidos. A entrada deste tipo
de leitura na sala de aula seria um caminho possível, se o professor,
mediador da leitura, buscasse pontos de conexão entre os temas
discutidos em sala com as matérias veiculadas nos periódicos
e na literatura.
A prática do acesso a textos eletrônicos para fins de estudo
é uma realidade que deve ser problematizada e incorporada sob o
viés da cientificidade, ou seja, possibilitar que o aluno possa
acessar as informações com critérios científicos,
forma necessária para qualquer pesquisa de informações.
Pode-se concluir que os estudantes calouros deram os primeiros passos
para a sua formação como leitores, pois começam a
integrar o uso da biblioteca e a organizarem um acervo pessoal na sua
prática, mostrando que necessitam da atuação docente
como mediadora na construção sua trajetória de leitura.
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