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BUSCA DA FORMAÇÃO DE LEITORES NA ESCOLA: UM TRABALHO COM
PROFESSORES ENFOCANDO A RELAÇÃO TEORIA E PRÁTICA
FRENTE À LEITURA.
Fabiana
Rodrigues - UNESP-Campus de Marília-SP - Grupo de Pesquisa: Processos
de Leitura: apropriação e objetivação.
1- Contexto
da Pesquisa.
A leitura
nas séries iniciais do Ensino Fundamental tem sido para muitos
professores, pesquisadores, profissionais da educação objeto
de estudo, análise e preocupação. Temos atualmente
um vasto acervo de livros, artigos, dissertações, teses
que abordam a leitura na escola, mas parece que este avanço de
estudos não tem contribuído efetivamente para uma mudança
na prática de sala de aula com relação à leitura.
Vemos a imprensa noticiando os baixos rendimentos em leitura de nossas
crianças nas escolas públicas brasileiras, ouvimos professores
queixando-se que são os alunos que não se interessam pela
leitura, apesar dos projetos desenvolvidos nas escolas em prol da formação
do leitor, temos também os Parâmetros Curriculares Nacionais
que fundamentam o currículo escolar com enfoque diferenciado e
propostas que buscam em realmente a formação do leitor e,
no entanto, parece que quase não saímos do lugar.
É por vivenciar esta realidade como professora das séries
iniciais do ensino fundamental, por sentir a necessidade de procurar entender
o motivo pelo qual pouco se avança na prática com a leitura,
ao passo que o contrário ocorre no campo teórico, que surge
a razão deste trabalho de pesquisa.
Ainda como aluna do curso de graduação de Pedagogia, não
conseguia entender o porquê dos professores da escola em que trabalhava
apesar de terem em sua maioria formação superior, participarem
de constantes cursos de formação continuada, possuírem
acervo literário na escola diziam não ser possível
fazer com que todos os alunos se interessassem pela leitura e a maioria
tornar-se um leitor verdadeiro. Passei a me questionar onde poderia estar
a falha. Aprofundando um pouco meu conhecimento sobre leitura, comecei
a perceber que a falha poderia estar no fato de que faltava aos professores
uma base teórica sólida acerca da natureza da leitura, do
processo de aquisição desta atividade pelos alunos, ou seja,
a prática não poderia mudar porque o professor poderia manter
uma concepção do ensino da leitura arraigada em pressupostos
tradicionais de ensino, já que não teve em sua formação
inicial um conhecimento aprofundado sobre esta atividade.
Procurando constatar se minha hipótese era verdadeira desenvolvi
como trabalho de conclusão do curso de Pedagogia uma pesquisa na
escola em que atuava objetivando verificar se os professores possuíam
um conhecimento teórico sobre a natureza da leitura, levantando
suas concepções acerca desta atividade e as implicações
destas concepções na prática de sala de aula. Os
resultados obtidos por meio dos dados coletados e analisados demonstraram
que os professores da unidade escolar não possuíam uma base
teórica sólida sobre o processo de aquisição
da leitura, sobre a natureza desta atividade, estando mais centrados na
busca de sugestões de atividades, de práticas e não
de conhecimento. Constatou-se que a falta de um entendimento teórico
do ato de ler, resultam contradições entre as concepções
e a ações dos professores, que não ajudam a aprendizagem
da leitura com metodologias e atividades sem finalidades explícitas
e modos de avaliação, considerando a maioria, que desconsideram
o verdadeiro sentido da leitura. (RODRIGUES, 2002, p.62).
Verificando este dado obtido na pesquisa mencionada e apresentando o resultado
à direção da escola, esta se mostrou aberta em procurar
solucionar esta falha na formação teórica do professor.
Dessa forma tendo a oportunidade de desenvolver uma outra pesquisa com
o mestrado, não tive dúvida em levar a frente à continuidade
do trabalho desenvolvido na escola, uma vez que a direção
permitiria e os professores obtinham interesse pela discussão em
questão. Portanto, dando seqüência na hipótese
que havia levantado queria agora perceber, verificar se realmente a aquisição
de uma base teórica sólida acerca da leitura provocaria
mudanças na prática com a leitura em sala de aula.
Dessa forma o objetivo desta pesquisa corresponderia a realização
de estudo e discussões de aspectos teóricos e sua relação
com a prática em sala de aula, de modo a procurar alterar a concepção,
o planejamento e a execução das experiências de leitura
vivenciadas na sala de aula por meio de encontros com professores. Assim
sendo, operacionalizar uma discussão teórica sobre a leitura
entre os professores da unidade escolar a qual trabalhava (a qual havia
realizado a pesquisa anterior) constatando se este estudo provoca indícios
de mudança na prática de sala de aula é o objetivo
deste trabalho de pesquisa. Busco procurar entender se realmente a falta
de uma relação teoria-prática coerente no trabalho
com a leitura é fator determinante para o não sucesso desta
atividade na escola. À medida que os docentes adquirem um entendimento
teórico sobre como ocorre o processo de aquisição
da leitura começam a refletir sobre e modificar sua prática?
É a falta de um conhecimento teórico pelos professores acerca
da leitura que faz com que a prática em sala de aula não
avance permanecendo a queixa de que não conseguimos formar bons
leitores nas séries iniciais do ensino fundamental? Que implicações
práticas resultariam um trabalho de orientação, discussão
e aquisição sobre os processos de leitura junto aos docentes
da unidade escolar no decorrer de um ano letivo?
Alcançando respostas a estas indagações seria possível
encontrarmos ou continuarmos a procura de caminhos que possam levar nossos
alunos das séries iniciais do ensino fundamental a tornarem-se
efetivamente leitores, inseridos no meio social, pois como afirma Kleimam:
É
comum afirmar-se que a criança não gosta de ler e não
compreende o que lê. Culpamos os interesses e hábitos diferentes
das crianças, mas poucas vezes questionamos o papel do modelo de
aprendizagem ao qual aderimos enquanto contribuidor a essas insuficiências.
(1996, p.55).
Dessa forma
o professor adquirindo um conhecimento teórico sobre a leitura
e relacionando-o com prática em sala de aula questionando-a, refletindo
se esta contribui efetivamente para a formação do leitor
poderia modificá-la de tal forma que levaria as crianças
a terem um desempenho e um interesse mais significativo em relação
a esta atividade? Pois, como podemos formar leitores se como professores
nem sequer reconhecemos e sabemos sobre a complexidade do processo de
leitura? Se nos encontramos mal informados em relação ao
processo, ao leitor, e às estratégias que levam o domínio
desta atividade? Continuaremos a buscar métodos e metodologias
ou investimos na formação do professor, reconhecendo a questão
teórica como fundamento necessário para uma prática
bem informada? (KLEIMAM,1996).
Esta é a discussão que este trabalho de pesquisa pretende
abordar, tendo como referência um estudo, uma discussão coletiva
que procure adquirir uma fundamentação teórica acerca
da leitura e relacioná-la a intervenções na prática
constatando posteriormente se há indícios de modificações
e suas conseqüências para a aprendizagem da leitura.
Trata-se, portanto, de uma investigação educativa com participação
ativa dos professores buscando estabelecer relação entre
teoria e prática, entre os aspectos teóricos da leitura
e a prática com esta atividade em sala de aula. O professor, como
ressalta Smith (1999) precisa de uma compreensão do processo de
aquisição da leitura, de como as crianças devem aprender
ler ao invés de sugestões de o que eles devem fazer, ele
na verdade “não precisa de conselhos, ele precisa compreender.
É ele quem tem de tomas decisões” (SMITH, 1999, p11),
por isso,
[...] torna-se
importante complementar a formação do professor para ele
compreender os fundamentos teóricos de uma proposta nesta linha,
tomar decisões com base em sua avaliação do problema,
da situação e se tornar num professor que se faça
gerador e irradiador de mudanças. (Kleimam, 1996, p.18).
Neste sentido
uma abordagem qualitativa da pesquisa utilizando o método de pesquisa-ação
constitui-se na forma pela qual procurei alcançar o objetivo deste
trabalho de investigação cientifica, uma vez que esta corresponde
a uma forma de experimentação em situação
real, na qual o pesquisador intervém conscientemente e os participantes
desempenham um papel ativo, além de que a pesquisa-ação
não é constituída apenas pela ação
ou pela participação, com ela é necessário
produzir conhecimentos, adquirir experiência.(THIOLLENT, 2000).
A opção metodológica por esta estratégia de
pesquisa justifica-se ainda por esta ser uma metodologia que permite agir
e intervir na totalidade da prática, analisando as questões
dentro da complexidade da realidade tentando modificá-las. Segundo
Thiollent, “a pesquisa – ação tem sido concebida
principalmente como metodologia de articulação do conhecer
e do agir”, (2000 p.100), daí a sua utilização
nesta investigação, uma vez que é este o princípio
norteador deste trabalho. Pretende-se criar oportunidade de conhecimento
e aprendizagem e a partir deste agir na prática pedagógica,
procurando modificá-la.
Desenvolver pesquisa utilizando o método de pesquisa–ação
na instituição escolar pressupõe haver de antemão
uma ampla e explícita interação entre pesquisadores
e pessoas implicadas na situação, a fim de descobrir o campo
de pesquisa, os interessados e suas expectativas visando estabelecer o
diagnóstico da situação e dos problemas prioritários
(THIOLLENT, 2000).
Baseando-se nesses princípios, é que iniciei este trabalho.
Primeiro, foi delimitado o campo de pesquisa e o vínculo com as
pessoas implicadas na situação. Após, apresentei
aos professores o diagnóstico da situação utilizando
os resultados da pesquisa de conclusão de curso realizado no ano
de 20002 que correspondeu a um estudo de caso sobre os entendimentos teóricos
de leitura entre os professores da unidade escolar e suas implicações
na prática em sala de aula, como mencionei anteriormente. A partir
dos resultados encontrados neste estudo é que a pesquisa–ação
se desenvolveu, procurando resolver ou esclarecer os problemas da situação
estudada.
O campo de pesquisa consistiu em uma escola municipal do Ensino Fundamental
(séries iniciais), sendo a mesma unidade escolar do estudo de 2002,
localizada no município de Marília, que contém vinte
classes de 1ª a 4ª série, com aproximadamente seiscentos
e sessenta alunos. Os sujeitos participantes corresponderam a dezesseis
professores efetivos da unidade, com idade média entre 25 e 30
anos, tempo de magistério entre três e cinco anos, sendo
a maioria com formação superior. Além dos professores
foram ainda sujeitos da pesquisa dezesseis alunos, um de cada professor
envolvido no trabalho de intervenção, que por meio de entrevista,
indicaram dados relevantes para a pesquisa.
O procedimento metodológico utilizado constituiu-se na realização
de encontros quinzenais nos horários de estudo coletivos da escola
(HEC), com duração de 50 minutos em média, no decorrer
de todo o ano letivo de 2003. Durante os encontros foram trabalhados textos
teóricos sobre o que está envolvido na leitura fundamentando-se
nas obras de Smith (1989;1999) e Foucambert (1994;1998). Cada discussão
teórica norteou uma intervenção prática a
ser aplicada em sala de aula, objetivando mudanças na forma de
planejar, desenvolver e avaliar as situações de leitura.
Foram 19 encontros, iniciados em 12 de março e encerrados em 3
de dezembro de 2003.
Importante ressaltar que o planejamento de cada encontro era resultado
da observação, ação e reflexão anterior,
pois no processo da pesquisa-ação temos como propõe
Carr e Kemmis uma espiral auto-reflexiva sendo “o plano prospectivo
com respeito à ação e retrospectiva com respeito
à reflexão sobre o qual se constroem”. (1988, p.197).Assim,
o caráter central do enfoque da pesquisa-ação é
para estes autores uma espiral auto-reflexiva formada por ciclos, sucessivos
de planejamento, observação e reflexão.
A pesquisa-ação não dispensa técnicas de coleta
de dados durante o processo, por isso como instrumento para a coleta dos
dados utilizei gravação de áudio de cada encontro
realizado; registro das observações e reflexões dos
professores sobre os encontros e sobre as intervenções na
prática em caderno específico do professor; análise
documental dos planejamentos semanais dos professores e do Projeto Pedagógico
da Escola e finalmente entrevistas semi-estruturadas individuais com os
professores participantes da pesquisa e com os alunos.
Optar pela pesquisa-ação como estratégia metodológica
é acreditar na afirmação de Carr e Kemmis: “a
prática se modifica mudando a maneira de compreendê-la”
(1988 p.106), é procurar realizar uma pesquisa que alcance as pessoas
implicadas na situação. Sendo ainda que, o sujeito envolvido
no processo, ao contrário das pesquisas convencionais, tenham algo
a dizer e a fazer, que lhe dê possibilidade de saber mais e de poder
agir melhor sobre a realidade educativa.
Os resultados desta pesquisa em andamento permitem afirmar que um dos
caminhos para a formação de leitores na escola constitui-se
em desenvolver uma formação docente que forneça aos
professores uma base teórica sólida acerca da leitura de
forma a orientar e fundamentar a prática com esta atividade em
sala de aula. Mas, uma formação que tenha como princípio
a relação teoria-prática como indissociável,
que permita ao professor possuir o saber, o saber-fazer e o saber justificar
sua ação. Justificando esta afirmação apresento
a seguir depoimentos de três professores sujeitos da pesquisa acerca
do trabalho empírico realizado na escola durante um ano letivo.
Mudanças
em relação à formação do professor
Em registro escrito avaliativo referente ao trabalho de pesquisa desenvolvido
no ano e através de entrevistas semi-estruturadas constata-se que
todos os professores apontaram mudanças em relação
ao seu conhecimento teórico acerca da leitura demonstrando que
foi possível construir algum conhecimento novo relevante para sua
formação. Os relatos a seguir demonstram que essas mudanças
tiveram impactos diferentes entre os professores:
“Eu passei a ver a leitura de outra forma, porque eu percebi nos
encontros que eu não sabia nada de leitura coisa nenhuma (risos)...
mas é verdade, eu não sabia mesmo. Eu vi que eu nunca tinha
estudado leitura, não, nunca. Que nem a leitura como compreensão,
eu acho que eu não via a leitura como compreensão e com
os encontros é que eu passei a entender como se dá a leitura,
qual o processo, como que acontece, né, qual a melhor forma, o
que é leitura praticamente, porque a minha visão hoje é
totalmente outra, então acho que isso ajudou bastante.” (Prof-D3-4ª
série).
“A
gente não tinha noção, leitura pra gente era ler,
ler oralmente, era oralidade, coisas que faziam com a gente quando era
criança e a gente fazia até então, né, não
tinha uma noção, pra gente foi muito interessante”
(Prof-C3- 3ª série).
“Compreendi
que leitura é na realidade, atribuição de sentido
e que ela não é oralidade ou leitura em voz alta...”
(Prof- C1-3ª série).
Práticas
em sala de aula
Os professores
apontaram as seguintes mudanças na prática em sala de aula:
“Parei
de valorizar a leitura por parágrafos em voz alta e a busca do
significado em dicionário no momento da leitura para não
atrapalhar a compreensão. Passei a apresentar os objetivos e as
questões antes da leitura, a fazer questionamentos levantando seus
conhecimentos e deixei de valorizar a leitura palavra por palavra, mas
a compreensão do que é lido” (Prof. C1-3ª série)
“Acredito
que pude aliar conhecimento teórico a prática. Os alunos
passaram a se interessar mais pelas atividades que envolviam leitura e
seu desempenho também melhorou muito, eles deixaram de esprar respostas,
acostumaram-se aos questionamentos e isso fez com que a participação
nas atividades aumentassem” (Prof. D3- 4ªsérie).
“Eu
deixei de cobrar a leitura oral (em voz alta), de fazer a leitura por
parágrafos de corrigir erros imediatamente” (ProfªC3-
3ª série).
Conclusões
parciais da pesquisa apontam que um dos caminhos para transformar as pratica
de leitura na escola é investir na formação docente,
uma vez que é através de uma base teórica sólida
que uma prática consistente ocorre, sendo que estas teoria e prática
precisam caminhar juntas nos cursos de formação de professores,
do contrário qualquer mudança fica na superficialidade,
impossibilitada de realmente acontecer na sala de aula.
Referências
BARDIN, L.
Análise de Conteúdo. Lisboa: EDIÇÕES 70, 1979.
CARR, W; KEMMIS, S. Teoria Critica de La Ensenanza: la investigacion-accion
en la formacion Del profesorado. 7 ed. Barcelona: Martinnez Roca, 1988.
CHARMEAUX, Eveline. Aprendendo a ler: Vencendo o fracasso. 4 ed. São
Paulo: Cortez,1997.
ELLIOT, J. La investigacion-accion en educacion. Madrid: Ediciones Morata,
1990.
FOUCAMBERT, J. A. A Leitura em questão. Porto Alegre: Artes Médicas,1994.
KLEIMAN, A. Leitura: ensino e pesquisa. 2 ed. Campinas: Pontes, 1996.
RODRIGUES, F. A Concepção de Leitura entre professores:
implicações no trabalho em sala de aula. Monografia. UNESP,
2002.
SMITH, F. Leitura Significativa. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.
THIOLLENT, M. Metodologia da Pesquisa-Ação. 10 ed. São
Paulo: Cortez- Autores Associados, 2000.
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