Simone Gonzales Sagrilo – Universidade Estadual
de Maringá - UEM – PG.
Dr.ª Alice Áurea Penteado Martha (Orientadora)
Dr.ª Vera Teixeira de Aguiar (Co-Orientadora)
A leitura é, constantemente, um tema atual e aberto
a discussões. Muitos trabalhos têm sido desenvolvidos em
torno dessa habilidade e várias categorias de leitores já
foram contempladas em diversos estudos. Seja sob a abordagem lingüística,
literária, sociológica, psicológica ou de qualquer
outra natureza, ela sempre surge como necessidade relacionada à
maneira de o homem ver o mundo e se expressar diante dele e, é
condição indispensável para a formação
do indivíduo em sua totalidade. A leitura de um texto literário,
por um mesmo leitor, é algo que não acontece, da mesma forma,
duas vezes. Semelhantemente, a leitura de um mesmo texto literário
não se dá, de igual maneira, entre leitores diferentes.
O estudo ora proposto, é parte de um trabalho realizado para uma
dissertação de Mestrado. Amparado pela Sociologia da Leitura
e por Teorias da Recepção, o trabalho analisa a recepção
de Olhai os lírios do campo, de Érico Veríssimo,
por leitores da Bíblia, bem como fatores que indicam para uma determinada
interpretação da obra literária. Foram selecionadas
três comunidades religiosas mais representativas, dentro da classificação
a que pertencem. Essa classificação foi realizada pelo Atlas
da filiação religiosa e indicadores sociais no Brasil (JACOB,
2003). A Comunidade Assembléia de Deus está entre as Evangélicas
Pentecostais; a Comunidade Adventista entre as Evangélicas de Missão;
e, a Comunidade Católica. Todas três pertencentes a um município
do interior do norte do Paraná. Os registros analisados foram obtidos
por meio da aplicação de um questionário de caráter
sócio-econômico e cultural a dez integrantes de cada comunidade,
com o objetivo de caraterizar seu perfil. Outro, de impressões
de leitura, foi entregue a quatro integrantes de cada comunidade, somente
três, de cada comunidade, retornaram. A história da narrativa
conta sobre um romance que, embora intenso, perdeu forças diante
dos interesses pessoais e sociais de um dos amantes, mas, que ao final
ressurge. Porém, a amada morrera e o amor é dedicado à
filha do casal.
A recepção sobre a ótica dos leitores. A Comunidade
Assembléia de Deus participou dessa pesquisa com um grupo de jovens
com dezoito, vinte e quatro e, vinte e oito anos, no qual o primeiro e
o terceiro são homens. O nome de Érico Veríssimo
é conhecido pelos respondentes da Comunidade Assembléia
de Deus. Um deles conhece Veríssimo dos livros didáticos,
dois não se recordam de onde. Embora os três respondentes
já soubessem algo do autor, não conheciam a história
sugerida para leitura. No contato com Olhai os lírios do campo,
de acordo com os depoimentos escritos, a impressão dos componentes
dessa comunidade foi positiva, segundo eles, O enredo (...) envolve o
leitor; Porque fala sobre temas polêmicos; O desenvolvimento da
história é muito completa e fascinante. Mostra as faces
do ser humano. O leitor de dezoito anos, em sua leitura, destacou a questão
do casamento por interesse e expressou sua opinião sobre esse tipo
de relacionamento, ressaltando que, geralmente, tende ao fracasso. Ele
não se identificou com nenhum personagem, mas citou o personagem
Ernesto, cuja rebeldia, segundo ele, o fez recordar seu irmão,
ao retomar fatos de sua vida. Os outros dois respondentes também
não se identificaram com nenhum dos personagens. Um deles, inclusive,
não encontrou semelhança entre nenhum personagem e alguma
pessoa que ele conheça. No entanto, o outro encontrou, no otimismo
do personagem Olívia, uma identificação com o namorado
de sua sobrinha. Esse leitor, de vinte e oito anos, atentou para essa
característica de Olívia, que, de acordo com ele, a fez
vencer os inúmeros obstáculos apresentados na narrativa.
Com relação ao personagem preferido, o mesmo leitor mencionou
Eugênio; o rapaz de dezoito, o Dr. Seixas; a leitora, de vinte e
quatro anos, citou o personagem Olívia. Os leitores elegeram personagens
homens como preferidos, a leitora, a personagem feminina principal. Sarland
(2003) salientou a diferença da recepção de um texto
literário entre leitores femininos e masculinos, em uma pesquisa
realizada com um grupo de adolescentes e jovens. Essas diferenças,
de acordo com o autor, ainda podem variar de acordo com a idade e o grupo
social o qual pertencem os leitores. O leitor, que apontou o personagem
Dr. Seixas como seu preferido, justificou sua escolha, Pois ele não
fantasiava muito a vida. O mesmo argumento ele utilizou para eleger Olívia
como o personagem que menos lhe agradou: ela tinha muitas filosofias de
vida, fantasiava demais. Esse mesmo leitor entendeu a história
dessa obra como uma discussão sobre casamento de interesses, de
costumes daquela época, sobre amor e afeto. Ele relata que a obra
o remeteu a fatos reais de sua vida: Sim, troquei alguém de que
gostava por outra pessoa. O leitor não se identificou com nenhum
personagem, mas aproximou-se da narrativa, por meio de uma das situações
mostradas no texto. Arnold Hauser, (1977) afirma que leitor como tal,
não desempenha uma ação meramente receptiva. Da mesma
forma que o autor, no momento da produção, evoca suas vivências
e seus conhecimentos sobre a arte para produzi-la, o leitor, ao recebê-la,
completa seu significado seguindo os mesmos passos. Como expectador efetivo,
esse leitor, de dezoito anos, interagiu com o criador e com a obra, fato
que caracteriza o aspecto dialógico da literatura. No entanto,
mesmo que tenha sido despertado, pela narrativa, para fatos de sua vida,
alega que os temas trabalhados, segundo ele, são “daquela
época”. O outro leitor, de vinte e oito anos, preferiu Eugênio,
entre os outros personagens, pela perseverança que demonstrou ter,
segundo ele. O personagem que menos gostou foi Isabel devido ao fato de
ter cometido o adultério. O que mais lhe chamou a atenção,
na história, foi o aspecto moral: Diria que é uma história
que mostra as qualidades e defeitos das pessoas de uma forma muito aberta.
A leitora elegeu Olívia, pelo seu otimismo, como o personagem que
mais gostou. O personagem Dr. Teixeira Torres foi o que ela menos gostou
devido à mania de grandeza que identificou nesse personagem. A
narrativa, para essa leitora, relata uma história sobre interesses
materiais (passageiros). Nenhum episódio a fez lembrar de fatos
de sua vida. Inclusive, não acredita que a história possa
ajudá-la a compreender situações e acontecimentos
cotidianos, essa opinião é compartilhada, também,
pelos outros dois leitores. Nenhum deles justificou sua opinião.
Embora a narrativa tenha proporcionado aos leitores uma identificações
com algumas situações que apresenta, eles não conseguiram
entender esse fato como uma forma de compreensão de sua própria
vida. Para o leitor de dezoito anos, a situação que mais
lhe chamou a atenção foi A convivência de Eugênio
com sua filha e, de acordo com esse leitor, foi O forte sentimento pela
filha e a lembrança de Olívia que ajudaram o personagem
Eugênio a enfrentar os obstáculos que encontrou. Um é
sua indecisão quanto a manter seu casamento com Eunice, ou, abandoná-la
e assumir sua filha Anamaria, fruto do seu amor com Olívia. Esse
leitor concorda com o personagem quanto sua decisão e acrescenta,
que, se estivesse no lugar do personagem, Tentaria ser ainda mais carinhoso
com minha filha. De acordo com essa última resposta, o texto narrativo,
neste ponto, antecipa uma atitude nesse leitor. Os outros dois leitores,
a jovem de vinte e quatro anos e o jovem de vinte e oito, apresentaram
uma leituras da obra muito semelhantes entre si. A situação
que chamou a atenção de ambos se localiza no início
da narrativa, na parte em que Eugênio se dirige ao hospital: O desespero
de Eugênio que queria ir até Olívia antes que morresse.
Situação triste / O desespero de Eugênio em chegar
até Olívia antes que morresse. Situação difícil.
Na opinião desses leitores, Eugênio conseguiu superar essa
situação com A perseverança e o amor. A escolha desses
dois substantivos como resposta, traduz um aspecto do vocabulário
que compõe o repertório ou o horizonte desses leitores,
marcado pelo discurso religioso. Segundo estes, o personagem Eugênio
agiu Corretamente / Corretamente em partes, mediante a situação
difícil enfrentada, mas não justificaram o porquê.
Se esses jovens estivessem no lugar do personagem, alegaram que agiriam
de forma Semelhante / Mais ou menos semelhante. As respostas desses dois
leitores não apresentam uma análise mais consistente da
narrativa, são dadas de forma vaga, que não traduzem com
clareza, o efeito produzido pelo contato com o texto literário.
O leitor de dezoito anos não encontrou dificuldades para compreender
a narrativa, nem o modo como os personagens falam, segundo ele: Fácil,
a linguagem não é complicada. Os outros dois leitores consideraram
Linguagem meio difícil / Um pouco difícil. Ao considerar
essa afirmação, de que o leitor encontrou dificuldade na
leitura, pode-se entender, então, o caráter vago de suas
respostas. Arnold Hauser (1977) argumenta que, quando se trata de uma
literatura de massa, há muitos critérios que são
observados para uma facilitação da leitura e sua compreensão.
Mas se é uma obra distante no tempo, muito nova, ou ricamente trabalhada,
e se o leitor é ainda menos experiente, faz-se necessária
a figura do mediador. Embora todos os três leitores percebessem
a época da narrativa como a primeira metade do século XX,
esses dois leitores tiveram dificuldades para interagir com a obra devido
à linguagem. Ressalta-se também, que não houve nenhuma
mediação no sentido de ajudar na compreensão da obra.
O leitor mais jovem atualizou o significado da obra ao apontar, hoje,
a cobiça e a vontade de enriquecimento das pessoas, como um fato
ainda atual; para os outros dois leitores são Os conflitos armados.
O título Olhai os lírios do campo remeteu os leitores diretamente
à narrativa bíblica, mais especificamente, ao sermão
da montanha. Os três leitores não encontraram nenhuma identificação
entre os personagens da obra lida e da Bíblia. Em nenhum dos três
depoimentos também, os leitores apontaram situações
vividas pelos personagens, que revelassem algum conhecimento, por parte
deles, da narrativa bíblica. Segundo o leitor mais jovem, alguns
personagens parecem não se interessar por religião, os outros
dois limitaram-se a mencionar o personagem Olívia. Esse leitor
foi um pouco mais específico em suas respostas, porém, nos
registros fornecidos por essa comunidade, não é possível
encontrar marcas da realização de uma leitura mais profunda
da narrativa, provavelmente pelo fato da dificuldade de compreensão.
Esses leitores tiveram uma visão da obra como parte da realidade,
considerando sua experiência vital como peso maior no processo da
significação. De acordo com perfil dessa comunidade, o infreqüente
contato com a literatura fez com que esses leitores tivessem poucos parâmetros
para comparação, dessa forma, tendendo a somente compreender
a narrativa e a compor seu significado, como parte de suas vivências
e experiências, aspecto mais marcado no leitor de dezoito anos.
Hauser (1977), discute que a essência de uma obra está em
sua compreensão, que depende tanto da sensibilidade artística
do leitor, quanto do seu conhecimento, e, também oscila de acordo
com a individualidade deste leitor. Sem outras leituras, o leitor não
adquire a sensibilidade artística e o conhecimento sobre o assunto.
Passa a contar portanto, somente com a sua individualidade que se manifesta
por meio de suas vivências e experiências. Acrescenta-se o
fato de que, segundo o autor, se forem obras distantes no tempo, o conhecimento
histórico é indispensável. Os leitores da Comunidade
Católica são mais velhos que os da comunidade da Assembléia
de Deus, têm trinta e nove, cinqüenta e cinco e sessenta e
quatro anos e são todas mulheres. As duas primeiras já conheciam
o autor, inclusive, a leitora de cinqüenta e cinco anos mencionou
algumas obras dele: Incidente em Antares, Música ao longe, O tempo
e o Vento e outros. Essa leitora também já conhecia o título
proposto para leitura, ela teve acesso a esse e aos outros títulos
em uma biblioteca escolar. A outra leitora, de trinta e nove anos, que
conhece o autor, alega tê-lo conhecido por meio de uma novela, não
especificou se escrita ou televisiva, mas não conhecia o título
proposto para a leitura. Todas consideraram a leitura interessante e argumentaram:
É uma história que mostrou a realidade de várias
pessoas na luta do dia a dia, das derrotas, das vitórias/ por que
nos leva a uma reflexão sobre a família. Eugênio ao
mesmo tempo que se envergonhava dos pais e do irmão, lutava para
vencer na vida e dar um vida para os seus e tirar a mesma da miséria/
se trata de uma família pobre. Diferentemente da primeira comunidade,
todas as leitoras dessa comunidade citaram trechos da narrativa que mais
lhe chamaram a atenção. À leitora mais nova, agradou
o final da narrativa, com a justificativa que, apesar de ter perdido muitas
coisas importantes no decorrer de sua vida, (mas) ainda lhe restava outras
coisas para continuar e o principal era a filha. Outra, mencionou o momento
da mesa de jantar, quando Eugênio foi zombado na escola pelas calças
rasgadas. A leitora mais velha também apontou quatro trechos do
relacionamento de Eugênio com sua família, narrados na infância
desse personagem. Essa leitora identificou-se com o personagem Alzira,
o fator de aproximação é, segundo ela, Nos cuidados
com os filhos. De acordo com a leitora, a característica que se
destaca, no personagem mencionado, é a dedicação
à família. Identificou seus filhos, na infância, com
Ernesto e Eugênio porque são iguais eles quando eram crianças,
mas não especificou em quais aspectos. Seu personagem preferido
foi Eugênio, porque Ele acreditava em Deus e temia a Deus que a
mãe queria fazer ele amar (...) pensava em ganhar dinheiro para
ajudar a família sair da miséria. Não houve nenhum
personagem que essa leitora não tenha gostado e justificou que
Eles são interessante como se fosse na vida real. A mesma justificativa
foi dada para o assunto da história: Que é uma história
maravilhosa. É como se estivessem vivendo uma vida real. Essa ênfase
em relacionar a realidade com a ficção é reforçada
nos depoimentos da leitora, no qual ela afirma que a narrativa a fez relembrar
de fatos vividos: Já e como vivi/ A minha vida lá na vida
deles de criança/ Morava no sítio e também era muito
pobre. Segundo essa integrante da Comunidade Católica, a narrativa
a ajuda a compreender situações da vida real, porque ela
já teve uma vida de pobreza, semelhante à dos personagens,
de acordo com sua resposta. As outras duas leitoras elegeram Olívia
e Eugênio como os personagens parecidos com elas. A leitora de cinqüenta
e cinco anos identificou-se com Olívia pela fé: A mesma
profissão de fé; corajosa, cautelosa e muito religiosa.
Seus escritos as cartas tinham um valor evangélico (crente em Deus).
A mesma leitora encontrou, em Dona Alzira, semelhanças com sua
mãe porque ao mesmo tempo que suspirava numa tarde fria de inverno,
alimentava o sonho de ser feliz (dias melhores virão). Para essa
leitora, a “tarde fria de inverno” contrasta com “dias
melhores”, os elementos naturais mencionados auxiliam na composição
da carga semântica da expressão. Essa leitora conseguiu,
além do nível semântico, também usufruir o
nível estético da obra, e incorporar, ao seu horizonte,
uma forma de expressão trabalhada no texto lido. Além de
eleger o personagem Olívia como o mais parecido com ela, a leitora
em questão apontou o mesmo personagem como seu preferido, e justificou:
Porque era a mais sensata e decidida a encarar a vida de frente, além
de ter um coração bondoso. Neste caso, houve uma identificação
completa entre o personagem Olívia e a leitora. Esta também
argumenta sobe a escolha do personagem que menos gostou, Eunice, esposa
de Eugênio: porque era arrogante, jogava na cara de Eugênio
que lhe havia comprado. Prepotente e ambiciosa. De acordo com essa leitura
particular, o assunto dessa história é um romance lindo,
cheio de intrigas e buscas pessoais, por parte do personagem Eugênio,
e as cartas de Olívia, de acordo com ela, recebem uma aura sacra:
trechos evangélicos. A narrativa despertou, nessa leitora, imagens
de sua infância: Sim. O badalar dos sinos (pág. 45) lembrei
quando criança adorava ouvir o sino da igreja, toda vila a rezar.
Minha mãe vestia eu e minhas irmãs com vestidos de chita
com laços enormes e íamos para a igreja ouvindo o sino tocar.
Nunca mais deixei de ouvir. Era como se fosse os anjos cantando e dizendo
venham, venham a missa vai começar. Íamos arrastando os
chinelos na areia. Mamãe dizia: se rirem dentro da igreja vou dar
um beliscão. Sempre era eu que apanhava, pois achava graça
em tudo, até mesmo do grupo de canto. De acordo com o seu depoimento,
também, a leitura de várias outras obras literárias
a levou a compreender situações e acontecimentos da vida
real e despertou-lhe uma atitude: Porque só depois de ler dezenas
de romances, poesias e literaturas, foi que me despertou uma vontade louca
de saber mais e descobri tudo ao mesmo tempo, pois foi através
dos livros que acabei numa Faculdade que para mim, foi a realização
de muito esforço, visto que como Eugênio, eu também
era muito pobre. No caso da leitora mais jovem, de trinta e nove anos,
o personagem com quem ela mais se identificou foi Eugênio. O sentimento
de insegurança uniu o personagem à leitora: Quando vou fazer
algo pela primeira vez, mesmo tendo certeza que sei, fico insegura, mas
tudo sai bem.. Também apontou o personagem Ernesto como parecido
com seu tio, que era alcoólatra, e fez a família sofrer
muito com isso, segundo seu depoimento. O personagem do qual mais gostou
foi D. Alzira e justificou a escolha pela dedicação à
família: mesmo tendo que enfrentar tantas dificuldades, sempre
estava dando forças para que houvesse paz e harmonia na família.
A leitora não apontou nenhum personagem que não tenha gostado.
A história para ela é um convite à reflexão
sobre a relação entre o dinheiro e a felicidade, critica
Eugênio por buscar o dinheiro em primeiro lugar. A leitura de Olhai
os lírios do campo, recuperou, na leitora, uma recordação
do passado: Quando o Eugênio era cça , foi para escola, sua
calça descosturou, ele foi motivo de sarro. Quando eu era cça
tinha os braços peludos, na escola, as crianças me chamavam
de taturana, eu não gostava, aquilo me deixava irritada. De acordo
com essa leitora, acontecimentos e situações de sua vida
podem ser compreendidos por meio da história vivida pelos personagens,
pois, segundo ela, todos têm problemas familiares: financeiros,
de relacionamentos e vícios; também fora da família:
com amigos e no trabalho. Segundo ela, a união entre as pessoas
faz com que esses problemas sejam superados. Até esse ponto da
análise, as três leitoras, dessa comunidade, encontraram
“portas” que lhes deram acesso ao interior da obra. O aspecto
semântico é a forma mais comum de identificação
com a narrativa. Situações, acontecimentos e sentimentos
narrados suscitaram, nas leitoras, suas vivências e experiências.
O processo caracteriza-se como uma troca. Mediante às sugestões
do texto, o leitor reage fazendo emergir elementos contidos em seu horizonte
para a construção do significado do texto. No final desse
processo, tanto o horizonte do leitor quanto o texto saem modificados.
Ao primeiro são acrescentadas ou modificadas as informações,
o segundo ganha mais uma leitura ou significado porque o texto adquire
seu real significado, no contato com o leitor. As leitoras destacaram
situações tristes, difíceis e sérias da narrativa,
que lhes chamaram a atenção. A leitora mais velha apontou
a relação entre o personagem Eugênio e seu pai. Segundo
ela, existe uma consciência da obrigatoriedade do amor que os filhos
devem aos pais, mas que, no personagem, transformava-se em pena. A leitora
mais nova também mencionou o personagem Ângelo e sua dificuldade
em sustentar sua casa e os filhos. Ela ainda acrescentou a cena na qual
o personagem Eugênio disse a Olívia que iria se casa com
Eunice. A outra leitora apontou o episódio no qual Eugênio
atendeu a um menino com acesso de tosse. As características do
personagem Eugênio, ressaltadas pelas leitoras, que o ajudaram a
resolver as situações mencionadas, foram a consciência
do dever, atitude heróica e ânimo forte. Quanto às
questões de relacionamento, uma leitora opinou que, no lugar do
personagem, tentaria tornar as coisas menos difíceis, procuraria
ser mais alegre e comunicativa, principalmente com a família. Outra,
opinou, no caso do menino doente, que o personagem Eugênio agiu
corretamente; e, quanto à questão do pai, a terceira leitora
encarou a atitude de Eugênio como falta de vontade de ser mais gentil.
Nenhuma das três leitoras encontraram dificuldades na leitura da
narrativa quanto à linguagem. A época da narrativa também
foi facilmente identificada como passado, mas uma delas ressalva que:
Tão compreensível que parece ser nos dias de hoje: acho
que porque ainda acontece isto hoje. As leitoras também mencionaram
fatos da atualidade que a história da narrativa as fizeram lembrar.
A leitora de cinqüenta e cinco anos, complementa sua idéia
anterior: (..) conheço pessoas que para subir na vida, humilham
e desprezam famílias, e até um grande amor. Estou vivendo
esta triste experiência na (Deus é +) família, sempre
achei que conhecia a todos, filhos, genros e noras, mas, estava enganada.
Às vezes a vida nos surpreende. A narrativa despertou na leitora
a reflexão sobre problemas pessoais. A leitora mais jovem concorda
com a anterior quanto aos fatos da atualidade que lembrem a história:
Sim. A fama, vícios, posição social, soberba, traição,
desprezo, dificuldades de convivência familiar. E, a mais velha
também segue a mesma linha de pensamento: Claro que sim hoje ainda
temos realidade parecida com essa, casos verdadeiros. O título
da obra, bem como a leitura de Olhai os lírios do campo, de acordo
com essas leitoras, remetem diretamente à leitura das escrituras
bíblicas, mais especificamente ao sermão da montanha, como
a comunidade anterior. Somente o personagem Olívia foi apontado
como conhecedor da Bíblia, de acordo com a mensagem de suas cartas
e pelo fato de mencionar esse livro, em sua estante. Uma das leitoras
apontou a mãe do personagem Eugênio como parecida com um
personagem bíblico, mas não apontou qual, nem fez algum
comentário. As outras duas não estabeleceram essa relação.
De acordo com a análise dos registros dessa comunidade, a experiência
que essas leitoras tiveram, com essa obra, foi significativa, considerando
que o perfil dessa comunidade, revelou que predominam, entre esses leitores,
as leituras de caráter religioso. As leitoras trouxeram a história
além dos limites da narrativa, para sua própria vida e para
a realidade atual. Declararam ter sido uma leitura fácil, o que
não acrescentou novidades ao seu horizonte com relação
à linguagem, mas auxiliou na sua compreensão da obra. Como
argumenta Jauss (1994), a narrativa fez com que fossem retomados fatos
passados da vida das leitoras e suscitou uma reflexão sobre eles,
como também lhes puderam ser acrescentadas experiências futuras,
de acordo com as vivências e experiências que o texto proporciona.
A Comunidade Adventista foi composta por dois jovens com vinte e um anos,
um do sexo masculino, outro, feminino; e, uma jovem com vinte e dois anos.
Dois desses leitores já conheciam Érico Veríssimo.
Sobre o que já ouviram falar do autor, a leitora de vinte e dois
anos citou dois títulos: Clarissa e Incidente em Antares, o leitor,
de vinte e um, explicou: Estudei sobre ele no 2º grau, em Literatura.
Mas não tinha nenhuma memória especial a respeito dele.
Nunca me interessei muito por ele. Nenhum dos três conheciam a obra
proposta para leitura, mas todos a consideraram interessante e justificaram:
Retrata aspectos interessantes do caráter humano. Além disso,
aproximadamente a partir da segunda metade da primeira parte a trama envolvente
e desperta a curiosidade. O pessimismo e a baixa estima de Eugênio
são deprimentes./ Aborda situações reais de pessoas
que vivem conflitos internos (psicológicos) como, principalmente,
pelo personagem Eugênio. / Porque Eugênio aprendeu bem a lição
que transformou a maneira de ele encarar a vida. Pena que teve de sofrer
tanto. E apesar de ser apenas uma Estória, traz muitas lições
para os leitores. Esses leitores consideraram a narrativa interessante
porque aborda temas relacionados a conflitos humanos. Ao apontar um trecho
da narrativa que mais tenham gostado, revelaram a maneira como a leitura
da literatura ficou vinculada à leitura religiosa. Os três
leitores indicaram trechos da narrativa nos quais é mencionado
o nome de Deus: “... Anamaria parece trazer escrito no rosto o nome
do pai. E uma marca de Deus, Genoca, compreende bem isto” / (...)
Deus podia existir, talvez Olívia tivesse razão. (...) –
Porque até Deus precisa de oportunidades. (...) “–
Vocês ateus nos querem tirar Deus para nos dar em lugar dele...
o quê?” / Gostei de vários trechos, mas um dos mais
belos foi: “ – Mas Jesus ainda anda pelo mundo. Será
preciso que a gente só acredite no testemunho dos cinco sentidos?
Jesus nunca deixou de estar no mundo. O pior cego é o que não
quer ver”. As justificativas dadas pelos leitores, para tais escolhas,
da mesma forma que os trechos escolhidos, estão diretamente relacionadas
à religiosidade: Eugênio começa a aperceber que há
meios diferentes de se encarar a vida e que alguns estados não
são definitivos e imutáveis. A vida de alguém pode
tomar novos rumos a cada dia / A resposta de Olívia foi perfeita.
Se as pessoas não dão oportunidade para Deus atuar em sua
vida, Ele não tem como revelar o Seu poder. Deus dá o livre
arbítrio a todos. Aqueles que o aceitam, recebem suas bênçãos
/ Chamou minha atenção porque isso é uma grande verdade,
pó pois mais que a ciência tente ela não consegue
explicar a existência, início e fim da vida, o “porquê”
disso; o amor, as coisas que só um Deus seria criar capaz de criar
e reger. As escolhas dos trechos e as justificativas mostram um direcionamento
coletivo da recepção, voltado para a religiosidade. Sobre
esse aspecto, Vincent Jouve concebe que “toda leitura interage com
a cultura e os esquemas dominantes de um meio e de uma época”
(JOUVE, 2002, p.22). Os três leitores demonstram a mesma postura
no fato de escolherem o personagem Olívia parecido com eles. As
justificativas para essa identificação também seguem
na mesma direção: Na certeza que ela tinha de que por mais
ruim que estejam as coisas, ainda há esperança. Deus existe.
Nós é que fazemos o lugar onde estamos, etc / Mesmo diante
das dificuldades ela sempre confiava em Deus / Busca aprender sempre nas
lições da vida, mesmo de situações decepcionantes.
Dois dos leitores identificaram a personagem D. Alzira, mãe de
Eugênio, como parecida com suas próprias mães pela
luta no enfrentamento dos problemas da vida. O outro leitor identificou,
em Eugênio, características próximas as de um ex-vizinho
seu, preocupado com o “status”. As duas leitoras apontaram
o personagem Olívia como preferido. A escolha foi atribuída
a sua paciência diante das dificuldades e, a confiança em
Deus, que foi responsável pela mudança nas atitudes de Eugênio
diante da vida, segundo elas. O leitor gostou mais do Dr. Seixas e apontou
os motivos de sua preferência: Pelo humor sarcástico; pela
fachada de durão e espírito bom, que sempre o fazia pensar
nos outros. Seu ceticismo também é venerável. Em
mais um ponto, as duas leitoras se aproximaram. O personagem do qual menos
gostaram foi Eunice, numa resposta e, Eunice e o pai, em outra. A justificativa
para a escolha aponta para a relação pessoal desses personagens
com outros, devido sua condição social. A riqueza tinha
o foco principal na sua vida, isso os tornava pessoas desumanas, de relacionamento
superficial. Gosto de relacionamento valoroso, por isso não simpatizo
com eles / Porque ela brincava e se divertia a custa de seres humanos.
Não sabia fazer outra coisa. Ela e sua gente. A questão
que incomodou as leitoras refere-se aos relacionamentos humanos mantidos
entre os personagens. Ressaltaram a idéia de que o dinheiro não
traz felicidade. A história da narrativa, segundo uma das leitoras,
é um compêndio de lições: Que é uma
estória fantástica, muito bem escrita, com uma linguagem
fácil e que ensina qualquer lição que o leitor pode
precisar para sua vida. Há inúmeras lições,
mas cada uma para um tipo de pessoa. Esse aspecto pragmático da
leitura, inclusive da literatura, possui caráter direcionador.
A outra leitora também entendeu a história em forma de direcionamento:
Trata-se de uma história que aborda o quanto as decisões
influenciam na felicidade de alguém e em seu futuro. Para o leitor,
a história da narrativa, da mesma forma que as leitoras, possuí
um caráter utilitário, para ele, É uma parábola
(se é que podemos chamar assim, devido a sua extensão) de
como a mesma pessoa pode se portar diante da vida e como os interesses
podem salvar ou destruir a vida de alguém. A compreensão
que os leitores da CA tiveram da obra está relacionada diretamente
com as atitudes da vida real. Eles buscam na narrativa, como buscam na
Bíblia, instruções e aconselhamentos para a vida.
A literatura é lida seguindo os preceitos da leitura religiosa.
O leitor, diferentemente das leitoras, conseguiu perceber algo além
da instrução no texto. Para ele, os personagens que merecem
menos prestígio são Acélio Castanho e Alcebíades
porque demonstraram uma falsa humildade e exibicionismo, mas observou:
se bem que a realidade pode estar distorcida pela mente doentemente humilde
de Eugênio. A percepção desse leitor, neste ponto,
ultrapassou a leitura superficial da narrativa, porque conseguiu entender
que existe uma construção discursiva que faz com que a história
seja vista sob a ótica de um dos personagens. A leitora, de vinte
e dois anos, e o leitor, de vinte e um, foram despertados, pela narrativa,
para fatos vividos. Ambos ressaltaram situações nas quais
se sentiram inferiores a outras pessoas como o personagem Eugênio.
À outra leitora, de vinte e um anos, o mesmo não aconteceu.
Embora não tenha sido despertada para fatos de sua vida, considera
a história vivida pelos personagens, uma fonte de ajuda e compreensão
das situações e acontecimentos da vida real. Ela argumenta
que qualquer pessoa está sujeita a enfrentar situações
como as narradas na obra, e acrescenta: (...) E quando eu passar por uma
dessas, pelo menos uma lembrança e exemplo eu já li, e terei
mais escolhas a fazer. A outra leitora alegou que: (...) Existem pessoas
que convivemos que passam por situações semelhantes. O leitor,
da mesma forma que as leitoras, entendeu a história como uma antecipação
de experiências, pois acredita que a narrativa: Simula situações
e reagimos pensando como nos portaríamos se estivéssemos
nelas. Algumas situações foram consideradas muito interessantes
pelos leitores. Duas estão relacionadas ao romance de Eugênio
e Olívia, outra, voltada para o relacionamento de Eugênio
com seu pai. O leitor relembrou os momentos de amor vividos pelo par romântico,
uma leitora apontou para o momento em que Olívia deixou Eugênio
partir para casar-se com Eunice. A leitora que mencionou o relacionamento
familiar, citou a cena do encontro do personagem Eugênio com seu
pai, na rua, diante dos amigos da faculdade. Nesse episódio, a
leitora destacou os sentimentos de rejeição e humilhação
por parte do filho. De acordo com ela, o personagem (...) Devia ter-se
orgulhado do pai e, esse personagem, somente conseguiu vencer essa situação
difícil, ao assumir sua verdadeira condição social.
Mediante as situações apresentadas, que se referem à
Olívia, os leitores afirmaram que esse personagem conseguiu vencer
suas dificuldades devido a sua paciência, paz de espírito
e interior e, a confiança em Deus. Os leitores, ao se posicionarem,
no lugar dos personagens, opinaram quanto à situação
apresentada. O leitor que relembrou os momentos de amor do casal, afirmou
que talvez tivesse se declarado, mas acrescenta que cada um age de uma
forma ou surpreende-se não agindo como pensou. Uma leitora concordou
com a atitude de Olívia em deixar Eugênio partir e justificou
sua afirmativa citando um trecho da narrativa, no qual Olívia diz
ter sido necessária aquela separação, para que Eugênio
percebesse, que sua verdadeira felicidade não estava onde ele pensava
encontrá-la. A leitora, que mencionou o relacionamento de Eugênio
e seu pai, concordou com a atitude do personagem em assumir sua verdadeira
condição, mas afirma que nunca desprezaria seu pai. A linguagem
não representou nenhum obstáculo aos leitores, todos declararam
que a leitura foi fácil quanto a esse aspecto. São leitores
tão jovens quanto os da Comunidade Assembléia de Deus, mas
possuem um nível de escolaridade mais avançado e uma história
de leituras realizadas, de acordo com o seu perfil sócio-econômico.
Com relação à atualização da obra,
aspectos diferentes foram apontados, questões sociais, existenciais
e, de natureza religiosa: (...) a discriminação racial é
atual; o aborto é algo de prática relativamente comum; a
mesquinharia, egoísmo e sentimento de inferioridade figura nas
emoções humanas. Enfim, há muitas coisas atuais.
Na verdade, universais / (...) a miséria de hoje, pessoas que pisam
nas outras para subirem. Pessoas que sofrem para aprender a valorizar
a vida, os pequenos momentos / (...) Muitas pessoas têm conflitos
interiores por terem dúvidas quanto à existência de
Deus e sobre o seu futuro. De acordo com esses registros, a narrativa,
para esses leitores, continua atual nos aspectos levantados acima. Os
leitores jovens não se voltaram para aspectos relacionados, por
exemplo à idéia do casamento, mas, o que lhes chamou a atenção
foram os relacionamentos humanos num âmbito geral. A questão
da religiosidade surge, para um dos leitores, inclusive, como fator de
equilíbrio emocional para as pessoas. Os três leitores aproximaram
a narrativa do texto bíblico. O leitor e a leitora, de vinte e
dois anos, identificaram, no título, uma proximidade com a Bíblia.
A outra leitora não fez a mesma relação. No entanto,
durante a leitura, os três afirmaram ter se recordado de textos
bíblicos: o sermão da montanha, a ressurreição
de Lázaro e a Bíblia em si. Quanto à relação
dos personagens com os ensinamentos bíblicos, Olívia foi
apontada como conhecedora do assunto: Olívia teve uma visão
e um conhecimento mais profundos da Bíblia (...) / , Não
todos, mas Olívia sim (...). Ao relacionarem algum personagem da
narrativa com os da Bíblia, Olívia foi aproximada com Jesus,
de acordo com a leitora mais jovem, (...) por sua maneira de ensinar os
outros e ajudar. A outra leitora mencionou Jonas e Zaqueu da Bíblia,
mas não apontou com qual, ou quais personagens, de Olhai os lírios
do campo, eles se pareciam. O leitor, embora encontrasse semelhanças
entre a obra e o texto bíblico, não estabeleceu nenhuma
aproximação entre seus personagens, mas não descartou
a hipótese: Não me ocorreu nenhum paralelo, apesar de crer
ser muito provável traçar algum. Em face da análise
dos registros fornecidos pela Comunidade Adventista, percebeu-se uma forte
presença da leitura religiosa, na recepção da literatura.
O texto literário, embora levasse os leitores a uma reflexão,
teve seu eixo temático direcionado para exemplos e conselhos para
a vida. Os leitores jovens realizaram uma leitura pragmática da
obra aliando os preceitos religiosos a possíveis conselhos para
sua vida prática. Conseguiram identificar o caráter de antecipação
que a literatura possui, mas os temas possíveis de reflexão,
que a obra apresenta, ficaram restritos, para esses leitores, aos relacionados
à religiosidade. Os parâmetros que esses leitores usaram,
para comparação com a obra literária, foram as leituras
religiosas que realizaram, o que justifica o direcionamento dado à
compreensão da obra.
Espelhos. De uma forma geral, a obra Olhai os lírios do campo foi
recepcionada como um espelho. Nas três comunidades, a significação
foi processada levando em conta, principalmente, a relação
de identificação dos leitores com os personagens e situações
apresentadas na narrativa. Na Comunidade Assembléia de Deus, embora
um dos leitores tenha sido despertado, pela obra, para alguns acontecimentos
de sua própria vida, eles não acreditam que a história
possa ajudá-los a compreender situações reais. De
acordo com os registros, a leitura realizada por essa comunidade ficou,
essencialmente, no nível de identificação com alguns
personagens e situações. Foram as “portas” que
eles utilizaram para interagir com a obra. Esses leitores levantaram,
a partir da narrativa, questões direcionadas para a temática
do jogo de interesses sociais e para os relacionamentos familiares. A
linguagem foi apresentada, por dois desses leitores, como um fator que
representou um empecilho para a compreensão da leitura. Segundo
Hauser (1977), a distância histórica e a ausência de
mediadores de leitura podem representar fatores importantes para a compreensão
de uma obra. Na Comunidade Católica, composta de leitores de uma
faixa etária maior que os componentes das outras comunidades e
somente do sexo feminino, houve uma identificação apaixonada
com personagens e situações. Elas entenderam a história,
sobretudo, como uma reflexão sobre a relação entre
o dinheiro e a felicidade. A grande identificação com o
personagem Olívia mostrou que essas leitoras não o julgaram
segundo os preceitos religiosos cristãos, pois, de acordo com eles,
o personagem agiu errado ao entregar-se a uma relação íntima,
antes do casamento. Ao contrário, esse personagem foi eleito o
preferido entre essas leitoras. Elas atualizaram a história da
narrativa por meio dos estímulos oferecidos às reflexões
sobre problemas pessoais, familiares, como também de caráter
social. Uma delas, inclusive, pôde, ainda que discretamente, participar
da fruição estética da obra, mas isso se deve ao
fato de essa leitora já ser uma apreciadora da literatura. Nesse
caso específico, à literatura foi atribuído um poder
de transformação radical, uma vez que, essa mesma leitora
apontou as leituras de literatura como um meio para sua ascensão
cultural. Embora a leitura dessa comunidade apresente marcas de religiosidade,
o que a caracterizou foi a entrega ao jogo proposto pela narrativa e a
relação deste com sua própria vida. Mostraram intensidade
emocional na recepção da obra e prazer em dialogar sobre
ela no questionário. A recepção da obra literária,
pela Comunidade Adventista, revelou um caráter diplomático
no contato com a literatura. Diferentemente da comunidade anterior, a
leitura da obra revelou claramente a marca da religiosidade, na compreensão
de Olhai os lírios do campo. Para esses leitores jovens, interessam
as lições que, segundo eles, a obra apresenta. Lições
sobre conflitos humanos internos e em sociedade, os primeiros provenientes
da ausência de religiosidade, de acordo com a análise dos
registros. Os fatos narrados foram compreendidos como antecipação
de experiências. De acordo com a leitura realizada, mostraram-se
leitores mais maduros ao perceberem que a narrativa apresenta uma construção
discursiva na voz do personagem Eugênio. O nível de escolaridade
desses leitores e um maior contato com as diversas leituras, de caráter
religioso e de literaturas obrigatórias da escola, deram a eles
uma desenvoltura maior em dialogar sobre a obra. No entanto, a maior parte
de sua leitura foi direcionada segundo os preceitos religiosos. A leitura
dessas comunidades, quanto ao nível de fruição estética
da obra literária, não foi influenciada pela experiência
adquirida nas leituras religiosas,, mas pelo nível de escolaridade
que apresentam. Quanto às questões temáticas, a visão
religiosa direcionou algumas interpretações, mas foram,
sobretudo, as experiências pessoais que apontaram para os aspectos
que foram considerados mais importantes para os leitores.
Referências:
HAUSER, A. A sociología del publico. In: Sociología
del arte. Barcelona: Editora Labor, p549-599, 1977.
JACOB ,R.C. Atlas da filiação religiosa e indicadores sociais
no Brasil. São Paulo: Loyola, 2003.
JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação
à teoria literária. São Paulo: Ática, 1994.
JOUVE, Vincent. A leitura. Trad. Brigitte Hervot. São Paulo: UNESP,
2002.