COLUNAS
LITERÁRIAS: VARIEDADES, MISCELLANEAS, LITTERATURA, FOLHETINS
Germana
Maria Araújo Sales – Universidade Federal do Pará (UFPA).
A
expansão da imprensa periódica durante o século XIX constituiu-se em
um dos elementos fundamentais para a vida intelectual da época no que
se refere a transmissão de informações, atualização de novos conceitos
e, até mesmo, como fonte de instrução.
O
jornal passou a ser veiculado, também, como meio de entretenimento,
e o elemento que estimulou esta prática foi a publicação diária de folhetins,
introduzidos no Brasil, com o primeiro romance-folhetim traduzido –
O Capitão Paulo, publicado
no Jornal do Comércio. A partir de então, essas leituras diárias caíram
no gosto do público. Nesse sentido, os periódicos apareceram como um
dos meios de formação do público leitor, através de textos informativos,
noticiosos e literários.
Rigorosamente,
durante os anos oitocentos, os romances-folhetins ocupavam um lugar
estabelecido nos jornais — o pé da página — espaço destinado a publicações
diversas que abordassem temas literários e de entretenimento. Ali, publicavam-se
desde crônicas, críticas, peças de teatro e livros recentemente lançados,
até piadas, charadas e receitas de cozinha, o que sugeria, para a crítica
que essa mistura de escritos que se apresentavam nos rodapés dos jornais
não estavam classificados entre os gêneros nobres. Mesmo assim o romance-folhetim
foi uma febre nacional que impulsionou muitos dos nossos grandes autores
a utilizarem esse espaço como forma de publicação das suas obras e projeção
de seus nomes entre o público e a crítica. Sendo o jornal o veículo
de comunicação mais acessível na sociedade dos anos oitocentos, talvez
este fosse o caminho mais rápido e fácil para o escritor alcançar notoriedade.
Os
progressos e as variações dos periódicos não podem ser observados de
forma independente da história social e econômica que os enquadra. Sua
condição de instrumento cultural está condicionada em cada caso às situações
particulares do momento e do espaço em que ocorreram. Deste modo, o
jornal surgiu e adquiriu importância, não apenas pelas circunstâncias
políticas, mas pela notabilidade como instrumento de veiculação da literatura,
alcançando um público mais amplo, que não ficaria restrito apenas à
leitura de livros para o conhecimento de uma produção literária. Graças
ao seu baixo custo, o jornal possibilitou uma maior interação entre
o leitor e o texto impresso, convertendo-se num meio de divulgação literária,
alcançando dimensão e proporção significativas para o estreitamento
das relações entre leitor e leitura.
Em
relação a prática de leitura de romances-folhetins no Brasil,
examinou-se que a ocorrência desse gênero não foi particular
à cidade do Rio de Janeiro, mas que foi contemplado em outras regiões
do país, como a província do Grão-Pará. O desenvolvimento jornalístico
no Pará foi crescente e dinâmico e entre os periódicos da época circulavam
temas noticiosos e políticos. Ao lado dessas matérias, entretanto, eram
introduzidos, ainda que discretamente, assuntos literários.
Numa
região marcada pela distância em relação aos centros culturais mais
desenvolvidos, observa-se que a publicação do romance-folhetim na província
do Grão-Pará se desenvolveu literariamente com os recursos mais
acessíveis à região, como a publicação de traduções ou textos extraídos
de jornais publicados no Rio de Janeiro. Concretamente, esta reprodução
dos textos ficcionais era mais acessível, pois as pesquisas indicam
que havia um número reduzido de autores locais dedicados à escrita de
prosa de ficção. A moda do romance-folhetim se estabeleceu em alguns
jornais locais, como a Gazeta
Oficial, o Jornal do Pará,
o Diário de Belém, o Liberal do Pará e A Folha do
Norte, dentre outros. Nesse espaço do folhetim, encontram-se rubricas
que registram a diversidade de gêneros ou ainda a dificuldade de nomear
um gênero novo. Variedades, Miscellanea,Litteratura
ou Folhetim, assim eram denominadas as seções, geralmente divididas
em quatro colunas no pé-de-página inicial em que circulavam as publicações
literárias nos jornais.
A
partir da segunda metade do século XIX, cresceu o número de periódicos
na cidade de Belém que investiram nas publicações literárias. Num total
de cinqüenta e quatro jornais publicados entre 1822 e 1900, vinte e
nove reservavam um espaço para publicações literárias de diferentes
gêneros.
Nesses
periódicos circularam, diariamente, textos literários de vários gêneros:
“romance-folhetim”, “romance”, “romance de cavalaria”, “novela”, “conto”,
“crônica”, “crônica religiosa”, “crônica política”, “crônica humorística”,
“crônica de viagem”, “poesia”, “farsa”, “lenda” e “texto reflexivo”. Os assuntos também eram diversificados: amor, peripécias,
desilusões amorosas, dramas familiares. As
colunas de Variedades, Miscellanea,
Litteratura ou Folhetim apresentavam uma diversidade das práticas
de escrita que romperam com os gêneros cristalizados da poética clássica.
Diante
de tal variedade pode-se afirmar que tais textos estariam direcionados
a uma leitura classificada como “extensiva”, de acordo com a terminologia
utilizada por Roger Chartier, pois se tratava de uma situação em que
o leitor deparava-se com um grande número de impressos, consumidos com
avidez e velocidade.
Essas
publicações podem ser divididas nas seguintes categorias: textos anônimos
e com pseudônimos, traduções, publicações de autores nacionais. Somente
na década de 1860 — nos jornais Gazeta Official, Jornal do Pará, Diário de
Belém e Liberal do Pará
— foram publicados 139 textos nos rodapés das colunas diárias, divididos
nas categorias elencadas no gráfico abaixo:
Legenda:
1 – Livros de instrução
2 – Livros jurídicos
3 – Livros religiosos
4 – Livros literários
5 – Livros em língua francesa
(de instrução e alguns de cunho literário)
A
publicação de romance-folhetim que foi bem explorada na Gazeta
Official, no Jornal do Pará, no Diário de Belém e Liberal do
Pará, repete-se também, na década de 1880, 1890 e 1900, n’A Folha do Norte — periódico que tinha como objetivo divulgar
notícias políticas e acontecimentos significativos à sociedade — chamou
atenção pelo espaço dedicado aos assuntos literários. Publicado a partir
de 1886, com grande circulação, destacou-se neste jornal as colunas
dos rodapés em que apareciam os romances-folhetins
e outros gêneros literários. Somente durante o primeiro ano do jornal,
foram publicados vinte e oito folhetins, com temas diversificados, incluindo,
alguns contos para crianças. Além da publicação permanente de folhetins,
que circulavam diariamente, apareciam também notícias avulsas referentes
à Literatura, como anúncios de lançamentos ou de vendas de livros; colunas
críticas, assinadas pelos intelectuais da época; avisos de vendas em
livrarias; publicação de poesias e textos sobre literatura portuguesa
e autores desta mesma literatura e, até, conselhos de recomendações
à leitura.
O
interesse do jornal A Folha do Norte pela literatura estende-se para a divulgação de folhetins
e, logo na sua primeira edição, publica o folhetim Cara, do escritor francês Hector Malot
(1830 - 1907), entre janeiro e março de 1886. Entre os folhetins publicados
neste jornal, encontra-se uma expressiva produção de autores brasileiros
oitocentistas já consagrados pela História Literária Nacional. Destes,
encontramos as publicações de Machado de Assis, Visconde de Taunay,
Manuel Antônio de Almeida, Medeiros e Albuquerque, José Veríssimo, Garcia
Redondo e Bernardo Guimarães. Ao lado dos escritores consagrados da
nossa literatura aparecem, em maior número, outros, pouco conhecidos
na época, e, também uma quantidade significativa de traduções de folhetins
de autoria estrangeira. Entre as publicações, chama atenção, no entanto,
a grande quantidade de folhetins anônimos ou com o uso de pseudônimos,
chegando a contabilizar 52% do total das publicações literárias desse
jornal.
Os
romances-folhetins publicados n´A
Folha do Norte aproximam-se das matrizes do modelo francês, pois
mantinham a estrutura convencional com divisão em capítulos, à qual
se liga a criação e manutenção do suspense. A estrutura da continuação
em capítulos, importada da França, proporcionava a curiosidade para
a leitura diária do jornal. Esta leitura, de certo modo, teve uma via
de mão dupla, pois à medida que favoreceu a divulgação da literatura
e, conseqüentemente, para a formação de um público leitor; contribuía
também para a difusão necessária dos jornais que necessitavam de leitores
para propagação dos anúncios, como observa Marisa Lajolo, “a aritmética
é simples: mais leitores = mais anunciantes; mais anunciantes = mais
dinheiro”. Neste sentido, A
Folha do Norte manteve até o final do século a publicação diária
da coluna folhetim, ainda que nem todos os textos obedecessem especificamente
ao molde francês da divisão em capítulos. O fato é
que esta divulgação literária fortalecia um público leitor que estava
se intensificando.
Diante
do grande número de textos literários publicados nas colunas de rodapé
dos jornais paraenses, no final do século XIX, pode-se concluir que
a ocorrência desses textos literários, direcionados, ou não, para o
entretenimento; consistiam num grande atrativo nos jornais da época.
Percebe-se, além disso, que a re-edição em folhetins, de obras já editadas
em livros, seria uma maneira de aproximar o público de uma literatura
que poderia não circular amplamente no Pará.
A
produção de textos em folhetins publicados em jornais da cidade de Belém
refere-se a uma época de grande efervescência cultural, período em que
as parcerias entre uma elite intelectual e facções políticas, facilitaram
a produção periódica e a divulgação literária. A linha temática do romance-folhetim
esteve presente entre grande parte dos jornais de todo o país e percorreu
toda a segunda metade do século XIX, na província do Grão-Pará, alcançando
uma produção semelhante às publicações em folhetins de outras regiões,
como Rio de Janeiro e Mato Grosso.
Retomar
as investigações sobre o romance-folhetim no Brasil é tentar reconhecer
o percurso percorrido por esse gênero após sua implantação em terras
nacionais. Ademais, as investigações sobre esta produção literária podem
nos levar novamente a refletir sobre um fenômeno que alcançou um público
significativo, emoldurado pelo discurso do melodrama comum na maioria
dos textos. Reconhecer a divulgação do romance-folhetim no Grão-Pará
contribui para as pesquisas sobre os caminhos da ficção e sobre a História
da leitura no Brasil.
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