Cícera Alessandra de Souza dos Santos;
PIBIC/CNPQ; (UNESP).
Para a teoria histórico-cultural, que embasa essa
pesquisa conciliando-a prática pedagógica, a criança
nasce com a potencialidade para aprender potencialidades, com a aptidão
para aprender aptidões e com a capacidade ilimitada de aprender.
Em outras palavras, o ser humano não nasce humano, mas aprende
a ser humano com as outras pessoas (com as gerações adultas
e com as crianças mais velhas) com as situações que
vive, no momento histórico em que vive e com a cultura a que tem
acesso, assim,o ser humano é um ser histórico-cultural.
Nesse sentido, o educador é o mediador da relação
da criança com o mundo que ela passa a conhecer, pois os objetos
da cultura só fazem sentido quando aprendemos seu uso social e
o uso social das coisas só pode nos ensinar quem já sabe
usá-las.
Essa concepção traz para a reflexão pedagógica,
a compreensão de que a aprendizagem não resulta de um processo
de criação, mas de um processo de reprodução/
de imitação do uso que a sociedade faz dos objetos, das
técnicas e mesmo das relações sociais, dos costumes,
dos hábitos, da língua.
Neste contexto, na relação do sujeito com linguagem, devemos
admitir que ambos se constituem à medida que interagem. Uma constituição
que se dá pela internalização dos signos que circulam
nessas interações (VIGOTSKI, 2000).
Explicitar esta noção é fundamental, pois é
na sua dependência que se estabelece uma concepção
de língua e de ensino. Nesse sentido, a língua não
é algo pronto, acabado, onde os sujeitos dela primeiro se apropriam
para depois usá-la. É durante os processos interativos que
os sujeitos vão construindo e reconstruindo a própria língua.
Portanto, quando pensamos no ensino da língua devemos considerar
que o sujeito vai construir e reconstruir seu conhecimento e a si mesmo,
nas especificidades das interlocuções que se darão
na produção de textos, tanto orais quanto escritos.
De acordo com Geraldi (1997), partindo do pressuposto de que tanto a fala
quanto a escrita demandam uma interação e que, portanto,
seria através das interações que os sujeitos poderiam
construir e reconstruir seus conhecimentos sobre a língua, podemos
ver que o ensino não poderia ser a transmissão de produtos
acabados como, por exemplo, a aquisição pura e simples do
alfabeto, denominação e ordenação de letras,
entre outros, pois isso se caracterizaria como trabalhar a parte apenas
estável da língua.
É a partir desta idéia que as atividades epilinguísticas
são consideradas, neste trabalho, parte fundamental do processo
de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita, com vistas à
formação do aluno como leitor e produtor de textos e, por
extensão, são consideradas como elemento importante na superação
das dificuldades que o aluno enfrenta nessa área.
A compreensão do texto que se lê ou se escreve é resultado
do processo de pensamento, que nos permite refletir sobre as idéias
contidas nele, voltar a trabalhá-las e revisá-las, sendo
cada rascunho, no momento da escrita, um salto para mais investigações
e refinamento do texto.
A criança, antes de entrar para a escola, já tem internalizada
a gramática da língua obtida com a experiência da
oralidade. Porém, apesar de utilizar adequadamente esses conhecimentos
lingüísticos presentes na oralidade, não consegue operar
voluntariamente com eles no processo de escrita.
As atividades epilinguísticas, tanto no plano oral como no escrito,
proporcionam ao aluno a oportunidade para refletir sobre os recursos expressivos
de que faz uso ao falar ou escrever. Isto leva o aluno a ampliar gradativamente
o seu domínio da linguagem.
A reflexão eplinguística permite ao aluno apropriar-se dos
conhecimentos necessários à realização da
prática de produção de textos, para que isso seja
possível, deve-se levar em conta um processo de escrita referenciada
com diferentes tipos de textos, cada qual com sua forma específica
de organização e funcionamento, que conduza à conscientização
do aluno a respeito das exigências que caracterizam cada tipo de
produção (MILLER,1998).
Mas o que temos encontrado no ensino da língua, especificamente
nas séries iniciais do ensino fundamental é a desarticulação
entre esse tipo de atividade. Com isso, o aluno passa a realizar exercícios
que dão prioridade para os aspectos descritivos da gramática
da língua. Assim, ele não incorpora à produção
textual os conhecimentos metalinguísticos adquiridos pelo estudo
da gramática, não havendo também a compreensão
dos conteúdos e procedimentos envolvidos ema ambas as atividades.
Na escola, o estudo de aspectos gramaticais da língua faz-se “a
partir do texto”, isto é, retirando –se do texto palavras
ou expressões selecionadas e classificadas quanto ao número
de sílabas, acentuação, etc. , ou seja, “o
estudo gramatical é focalizado com valor em si mesmo, ao invés
de estar colocado a serviço da melhoria das condições
de produção do texto escrito em suas várias modalidades”(MILLER,
1998, P.16).
Ler apenas para aprender a ler e escrever apenas para aprender a escrever,
tornam-se tarefas que podem fazer sentido para o adulto que ensina, mas
não para a criança que está sendo introduzida no
mundo da escrita.
Para que não aconteça a falta de integração
entre estas atividades, no plano da escrita, é necessário
que se trabalhe com a atividade de reflexão e operação
sobre a linguagem, realizada durante o processo de escrita de textos e
voltada para a compreensão do uso que se faz dos conceitos lingüísticos
presentes nas situações de comunicação.
Jolibert (1994 b ) e seus colaboradores propõem um trabalho relevante
que gira em torno da confrontação do texto produzido pelo
aluno com a produção de seus pares, ou um escrito social
relacionado com aquele tipo de texto que está trabalhando (receita,
texto informativo, jornalístico, etc.).
Essa confrontação exige que o professor trabalhe com o epilinguístico,
ou seja, permitindo que o aluno possa apoiar-se nos textos de uso social
para compreender as especificidades de seu funcionamento. Esses textos
não servem meramente como modelo ao aluno, para pedir-lhe que faça
igual; o resgate do texto do outro permite que o aluno faça seu
próprio texto observando-o e discutindo-o, par tornar-se consciente
de sua própria escrita.
Essas confrontações e discussões levarão a
vários momentos de escrita e reescritas individuais do texto, onde
o aluno, através da reflexão, análise e operação
sobre seu próprio texto, primeiramente utiliza seus conhecimentos
prévios e, após as confrontações, discussões
e interação com seu professor e os demais alunos, reflete
acerca da adequação lingüística de seu texto,
fazendo neles as alterações necessárias até
chegar à escrita final.
Um exemplo de atividade epilingüística foi o “Projeto
Identidade” que foi desenvolvido no ano de 2003 e 2004 em um a Escola
Estadual de Ensino Fundamental da cidade de Marília, com três
turmas de recuperação de estudos (salas de reforço),
em um salão paroquial , uma vez que a escola não apresenta
espaço físico suficiente para alojar as turmas.
Cada turma do reforço era constituída por 15 alunos em média,
cada qual com sua respectiva professora, trabalhando-se duas vezes por
semana, em período contrário às aulas regulares.
O “Projeto Identidade” foi criado porque,durante conversas
com os alunos, foi constatado que várias crianças desconheciam
suas próprias datas de nascimento, bem como apresentavam baixa
auto-estima.
Tendo em vista esse panorama implementamos o projeto que tinha como objetivo:
recuperar a auto-estima do aluno, por meio do auto-conhecimento e valorização
de si próprio como cidadão, fazer o aluno se reconhecer
como sujeito histórico, desenvolvendo a capacidade de buscar e
interpretar informações, propiciar ao aluno a condução
do seu próprio percurso de aprendizagem e possibilitar o desenvolvimento
de atividades favoráveis a uma vida cooperativa.
Esse projeto gerou um sub-projeto denominado Projeto “As diferenças
entre as famílias dos animais e dos seres humanos” no qual
as atividades de escrita, exerciam uma função e eram favoráveis
às aprendizagens, bem como a produção escrita tornou-se
uma atividade real.
A presente pesquisa procurou, na medida do possível: (1)mostrar
à criança a convenção da palavra, refletindo
com ela sobre o que escreveu; (2) determinar com os alunos, no momento
da produção do texto narrativo, quais os principais níveis
lingüísticos que ele deve colocar no texto que se vai escrever;,como
são os blocos (silhueta de texto), se existe parágrafo e
como ele é esquematizado; e (3) possibilitar ao aluno refletir
sobre textos de autoria sua e alheios que implica em um componente importante
que o auxilia a tornar-se, paulatinamente, responsável pela tomada
de decisões inerente à tarefa de escrever os próprios
textos, consolidando, assim, a sua autonomia de saber-fazer.
A análise feita sobre os resultados da pesquisa afirmam o caráter
fundamental das atividades epilingüísticas para a formação
de produtores de texto e para a superação das dificuldades
de leitura e escrita, bem como demonstram a importância do professor
como elemento indispensável na condução do processo
de ensino que objetiva orientar o aluno na execução das
atividades epilingüísticas de reflexão e operação
sobre a linguagem.
Esses dois aspectos podem ser afirmados através de alguns pontos
importantes deste trabalho de pesquisa:
1)há sentido e significado nas atividades propostas ao grupo de
alunos,
2)há funcionalidade de um novo saber pedagógico,
3)constata-se o caráter afetivo emocional dos projetos, pois os
alunos envolvidos tem prazer e satisfação na realização
dos projetos,
4)há maior interesse em participar das atividades propostas,
5)os educandos tornam-se conscientes frente ao processo de ensino-aprendizagem,
6) o processo de desenvolvimento do aluno está centrado na transmissão
social dos saberes cujo, o principal instrumento é a comunicação
estabelecida no contexto do ensinar e aprender que se dão em uma
relação dinâmica e interdependente entre alunos e
professor,
7) o processo em que ocorre essas ações permite que o aluno
assimile os novos conteúdos e vá progressivamente incorporando-os
em seus conhecimentos já adquiridos,
8) o novo conhecimento adquirido pelo aluno gradativamente passa a fazer
parte do seu repertório: ele inclui os elementos constituídos
do texto narrativo, organiza a estrutura textual, etc,
9) a mediação realizada, incide nas possibilidades que estão
colocadas na área de desenvolvimento potencial do aluno, levando
adiante o seu processo de desenvolvimento. Nesse caso, o professor tanto
quanto o aluno, reflete sobre o seu trabalho e o avalia durante o processo
de ensino-aprendizagem desenvolvido na sala de aula, e
10) ambos, professor e aluno, têm a oportunidade de vivenciar um
processo que permite reformular conceitos, contrapor novos conceitos àqueles
adquiridos anteriormente, rever informações e estratégias
de ação, incorporar novos saberes ao seu sistema prévio
de conhecimento, enfim aprender.
Em suma, com base nos dados obtidos e analisados, até o momento,
temos constatado que as atividades de reflexão e operação
sobre textos escritos são propícias para a superação
das dificuldades dos alunos.
Referências Bibliográficas:
GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. 2.
ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997
JOLIBERT, Josette. Formando Crianças leitoras. Coord. Josette Jolibert;
trad. Bruno C. Magne. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994 a.
________________.Formando Crianças produtoras de textos. Coord.
Josette Jolibert; trad. Bruno C. Magne. Porto Alegre: Artes Médicas,
1994 b.
MILLER, S. O epilinguístico: uma ponte entre o lingüístico
e o metalinguístico. 1998. 185f. Tese (Doutorado em Educação)
Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista,
Marília.
VIGOTSKY, L.S. A construção do pensamento e linguagem; tradução
Paulo Bezerra.. São Paulo: Martins Fontes, 2000.