Graciela Melo Rocha Segura (G-UFMS)
O trabalho pretende aproximar textos de Carlos Drummond
com os de escritor Paulo Coelho acerca das contradições
humanas, com o objetivo de refletir sobre a condição do
homem. Usa, fundamentalmente, o poema “A mão visionária”
e trechos de obras de Coelho. Aproveita a observação de
Rubens Alves a respeito da receita para se comer queijo. Conclui que toda
ação educativa deveria ser uma provocação
de desejo.
Inicialmente minha idéia era aproximar textos de
Carlos Drummond de Andrade, alta literatura, com os do escritor Paulo
Coelho, literatura de massa, com o objetivo de refletir sobre a condição
humana e a ação educativa. Mas achei que ficaria um tanto
complicado e extenso, logo, optei por demonstrar, através do poema
A mão visionária, de Drummond, que é necessário
e possível oferecer condições aos alunos elementos
e oportunidades para usufruir e gozar de bons textos literários
de maneira a perceber que as manifestações do artista são
projeções e recriações de manifestações
do ser humano modalizadas pela linguagem.
Com isso, procura-se passar aos alunos a idéia
de que a leitura, mesmo a leitura de poemas ou de textos de ficção,
pode ser voltada para assuntos de interesse direto dos alunos. Assim,
ao fazermos a escolha do texto devemos levar em considerações
vários fatores e aspectos do público alvo, como: idade,
contexto sócio econômico cultural, o imaginário, assuntos
determinados pelas grades curriculares, enfim, na tentativa de conciliar
boa parte desses dados, para que haja uma maior aproximação
entre o texto e o leitor.
Rubens Alves relata em seu livro Ao professor com meu carinho, que Adélia
Prado o ensina pedagogia com quando diz: “Não quero faca
nem queijo, quero é fome”. Logo, ele diz: “O comer
não começa com o queijo. O comer começa na fome de
comer queijo. Se não tenho fome, é inútil ter o queijo.
Mas, se tenho fome de queijo e não tenho queijo, eu dou um jeito
de arranjar um queijo...”. Penso que desta maneira, provocando o
desejo no aluno, ele por si só buscará trilhar seu caminho
literário. Rubens Alves ainda completa dizendo:
Toda experiência de aprendizagem se inicia com uma
experiência afetiva. É a fome que põe em funcionamento
o aparelho pensador. Fome é afeto. O pensamento nasce do afeto,
nasce da fome. Não confundir afeto com beijinhos e carinhos. Afeto,
do latim affecare, quer dizer “ir atrás”.
Com esses princípios, podemos apontar relações
com o texto de Antonio Candido, A Literatura e a Formação
do Homem, que nos remete a dois enfoques diferentes do estudo literário.
O enfoque estrutural e o funcional. Resumidamente, o primeiro é
considerado mais estático, pois se concentra na obra em si mesma
e busca relações com um modelo virtual abstrato pré-estabelecido.
Já o funcional, que vai ao encontro da receita para se comer o
queijo de Rubens Alves, provoca inclinações para o lado
do valor, da pessoa (tanto do escritor quanto do leitor).
Se partimos do enfoque estrutural, ao analisarmos o poema
A mão visionária, levaríamos aos nossos alunos que
o poema possui 40 versos, e, que os mesmos são construídos
em 5 silabas poéticas (xô mosquitinho, 23 vezes repetidos)
e com 7 silabas poéticas, (os demais versos, os versos que ocorrem
apenas uma vez). E que essa métrica é conhecida por redondilhos
menor e redondilhos maior, respectivamente. São ritmos bem populares,
ou se quiser, sem nenhuma complicação rítmica ou
melódica, algo bem... juvenil, adequado pois à personagem
– ou eu lírico, e ao leitor escolhido por nós.
Mas, se ficarmos somente no plano estrutural, não conseguiremos
lançar o desejo de comer o queijo e o mais importante para a compreensão
do poema, enquanto obra literária, enquanto representação,
é notar e aprender que o ritmo é um recurso, é a
comprovação de uma excepcional capacidade do poeta em manipular
a linguagem, em todas as virtualidades, para efeito de expressão
e representação e que o poema trata que algo que faz parte
da existência humana. Neste sentido, portanto, tirar proveito da
função humanizadora da literatura é desenvolver a
capacidade que a própria literatura tem de confirmar a humanidade
do homem e o complexo processo de identificação.
A mão visionária é um poema que trata dos problemas
e peripécias de um adolescente. É certo que de um adolescente
do início do século passado. Mas os problemas tratados são
próprios desta fase da vida humana, em qualquer época. De
modo geral, os problemas existenciais são terrivelmente vividos
nesta fase da vida (orientação sexual, religiosa, noção
de pecado etc)
Como todos sabem, Carlos Drummond de Andrade é
mineiro, viveu no interior montanhoso de Minas, numa cidade chamada Itabira,
num ambiente muito conservador, religioso, severo mesmo, onde a noção
de pecado era muito forte, como se respirasse todos os castigos do inferno.
Naturalmente, num ambiente desses, há espaços para o sonho,
o desejo e de liberdade e, conseqüentemente, o sentimento de culpa.
No livro BOITEMPO, Drummond registrou esses sentimentos de maneira única
na literatura brasileira.
Nos de hoje, após a liberação dos
costumes, a relação sexual, a democratização
etc ocorridas a partir dos 60, do século XX, o jovem não
viva exatamente estes problemas, mas certamente vive problemas de desejo
e repressão, como qualquer pessoa que vive numa sociedade regrada.
Nessa linha temática, Drummond escreveu vários bons poemas,
eu me lembro de Sentimento de pecado. Mas existem muitos mais.
Façamos agora uma leitura dos aspectos semânticos
do poema;
a moça da casa verde/ arregaçando o vestido /descerrando
as pernas brancas/ mais acima dos joelhos/ as coxas se arredondando/ entre
as coxas se formando/ o escuro encaracolado/ bosque, floresta encantada/
que eu nunca vi, me contaram/ a minha mão vai subindo/ vai apalpando,
alisando/ até chegar a essa mata/ que me deixa emaranhado/ na noite
mais pegajosa/ e sinto que estou queimando/ nesse carvão incendiado/
vou ardendo vou morrendo.
Os quais descrevem a visão que o menino constrói diante
de si, ou, melhor dizendo, inventa, imagina. Elabora uma visão.
Por outro lado, é bom que se diga que esta visão não
se dá a partir de uma imagem idealizada. Não. É a
moça que ele vê freqüentemente e que desperta sua paixão,
seu desejo. Para dar satisfação a esta carência, o
menino imagina –se diante da moça e esta, sensual, atende
a seus sonhos e como num streap tease despe-se sensuamente, enquanto o
Dom Juan iniciar seu trabalho de sedutor e de satifeito conquistador.
O poema trata portanto, de uma masturbação. Estamos diante
de um eu – lírico queimando-se de desejo, incapaz de expressar
seus sentimentos. Sua única solução, própria
de sua idade e de sua condição etária e, talvez social,
é masturbar-se.
Mas tão louca paixão ainda oferece bons versos que nos remetem
aos problemas próprios da adolescência que um bom professor
ou boa professora (sem trocadilhos) podem tornar a aula interessante,
sedutora no mais amplo sentido: transmite vida, alegria, prazer e conhecimento.
Vejamos:
Inicialmente, podemos tratar do poder de descrição do poema,
articulado com sua capacidade de representar a idéia de movimento,
por meio de palavras no gerúndio: arregaçando, descerrando,
arredondando, formando, subindo, apalpando, alisando queimando, ardendo
morrendo. Em seguida, há uma série de metáfora, reveladora
de sua visão ou do que lhe representa algo tão desejado,
algo tão impossível: o escuro encaracolado/ bosque, floresta
encantada, mata. Ademais, vejamos sua confissão de experiência
ou de reconhecimento do objeto desejado: que eu nunca vi, me contaram,
emaranhado. Significativamente, o eu-lírico encontra “emaranhado”
o que pode significar enrolado, enredado nos cabelos, nos tentáculos;
mas também, e aqui, o mais significativo, pode revelar o sentimento
de “perdição”, ou sentimento de pecado, de culpa.
Essa leitura pode ser reforçada pelos versos seguintes: “e
sinto que estou queimando nesse carvão incendiado/ vou ardendo
vou morrendo. Tais versos, por sua vez, também remetem a noção
de prazer. Ou seja, caímos no teológico drama da consciência
humana – a administração do prazer e da dor, do prazer
e do pecado, da vida e da morte.
. E por, fim o verso: na noite mais pegajosa, o qual, além de lembrar
a própria consistência dos suores e outras secreções
próprias de um ato sexual ou de uma tentativa de, revela outra
manifestação do horror ao prazer, do sexo como algo nojento,
viscoso e que nos causa nojo. Vejam que visão repressiva mais católica
ou cristão que isso não existe.