Claudia Lopes da Silva - Instituto de Psicologia
– USP - Mestranda – PSA
O objetivo deste trabalho é tecer algumas considerações
sobre o processo de aprendizagem de leitura e escrita e a estratégia
da classe especial. Até que ponto a formação de classes
especiais para alunos com deficiência facilita o seu processo de
alfabetização? Haveria diferenças significativas
entre o tipo de trabalho oferecido na classe regular e na classe especial
do ponto de vista da alfabetização?
Para tanto, são utilizados os dados de uma avaliação
pedagógica realizada com 147 alunos de uma rede pública
municipal que estão matriculados em classes especiais.
A maior parte, ou seja, 91,1% dos alunos, situa-se na faixa de 8 a 14
anos. Pensando-se que o sistema em questão atende de 1ª a
4ª série, cuja faixa etária deveria variar entre 7
e 10 anos, temos uma defesagem idade-série expressiva na classe
especial. Dos alunos avaliados, 77% têm de 10 a 16 anos, o que dificulta
ou mesmo inviabiliza sua desejável inserção em turmas
regulares com seus coetâneos.
Cerca de 17% dos alunos têm 10 anos, seguidos de 29% de alunos com
14 e 15 anos. Isto indica um público pré-adolescente, cujas
características de desenvolvimento e interesse são pouco
consideradas no trabalho da classe especial, de certa forma mais infantilizado,
o que é justificado pelas professoras devido a presença
de alunos com diagnóstico de deficiência mental nas turmas.
A maior parte dos alunos, 37,4%, não passou pela educação
especial, tendo sido segregada na classe especial a partir da sua experiência
no ensino regular. Cerca de 36,7% dos alunos freqüentou a educação
especial de 1 a 2 anos antes de ir para a classe especial, o que pode
ser visto como uma possibilidade de integração destes numa
escola regular, ainda que numa classe especial.
Uma porcentagem de 53,7% dos alunos estava há 2 anos na classe
especial. Cerca de 15% estava há mais de 3 anos, indicando uma
certa cristalização, pois em se tratando de um serviço
que deveria intermediar e facilitar a inclusão destes alunos em
classes regulares, estes números indicam que na maioria das vezes
isto acaba não acontecendo. Além disso, como já foi
mencionado, o agravamento da defasagem idade-série dificulta cada
vez mais sua inclusão no ensino regular. O fato de estes alunos
permanecerem tanto tempo na classe especial evidencia despreparo do sistema
para lidar com crianças que exigem estratégias diferenciadas
de aprendizagem, ou que têm necessidades educacionais especiais.
A maioria dos alunos, cerca de 36,8%, nunca passou pelo ensino fundamental
regular antes de ingressar na classe especial, o que contradiz a suposta
intenção da classe especial no sistema público analisado
de ser uma etapa de inclusão no ensino regular. A avaliação
pedagógica dos alunos deveria ser feita no ensino regular, e não
antes do aluno nele ingressar, ou ainda na educação especial
ou nos serviços de diagnóstico.
Cerca de 24,5% dos alunos que ingressa na classe especial o fazem após
a 1ª série, evidenciando uma impaciência da escola regular
no investimento pedagógico com o aluno e uma rotulação
quase que imediata. Repetindo o circulo vicioso que a implantação
do ciclo básico visou atacar, dos 147 alunos avaliados, a escola
excluiu 41,5% para a classe especial nos dois primeiros anos do ensino
fundamental. No outro extremo, há o caso de alunos que foram para
a classe especial vindos da 5ª e 6ª série, indicando
uma falta de preocupação com a futura reinserção
dos mesmos no ensino regular.
Dos alunos avaliados, 47% não passou pela educação
infantil, e 42,2% fizeram de 1 a 2 anos de educação infantil.
Em relação à alfabetização, 70,6% dos
alunos que permanecem por 1 ano na classe especial apresentam a hipótese
de escrita pré-silábica e 5,9% apresentam a hipótese
de escrita alfabética. Dos alunos que permanecem por 2 anos, 50,1%
apresentam a hipótese de escrita pré-silábica e 8,9%
a hipótese de escrita alfabética, enquanto que 44,8% dos
alunos que permanecem por 3 anos apresentam a hipótese de escrita
pré-silábica e 6,9% a hipótese de escrita alfabética.
Estes dados apontam que, de forma geral, permanecer de 1 a 3 anos em uma
classe especial tem resultados pouco efetivos em relação
à alfabetização. Pode-se perguntar se estes alunos
não estariam mais beneficiados no ensino regular, uma vez que conviveriam
com colegas que atuariam como parceiros mais experientes. Logicamente,
para ter um índice de alfabetização tão inexpressivo
não se justifica a segregação em classes especiais.
Quanto aos alunos que ficam na classe especial por mais tempo, de 4 a
5 anos, também têm resultados pouco efetivos, ou seja, 25%
e 40% apresentam a hipótese de escrita pré-silábica,
e nenhum apresenta a hipótese de escrita alfabética. Isso
indica que os alunos com maiores dificuldades na alfabetização
não têm na classe especial uma estratégia eficiente
do ponto de vista da sua aprendizagem, portanto, para o aluno, o prejuízo
de estar numa classe segregada – sem histórico escolar, sem
seriação, suspenso no tempo – não é
compensado pelos supostos benefícios de uma educação
especializada.
Focando ainda a aprendizagem, se estes alunos estivesses numa classe regular
teriam desempenho pior? Se o desempenho fosse semelhante, isso já
justificaria sua inclusão no ensino regular, dada as vantagens
do ponto de vista da diversificação de oportunidades de
aprendizagem e convívio social. A demora em alfabetizar-se justifica
um aluno ficar até 7 anos numa classe especial? Que resposta o
sistema teria a dar a quem não se alfabetiza na época “esperada”?
Em relação ao trabalho pedagógico observado, de forma
geral, os investimentos em alfabetização deixam a desejar
do ponto da eficácia nas ações. O professor especialista
em educação especial geralmente não tem uma formação
mais específica para trabalhar com alfabetização,
ou ainda, há divergentes concepções em sua prática.
As intervenções predominantes são baseadas em princípios
condutistas, com foco no desenvolvimento de pré-requisitos como
coordenação motora, domínio de cores e formas, e
com pouco oferecimento de contato com língua escrita, oralidade
e imersão numa cultura letrada, essenciais para o processo de letramento.
A partir dos dados discutidos, conclui-se que, do ponto de vista da alfabetização,
a estratégia segregatória da classe especial não
se configura de forma eficiente e tem resultados inexpressivos. Assim,
melhor seria que os alunos não fossem privados do convívio
em escolas regulares, em nome de um suposto benefício para sua
aprendizagem, que não se justifica ou se verifica na prática.