Elizabeth Maria da Silva (PIBIC) - Universidade
Federal de Campina Grande (UFCG)
Denise Lino de Araújo – Orientadora - Universidade Federal
de Campina Grande (UFCG)
1. INTRODUÇÃO
Tendo em vista que a língua se manifesta em textos
orais e escritos, sistematizados/estruturados em gêneros textuais,
que circulam na sociedade, acreditamos que o estudo do letramento está
inter-relacionado ao estudo dos gêneros textuais. Sendo assim, estes
gêneros se diferenciam uns dos outros, entre outros aspectos, conforme
as práticas letradas que requerem.
Muitos concursos de vestibular vêm enfatizando, nas propostas de
redação, gêneros socialmente prestigiados, a exemplo
do vestibular da UFCG que já solicitou: (1) a introdução
de uma entrevista (vestibular 2004); (2) a redação das respostas
de uma entrevista e/ou elaboração de uma carta de solicitação
(PEC-2004), (3) a elaboração de um artigo de opinião
ou de uma resenha (vestibular especial 2004); (4) a elaboração
de um relato ou artigo de opinião (vestibular 2005). Trata-se de
um concurso de avaliação seletiva que apresenta tanto questões
de múltipla escolha como discursivas em todas as provas de todas
as matérias . A redação, por exemplo, é uma
das questões discursivas da prova de língua portuguesa e
literatura brasileira, considerada eliminatória neste concurso.
Deste modo, caso o candidato obtenha nota zero nesse quesito será
excluído do processo seletivo. Esta postura da comissão
avaliadora do concurso de vestibular tem a ver com uma portaria estabelecida
pelo MEC, a qual determina que para ingressar no ensino superior, o candidato
deverá demonstrar, na questão de redação,
pelo menos, as habilidades de ler e de escrever com fluência, coerência
e coesão.
Partindo do pressuposto de que a questão de redação
pode contemplar qualquer gênero textual, ao avaliá-la neste
artigo, consideramos que é necessário verificar quais são
as práticas letradas requeridas pelo gênero solicitado e
quais as efetivamente demonstradas pelo vestibulando. Neste sentido, este
trabalho pretende responder as seguintes questões de pesquisa:
(1) quais as práticas letradas subjacentes à questão
de redação do vestibular da UFCG 2004 ; (2) quais as práticas
que efetivamente são demonstradas pelos candidatos. A hipótese
inicial é a de que os candidatos, embora venham de vários
anos de letramento escolar, na prova de vestibular, especificamente na
questão de redação, revelam práticas letradas
diferentes das que aparecem no âmbito escolar.
A nossa preocupação em estudar a redação de
vestibular nasceu da necessidade de repensar o ensino de redação
na escola, assim como rever ou reafirmar o perfil do aluno esperado pela
UFCG, a saber: “alunos que demonstrem pensamento crítico,
capacidade de raciocínio, de expressão, de leitura e de
escrita, além de conhecimentos básicos de cada disciplina
das diversas áreas, como parte de sua formação geral”.
(Manual UFCG, 2005: 61).
Muitos estudos revelam que a redação discutida/exigida na
sala de aula é um gênero que só existe na esfera escolar,
uma vez que nessa esfera, normalmente, os alunos produzem apenas os tipos
textuais – narração, descrição e dissertação
–, a escrita é tratada de forma descontextualizada, valorizando-se
principalmente aspectos intra-textuais e a organização sintática.
Contudo, quando o aluno se submete ao concurso de vestibular, no caso
da UFCG, se depara com uma proposta de redação bastante
diferente da que é exigida na escola, contemplando diferentes gêneros
textuais. Desta forma, enquanto na escola predomina o letramento escolar,
no quesito de redação da prova do vestibular, constatamos
que outras práticas letradas presentes em nossa sociedade vêm
se destacando.
Assim sendo, pretendemos com este artigo mostrar uma relação
entre redação do vestibular e práticas letradas,
evidenciando que tais práticas – adquiridas na escola ou
na sociedade – influenciam significativamente a produção
textual dos alunos.
Quanto aos aspectos metodológicos, nossa pesquisa é descritiva,
de cunho interpretativo, uma vez que pretendemos não apenas quantificar
os dados analisados, mas sobretudo entendê-los, explicá-los,
mostrar o que eles significam e como significam. Coletamos os dados junto
à Comissão de Processos Vestibulares, COMPROV, meses após
a realização das provas de 2004. Trata-se de uma amostragem
de cerca de 10% do total das provas corrigidas do vestibular 2004 da UFCG,
aplicadas em todos os campi dessa instituição: Campina Grande,
Patos, Souza e Cajazeiras. Além desses campi, essa prova foi aplicada
também em João Pessoa, cidade de onde selecionamos os dados
para este artigo (os resultados da análise das provas aplicadas
nas outras cidades encontram-se em outros trabalhos). Analisamos a questão
3 da prova de língua portuguesa e literatura brasileira, que solicitava
a redação da introdução de uma entrevista.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 Letramento escolar
O letramento é um fenômeno que diz respeito
a todo o universo dos usos da escrita, englobando diversas práticas
sociais permeadas não só pela escrita, como também
pela oralidade. Para kleiman (1995: 20), a escola é a mais importante
agência de letramento. Todavia, tal instituição não
se preocupa com o letramento enquanto prática social, mas com apenas
um tipo de prática letrada: a alfabetização entendida
como o processo de aquisição de códigos. Deste modo,
o letramento escolar é o tipo de letramento predominante burocrático,
ritualista e, quase sempre, destituído de funcionalidade discursivo-pragmática.
O tratamento do sistema escrito na sala de aula, por exemplo, sinaliza
uma prática estritamente burocrática, já que, no
geral, um dos objetivos das atividades desenvolvidas nesta esfera é
despertar a capacidade de os aprendizes interpretarem e escreverem textos
abstratos, descontextualizados, sem nenhuma finalidade prévia.
O letramento do tipo escolar, além de ensinar a ler e a escrever,
pode despertar outras capacidades letradas que estão associadas
a diferentes eventos de letramento, cultivados na instituição
citada, como por exemplo a oralidade letrada. Os resultados de uma pesquisa
realizada por Rojo (2001: 235-262), por exemplo, indicam que as interações
em sala de aula são verdadeiros eventos de letramento, quase todos
viabilizados oralmente. Estes resultados evidenciam que: “caso tenhamos
ou não um texto escrito empírico em sala de aula; caso se
trate ou não de leitura ou produção de textos escritos;
mesmo caso apenas tenhamos um questionário oral (...) que se desenrole
ao longo da aula, sempre se tratarão de eventos de letramento”.
Ou seja, a escrita está sempre permeando as interações
em sala de aula e as formas em que ela se manifesta são os chamados
eventos de letramento, que constituem a tecitura do letramento escolar.
Neste sentido, podemos destacar algumas características do letramento
escolar: além de ensinar a ler e a escrever fora do contexto de
uso social dessas modalidades, cultiva a leitura literal dos textos escritos
e, em geral, não oferece condições adequadas para
que os alunos produzam textos. Em face desta realidade, seria aconselhável
que a escola ampliasse o seu conceito de letramento, pois este fenômeno
diz respeito aos usos cotidianos da leitura e da escrita. Assim, não
devemos priorizar certas práticas sociais, mas tentar fazer com
que os alunos possam conhecer o maior número possível de
práticas letradas. Para isso o professor deve também conhecê-las.
Quando o contexto de produção textual não é
do conhecimento do alunado, a redação escolar, como afirma
Britto (2001: 126):
deixa de cumprir qualquer função real,
construindo-se uma situação artificial, na qual o estudante,
à revelia de sua vontade, é obrigado a escrever sobre um
assunto em que não havia pensado antes, no momento em que se propôs
e, acima de tudo, tendo que demonstrar (esta é a prova) que sabe.
E sabe o quê? Escrever. E bem. Além disso, que esteja claro
que ele está sendo julgado, testado e, às vezes, até
mesmo competindo. [concurso do vestibular]
Nesta perspectiva, é preciso que o ensino de língua
tenha o objetivo de levar o aluno a fazer uso da leitura e da escrita
e não apenas conhecê-las. Para tal, já afirmava Bagno
(2002: 52), é preciso que a escola ofereça condições
para que o letramento se desenvolva, substituindo a memorização
das regras gramaticais pela leitura, entre outros, de jornais, revistas
e literatura.
Em síntese, a escola deveria considerar tanto as necessidades dos
alunos, como a cultura na qual eles estão inseridos, adequando-se
às práticas sociais com as quais eles têm contato,
proporcionando-lhes o acesso a textos relacionados com a situação
em que eles vivem e ampliando-as para outras práticas sociais de
prestígio, a fim de garantir-lhes a inserção nessas
práticas.
2.2 Redação de vestibular como uma prática de letramento
escolar
Antes de apresentarmos os motivos que nos levam a afirmar
que a questão de redação, proposta no concurso do
vestibular, é, na verdade, uma prática de letramento escolar,
refletiremos um pouco sobre este evento de letramento.
Atualmente, a preocupação com o estudo dos diversos gêneros
textuais vem se intensificando. Há inúmeros projetos e pesquisas
desenvolvidos nessa área. Mas como fica a situação
da redação de vestibular? Pode ser considerada um gênero
textual?
Sabemos que a redação escolar, na maioria das vezes, é
apresentada sob a perspectiva da tipologia textual, destacando sobretudo
o texto dissertativo, no qual o escritor deverá convencer o leitor
do seu ponto de vista sobre um determinado tema. Diga-se de passagem que
este tipo textual é o mais requisitado no âmbito escolar.
Sob esta ótica, é preciso ampliar a discussão sobre
o tema redação de vestibular, inserindo-o entre os gêneros
textuais. Segundo Meurer (2002: 18), o gênero textual “é
um tipo específico de texto, caracterizado e reconhecido pela função
específica, pela organização retórica mais
ou menos típica e pelo contexto onde é utilizado”.
Ou seja, a relação entre texto e contexto subjaz à
compreensão do gênero textual. O texto é produto do
contexto sócio-comunicativo em que ele é produzido, logo
apresenta traços definidos.
Nesse sentido, a redação de vestibular pode ser considerada
um gênero textual cuja função é comprovar/demonstrar
a competência discursiva do candidato inscrito no concurso do vestibular.
Trata-se de um gênero textual, portanto, porque este é produzido
para atender a objetivos específicos, tanto do vestibulando como
da comissão avaliadora do concurso. O primeiro se submete à
prova de redação porque este é um dos pré-requisitos
para ingressar na faculdade. Já o segundo precisa avaliar as provas
para classificar os alunos que almejam uma vaga no ensino superior, tendo
em vista que não há vagas para todos os candidatos.
Nesta perspectiva, os vestibulandos, por meio da prova de redação,
devem demonstrar que são capazes de escrever um texto condizente
com a proposta apresentada e, conseqüentemente, que estão
aptos para ingressar na universidade.
Pilar (ibidem: 162), citando Halliday e Hasan (1985: 55), aponta alguns
critérios para identificar e avaliar a redação de
vestibular enquanto um gênero textual. Segundo a autora, podemos
identificar esse gênero a partir de três variáveis
do contexto: “campo”, “teor” e “modo”.
A variável “campo” é relativa à interpretação
e à posterior realização da atividade proposta, o
“teor” relaciona-se aos participantes do evento discursivo
– os vestibulandos e a banca examinadora do concurso – e a
variável “modo” diz respeito à organização
retórica do texto, seu aspecto estrutural e composicional.
Estas variáveis do contexto concretizam-se no texto, podendo ser
analisadas pelas funções “ideacional”, “interpessoal”
e “textual”. A primeira explicita o campo semântico
do tema proposto na redação, a segunda identifica em que
medida o autor do texto engaja-se no assunto discutido e de que maneira
ele tenta convencer seu leitor, e a terceira explicita o papel desempenhado
pela linguagem no contexto comunicativo (ibidem: 161).
A redação de vestibular, portanto, é um gênero
textual, visto que há critérios que nos permitem identificá-la
e avaliá-la como tal. Pode ser estudada como uma forma de prática
social que expressa os anseios e as necessidades das pessoas que lutam
por um mundo melhor. Neste sentido, concordamos com Pilar (ibidem: 172)
quando afirma que:
O ensino de redação de vestibular como
um gênero pode representar uma possibilidade para que eles [vestibulandos]
se preparem mais efetivamente para enfrentar o processo seletivo que vai
definir o seu futuro profissional. Isso significa a compreensão
de um ensino de redação de vestibular como mais um entre
os gêneros textuais que devem ser colocados à disposição
do aluno, para que ele possa ter acesso à universidade.
Nesta perspectiva, a abordagem da redação
de vestibular como um gênero textual permite ampliar as práticas
letradas da escola, que na verdade se restringem ao letramento escolar,
centrado na produção de tipos textuais, visto que a redação
desse concurso vem abrangendo diversas práticas letradas presentes
na nossa sociedade, com as quais os alunos normalmente têm contato,
mas, no geral, não têm habilidade para executá-las.
Convencidos de que a redação de vestibular parece ser, realmente,
um gênero textual, é preciso que agora nós percebamos
em que medida este gênero pode ser considerado como uma prática
do letramento escolar. Apontaremos, provisoriamente, quatro motivos. Primeiro,
a redação de vestibular, do ponto de vista da inserção
social, é descontextualizada, uma vez que os gêneros textuais
que são solicitados na questão não circularam na
sociedade, ou seja, sua produção não tem como finalidade
uma prática social. Visto por outro prisma, poderíamos dizer
que esta questão do vestibular é contextualizada, em relação
ao concurso, uma vez que este tipo de questão é típica
desse processo seletivo, no qual um tema é dado e as instruções
para o seu desenvolvimento são apresentadas. Além disso,
é norma do concurso que os gêneros requeridos na redação
não serão produzidos com fins sociais, mas com um único
objetivo: avaliar o desempenho dos candidatos que almejam uma vaga no
processo seletivo, no tocante à habilidade com a leitura e com
a escrita. Segundo, este gênero, assim como acontece com outros
gêneros (tipos) abordados na escola, não circulará
na sociedade. Terceiro, a avaliação não é
do conhecimento dos candidatos, pois esses não têm acesso
à correção. Por último, do ponto de vista
psicológico, a produção da redação
de vestibular, em parte, não oferece condições adequadas
ao vestibulando, pois o tempo estipulado para desenvolver a questão
da prova estimula o espírito de concorrência e impede a consulta
a outras pessoas e materiais.
Quanto a este tema, as práticas requisitadas para o desenvolvimento
da questão de redação não são as mesmas
utilizadas na escola. A redação escolar é apresentada
na escola do ponto de vista dos tipos textuais – narração,
descrição e dissertação – é,
portanto, um gênero que circula apenas na sala de aula. A redação
do vestibular, por sua vez, vem abarcando os diferentes gêneros
textuais que circulam na sociedade, embora sem circulação
social.
Em suma, tendo em vista que a redação do vestibular é
o ápice do letramento escolar, parece-nos que este letramento é
insuficiente para o concurso do vestibular, sobretudo para um bom desenvolvimento
da proposta de redação, apresentada por esse concurso, já
que o letramento midiático, subjacente à questão,
supõe o domínio de muitas outras práticas que transcendem
o letramento escolar.
2.3 Entrevista
O gênero entrevista escrita é um evento de
letramento que tem como objetivo primordial demonstrar a opinião
de um determinado sujeito a respeito de um dado assunto, tendo como função
principal a informativa. Segundo Kaufman e Rodriguez (1995: 18), a entrevista
é um texto que se enquadra no âmbito jornalístico
cuja “trama” predominante – tipo de seqüência
textual – é a conversacional, na qual a interação
lingüística se estabelece entre os participantes de uma situação
comunicativa, os quais devem ajustar sua fala, conforme a fala de seu
interlocutor.
Este gênero, que circula, no geral, em jornais e revistas, é
destinado, enquanto pertencente a uma prática comunicativa, tanto
a jovens como a adultos, dependendo da natureza da entrevista e do poder
aquisitivo dos leitores. Acreditamos que a maioria dos jovens, principalmente
as garotas, prefere ler entrevistas presentes em revistas como “Capricho”,
“Atrevida” e “Claúdia”, uma vez que os
assuntos destas entrevistas, de forma geral, tratam de questões
ligadas à realidade desses adolescentes (namoro, relação
sexual antes do casamento, aborto, etc.). Por outro lado, há jovens
que se interessam pela leitura de entrevistas publicadas em revistas como
“Veja”, “IstoÉ”, “Época”,
entre outras, que não estão centradas em temas pessoais,
apropriados à faixa etária dos jovens, mas sim em temas
polêmicos e atuais de diferentes áreas do conhecimento.
Afirmamos que o acesso a entrevistas depende do poder aquisitivo dos leitores,
porque este gênero aparece normalmente em jornais e revistas, suportes
cujo preço não está de acordo com as condições
econômicas da massa popular. Se os leitores têm acesso a bibliotecas
que contém estes suportes, então terão mais chances
de lê-los, caso contrário, a situação é
mais difícil.
Quanto às práticas letradas requeridas pela entrevista,
podemos afirmar, do ponto de vista temático, que, na maioria das
vezes, os temas tratados giram em torno de questões/problemas atuais,
relacionados aos diversos campos da sociedade – político,
social, econômico, cultural, religioso, afetivo, conforme o público
alvo visado pelo veículo de comunicação e o perfil
editorial adotado. Nesta perspectiva, as entrevistas publicadas, sobretudo
em revistas, variam conforme seus objetivos, tipo de informação
e público alvo.
No que diz respeito às características composicionais, o
gênero em foco exige como práticas letradas três partes
estruturais: (1) título, que, em tese, mantém uma relação
com o assunto abordado no texto; (2) contextualização, que
apresenta informações referentes tanto ao entrevistado –
nome, profissão, motivo da entrevista (lançamento de livro,
CD, declaração política, investimentos financeiros,
etc.) – como ao conteúdo da entrevista; (3) diálogo
constituído por perguntas elaboradas por um representante do jornal
ou da revista e pelas respostas dadas pelo entrevistado a estas perguntas.
No que concerne às características lingüísticas
do gênero, podemos destacar como práticas letradas o uso
do registro formal – empregado, em geral, nas entrevistas prototípicas
escritas – e da pessoa terceira do singular, empregada, talvez,
no intuito de atribuir à entrevista uma certa impessoalidade, neutralidade,
distanciamento do jornal ou da revista em relação ao tema
por eles abordado, como acontece, por exemplo, nas revistas “Veja”,
“IstoÉ” e “Época”. Todavia, há
entrevistas escritas numa linguagem não-padrão, em que quase
não existe esta neutralidade por parte do jornal ou da revista,
pelo contrário, na maioria das vezes, estas instâncias procuram
se aproximar o máximo do seu público alvo, como acontece,
por exemplo, nas revistas “Atrevida”, “Capricho”
e “Claúdia”.
No primeiro caso citado – entrevistas prototípicas escritas
–, o uso do pronome de tratamento “senhor (a)”, por
exemplo, é bastante freqüente, uma vez que parece indicar
respeito, distanciamento entre os participantes da interação.
Já no segundo caso – entrevistas escritas na variedade lingüística
não-padrão –, o uso do pronome “você”,
como sendo uma forma de tratamento, é recorrente, sugerindo aproximidade
e intimidade entre os interlocutores. A propósito disto, Hoffanagel
(2002: 186) alerta para o fato de que a linguagem usada nas entrevistas
não está relacionada somente ao tipo de revista, mas sobretudo
a quem está sendo entrevistado.
É importante salientar que embora haja entrevistas escritas tanto
na variedade padrão como na não-padrão, este gênero
é primordialmente oral. A maioria das entrevistas, afirma a autora
citada (ibid: 182), refere-se a interações orais –
entrevista com o médico, para conseguir um emprego, etc. Mesmo
quando a entrevista é escrita, diz a autora, “pensamos primeiro
nas entrevistas ao vivo dos programas de televisão e rádio”,
uma vez que a entrevista publicada em jornais e revistas são realizadas,
no geral, oralmente e depois são retextualizadas.
Portanto, a entrevista escrita é um gênero de caráter
informativo, destinado a jovens e adultos, dependendo do assunto tratado,
que circula preferencialmente em jornais e revistas. Em sua estrutura
formal, apresenta título, introdução e diálogo
entre entrevistador e entrevistado. A entrevista abarca diferentes temáticas
relacionadas, quase sempre, à realidade atual, podendo ser escrita
tanto numa linguagem formal quanto informal, dependendo do público
alvo e do assunto tratado.
3. ANÁLISE
Na proposta de redação da prova de vestibular
da UFCG 2004, pedia-se para que o candidato elaborasse a introdução
de uma entrevista, que supostamente seria publicada no Periódico
fictício – Revista Fácil. A questão apresentava
tanto os dados referentes ao entrevistado – nome, profissão,
principal livro –, como à revista na qual supostamente a
entrevista seria publicada – nome, perguntas feitas ao informante
e repostas desse sujeito à revista – , possibilitando, assim,
que o vestibulando pudesse depreender o assunto sobre o qual o entrevistado
estava sendo questionado. Vale salientar que a questão aqui focalizada
não é apenas uma questão de redação.
Trata-se de uma questão discursiva proposta na 1a etapa do vestibular
2004 para os alunos que estavam realizando a primeira etapa, já
que a segunda etapa foi realizada naquele ano em conjunto com a UFPB.
Analisando-se a questão, percebe-se que ela focaliza a prática
letrada da ordenação da informação, que requer
uma habilidade de leitura e escrita, conforme se poderá ver a seguir:
Na entrevista a seguir está faltando a abertura
(apresentação). Você deverá elaborá-la,
com base nas informações a seguir, que a contextualizam.
Veículo da publicação: Revista Fácil
Entrevistado: Içami Tiba
Profissão: psicoterapeuta, especialista em juventude e família,
e escritor de livros de educação
Livro principal: Quem ama, educa, da editora Gente.
Fácil – Há pouco tempo, o senhor afirmou
que “amor demais estraga”. O que significa isto? Os pais estão
permissivos demais?
Içami Tiba – Sim, os pais estão permissivos devido
à perda de referências educativas. O amor é sempre
uma condição básica, mas sem acrescentarmos educação
ao amor, os filhos crescem fazendo tudo o que têm vontade e não
o que deve ser feito.
Fácil – Muitos pais de hoje reclamam do seguinte modo “no
meu tempo era assim”. O que mudou e por quê?
IT – Os valores educativos não mudaram. O que mudou foi o
grande avanço tecnológico e social com radicais mudanças
na família, onde, no lugar do chefe deve valer o líder,
a dependência absoluta dos filhos deve ser substituída por
participação. Um pai hoje encontra dificuldades para comprar
um tênis para o filho. No seu tempo, isto é, em 1970, havia
nos Estados Unidos apenas 6 marcas de tênis. Hoje são quase
300. como acertar?
Fácil – Quais valores faltam nos jovens de hoje?
IT – Auto-estima saudável,disciplina, religiosidade, gratidão,
ética e cidadania. Estes valores básicos para se ter saúde
social, conforme a Teoria da Integração Relacional que eu
criei.
[grifos do autor] (Processo seletivo UFCG 2004, questão III, p.
9)
Como se constata, as informações necessárias
à redação da introdução da entrevista
já estavam dadas no enunciado. Para elaborá-la, o candidato
deveria supra-ordenar as informações e agrupá-las
numa seqüência expositiva e/ou descritiva, valendo-se para
isso de um ponto de vista de distanciamento. Esperava-se também
o uso do registro formal.
Ao analisarmos as introduções de entrevista redigidas pelos
candidatos que realizaram as provas na cidade de João Pessoa, verificamos
que, no geral, estes candidatos demonstraram domínio das práticas
letradas subjacentes à introdução do gênero
entrevista escrita, uma vez que fizeram uma introdução bem
contextualizada, sobretudo no que se refere à clareza do assunto
abordado na entrevista, bem como à menção das informações
relativas ao entrevistado e utilizaram adequadamente a terceira pessoa
do singular e o tempo verbal presente. Poucos candidatos deixaram de responder
a questão de redação, das 37 redações
analisadas, apenas 3 não foram respondidas. Acreditamos que o exemplo
a seguir ilustra, significativamente, algumas das práticas de letramento
referidas:
(1) Içami Tiba é psicoterapeuta, especialista em juventude
e família e autor de vários livros, dentre eles, “Quem
ama, educa”, que foi recentemente publicado pela Editora Gente,
revolucionando as abordagens da relação pais e filhos. Em
entrevista à “Revista Fácil”, Itiba debate sobre
esse tema e reitera suas perspectivas acerca das teorias lançadas
em sua obra-prima .
(Redação de João Pessoa – 2004)
Nesta redação, observamos que o candidato
conhece o gênero entrevista escrita, por vários motivos.
Primeiro, fez uma contextualização muito boa, visto que
forneceu tanto informações a respeito do entrevistado como
apresentou, em linhas gerais, o assunto discutido/abordado na entrevista.
Segundo, utilizou adequadamente a pessoa do discurso – 3a do singular
– e o tempo verbal – presente –, característica
do gênero entrevista. Terceiro, não demonstrou problemas
com a escrita no que se refere à pontuação, à
acentuação, à ortografia, à morfologia, à
sintaxe, entre outros, outra prática letrada requerida pelo gênero
em foco, que exige a variedade padrão da língua. Por último,
queremos chamar à atenção para o fato de esse sujeito
não ter proposto um título na questão de redação.
A princípio, poderíamos pensar que a não utilização
deste recurso seria uma prática não-letrada, tendo em vista
que há, nas entrevistas, normalmente, um título. No entanto,
acreditamos que a ausência de título no seu texto tem a ver
com aquilo que não foi solicitado. A questão de redação
não pede para que os vestibulandos apresentem um título
para a entrevista, exige que eles produzam uma introdução,
com base nas informações contidas na própria questão.
Neste sentido, esta atitude do candidato (não colocar um título)
revela uma prática letrada, qual seja a de saber seguir instruções
por meio da escrita. Como a questão não solicitava título,
ele não o utilizou. Vejamos outro exemplo:
(2) Içami Tiba, psicoterapeuta em juventude e família,
responde a perguntas da Revista Fácil, esclarecendo dúvidas
freqüentes a respeito da educação que os pais estão
dando a seus filhos nos dias de hoje. Abaixo, ele revela que estão
faltando valores muito importantes nos jovens de hoje, como disciplina,
religiosidade, ética, etc.
(Redação de João Pessoa – 2004)
Como podemos ver nesta introdução, o sujeito
faz uma contextualização, apresentando tanto informações
a respeito do entrevistado – “Içami Tiba, psicoterapeuta
em juventude e família” – como acerca do assunto principal
da entrevista – “educação que os pais estão
dando a seus filhos nos dias de hoje”–, sinalizando uma prática
letrada relativa ao gênero solicitado. No entanto, o sujeito se
confunde ao afirmar que Içami era “psicoterapeuta em juventude
e família”; na verdade, é psicoterapeuta especializado
nestas duas áreas. Ele também não comentou sobre
o livro principal do entrevistado “Quem ama, educa”, da editora
Gente, que trata exatamente do assunto principal da entrevista. O candidato
ainda, embora apresente a opinião de Içami Tiba, sobre os
valores que estão ausentes nos jovens “disciplina, religiosidade,
ética”, apresentados no diálogo da questão,
não a diferencia do seu texto. Outras práticas letradas
percebidas nesta introdução sob análise são:
uso da terceira pessoa do singular, do tempo presente do indicativo, bem
como uso do registro formal.
Observemos agora um exemplo, no qual subjazem tanto práticas letradas
como não-letradas, no tocante à produção da
apresentação da entrevista escrita, solicitada pelo vestibular
da UFCG:
(3) A Revista Fácil realiza uma entrevista com
Içami Tiba (psicoterapeuta, especialista em juventude e família,
e escritor de livros de educação) e que tem como destaque
o livro, Quem ama, educa, da editora Gente.
E trata sobre os jovens dos dias de hoje problemas, diferenças
entre outros assuntos nesta entrevista.
(Redação de João Pessoa – 2004)
Este exemplo, embora apresente indícios de práticas
letradas quanto ao gênero entrevista escrita – dados do informante,
assunto da entrevista, uso do registro escrito formal, emprego da terceira
pessoa do singular e do tempo presente –, parece revelar o comprometimento
do letramento escolar, uma vez que o candidato demonstra na introdução
que produziu, pelo menos, três práticas não-letradas
em relação ao gênero em foco. A primeira é
relativa ao uso de parênteses, considerando informações
relevantes como sendo secundárias, uma espécie de comentário
que dificulta a leitura do texto. A segunda é referente à
paragrafação do texto: ao nosso ver, o segundo parágrafo
deveria ser conectado ao primeiro, uma vez que continua a idéia
deste, iniciando-se, inclusive, pela conjunção coordenativa
aditiva “e”. A terceira prática letrada, que está
atrelada à segunda, diz respeito à falta de conhecimento
da estrutura da contextualização de uma entrevista que,
na maioria das vezes, é feita em um único parágrafo.
É importante destacar que, embora os vestibulandos da cidade de
João Pessoa tenham demonstrado um maior domínio de práticas
letradas do que os candidatos de outras cidades, conforme estudo por nós
realizado (2004) , eles também, em menor escala, apresentam práticas
não-letradas. Vejamos o exemplo a seguir:
(4) Fácil – Mas qual a lição
de vida que você tira de tudo isso diante da juventude e família.
IT – No meu conhecer as família de hoje não ligam
mas para seus filhos, Parece que gostam de ver eles sofrerem.
Fácil – Está sua citação “Isso,
aquilo e outras coisas”, pode se relacionar a que.
IT – À bebida, cigarro e drogas.
Fácil – Pois no seu ponto de vista, podemos concluir que
à filhos se espelha na família.
IT: Sim.
Fácil – Queremos agradecer sua presença aqui na nossa
Revista.
IT – Espero voltar sempre mas aqui.
(Redação de João Pessoa – 2004)
Como podemos notar, o sujeito fugiu da proposta apresentada
na redação, uma vez que, em vez de fazer uma introdução,
fez um diálogo entre a Revista Fácil e o entrevistado Içami
Tiba. Neste diálogo, destacam-se algumas práticas não-letradas
quanto ao gênero entrevista escrita, a exemplo da influência
da oralidade em, pelo menos, três níveis: a) na concordância
verbal – “as familia”, “filhos se espelha”;
b) no uso do léxico – “no meu conhecer.” Neste
último caso, queremos chamar a atenção para o uso
inadequado da substantivação do verbo “conhecer”,
em detrimento do substantivo “conhecimento.” Esta substantivação
do verbo citado (bastante recorrente na língua portuguesa) sinaliza
uma hipercorreção, que o sujeito faz, talvez por não
conhecer ou não se lembrar do substantivo correspondente ao verbo
“conhecer”; c) na formulação de perguntas curtas
e algumas sem contextualização clara – Como assim?”
–, assemelhando-se a perguntas feitas, por exemplo, em entrevistas
radiofônicas. Atentemos também para a primeira pergunta –
“mas qual a lição de vida que você tira de tudo
isso diante da juventude e família”. Inicia-se com a conjunção
coordenada adversativa “mas” cuja função mais
recorrente é a de opor idéias. Neste contexto, não
assume esta função, porém a de um elemento que serve
para iniciar uma “conversa”, interação oral
informal. A presença destas marcas na redação do
examinando revela que ele não domina as práticas letradas
exigidas pela entrevista escrita. No entanto, parece dominar as práticas
requeridas pela entrevista radiofônica, com exceção
da relativa ao uso do registro formal, haja vista que o candidato usou
no seu texto a variante informal da oralidade (concordância verbal)
e quando tentou usar a variante padrão, cometeu uma hipercorreção.
Este sujeito também não pontuou adequadamente o seu texto,
não utilizou o sinal de interrogação em nenhuma das
perguntas feitas pela revista, introduziu inicial maiúscula no
meio do período. De forma geral, podemos afirmar que há
práticas letradas na redação comentada, entretanto,
não são as requeridas pelo gênero solicitado na questão,
mas pelo gênero entrevista radiofônica. Tomemos outro exemplo,
no qual o vestibulando não demonstra domínio nas práticas
letradas exigidas pelo gênero em foco:
(5) Hoje em dia, muitos jovens estão agressivos
devido a uma educação mal realizada, pois alguns pais dão
amor demais, deixando-os a fazer tudo o que querem.
Veja a seguir uma reportagem com Içami Tiba que explica o assunto
abordado.
(Redação de João Pessoa – 2004)
Como podemos notar, o candidato faz uma contextualização
adequada, por um lado, a respeito do assunto sobre o qual Içami
discute na entrevista: primeiro apresenta o problema – a agressividade
de muitos jovens está atrelada à educação
que receberam de seus pais –, depois, diz que Içami Tiba
explicará “o assunto abordado” na “reportagem”,
na verdade, o assunto foi apenas apontado e o gênero não
é “reportagem”, mas entrevista. Por outro lado, a forma
pela qual o sujeito fez esta contextualização parece-nos
sinalizar uma prática não-letrada quanto ao gênero
entrevista escrita, mas pertinente ao gênero depoimento, tendo em
vista que nesta contextualização, o candidato, a nosso ver,
se apodera do discurso do entrevistado – os pais estão permissivos
devido à perda de referências educativas. O amor é
sempre uma condição básica, mas sem acrescentarmos
educação ao amor, os filhos crescem fazendo tudo o que têm
vontade e não o que deve ser feito” –, assumindo-o
como se fosse seu (1° parágrafo). O examinando não demonstrou
domínio de outras práticas também exigidas pelo gênero,
como por exemplo, não expôs todas as informações
referentes ao entrevistado – profissão, nome do principal
livro, informações já dadas na questão –,
disse apenas o nome dele, não mencionou também o nome da
revista, “Fácil.”
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise das respostas à questão
de redação, presente na prova de vestibular aplicada na
cidade de João Pessoa nos permite afirmar que a maioria dos vestibulandos
utilizou várias práticas letradas requeridas pelo gênero
entrevista escrita – não fugiu da proposta estabelecida;
escreveu uma introdução contextualizada, no sentido de apresentar
com clareza o assunto principal da entrevista e utilizou adequadamente
a terceira pessoa do singular e o tempo verbal presente. Outros candidatos
demonstraram tanto práticas letradas quanto não-letradas
e outros, ainda, somente práticas não-letradas quanto ao
gênero entrevista escrita, como a presença de marcas da oralidade
informal.
Diante destes resultados acreditamos que a nossa hipótese inicial
– os candidatos, embora venham de vários anos de letramento
escolar, na prova de vestibular, especificamente na questão de
redação, revelam práticas letradas diferentes das
que aparecem no âmbito escolar – se confirma, na medida em
que o domínio de boa parte das práticas letradas exigidas
pelo gênero em foco, parece-nos ser fruto do contato que os candidatos
devem ter com este gênero na sociedade e raramente no âmbito
escolar. Isto porque resultados de outras pesquisas demonstraram que candidatos
que se submeteram a este mesmo vestibular da UFCG-2004 apresentaram muitas
práticas não-letradas quanto ao gênero, ao que tudo
indica porque, além do comprometimento do letramento escolar, estes
candidatos, no geral, parecem não ter contato com este gênero
na sociedade onde estão inseridos. Assim sendo, malgrado a maioria
dos candidatos ao vestibular, que realizaram as provas na capital paraibana
tenha utilizado práticas letradas exigidas pela entrevista, acreditamos
que o letramento escolar, de forma geral, é insuficiente para atingir
o letramento midiático, subjacente à prova de vestibular,
especificamente, à questão de redação. Sendo
necessário, portanto, que o vestibulando recorra a práticas
letradas com as quais não têm contato no meio escolar.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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