Fátima Aparecida Silva - Universidade de
Sorocaba - UNISO.
INTRODUÇÃO
O processo de produção da memória
é bastante discutido por vários/as pesquisadores/as no meio
acadêmico. Para o desenvolvimento da nossa pesquisa buscamos as
considerações teórico-metodológicas de Ecléa
Bosi (2003 e 2004) e Terezinha Bernardo (1998), que fundamentam os aspectos
históricos e sociais da memória. Entretanto, neste trabalho,
vamos aprofundar a apropriação ideológica da memória
da história da abolição, através das comemorações
do 13 de Maio, na instituição escolar e no movimento civil
organizado, aqui representado pela Frente Negra Brasileira de Sorocaba.
Outra fonte fundamental para os propósitos desta pesquisa, são
os relatos da Srª. Ondina Seabra 83 anos, negra, professora e militante
do movimento Frente Negra Brasileira , em relação ao Treze
de Maio, no período da década de 1930 , em Sorocaba. Em
suma, estes são os referenciais que permitem, na nossa compreensão,
discernir as diferentes formas de comemorar o denominado Dia da Abolição,
isto é, o Treze de Maio.
O tensionamento da apropriação ideológica da memória
da abolição dos escravos no Brasil é travado ao longo
da história e o seu entendimento requer uma leitura do contexto
histórico pertinente a esse período, além da busca
pela compreensão do processo de registro desta história
, isto é, das diversas e possíveis formas de guarda-la.
A problematização deste tensionamento, permite compreender
como as coisas são pensadas, representadas, enfim, concebidas,
dentro e fora das instituições, e aqui, especificamente,
no espaço institucionalizado as escola e no âmbito do movimento
social que transcende os limites inerentes à instituição
escolar.
Neste sentido é importante refletir que, ao longo da história,
trava-se uma batalha ideológica no que se refere ao registro e
preservação da memória, entre memórias institucionais
e memórias não institucionais . Este aspecto das mediações
entre história e memória não institucional é
abordado por Teresinha Bernardo que referindo-se as teorias de Michel
Pollak destaca:
As memórias subterrâneas prosseguem o seu trabalho de subversão
no silêncio e de maneira quase imperceptível, aflorando momentos
de crise, em sobressaltos bruscos e exacerbados (BERNARDO, 1989, p.4).
/.../Essas lembranças que fazem parte da memória subterrânea
ás vezes transparecem como proibidas, indizíveis, vergonhosas
e por meio de silêncio são zelosamente guardadas em estruturas
de comunicações informais e passam despercebidas pela sociedade
englobante (BERNARDO 1989, p. 8).
E acrescenta a referida Autora:
A analise da memória a partir da contribuição teórica
de Pollak permite que os significados dos silêncios, dos não
ditos, dos conflitos, dos sentimentos de vergonha, dos constrangimentos
sejam interpretados, desnudando relações sociais e por que
não dizer do poder, nas quais as discriminações estão
embutidas, iluminando inclusive a identidade do discriminado (BERNARDO,
1998, p.34).
Na pesquisa constatamos que o recurso da memória tanto oral como
escrita possibilitou a percepção de que a comemoração
do 13 de Maio, na instituição escolar e no movimento negro,
envolve discursos carregados de representações ideológicas,
articulados historicamente com pontos de vistas que se no primeiro momento
parecem não diferenciados, tornam-se, sob observação
mais criteriosa, contraditórios. Citamos, como exemplo, a articulação
das representações sobre o processo abolicionista com a
reivindicação da melhoria de vida da população
negra, reivindicação que envolve a luta por educação
escolarizada, como pode ser percebido na análise das propostas
da Frente Negra Brasileira de Sorocaba. Acrescente-se que a forma de apropriação
da história da abolição é travada no campo
ideológico, envolvendo também o pensamento dos representantes
das questões “raciais” no Brasil, Gilberto Freyre,
por exemplo, aspecto que será abordado posteriormente.
A seguir, tentamos caracterizar a denominada Frente Negra Brasileira de
Sorocaba.
FRENTE NEGRA BRASILEIRA DE SOROCOBA
Vários foram os estudos sobre a Frente Negra Brasileira, dentre
os quais podemos citar: Pinto (1993); Barbosa (1998) e Guimarães
(2002). Os estudos abordam os mais diferentes aspectos desse movimento
social , porém, em sua maioria, focam sua atenção
na organização da Frente Negra Brasileira, em São
Paulo, capital do Estado .
A presente pesquisa é realizada levando em consideração
a Frente Negra Brasileira de Sorocaba. Acreditamos que os estudos, ao
ultrapassarem a capital de São Paulo, possibilitam uma síntese
mais satisfatória sobre este movimento, para formular um quadro
que considere novos aspectos sobre a Frente Negra Brasileira no Brasil.
A história da Frente Negra Brasileira de Sorocaba na pesquisa é
reconstituída a partir da entrevista concedida pela Srª. Ondina
Seabra no dia 11 de novembro de 2004, no centro da cidade. Neste depoimento
a Srª. Ondina aborda a participação da população
negra na construção de Sorocaba.
Ondina Seabra nasceu em Sorocaba/SP, no dia 01 de julho de 1921; é
filha de João Seabra e Martha Vianna Seabra, que tiveram além
dela mais três filhas/o ; Osvaldina, Seabra, 87 anos, Maria das
Dores Porto (falecida) e Euclydes Seabra (falecido).
Segundo ela, sua mãe queria, para o/as filho/as , uma vida diferente
da que conhecia, e fez todo o sacrifício necessário para
que ele/as estudasse. Assim sendo, a vida de sua mãe foi vivida
para proporcionar, aos filhos/as um futuro melhor , através dos
estudos.
A Srª. Ondina relata que vivia feliz com sua família. Recorda
que, acompanhada de sua família na infância,freqüentava,
constantemente, as festas da Frente Negra Brasileira de Sorocaba , onde
tomava parte em peças teatrais, ensaiadas por Izolina e Maria Dias.
Minha mãe participava como voluntária , toda a comemoração
que tinha no 13 de Maio , ela fazia parte também, então
nós íamos de lanterninha, á noite , para as crianças
era uma maravilha, e íamos até o teatro municipal, o teatro
São Rafael , hoje e a FUNDEC,ali que era o teatro de Sorocaba (Depoimento:18/04/05).
Aos 7 anos de idade a Srª. Ondina recorda que foi levada pela primeira
vez a escola por um integrante da Frente Negra Brasileira de Sorocaba
, amigo da família: Benedicto Andrade;
Eu estava com 7 anos , tinha que ir para um grupo, então em casa
como todo mundo trabalhava , todo mundo era empregado, todo mundo trabalhava
na fábrica , ele disse: deixa que a Onda eu levo para ser matriculada
, e me trouxe para o grupo escolar Antônio Padilha, ele que me matriculou
no grupo. Como se fosse meu pai, como se fosse um irmão mais velho,
como se fosse uma pessoa da família. Ele não era da nossa
família, mas era mais do que isto , porque ele era muito afeiçoado
à causa do negro, é uma causa que nós continuamos
trabalhando não sei até quando.
(...) era muito simpático , olhos verdes, a vida dele era falar
sobre Luis Gama . Luis Gama é que era o herói dele , queria
seguir os passos de Luis Gama , e queria que todo mundo também.
Ele me deu um livro de Luis Gama.
Ele incentivava que todo o negro deveria se preparar para a vida , se
preparar como negro, não como negro que depois que embranquecesse
pelo conhecimento se esquecesse a origem. Ele não , ele queria
todo mundo seguisse aquele caminho e que trouxesse mais gente para aquele
caminho dele que, era o caminho da nossa cultura ser mais divulgada ,
e que todo preto como ele costumava dizer, se ilustrasse mais.
Naqueles anos o negro tinha dificuldade para tudo, era raro o negro que
visitasse uma escola , ou porque a família não podia ou
porque quando ia em uma escola se sentia preterido , ou porque ia mal
vestido não tinha condições de ir bem alimentado,sempre
havia uma dificuldade para o negro , então é como diz se
ele não tivesse aquela boa vontade , aquela vontade enorme de ser
alguém na vida e de provar ao outro que se sentia capaz de fazer
alguma coisa, ele jamais iria a uma escola.
Nas escolas aqui não havia negros, poucos negros estavam no grupo
escolar, em um ginásio que era pago , e em qualquer outra escola
não existia negro, uma porque não faziam questão
que o negro fosse em uma escola, e outra que eram escolas pagas , o negro
não tinha condição (Depoimento 18/04/05).
Nos depoimentos Dona Ondina, refere-se às pessoas
que faziam parte da Frente Negra Brasileira de Sorocaba como irmão
de cor; perguntada por que desta referência responde:
Era muita gente que tinha aqui. Era uma comunidade muito grande de pretos
que tem e que teve Sorocaba. Esse pessoal mais velho da cidade, como a
família do Alfredo Monteiro, Juscelino, Benedito Congo que hoje
não conheço mais.Não vejo mais ninguém dessa
família, não sei se ainda existe. O Salerno das Neves, que
era o grande líder da comunidade negra. Emiliano que era seu grande
amigo. E muita gente que vivia no bairro chamado Vila Leão, onde
mais era o reduto dos pretos. Era na Vila Leão. E lá existia
muita gente que hoje dificilmente a gente pode encontrar, porque se espalhou
pela cidade” (Depoimento da Srª. Ondina Seabra- 29/11/2004).
Os depoimentos de Dona Ondina Seabra, evidenciam a mobilização
da população negra, em Sorocaba, particularmente a população
que morava no bairro Vila Leão, reconhecido por ela como reduto
dos pretos.
A Frente Negra de Sorocaba obteve intensa repercussão junto a população
negra, contando com 420 associados em 1932, segundo matéria do
jornal “O Repórter” de 15/05/1932,destacando as ações
voltadas para a promoção da população negra
através da educação. Segundo depoimento da Srª.
Ondina Seabra , na década de 1930, na Sede da Frente Negra de Sorocaba,
na rua Dom Antônio Alvarenga, funcionou uma escola noturna,cuja
professora foi a Srª. Ruth Vera Worhington.
A Frente Negra Brasileira tem fins altamente patrióticos. Fundando
escolas , promovendo sessões cívicas e patrocinando medidas
de igual valor intellectual , visa assim concorrer para o erguimento de
nosso nivel cultural.
Em Sorocaba a Frente Negra Brasileira despertou o maior enthusiamo, contando
já com 420 associados. (Jornal “O Repórter”
15/05/1932).
A matéria do jornal indica a diretoria da Frente Negra de Sorocaba:
E aqui a sede duma Delegação Especial, cuja directoria está
assim constituída:
Delegatario Especial , sr. Olympio Moreira da Silva; Delegatario , sr.
Benecdito Andrade Nascimento ; Secretario , sr. Benedicto Andrade; Thesoureiro,
sr. Alfredo Monteiro; Orador , sr. Olympio Castello Alves; Presidente
do conselho, sr. Salerno das Neves; Vice-dito, sr. Lucidio de Almeida
, Membros do Grande conselho; Benedicto Dias Assumpção ,
Benecdito Barbosa, Anquilino Aarão Setúbal, João
Evangelista, Virgilio Lopes, Isaltino de Arruda, Laerte Cearense, Benecdito
Wenceslau M.. , Luiz Corrêa de Moraes, Mariano Sant’Anna,
Luiz de Barros, Leontino, Luiz Lopes e Dino Mascarenhas.
A sede provisória da Delegação Negra de Sorocaba
é a rua Santa Clara 175.Iremos gradativamente dando publicidade
aos actos da Delegação, bem como expondo as suas finalidades,
que são em these grandiosas por visarem o bem estar individual
e colletivo de uma raça.” (O Reporter”, 15 de maio
1932, nº. 26).
Ainda sobre a Frente Negra Brasileira de Sorocaba a Srª Ondina Seabra
destaca;
A Frente Negra também, era um clube aberto pra todos. Mas sempre
tem aquela formação de grupos dentro do grupo. Mas era pra
todos, como todos os clubes foram feitos assim, com a finalidade de agregar
todos. Mas nem todos se chegam pra isso. (...) (Depoimento concedido em
29/11/04).
Segundo depoimento dado pela Srª. Ondina Seabra, em 24/04/05; existiam
divergências políticas no movimento. Ela relata como exemplo,
que Benedicto de Andrade, fazia parte da direção do movimento
e por ter sido considerado um revolucionário comunista teve problemas
com a direção e afastou-se:
O Benedicto de Andrade não conseguiu ir até o fim, porque
todos achavam que ele era um revolucionário, foi perseguido pela
policia, porque diziam que era comunista. Porque tinha influência
no movimento operário trabalhista, ele via o movimento como um
todo, porque os negros trabalhavam em fábricas (Depoimento 24/05/05)
Importante atentarmos que a educação foi um elemento vital
para o movimento, por ser considerada ponto primordial para a ascensão
social do negro.
Segundo matéria do jornal “O Repórter” a Frente
Negra Brasileira de Sorocaba, era uma instituição que viera
reunir as energias para lutar contra a exclusão da população
negra.
Parte integrante como é de nossa raça o negro, o brasileiro
mentiria ás suas tradicções si o aferrolhasse no
torniquete dos preconceitos de cor.
A raça negra encontra, sob o pallio das leis, a protecção
e o apoio que nossa pátria só e conceder a todos que trabalham
pelo seu engrandecimento.
Mesmo assim , não deixam de haver factos que venham depor contra
os nossos hábitos democráticos.
Até há bem pouco era vedado o ingresso do negro ás
escolas superiores. Não porque em depositivo legal tal permitisse,
mas porque infelizmente alguns espírito tacanhos apresentavam toda
a sorte de difficuldades.
Quase sempre preterido nos cargos electivos, nas repartições
publicas no magistério, em todas as manifestações
da actividade humana que exija representação social, o homem
de cor acabaria por se tornar justamente um revoltado , si não
foram altíssimos energias de que foi dotado.
Foi pois para reunir e concretisar taes energias, que se fundou a Frente
Negra Brasileira (Jornal “O Reporte 15 de maio 1932).
Ao mencionar uma pessoa que fazia parte da direção da Frente
Negra Brasileira de Sorocaba, o Sr. Roque Monteiro, a Srª. Ondina
refere-se a ele com muita emoção como um preto que também
vivia batalhando pela causa do negro, irmão do Alfredo Monteiro.
E reconhece em um documento que ela cedeu para a pesquisa, como sendo
a carteira de identidade do Srº Alfredo Monteiro, comentando que
ele foi um dos fundadores da Frente Negra Brasileira de Sorocaba . Na
carteira, o Srº Alfredo Monteiro é registrado com a profissão
de sapateiro e tesoureiro da entidade .
A Frente Negra Brasileira de Sorocaba incorpora nas suas atividades ações
sociais, principalmente voltadas para educação. Percebemos
através de matéria publicada e depoimentos da Srª Ondina
Seabra que a educação era uma preocupação
, compreendida como importante ascensão do negro na sociedade.
Segundo depoimento da Srª Ondina Sebara a Frente Negra Sorocaba possuía
uma escola noturna. Outro aspecto que merece nossa atenção
em relação às ações do movimento Frente
Negra Brasileira de Sorocaba, refere-se ao denominado dia da Abolição:
o Treze de Maio.
FRENTRE NEGRA BRASILEIRA DE SOROCABA: A COMEMORAÇÃO
DO TREZE DE MAIO
A compreensão do processo de produção da memória
produzida pela Frente Negra Brasileira de Sorocaba na década de
1930, requer uma abordagem teórico-metodologica, do contexto histórico,
ideológico, circunscrito aos movimentos abolicionistas e ao movimento
insurrecional dos escravos no Brasil do século XIX.
As matérias jornalísticas e os depoimentos da Srª.
Ondina Seabra - que tratam das comemorações do 13 de Maio
pela da Frente Negra Brasileira de Sorocaba -, estão de acordo
com os estudos da tese de doutorado de Regina Pahim (1993). A Autora faz
estudos sobre as comemorações do 13 de Maio realizadas pela
Frente Negra Brasileira na capital de São Paulo, e neste sentido
contatamos que se assemelham às realizadas pela Frente Negra Brasileira
de Sorocaba.
Segundo depoimentos da Srª. Ondina Seabra e matérias de jornais
da época, as comemorações iniciavam com um grande
baile no dia anterior ao 13 de Maio , e envolviam uma série de
atividades , desde o seu anuncio solene com alvorada, missas pelas almas
dos abolicionistas e cumprimentos à imprensa, associações
e clubes presentes, finalizando com uma passeata. Nessas ocasiões
discursavam vários oradores, com a participação de
um orador da Frente Negra Brasileira da capital de São Paulo.
O jornal “Cruzeiro de Sul” de 12 de maio 1930, ao descrever
uma dessas comemorações realizada em 13 de maio 1930, destaca
os nomes de pessoas que posteriormente vão fazer parte da direção
da Frente Negra de Sorocaba, digo posteriormente porque , as pesquisas
indicam a fundação oficial da Frente Negra Brasileira, em
16 de setembro 1931, demonstrando que o movimento da sociedade negra de
Sorocaba seja anterior a data de fundação.
Em todo o paiz passa-se sob a festa o dia de amanhã, que relembra
a rehabilitação da raça negra, mercê da lei
que declarava livre , no Brasil. Em Sorocaba esse acontecimento historico
será novamente festejado, congregando-se todos os pretos para a
condigna celebração da grande conquista. Encarregam-se dessa
commemoração os Srs. Salerno das Neves, Ramiro Parreira
, Euclydes Madureira, Antônio Santos, Olympio Castelo Alves, Roque
Monteiro, Josué Prestes, Abílio Madureira, Isaltino de Arruda
, Benedicto de Andadre e Benedicto Franscisco Soares, que fizeram o seguinte
programma : hoje á noite, grande baile no S. Paphael, amanhã:
alvorada de musica, pela S. Cecília, e salva ; ás 8, serviço
religioso na igreja de S. Antônio, por alma dos cruzados da abolição;
á tarde, passeata cívica, cumprimentando-se imprensa, associações
e clubes. Aos oradores pretos de Sorocaba deve juntar-se um da capital.
O jazz band flores tocará no baile. (Jornal: “Cruzeiro do
Sul” – 12 de maio 1930 - nº. 7006).
Nos depoimentos da Srª. Ondina Seabra, a comemoração
do 13 de Maio, representava a possibilidade de refletir sobre a situação
do negro pós-abolição, destacando a figura de Antônio
Salerno como líder da comunidade negra, diretor da Frente Negra
de Sorocaba e presidente da Irmandade de São Benedito em Sorocaba.
Eu ia com minha mãe em toda a comemoração, continuava
sendo o aluarte dos negros o Salerno das Neves que era o nosso líder,
um preto grande como o nome diz , gordo, usava aquelas capas enorme assim
(Depoimento 18/04/05)
Quando eu falei nesse grupo, nesse líder que era o Salerno das
Neves, ele sempre levou a comunidade negra a se apresentar na sociedade.
Então naquelas festas, de 13 de maio principalmente, é que
ele juntava toda sua irmandade e trazia para o centro nos desfiles, com
luz, e nós íamos terminar, começava aqui no centro
o desfile e terminava no prédio da São Rafael, que era na
rua Brigadeiro Tobias, hoje o FUNDEC. Era um teatro muito bonito que existia
aqui em Sorocaba, os seus camarotes, as suas cadeiras, suas poltronas
todas enfeitadas, todas de veludo. E ali terminava o desfile dos pretos
no 13 de maio (...) (Depoimento concedido em 29/11).
A Srª. Ondina Seabra descreve o desfile do 13 de Maio, realizado
por integrantes da Frente Negra Brasileira de Sorocaba, como um momento
de reflexão da situação do negro em relação
ao branco. E nas comemorações conforme o orador os abolicionistas
eram destacados, entre eles Joaquim Nabuco, José do Patrocínio,
Luis Gama;
Esses desfiles eram feitos a noite. Só desfilava a comunidade negra.
E algum simpatizante, algum branco simpatizante, também como sempre
aparece algum político, sempre se entrosa nesse meio. Mas eram
feitos só por negros. E ali eram feitos os discursos que falava
só sobre abolição da escravatura. Quando deveríamos
pensar de tocar a nossa vida pra frente. Como dali em diante nós
poderíamos viver? Qual era o modo mais fácil de nós
conseguirmos ser livres? Mas até a pouco tempo, isso é muito
novo. É muito novo se pensar em levantar o negro na mesma condição
do branco. Porque existe também, muitos negros brancos. Mas cada
uma resolve sua vida conforme goste, conforme queira, conforme pense.(Depoimento
concedido em 29/11/05).
No dia da comemoração destacava-se os nomes dos abolicionistas
conforme o orador, os abolicionistas destacados eram : Joaquim Nabuco,
José do Patrocínio , Luiz Gama , entre outros.(Depoimento
24/05/05).
Nesse sentido percebemos que na comemoração do 13 de Maio
pela Frente Negra de Sorocaba, enfatiza os abolicionistas, porém
não exclui a denuncia da situação social da população
negra pós abolição, principalmente no que se refere
ao acesso à educação escolarizada. Observemos, então,
a celebração do Treze de Maio, na instituição
escolar.
Sobre a data 13 de Maio na década de 1930, a Srª. Ondina recorda-se
que pouco se falava sobre a data, nas escolas não havia comemorações
destacadas como na Frente Negra Brasileira de Sorocaba . Ela se recorda
da data na época que fez o primário no Grupo Escolar Antônio
Padilha
O 13 de Maio era lembrado somente nas datas , ou na ocasião das
aulas de história.
Na data 13 de Maio na classe falava-se um pouco mais da Princesa Isabel,
como redentora dos escravos, e dos abolicionistas ; entre eles José
do Patrocínio, Rebouças, Joaquim Nabuco, e Luis Gama (Depoimento
28/04/05).
Outro aspecto deste processo que avaliamos importante é o exame
do Treze de Maio, circunscrito ao embate e debate ideológico que
incide na formação da sociedade brasileira.
AS IDEOLOGIAS RACIAIS NO SÉCULO XIX E SUAS INFLUÊNCIAS
NOS DISCURSOS DO MOVIMENTO ABOLICIONISTA NO BRASIL.
Nosso propósito, a seguir, é o de observar alguns dos discursos
fundadores das relações raciais no movimento abolicionista
do Brasil, no século XIX , sem determo-nos em sua análise
pormenorizada, mas tentando discernir o processo pela apropriação
da memória da abolição dos escravos no Brasil, e
como este processo interfere na comemoração do 13 de Maio
na década de 1930, em Sorocaba.
A ideologia da comemoração do 13 de Maio, que exclui as
populações negras de seu papel histórico, e reproduz
sua imagem reduzindo-as aos escravos, perpassa a versão racista
construída ao longo do século XIX, e disputará com
organizações do movimento negro, um espaço com significado
de luta anti-racista ao longo de quase todo o século XX. (AZEVEDO,
2004).
Influenciadas por teorias como o positivismo, o evolucionismo e o darwinismo,
do século XVIII, as versões racistas do século XIX,
a partir de 1870, marcam presença no cenário brasileiro.
Neste contexto, o conceito “raça”, que através
da história vai adquirir vários sentidos, no final do século
XVIII vai expressar uma reação ao Iluminismo em sua visão
unitária da humanidade (SCHWARCZ, 2003, p. 47).
A idéia de diferenças naturais entre seres humanos ganha
novos recursos argumentativos e, neste contexto, desenvolve o debate da
construção do Brasil enquanto Nação. Este
debate é influenciado pela discussão advinda da Europa,
que estava concentrada nas teorias que definiam as diferenças raciais:
o darwinismo social .
Giralda SEYFERTH em artigo publicado “O Racismo e o Ideário
da Formação do Povo no Pensamento Brasileiro” (2002)
, comenta que a ideologia construída dentro e fora dos meios acadêmicos
ocidentais que pressupunha a desigualdades da raça humana fundamentam
as grandes potências européias nas explicações
do sucesso do capitalismo e o êxito do seu domínio.
O uso das teorias científicas para a explicação desenvolvimento
econômico, e reforço da autoridade intelectual da Europa
, se basearam nos pressupostos de superiores e inferiores. Em suma os
europeus eram raças superiores, e gozavam do direito de escravizar
outros povos considerados inferiores.
Nos séculos XVIII e XIX duas vertentes vão sustentar a ideologia
de dominação baseada no direito advindo pela superioridade
da civilização européia , estas vertentes que explicam
origem da humanidade, (monogenista e poligenista) vão influenciar
o pensamento brasileiro do movimento abolicionista no Brasil.
A visão monogenista tem como explicação do surgimento
da humanidade, as escrituras bíblicas. Segundo esta versão,
o homem tem como origem uma fonte comum, sendo os diferentes grupos humanos
apenas um produto. Pensava a humanidade numa escala que iria do mais perfeito,
(próximo ao Éden) , ao menos perfeito (degeneração)
(SHWARCZ, 1993, p. 48).
A versão poligenista, fortalece uma visão biológica,
que encara o comportamento humano como resultado de processos biológicos
naturais, levando em conta várias características como,
por exemplo, cor do cabelo, pele, tamanho e proporção de
cérebro, etc. Tais critérios funcionaram porque os cientistas
que os criaram partiram de um principio pré-estabelecido: o de
que o avanço civilizatório estava vinculado à superioridade
biológica e, nesse caso, as características anatômicas
dos povos com civilização mais desenvolvida, no caso, a
européia ocidental , eram , necessariamente, as determinantes da
superioridade racial.
Sem pressupor, num primeiro momento, uma noção única
de evolução, - noção esta decorrente da publicação
e divulgação da obra de Charles Darwin, “Origem das
espécies”, em 1859 -, o embate entre poligenistas e monogenistas
tende a amenizar-se; o darwinismo passa a ser o paradigma da época
(SCHWARCZ, p. 54).
As explicações de Darwin para analisar mudanças ocorridas
nos vegetais e animais, a relação com a natureza, teve grande
impacto que escapam da biologia para adentrar nas questões de cunho
político e cultural, favorecendo sua aplicação nas
várias disciplinas sociais, antropologia, sociologia, história,
política e economia. (SCHWARZ,.2004 , p. 55).
Foi com base nos estudos testados em animais e plantas, que pensadores
como Arthur de Gobineau utilizou a teoria da seleção natural,
dentre outros argumentos, para tentar explicar a sociedade humana. Segundo
suas conclusões, alguns grupos humanos teriam herdado certas características
que os tornavam superiores e lhes concediam o direito de comandar e explorar
outros. Pela mesma lógica, haveria outros grupos portadores de
características tais que restavam-lhes a subordinação,
a condição inferior. Tais interpretações permitem
uma visão de hierarquização das raças e povos,
vinculados ao imperialismo europeu para explicar o domínio ocidental,
e a classificar a humanidade com base em raças inferiores e superiores,
explicação que avança no sentido de demonstrar o
caráter negativo da miscigenação. Assim, estas teorias
vinculadas às correntes de pensamento evolucionista da história
da humanidade, que parte de critérios morfológicos e medidas
sobretudo cranianas, levaram à hierarquização baseada
na associação entre características anatômicas
a “qualidades” ou “defeitos” de natureza moral,
cultural, social etc. E vão ser utilizadas para afirmar a superioridade
dos brancos europeus sobre as demais raças (OLIVEIRA, 2002,21).
A perspectiva evolucionista traz consigo a marca da crença na desigualdade
racial, mesmo sem explicação direta de critérios
biológicos, visto que, nessa hierarquização civilizatória,
o ocidente tem sua primazia absoluta assegurada pelas leis da natureza.
Esta concepção que dá sustentação do
liberalismo econômico europeu no desenvolvimento do capitalismo,
fortalece a argumentação de que a sociedade é fundamentada
por leis naturais, parecidas com as que reinam na natureza, e associa
o progresso à noção de luta pela vida, onde os mais
“fortes”, os “mais desenvolvidos” são os
mais aptos (OLIVEIRA, 2002, p.19).
Assim, as teorias que corroboram a superioridade ocidental foram apropriadas
para a ganância dos paises imperialista, resultando numa lógica
que explica a história das nações tendo como parâmetro
a sociedade industrial como a mais evoluída, enfatiza o primado
da raça sobre a cultura e torna, a como explicou Gobineau, a aristocracia
de “sangue nobre” em referencia da civilização.
Neste sentido Gorbineau associa a mestiçagem à decadência
da humanidade. (OLIVEIRA, 2002, p. 20).
Autores como Herbert Spencer e Arthur de Gobineau , entre outros que,
de formas diversas, acreditaram na superioridade da humanidade ocidental
branca, foram lidos e interpretados no Brasil, influenciando uma visão
da história baseada nos efeitos da miscigenação.
Trabalhos de Spencer e Gobineau, foram publicados na década de
1850, mas suas teses vão ter maior notoriedade no final do século
XIX.
A versão racista construída ao longo do século XVII-XIX,
segundo o pesquisador Kabengele Munanga, não se limita apenas á
classificação dos grupos humanos, estas versões vão
ser usadas pelo poder dominante para hierarquizar as “raças”,
como instrumento de dominação :
Se os naturalistas dos séculos XVII-XIX tivessem limitado seus
trabalhos somente á classificação dos grupos humanos
em função das características físicas, eles
não teriam certamente causado nenhum problema à humanidade.
Suas classificações teriam sido mantidas ou rejeitadas como
sempre aconteceu na história do conhecimento científico.
Infelizmente, desde o inicio, eles se deram o direito de hierarquizar,
isto é estabelecer escala de valores entre as chamadas raças.
E o fizeram erigindo uma ralação intrínseca entre
o biológico (cor da pele, traços morfológicos) e
as qualidades psicológicas, morais, intelectuais e culturais. Assim
os indivíduos da raça “branca” e “amarela,
em função de suas características físicas
hereditárias, tais como a cor clara da pele, o formato do crânio
( dolicocefalia), a forma dos lábios, do nariz , do queijo etc.
que, segundo pensavam, os tornavam mais bonitos, mais inteligentes, mais
honestos , mais inventivos etc. e, consequentemente , mais aptos para
dirigir e dominar as outras raças, principalmente a raça
negra, a mais escura de todas, considerada, por isso, como a mais estúpida,
mais emociona, menos honesta, menos inteligente e, portanto, a mais sujeita
à escravidão e a toda dominação (BRANDÃO,
2004, 21-22).
No Brasil cientistas reforçavam as teorias importadas que colocavam
a inviabilidade do Brasil, enquanto nação. Entre os principais
analistas das relações raciais no Brasil, daquele período,
estão: Nina Rodrigues, Silvio Romero e Oliveira Vianna. Seus estudos
sobre medicina legal, criminalidade, deficiências físicas
e mentais embasavam diferentes versões do embranquecimento e fomentavam
argumentos científicos para justificar a política de estímulo
à imigração européia e à miscigenação.
Uma vez que os brancos eram minoria, era necessária a imigração
de brancos europeus, tidos como brancos ideais , a fim de permitir uma
maior assimilação dos negros e mulatos.
As ideologias que divulgaram a inferioridade dos não brancos através
da subordinação da cultura e da civilização
a princípios biológicos, estão presentes nos debates
sobre a escravidão muito antes da consolidação do
movimento abolicionista (OLIVEIRA , 2002, 15) . Neste contexto a crença
na inferioridade biológica e cultural da população
negra é usada como arma para dar legalidade à população
branca supostamente tida como uma civilização superior,
neste contexto o sistema escravista vai ter apóio de todos os setores
ligados à elite escravista no Brasil: o Estado monárquico,
os movimentos liberais, a Igreja católica.
Em resumo, é neste contexto que se desenvolve o movimento abolicionista
no Brasil, que discutia, por exemplo, se era possível uma sociedade
liberal, uma sociedade com progressos, quando grande parte da população
era não-branca. Quanto a isto, pensavam, como fórmula para
o Brasil, atingir o desenvolvimento, tão difundido no pensamento
liberal, com o fim da escravidão e a incorporação
da mão de obra livre , composta de imigrantes europeus. Todavia
na defesa da incorporação da mão de obra européia
através da imigração, estava expressa a preocupação
com a intensidade da miscigenação, que na segunda metade
do século XIX, configura o Brasil com a população
majoritariamente negra e mestiça
Estas teorias percorrem o pensamento abolicionista no Brasil , Joaquim
Nabuco, por exemplo, “não deixava dúvidas de que seu
alvo era um Brasil mais branco”, para ele “era uma lástima
que os holandeses não tivessem permanecido no Brasil pelas alturas
do século XVII. E embora explicasse, cuidadosamente, que as grandes
contribuições holandesas tinham sido a “liberdade
do comércio e a liberdade da consciência, as implicações
étnicas pareciam inconfundíveis” (SKIDMORE, 1976,
p. 37).
Segundo SKIDMORE (1976), os abolicionistas falavam sobre o papel da raça
na História, prevendo um processo evolucionista, com o elemento
branco prevalecendo gradualmente, e defendiam a imigração
como aceleramento do processo de branqueamento.
A questão da racial vai estar em debate nos discursos abolicionistas.
Muitos faziam viagens à Europa e estavam inevitavelmente, a par
das teorias racistas. Nabuco por exemplo, não deixava dúvidas
de que seu alvo era um Brasil mais branco e teria se oposto à introdução
de escravos africanos, da mesma maneira como se opôs ao plano da
escravatura asiática. Neste sentido Skidmore destaca:
(....) a proposta de importar trabalhadores chineses para substituir os
escravos. Em sua opinião era uma lástima que os holandeses
não tivessem permanecido no Brasil pelas alturas do séc.
XVI. Embora explicassem,cuidadosamente, que as grandes contribuições
holandesas tinham sido “a liberdade do comércio e a liberdade
de consciência”, as implicações étnicas
pareciam inconfundíveis : “A nossa evolução
social foi demorada pela pronta terminação do domínio
holandês (SKIDMORE, 1978, p.39).
Segundo Skidmore, os abolicionistas preocupados com o “fator étnico”,
partilhavam da crença geral de que a sociedade brasileira não
abrigava preconceito racial. Sobre este assunto comenta:
Os debates das leis abolicionistas revelam a prevalência dessa convicção
no seio de todas as facções políticas. Em 1971, por
exemplo, Perdigão Malheiro, deputado por Minas Gerais e reconhecida
autoridade em matéria de lei escravagista, condenou o que considerava
injustificadas e caluniosas críticas á harmonia racial brasileira
Desde que para o Brasil vieram os negros da Costa d África, nunca
houve esse desprezo pela raça africana, que , aliás, se
notava em outros paises, principalmente nos Estados Unidos.” . “A
escravidão se tornara menos perniciosa” – dizia ele-
, “principalmente depois de 1850”. Preconceito de cor no Brasil?
Senhores, eu conheço muitos indivíduos de pele escura que
valem mais do que muitos de pele clara. Esta é a verdade. Não
vemos nas escolas , nas academias , nas igrejas , ao nosso lado, homens
distintos, bons estudantes, de pele de cor? Não vemos no parlamento,
no governo, no conselho de Estado , em missões diplomáticas,
no exército, nas repartições públicas, gente
de pele mais ou menos escuras, de raça mestiça ( SKIDMORE,
1976, p. 39).
SKIDMORE continua:
Tal opinião era aceita entre a elite: O Brasil soubera evitar o
preconceito de raça. Como escreveu Nabuco em O Abolicionismo: “A
escravidão, por felicidade nossa, não azedou nunca a alma
do escravo contra o senhor, falando coletivamente, nem criou entre as
duas raças, o ódio recíproco que existia naturalmente
entre os opressores e oprimidos”. Além disso, a experiência
recente demonstrou que “a cor, no Brasil, não é como
nos Estados Unidos , um preconceito social contra cuja obstinação
pouco pode o caráter, o talento, e o mérito de quem incorre
nele”.(SKIDMORE, 1976, p. 39)
E ainda observa.
O positivismo parecia atraente aqueles membros da elite que desejam o
progresso econômico sem mobilização social. Julgando
a massa da população “despreparada” para a participação
plena da sociedade (devido ao analfabetismo, ao meio racial inferior etc.
.)” (SKIDMORE, 1976, p.29) .
Na obra de AZEVEDO (2004) as imagens perseguidas pelos abolicionistas
em relação ao futuro é de um país de predominância
européia, um paraíso racial brasileiro, onde a miscigenação
embranqueadora ocorria sem qualquer restrição legal ou de
costumes.
Sendo assim no período abolicionista divulgou-se a crença
de que a sociedade brasileira não abrigava o preconceito racial,
e que no Brasil prevaleceu a escravidão benigna .
Neste sentido, a questão da miscigenação no Brasil,
perpassa um discurso ideológico que oscila entre,a crença
de que o africano e o índio são elementos inferiores, elementos
de desqualificação da identidade brasileira, portanto era
preciso branquear a nação, e ao contrário, a defesa
da miscigenação, considerada como uma vantagem vital para
o Brasil, chegar a ser branco., nessas duas concepções está
embutido o reforço do ideal do branqueamento. Esta visão
avança até a década de 1930. Com a queda dos paradigmas
que até então explicavam as questões raciais da humanidade
e com a aceitação científica de modelos raciais que
explicam a humanidade dividida em espécies, surge a noção
elaborada pelo antropólogo Gilberto Freyre, de que o Brasil é
um país racial e culturalmente miscigenado (SCHWARCZ, 1993, p.
248).
Gilberto Freyre segundo Azevedo em o “Novo Mundo nos Trópicos”
(1971 p.183-186) “supervalorizou o papel dos políticos conservadores
de uma monarquia simpática à abolição de modo
a sublinhar a narrativa de uma transição pacífica
da escravidão ao trabalho livre sob a égide do Parlamento”
(AZEVEDO, 2003,p. 32-33).
Em sua obra Casa Grande e Senzala, Gilberto Freyre, desbanca a afirmação
de que a miscigenação era um dano para a representação
do Brasil, ao contrário era uma vantagem, demonstrando a contribuição
do índio e do negro na formação da cultura brasileira.
No entanto, segundo Skidmore, esta análise reforça o ideal
do branqueamento:
(...) muito contribuiu para focalizar a atenção no valor
intrínseco do africano como representante de uma alta civilização
própria. Gilberto Freyre oferecia, assim, àqueles brasileiros
que o quisessem interpretar dessa maneira, uma nova rationale para a sociedade
multirracial, em que as “raças” componentes –
européia , africana e índia – podiam ser vistas como
igualmente valiosas . O valor prático da sua analise não
estava todavia, em promover o igualitarismo racial . A análise
servia, principalmente, para reforçar o ideal de branqueamento,
mostrando de maneira vívida que a elite ( primitivamente branca)
adquirira preciosos traços culturais do íntimo contato com
o africano ( e com o índio, em menor escala)(SKIDMORE, 1976, p.
211).
As teorias “raciais” elaboradas no século ao longo
dos XVII , XIX ,XX, com destaque a ênfase dada a inferiorizarão
da população negra, a miscigenação, e ao Brasil
da democracia, são elementos importantes para o entendimento da
ideologia que perpassa a comemoração do 13 de maio no período
de 1930 em Sorocaba.
REFLEXÕES TEÓRICAS SOBRE A COMEMORAÇÃO DO
13 DE MAIO NA FRENTE NEGRA BRASILEIRA DE SOROCABA E GRUPO ESCOLAR ANTÔNIO
PADILHA NA DÉCADA 1930.
A comemoração do 13 de Maio realizada pela Frente Negra
Brasileira de Sorocaba, e Grupo Escolar Antônio Padilha destaca
os abolicionistas como responsáveis pela abolição
da escravidão no Brasil. No depoimento da Srª. Ondina a presença
da princesa Isabel como redentora dos escravos aparece na escola. Também
constatamos que a comemoração do 13 de Maio realizada pela
Frente Negra Brasileira de Sorocaba era um momento de reflexão
e denuncia da situação da população negra
na sociedade brasileira. Buscamos em AZEVEDO (2003), algumas reflexões
sobre o que era enfatizado na época, pelos historiadores que abordam
o tema, para que possamos contextualizar melhor nossas interpretações.
Os historiadores brasileiros que escreveram durante as primeiras duas
décadas do século XX enfatizaram o papel revolucionário
dos abolicionistas, a sua luta contra a escravidão e o racismo,
bem como o papel revolucionário dos escravos ao abandonar as fazendas
num grande movimento de massa. Mas a emergência do mito do paraíso
racial a partir da década de 1930 diminuiu a atenção
sobre os aspectos mais radicais do abolicionismo. Gilberto Freyre supervalorizou
o papel dos políticos conservadores e de uma monarquia simpática
á abolição de modo a sublinhar a narrativa de uma
transição pacífica da escravidão ao trabalho
livre sob a égide do Parlamento. (AZEVEDO, 2003, p. 32-33).
É importante observar o que era refletido no meio acadêmico
na época, no que se refere à interpretação
da história da abolição. Segundo Regina Pahim Pinto,
naquele momento era considerado na maioria dos estudos sobre o término
da escravidão no Brasil, que os escravos foram passivos e os abolicionistas
atuantes. Segundo Regina Pahin (1998) , “até que ponto o
negro teria condições de ir além desta percepção
é uma questão discutível, uma vez que só recentemente
os estudos começam a contestar a passividade do escravo e a enfatizar
sua resistência”. (PINTO, 1993, p. 193). Ainda, continua Pahin
(1993), que mesmo entre os que estudam a história da abolição
denunciando a não passividade do negro na história da escravidão
, há uma tendência de não reconhecer nos movimentos
dos escravos uma força que proporcionou o fim da escravidão.
E remetem as ações do negro, a uma visão reducionista
da história, buscando explicações na estrutura econômica.
Nesse sentido, a queda do regime escravista, o fim da escravidão,
só teria ocorrido em função da pressão econômica
internacional naquele contexto (PINTO, 1993, p. 193).
O corte que os estudos empreendiam, ao focalizar o processo de libertação
dos escravos, a partir da atuação dos abolicionistas, reflete
a pouca atenção em relação à luta do
negro para a derrota da escravidão no Brasil. A este respeito Azevedo
(2004), demonstra como as revoltas dos escravos, ocorridas nas fazendas
e vilas, sobretudo em 1870, vão influenciar decisões importantes,
para coibir o tráfico de escravos em todo o Brasil, e vão
gerar medo no governo monárquico e na elite escravista. Este contexto
gera a formação de uma corrente da política imigrantista,
racista que traz no seu bojo a defesa da inferioridade do negro e a superioridade
do branco, com conseqüências graves para a população
negra pós-abolição.
Os estudos de Célia Maria Marinho de Azevedo,que em suas obras
“Onda Negra e Medo Branco .O negro no Imaginário das Elites
Século XIX” (2004), “Abolicionismo Estados Unidos e
Brasil uma história comparada (século XIX)” (2003),
e “Anti-racismo e seus paradoxos reflexões sobre cota racial,
raça e racismo” (2004), elucidam outras questões importantes
sobre o 13 de Maio, no Brasil, refletindo que a abolição
dos escravos não ocorreu somente pela pressão dos abolicionistas
urbanos, mas também e sobretudo, devido á pressão
de um movimento insurrecional negro abrangente. A autora avalia que estas
interpretações vão interferir na forma de comemoração
representativa da abolição dos escravos.
As manifestações de ex-escravos nas ruas que se seguiram
após o 13 de maio de 1888, trazem em seu conteúdo o significado
desta data, onde o negro é representado como sujeito histórico
que experimentou a escravidão, e que lutou para se livrar dela.
(AZEVEDO, 2004).
Em um cenário pós abolição a policia vai para
reprimir as manifestações feitas pela população
negra. É neste contexto que a construção da memória
histórica e política da abolição é
disputada entre monarquistas e republicanos. Enquanto os monarquistas
destacam a escravidão dos escravos sendo redimida pela “redentora”
princesa Isabel , os republicanos destacam o esforço de abolicionistas
heróis. (AZEVEDO, 2004, p. 92).
Nas duas versões partidárias (monarquistas e republicanos),
a história do escravo como sujeito ativo da libertação
está ausente, sendo “reduzido à figura de um ser passivo,
inferiorizado não só pelos séculos de vivência
no cativeiro, como também devido ao seu suposto pertencimento a
uma raça inferior” (AZEVEDO, 2004, p. 92).
Segundo AZEVEDO , as versões republicanas e monarquistas da Abolição
têm um ponto comum , representam a redenção dos escravos
como benemérito de homens brancos progressistas e humanitários
, com apoio de alguns abolicionistas “mulatos”. Com o passar
do tempo as divisões partidárias perderam força,
mas a visão do negro de raça inferior redimida pelo branco
de raça superior, perdura até hoje na historiografia brasileira
.(AZEVEDO, 2004, p. 24). Avaliamos que estas observações
contribuem, minimamente, para o entendimento do tema-objeto proposto neste
escrito.
Referências,.
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Annablume, 2003.
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Tese de Doutora do, Universidade de São Paulo, 1993.
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