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VIVENCIANDO
A CONSTRUÇÃO DE JORNAL NA ESCOLA
Maria Angélica Pitanga de Macêdo
Silva - Secretaria de Educação/Prefeitura do Recife –
PR
A escola, ambiente onde encontramos diversas formas de nos expressarmos,
de discutirmos, de dialogicidade, traz-nos muitas experiências no
tocante ao ensino e à aprendizagem. No contexto escolar estão
presentes diferentes maneiras de se trabalhar a leitura e a escrita, por
exemplo. Nesse local, desde cedo, as crianças entram em contato
com distintos materiais e metodologias que dão suporte ao trabalho
que envolve os atos de ler e escrever. Dentre os materiais que são
utilizados para promover o exercício da leitura, destaca-se o livro,
que é o mais utilizado nas escolas. Além da leitura, esse
recurso didático estimula o falar, a oralidade, o diálogo,
a escrita, a discussão entre os alunos e os professores. A revista
e o jornal também merecem destaque, mas estes não são
tão explorados no dia-a-dia escolar. O jornal, por exemplo, é
um ótimo recurso, já que é um suporte que traz diversos
gêneros textuais em seu corpo. Por isso, nesse relato de experiência,
abordaremos tal recurso como importante material a ser discutido e vivenciado
no cotidiano da escola. Este relato é fruto de uma experiência
desenvolvida na Escola Municipal Sítio do Berardo, uma das escolas
da Prefeitura do Recife.
O presente trabalho, para ser explicado e compreendido melhor, está
dividido em três partes. Na primeira, enfatizamos os gêneros
textuais, a construção de textos e a utilização
de jornal na escola, destacando as abordagens de Marcuschi (1997) no que
se refere aos gêneros; de Bakhtin (1997) levando-se em consideração
a abordagem enunciativo-discursiva e de Pontual (1999) e Souza (2002),
que destacam o uso do jornal na escola. Na segunda, enfocamos o trabalho
com jornal no ambiente escolar, descrevendo as atividades realizadas com
esse meio de comunicação e as etapas didáticas vivenciadas
na produção do jornal da Escola Municipal Sítio do
Berardo. Na última parte, apresentamos os resultados advindos dessa
experiência.
1. Gêneros textuais, construção de
textos e jornal
A escola é um local onde podemos encontrar diversas
formas de se trabalhar conteúdos de inúmeras áreas
de conhecimento, e, para que sejam vivenciadas distintas temáticas,
os professores utilizam metodologias e materiais os mais diferentes possíveis
para atrair a atenção dos alunos, instigando-os e estimulando-os
a quererem participar das aulas com entusiasmo e, conseqüentemente,
aprender cada vez mais e também ensinar com suas experiências.
Um dos materiais utilizados nas salas de aula são os livros que
estão recheados de gêneros textuais, os quais são,
segundo Marcuschi (2002:19), “entidades sócio-discursivas
e formas de ação social incontornáveis em qualquer
situação comunicativa”. É interessante abordar
ainda que os mesmos podem ser mudados com o auxílio de muita imaginação
e criatividade. Sobre isto, o autor afirma que “os gêneros
não são instrumentos estanques e enrijecedores da ação
criativa”, eles “caracterizam-se como eventos textuais altamente
maleáveis, dinâmicos e plásticos”. Bakhtin (1997)
afirma que os gêneros são tipos “relativamente estáveis”
de enunciados elaborados pelas mais diversas esferas das atividades humanas.
Por isso, não apresentam formas estruturais fixas.
O trabalho com gêneros no ambiente escolar é fundamental
para o desenvolvimento de vários aspectos, entre eles estão
o cognitivo, cultural e social. Cada gênero tem sua peculiaridade,
sua especificidade, assim como nós, mas o mais importante são
as funções que o mesmo abriga, a saber: comunicativa, cognitiva
e institucional.
Os gêneros textuais apresentam grande diversidade, são inúmeros,
podemos citar alguns deles: telefonema, carta pessoal, romance, bilhete,
reportagem jornalística, aula expositiva, reunião de condomínio,
horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista
de compras, cardápio de restaurante, instruções de
uso, outdoor, inquérito policial, resenha, edital de concurso,
conversação espontânea, seminário, carta eletrônica
e bate-papo na internet. Percebe-se diante de todos esses exemplos, que
o trabalho com gêneros pode ser algo diversificado e riquíssimo
se for bem explorado pelos profissionais da área de educação.
A proposta de se trabalhar na escola com os gêneros é de
suma importância, pois “é impossível se comunicar
verbalmente a não ser por algum gênero, assim como é
impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum
texto” (MARCUSCHI, 2002:22). Compreende-se, dessa forma, que constantemente
fazemos uso dos gêneros porque os mesmos têm propriedades
sócio-discursivas. Cada exemplo de gênero apresentado acima
tem sua função em situações comunicativas,
vejamos algumas: Se uma empresa quer apresentar um determinado produto
para os consumidores ela poderá utilizar um outdoor; caso alguém
esteja morando fora do Brasil e queira comunicar-se com os seus familiares,
poderá escrever e enviar uma carta pessoal; se um professor quer
explicar aos alunos sobre a leptospirose ele fará uma aula expositiva.
Como podemos perceber são inúmeras situações,
cada qual com um propósito, com uma finalidade e, conseqüentemente,
com a utilização de um gênero específico.
Segundo Bronkart (1999 apud MARCUSCHI, 2002:29), “a apropriação
dos gêneros é um mecanismo fundamental de socialização,
de inserção prática nas atividades comunicativas
humanas”. Diante disso, a escola precisa proporcionar aos alunos
uma grande diversidade de gêneros orais e escritos, abrangendo as
várias esferas de circulação, para que se apropriem
das características de cada um deles e saibam, nos momentos adequados,
utilizá-los com segurança. É importante frisar, no
entanto, que não basta “expor” diferentes gêneros
textuais. Estes devem ser explorados pelo professor, tanto no momento
de produção oral ou escrita como no momento de leitura de
textos. Dessa forma, é fundamental que se vivenciem na escola os
gêneros textuais que circulam no mundo fora dela, estimulando-se
a leitura em diversos portadores de textos e as discussões das
idéias, informações e intenções dos
autores em cada texto. Ou seja, é de fundamental importância
que a escola amplie o acesso ao mundo letrado levando para as salas de
aula os vários suportes tecnológicos da comunicação
utilizados nas vivências sociais, a exemplo das revistas e dos jornais.
Com isso, a instituição escolar estará “cumprindo
um papel importante na busca da igualdade de oportunidades” (BRASIL,
1998:151).
Entretanto, para que o trabalho com leitura e escrita de diversos gêneros
aconteça de fato no contexto escolar, faz-se necessário
que o professor seja, antes de tudo, leitor e crítico. É
preciso que o mesmo já tenha um bom relacionamento com os gêneros,
saiba escolher os que mais lhe interessa e saiba apreciá-los para,
a partir daí, ele poder realizar uma prática constante de
leitura e, conseqüentemente, de escrita com os seus alunos, abordando
inúmeros suportes textuais. Sobre este assunto, o Referencial Curricular
Nacional para a Educação Infantil (1998:141) coloca que
“é de grande importância o acesso, por meio da leitura
pelo professor, a diversos tipos de materiais escritos, uma vez que isso
possibilita às crianças o contato com práticas culturais
mediadas pela escrita. Comunicar práticas de leitura permite colocar
as crianças no papel de ‘leitoras’, que podem relacionar
a linguagem com os textos, os gêneros e os portadores sobre os quais
eles se apresentam: livros, bilhetes, revistas, cartas, jornais etc.”.
Dessa forma, podemos perceber o quanto a formação de leitores
depende de quem os está formando, da sua experiência com
a ‘palavra’. Segundo Pontual (1999:33), “todos os professores
precisam ser leitores e entendedores da ‘palavra’, pois somente
assim poderão oferecer ao educando a possibilidade de desenvolver
sua capacidade de compreensão e redimensionamento da existência”.
Os professores que lêem os diversos portadores de textos, por exemplo,
mantêm-se informados sobre vários assuntos do contexto social,
cultural, político, econômico e também formam-se,
ampliando ainda mais os seus saberes, podendo, nesse sentido, contribuir
para um processo de ensino-aprendizagem mais rico com seus alunos, informando-os
e formando-os também.
Dentre os portadores de textos, um dos que mais se destacam é o
jornal, visto que este é um meio de comunicação popular
e que circula diariamente nas comunidades. Esse veículo de massa
abrange gêneros textuais diversificados, a saber: classificados,
notícias jornalísticas, propagandas, receitas, cartas, horóscopo,
entre outros. Dessa maneira, esse suporte contribui, consideravelmente,
para a ampliação do conhecimento da população
não apenas em termos de informações locais, nacionais
e mundiais, ou seja, uma visão de mundo, mas também no que
se refere aos gêneros textuais e suas características. O
contato das pessoas com o jornal, além disso, amplia o vocabulário,
contribui para um falar adequado às situações de
uso da língua e, conseqüentemente, escrever melhor, pois esse
meio de comunicação diário conduz à prática
da leitura e à formação do leitor. No entanto, questiona-se:
o que é ser leitor? De acordo com Pontual (1999:18), “ser
leitor é poder entender e ampliar a compreensão do mundo,
é estar em permanente relação com o eu/outro. É
a descoberta de si através do que se projeta no texto, é
enfim poder ler-se no outro que está no texto que, às vezes,
é diferente e outras, igual”.
Quando praticamos o ato de ler não estamos apenas aprendendo e
nos enriquecendo com novos conhecimentos, mas estamos de certa forma dialogando
com o autor do texto e produzindo novas idéias, idéias próprias.
Segundo Bakhtin (1997:123), o diálogo é uma das formas mais
importantes da interação verbal. Entretanto, o autor afirma
que “pode-se compreender a palavra ‘diálogo’
num sentido amplo, isto é, não apenas como a comunicação
em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação
verbal, de qualquer tipo que seja”. O livro, por exemplo, caracteriza-se
como um elemento da comunicação verbal. “Ele é
objeto de discussões ativas sob a forma de diálogo e, além
disso, é feito para ser apreendido de maneira ativa, para ser estudado
a fundo, comentado e criticado no quadro do discurso interior [...]. Além
disso, o ato de fala sob a forma de livro é sempre orientado em
função das intervenções anteriores na mesma
esfera de atividade, tanto as do próprio autor como as de outros
autores”. O jornal, assim como o livro, possibilita o diálogo
com inúmeros autores.
Outra questão a ser destacada é que o jornal “por
ser um material diário, oferece a possibilidade de informação
atualizada, por isso a utilização do jornal tem de ser viabilizada
pelo professor de maneira muito responsável, pois vale lembrar
que, mesmo tentando ser isento de algum critério de valor, o jornal
representa, de certa forma, o momento histórico-social e, por isso,
ele não deve fechar-se em opiniões, mas possibilitar ao
leitor a reflexão e o questionamento” (PONTUAL, 1999:31).
Diante do que foi exposto, percebe-se a importância de se diversificar
o material de leitura a ser utilizado pelos alunos, dessa forma, o professor
estará contribuindo para o desenvolvimento do ato de ler e escrever.
O livro didático tem seu destaque, mas é preciso utilizar
outros portadores textuais, como revistas e jornais. No dizer de Pontual
(1999:12), “o universo de leitura é ampliado e não
apenas o livro é objeto e veículo para especulações
e conhecimento, mas também toda a forma de transmissão de
comunicação. Nesse sentido, o jornal passa a ter importante
papel na prática pedagógica”. Quando bem explorado
pelo professor, o jornal torna-se rico material didático diário,
informando e sendo formador de opiniões, através de suas
reportagens que levam o aluno/leitor a se ver em seu conteúdo que
traz textos da comunidade na qual está inserido. E, “por
dar prioridade aos fatos sociais que ocorrem em determinada sociedade,
o jornal constitui excelente material didático para o ensino de
leitura e produção de texto” (SOUZA, 2002:58). Essa
ligação do jornal com a escola, da realidade empírica
com o ensino sistematizado, torna o processo de ensino-aprendizagem mais
rico, mas, primordialmente, permite que haja a contextualização
do currículo escolar, inserindo o educando na vida.
O trabalho com jornal também proporciona inúmeras atividades
e, conseqüentemente, o desenvolvimento dos educandos, contribuindo
com uma efetiva formação de cidadania, visto que são
discutidos e refletidos assuntos do dia-a-dia da comunidade em que estão
inseridos. Pontual (1999:44) afirma que “o jornal na sala de aula
produz um efeito significativo naqueles que participam de sua leitura.
Surge a necessidade de se comentar os fatos, de se opinar, trocar idéias,
refletir e abrir-se para discussões”. Todas essa ações/atividades
podem ser melhor complementadas com a construção de textos
individuais e/ou coletivos. “O trabalho com produção
de textos deve se constituir em uma prática continuada, na qual
se reproduz contextos cotidianos em que escrever tem sentido. Deve-se
buscar a maior similaridade possível com as práticas de
uso social, como escrever para não esquecer alguma informação,
escrever para enviar uma mensagem a um destinatário ausente, escrever
para que a mensagem atinja um grande número de pessoas, escrever
para identificar um objeto ou uma produção etc.” (BRASIL,
1998:146).
Quando o professor lê para o aluno, este está em silêncio,
mas pensando em muitas coisas referentes ou não ao que está
sendo lido. É importante, após a leitura de um texto interessante
ou de uma aula criativa e dinâmica, que seja feito um registro individualmente
ou de forma coletiva para observar o que os educandos estão aprendendo
e o que eles têm para ensinar com suas idéias e experiências
do cotidiano. Nessa ótica, podemos observar o quanto a prática
de produzir textos é fundamentalmente rica para o processo de ensinar
e aprender. Mesmo que o aluno não escreva convencionalmente é
interessante que este se aproprie da escrita, e a elaboração
de gêneros textuais é uma ótima maneira para que essa
apropriação aconteça. “As crianças que
não sabem escrever de forma convencional, ao receberem um convite
para fazê-lo, estão diante de uma verdadeira situação-problema,
na qual se pode observar o desenvolvimento do seu processo de aprendizagem”
(BRASIL, 1998:148, 150). Entretanto, vale ressaltar que a prática
da escrita precisa ter sentido para quem executa. Existem algumas condições
consideradas essenciais para tal prática, entre elas, podemos destacar
a seguinte: “propor atividades de escrita que façam sentido
para as crianças, isto é, que elas saibam para que e para
quem estão escrevendo, revestindo a escrita de seu caráter
social”.
Portanto, a construção de jornal no ambiente escolar é
um excelente exemplo para se trabalhar a leitura e, sobretudo, a escrita
com real sentido para o aluno. Mas, para que o trabalho com jornal aconteça,
o professor precisa primeiramente saber como utilizá-lo na sala
de aula, explorando bem esse recurso (mostrando-o aos alunos, permitindo
que manuseiem, façam leituras coletivas e/ou individuais, pesquisem,
conheçam suas características, suas partes), dessa forma,
ele poderá avançar com seus alunos em direção
a essa construção.
Na construção do jornal, devemos deixar claro que o aluno
participará desde a escolha do nome até a elaboração
de material. É interessante destacar, no decorrer dessa vivência,
os diversos gêneros textuais que se encontram inseridos no recurso
pedagógico em questão e que os alunos podem elaborar gêneros
diferentes para enriquecer e pluralizar o jornal da escola. O material
coletado, quando se trata da escola como um todo, é muito diversificado
e em grande quantidade, por isso a atividade dos alunos também
terá papel fundamental na escolha do material que irá veicular
naquele suporte textual. Todas as turmas precisam ser contempladas de
alguma forma. A função do professor, nessa etapa, tem muita
importância, visto que o mesmo precisa saber lidar com as situações-problema
que poderão vir a ocorrer, principalmente quando tais situações
envolvem crianças pequenas. Uma sugestão, nesse caso, é
o educador expor na sala de aula ou até mesmo em outro espaço
da escola as produções que não foram selecionadas
para saírem no jornal. Assim, acontecerá a valorização
de todos os trabalhos, sejam eles produções escritas ou
ilustrações. Sugestões e idéias também
poderão ser levantadas pelos estudantes e estas devem ser levadas
em consideração e serem discutidas coletivamente pela turma,
pois, assim, os alunos sentir-se-ão, efetivamente, parte integrante
da construção do jornal da escola.
A seguir, explicitaremos como se processou toda a experiência vivenciada
na construção de jornal na escola.
2. Construção de jornal
A experiência com a construção de
jornal foi realizada na Escola Municipal Sítio do Berardo, situada
no bairro do Prado e que atende a uma clientela composta por alunos da
Educação Infantil (EI), do 1º ano do 1º Ciclo
do Ensino Fundamental I (EF I) e da Educação de Jovens e
Adultos (EJA). Essa clientela abrange a população de baixa
renda ou até sem renda dos bairros do Prado, Madalena e Zumbi.
Através do trabalho desenvolvido com o Jornalzinho do Berardo (JB)
buscou-se trabalhar com mais ênfase gêneros textuais diversificados
e também vivenciar uma proposta interdisciplinar, proporcionando
um processo de ensino-aprendizagem mais rico, dinâmico e significativo.
De acordo com Goulart (1998:95), “interdisciplinaridade significa
uma nova concepção de divisão do saber, frisando
a interdependência, a interação, a comunicação
existente entre as disciplinas e buscando a integração do
conhecimento num todo harmônico e significativo”.
A vivência tida com a construção de um suporte como
o jornal, através da interdisciplinaridade e com a diversidade
de gêneros que o mesmo apresenta, teve como objetivo precípuo
ampliar os conhecimentos dos alunos sobre o jornal, como veículo
de informação e formação, estimulando a leitura
e escrita, vivenciando a construção coletiva do mesmo e
enfatizando a discussão e reflexão de assuntos inseridos
no cotidiano da sociedade.
Como já foi comentado anteriormente, o trabalho com gêneros
textuais diversificados na escola é de suma importância para
o desenvolvimento do indivíduo em diversos aspectos – cognitivo,
social, cultural. E o trabalho com jornal não podia ser diferente.
Antes de os professores da escola supracitada começarem a construção
do jornal propriamente
dita, trabalhou-se muito com os jornais distribuídos no Estado
de Pernambuco. Utilizamos o jornal como material artístico, mostrando
aos alunos que muitos materiais podem ser reaproveitados, a exemplo do
jornal. As reportagens, as fotos, os anúncios entre outros gêneros
presentes nesse suporte diário eram discutidos e analisados na
sala de aula e fora dela, em outros espaços com atividades coletivas
com várias turmas. Esses momentos configuravam-se riquíssimos
para a aprendizagem dos alunos, e muitas vezes surpreendíamos-nos
com as colocações dos mesmos, principalmente das crianças,
já que o trabalho também foi desenvolvido com jovens e adultos.
Após esses momentos de discussão e reflexão, principalmente
a partir de notícias jornalísticas, os alunos sistematizavam
seus conhecimentos com atividades de escrita e de artes, abordando diversas
áreas do conhecimento, num processo interdisciplinar.
Com relação à produção de jornal, nos
anos de 2003 e 2004 foram elaborados três números do Jornalzinho
do Berardo (JB), a saber: o primeiro, que abordou a cultura popular; o
segundo, que enfatizou as crianças, seus direitos e deveres e o
terceiro, que teve como abordagem principal a água e sua importância.
O trabalho teve início numa turma de Grupo IV da Educação
Infantil da escola. A professora e os alunos desse grupo fizeram a escolha
do nome do jornal e construíram o primeiro número do Jornalzinho
do Berardo, no segundo semestre de 2003, com produções individuais
e coletivas dos educandos sobre a cultura popular. Esta foi uma temática
vivenciada na escola naquele período, através do Projeto
Didático “Cultura Popular: para criar e recriar é
só começar”, que teve por objetivo principal vivenciar
a cultura popular produzida pelo homem no seu pensar, sentir e agir.
A primeira edição do JB, a princípio, foi feita com
a finalidade de apresentar os trabalhos mais interessantes realizados
pelos alunos do Grupo IV, no que se refere ao Projeto Didático
em questão. Dessa forma, procuramos enforcar as produções
escritas e ilustrativas voltadas para a cultura brasileira, como podemos
conferir nos exemplos a seguir, extraídos do próprio jornal.


O resultado
foi tão positivo, que após a divulgação desse
recurso, iniciou-se uma discussão com as demais professoras levantando-se
a possibilidade de se realizar outro número com a participação
de todas as turmas da escola. Quando as professoras se reuniram, foi discutida
a relevância de se trabalhar com o jornal na sala de aula, não
só o jornal que apresenta fatos da sociedade diariamente, mas também
o construído coletivamente com produções dos educandos.
Foi decidido também que faríamos o jornal a partir de algum
projeto vivenciado na escola. Esta seria uma das formas de apresentarmos
à comunidade escolar o resultado de uma temática importante
trabalhada num determinado período com alunos e professores.
Assim, após o primeiro exemplar, vimos uma ótima oportunidade
para lançarmos a próxima edição do JB, no
mesmo ano de 2003. A escola iria vivenciar um outro projeto, intitulado
“Criança é vida”. Tal projeto teve como objetivo
principal ampliar o conhecimento dos alunos sobre o Estatuto da Criança
e do Adolescente, seus direitos e deveres, desenvolvendo o pensar e o
agir de cada aluno, numa perspectiva transformadora e de inclusão
social. As crianças, principalmente, tiveram a oportunidade de
se expressar através de textos coletivos e desenhos. Os gêneros
textuais variados estiveram presentes nessa edição, assim
como na anterior. Entretanto, nesta edição eles apareciam
mais intensamente, tais como: listas, poesia, entrevista, relatos de experiência,
adivinhações, músicas. Algumas produções
estão expostas abaixo:

Cada vez
mais a construção do jornal estimulava as produções
dos alunos, no que se refere à leitura e à escrita. A cada
edição percebíamos que o entusiasmo contagiava aqueles
que participavam dessa ação coletiva. Assim, em 2004, construímos
a terceira edição. Esta foi a única daquele ano,
entretanto, foi a maior em termos de quantidade de material dos alunos
e em qualidade de produções. O Projeto “Água,
conhecer para preservar” foi trabalhado de forma intensa com as
crianças, jovens e adultos. Esse projeto teve como objetivo principal
ampliar o conhecimento dos alunos sobre a água, reconhecendo sua
importância e utilidades,
desenvolvendo atitudes de preservação ambiental, numa perspectiva
de transformação social. Nesse JB introduzimos artigos da
internet, pesquisados pelas professoras, já que a escola não
dispõe, ainda, desse recurso. Foi uma novidade e algo que só
veio a contribuir para o
crescimento qualitativo do Jornalzinho. As produções escritas
dos alunos foram ampliando e ficando mais ricas a cada número realizado
do jornal. O uso de gêneros distintos também pôde ser
conferido nessa edição, como evidenciado a seguir:
 
Para que
a produção dessas três edições do Jornalzinho
do Berardo acontecesse foram necessárias algumas ações:
• discussão
de temáticas inseridas nos projetos didáticos vivenciados
na escola;
• construção de textos coletivos e/ou individuais
sobre os assuntos trabalhados;
• elaboração de ilustrações;
• pesquisas na internet de curiosidades que abordassem o tema;
• organização do material construído e pesquisado
e seleção dos mesmos;
• digitação dos textos dos alunos e de outros textos;
• xerox reduzida dos desenhos dos educandos;
• impressão do jornal; montagem das ilustrações
já reduzidas no jornal;
• reprodução do produto final;
• distribuição para os alunos, comunidade e departamentos
educacionais da Rede Municipal do Recife.
São
muitas as atividades realizadas na escola para se obter o conteúdo
para o jornal, mas todas as etapas vivenciadas são de suma importância
para que esse “livro diário” possa ser concretizado.
Após todas as ações descritas anteriormente, o jornal
é trabalhado na sala de aula. As professoras lêem, discutem
com os alunos os textos criados por eles, assim como os demais conteúdos
presentes no jornal (música, poesia, curiosidades, jogos, experiências)
e realizam outras atividades a partir dos desenhos e dos diversos gêneros
textuais do JB. Esta é uma maneira dos alunos analisarem as produções
uns dos outros e valorizá-las.
Percebe-se, dessa forma, que a vivência com o Jornalzinho é
algo que acontece durante o seu processo de construção e
após o mesmo, com o material em mãos. O trabalho com o jornal
não termina na distribuição, há uma continuidade,
pois, dessa forma, o aluno/autor/leitor pode apreciar não apenas
a sua produção mas a do outro também, valorizando-a
e sendo valorizado.
É interessante destacar também a importância da avaliação
durante todo o processo de construção do jornal. A observação
das práticas e a análise das mesmas são essenciais
para o desenvolvimento de qualquer trabalho em qualquer instituição.
Na escola municipal em questão os atos de observar, analisar, refletir,
avaliar e reorientar a prática estão sempre presentes, pois
é através de tais ações que se pode discutir
e enumerar os pontos positivos e negativos de determinada atividade e,
assim, poder interferir para um trabalho de melhor qualidade na instituição.
No dizer de Freire (1996:43) “é pensando criticamente a prática
de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática”.
E, é praticando o discurso desse educador, que pretendemos, cada
vez mais, enriquecer o trabalho com o jornal e propiciar uma prática
pedagógica mais significativa para os alunos.
3. Considerações
finais
O jornal,
tido como “livro popular diário”, é um meio
de comunicação que cada vez mais vem ganhando destaque nas
escolas. O trabalho com esse “livro diário” no contexto
da Escola Municipal Sítio do Berardo vem, a cada dia, contribuindo
para um efetivo processo de ensino-aprendizagem. Tanto professoras quanto
alunos aprendem uns com os outros num processo coletivo e de diálogo,
onde é discutido constantemente o jornal como meio de vivenciar
a leitura e a escrita de forma sistematizada, criativa e interdisciplinar
no ambiente escolar.
O Jornalzinho do Berardo (JB), material concreto dessa vivência,
trouxe bons resultados para o desenvolvimento das crianças, jovens
e adultos da escola em questão. Através da prática
interdisciplinar, conteúdos foram discutidos e refletidos pelos
corpos discente e docente, o que contribuiu para um processo pedagógico
mais dinâmico e significativo.
Ainda, no que se refere ao aspecto pedagógico, percebe-se que os
educandos desenvolveram algumas competências através do trabalho
com jornal. Algumas delas foram: respeitar a produção do
outro; ouvir; ter atenção; identificar gêneros textuais
diferentes; conhecer o jornal como meio de comunicação diário;
produzir textos individuais e/ou coletivos de diversos gêneros;
realizar leitura de diversos textos; discutir e refletir sobre a forma
de organização do jornal.
A distribuição desse jornal para alunos, comunidade e rede
foi importantíssima, pois os alunos/autores/leitores sentiram-se
valorizados ao verem suas produções sendo lidas e vistas
por outras pessoas. Um exemplo claro da valorização do trabalho
dos alunos e das professoras, com relação a esse jornal,
foi a publicação do exemplar de número 2 no livro
“Educação Infantil: ponte de cidadania”, elaborado
pela Diretoria Geral de Ensino/Secretaria de Educação/Prefeitura
do Recife e distribuído para os professores da Rede Municipal.
Enfim, a E.M. Sítio do Berardo acredita que as atividades pedagógicas
que foram desenvolvidas durante todo o processo de construção
do JB, desenvolveram o pensar e o agir de cada educando. Diante disso,
o trabalho com esse veículo de comunicação continuará
sendo desenvolvido no âmbito dessa unidade escolar, para possibilitar
cada vez mais um processo educacional de qualidade numa perspectiva transformadora
e de inclusão social.
4. Bibliografia
BAKHTIN,
Mikhail. (Volochinov, 1929). Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução
de Michel Lahud e Yara
Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 1997.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria
de Educação Fundamental Referencial curricular nacional
para a educação infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à
prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. (Coleção
Leitura)
GOULART, Iris Barbosa (org.). A Educação na perspectiva
construtivista: Reflexão de uma equipe interdisciplinar. Petrópolis/RJ:
Vozes, 1998.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. “Gêneros textuais: definição
e funcionalidade” in DIONISIO, Angela Paiva; MACHADO, Anna Rachel
e BEZERRA, Maria Auxiliadora (orgs.). Gêneros textuais & ensino.
Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.
PONTUAL, Joana Cavalcanti. O jornal como proposta pedagógica. São
Paulo: Paulus, 1999.
SOUZA, Lusinete Vasconcelos de. “Gêneros jornalísticos
no letramento escolar inicial” in DIONISIO, Angela Paiva; MACHADO,
Anna Rachel e BEZERRA, Maria Auxiliadora (orgs.). Gêneros textuais
& ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.
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