Silvio Luis da Silva – PUC-SP
O discurso pedagógico de nível superior
tem como mote central criar uma disposição entre os alunos
e professores para a construção do saber, o que se dá
por intermédio da leitura e produção de textos. Esta
disposição pode ser criada pelo convencimento ou pela persuasão,
que se manifestam nos textos produzidos. Entre manifestações
lingüísticas e inferências autorizadas, a tênue
linha entre convencer e persuadir é, neste trabalho, analisada
com as premissas da Nova Retórica, da qual se vale o professor
(e os alunos) para movimentar o saber e produzir, na relação
que se dá entre ambos, o tão desejado conhecimento.
O papel do intelectual não é mais o de se
colocar “um pouco na frente ou um pouco de lado” para dizer
a muda verdade de todos; é antes o de lutar contra as formas de
poder exatamente onde ele é, ao mesmo tempo, o objeto e o instrumento:
na ordem do saber, da “verdade”, da consciência, do
discurso.
Michel Foucault.
Decorre das diversas manifestações socioculturais
que são instauradas no processo comunicativo em sala de aula a
necessidade de uma análise acurada do discurso pedagógico
e de sua instância de compreensão e interpretação
dos assuntos trazidos à baila no momento específico de comunicação
professor-aluno. O momento do ensino, visto sob a égide do discurso
e da retórica, pressupõe a existência de um retor
e um auditório que assumem seus dizeres e pensamentos a respeito
do tema discutido. O professor assume o papel de detentor de conhecimentos
que, acreditam-se, os alunos ainda não possuem e, no momento do
diálogo educativo, ambos se predispõem a intercambiar conhecimentos
para a produção de sentido e de novos conhecimentos.
Embora o professor detenha, sobremaneira, o monopólio do turno
discursivo, ao aluno não é furtada a possibilidade de se
manifestar e, evidentemente, contribuir para os argumentos do professor
(ou destruí-los) e, em conseqüência, conduzir o tema
abordado para instâncias antes impensadas, criando um clima que
desafia o alcance dos objetivos traçados quando da eleição
do tema para aquela aula em especial.
O efeito de sentido da comunicação se dará no ato
comunicativo, na enunciação, que tem por natureza uma intenção
argumentativa em maior ou em menor grau. A instância comunicativa
pode ser instaurada de diversas formas. A leitura é uma delas e,
saber falar, ler e escrever, é capital para a formação
do indivíduo social, papel que a escola tomou para si, e o professor
representa, no decorrer da história.
Em vista disso, cremos que, em situação comunicativa de
sala de aula, convencer e persuadir são os paradigmas da condução
da aula e, por conseguinte, de criação de conhecimento.
Corrobora com essa perspectiva a percepção de que o discurso
educativo ... visa não à valorização do orador,
mas à criação de uma certa disposição
entre os ouvintes (PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA, 1996: 60), disposição
esta que desencadeia uma busca dos sentidos dos textos (orais e escritos)
e a identificação das estratégias didáticas
que permeiam o discurso de sala de aula:
O orador, tendo muitas vezes de assumir o papel de mentor, daquele que
aconselha, que repreende, dirige, deve zelar por não provocar em
seu público um sentimento de inferioridade e de hostilidade para
consigo: é preciso que o auditório tenha a impressão
de decidir com plena liberdade. (PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA, 1996:
365).
Com base nessa premissa, partindo da necessidade de se ensinar Língua
Portuguesa aos falantes de português, propusemos que os alunos,
futuros professores, refletissem sobre a questão, as implicações
e os procedimentos a serem empregados no ensino da língua a seus
falantes. Tomamos por base o que propõe Luiz Carlos Travaglia ao
responder à sua pergunta: “Para que se dá aula de
Português a falantes de Português?”, a saber:
... a quarta resposta propõe um objetivo que, sendo mais ligado
a atividades metalingüísticas, ao ensino de teoria gramatical,
não se aplica só ao ensino de língua materna. Propõe
ensinar o aluno a pensar, a raciocinar. Ensinar o raciocínio, o
modo de pensar científico. Esse é um objetivo que, como
diz Perini (1988:24), estaria “no campo do desenvolvimento das habilidades
de observação e de argumentação acerca da
linguagem”. Evidentemente tais habilidades são importantes
nos vários campos do conhecimento humano e não só
para os estudos da linguagem. (TRAVAGLIA, 1997).
A partir desta argumentação, lançamos aos alunos,
após discussões em classe e leitura de alguns artigos correlatos,
a seguinte questão:
Releiam, caso seja necessário, o texto Objetivos do ensino de língua
materna, de Luiz Carlos Travaglia. Observem que o autor propõe,
na quarta resposta, ensinar o aluno a pensar e raciocinar. Discutam como
essa proposta pode auxiliar os alunos (do Ensino Fundamental, Médio
e Superior) a melhorarem o desempenho lingüístico e a capacidade
de comunicação, tanto oral como escrita, em diversos contextos
de interação comunicativa.
As respostas defendem a integração da língua e do
desempenho lingüístico com as questões sócio-culturais
que lhes são intrínsecas, vejamos:
... quando o professor estimula os alunos a raciocinar para melhorar seu
desempenho lingüístico, lê conscientiza o aluno do seu
papel social, e do mundo globalizado, que vê a comunicação
como ponto principal para o desenvolvimento.
Ora, quando falamos de desempenho lingüístico e capacidade
de comunicação falamos de retórica. O papel do professor
é, portanto, de promover, retoricamente, uma pedagogia que permita
aos alunos se elevarem à condição de cidadãos
atuantes na sociedade, capazes de manifestarem suas vontades e suas crenças
e, eventualmente, se impor aos outros, convencendo-os de seus valores.
É o que faz o professor em sala de aula que, se valendo da pedagogia,
retoricamente, produz a proliferação do seu pensar:
O ensino não pode prescindir da pedagogia; e toda pedagogia é
retórica. O professor é um orador que, como todos os outros,
deve atrair e prender a atenção, ilustrar os conceitos,
facilitar as lembranças, motivar o esforço. (REBOUL, 2000:
105).
Na proposta estabelecida por Travaglia, o ensino de português aos
seus falantes está diretamente relacionada à condição
de ter, o aluno-aprendiz, a capacidade de, por meio da língua que
lhe é familiar, produzir no outro os efeitos do seu pensar, por
meio da palavra. A unificação da língua, a conscientização
de seus recursos permite que a exteriorização do pensamento
do falante seja compreendida pelo ouvinte e, com isto, se dê a comunicação.
Ensinar a língua passa a ser uma instância de cidadania,
o conhecimento estrutural deixa de ser uma questão metalingüística
para ser funcional, prática, e, evidentemente, ativa e circulante:
o saber circula na e pela língua.
Como seria possível partilhar essa dessa discussão sem que
tivéssemos um código de comunicação que nos
unisse? Não seria. É nesta vertente que se respondem (e
dialogam com) o proposto por Travaglia:
A língua materna deve ser ensinada como objetivo de não
apenas levar o aluno a dominar as regras gramaticais. Mas também,
desenvolver no aluno habilidades para que eles possam adequar suas linguagem
(sic) a diversas situações de comunicação,
tanto oral quanto escrita. Com isso estabelecer relações
de poder e usufruir dos benefícios que este proporciona.
Eleva-se, desse modo, o saber sobre a língua a uma instância
de poder sobre si e sobre os outros, um domínio da comunicação
que pode consolidar (ou não, dependendo do grau de domínio
que se apresente) a vida do aluno, proporcionando-lhe um trânsito
livre na sociedade. O professor, em especial o de Língua Portuguesa,
precisa, então, se conscientizar de que seu papel deixou o de ser
daquele que dá conselhos para ser o de quem instrumentaliza o aluno
com ferramentas propícias aos interesses destes, que dos instrumentos
fazem uso para escolher, eles mesmos, o conteúdo de seu dizer,
de como dizer, de para quem dizer e onde dizer. E mais:
Para que haja o desempenho lingüístico e a capacidade de comunicação
em diversos contextos de interação comunicativa é
necessário ter como base que os objetivos dos cursos de línguas
devem ir além do mero “saber ler, escrever e falar”,
e sim [promover] o domínio das formas de conhecimento para se obter
o melhor efeito de sentido nesta comunicação.
Se, de um lado, o falar se dá na comunidade, na família
e aí se respeitam os diversos falares por sua constituição
pragmática, por outro, o ler e o escrever possuem intrinsecamente
uma estrutura globalizante, que aumenta a capacidade comunicativa para
além das fronteiras da comunidade física.
A história já nos provou que o domínio de um grupo
se dá pela língua. Das invasões físicas ao
efetivo domínio dos invasores sobre os invadidos, a única
forma de se impor ao outro, perpetuamente, se dá na e pela língua.
Vê-se que o sentido de se ensinar a língua aos seus falantes,
que partilham conhecimentos, não tem apenas a função
de promover a manutenção da cultura, mas também de
promover o seu desenvolvimento, o seu desenrolar e, gradativamente, lhe
inserir valores que vão aos poucos surgindo na comunidade e tomando
forma no desenvolvimento histórico da sociedade:
Ler, nesse sentido, seria um processo de aprender e diz respeito a habilidades
ligadas ao ato de sentir, de interrogar, raciocinar para entender. Em
outro plano, o pedagógico, ler envolveria a capacidade de desenvolver
no educando a habilidade de intervir na realidade de modo crítico
e criativo, uma face que leva em conta a formação do cidadão
e que, com base na capacidade de compreensão para além do
plano formal, pode moldar o sujeito histórico e o habilitar a criar
e viver consciente e produtivamente, ao mesmo tempo, sua própria
história coletiva. (FERREIRA, 2000: 191-192).
Os alunos defendem que, além de promover o conhecimento da língua,
como já mencionado, o papel do professor extrapola essa primeira
condição para criar um meio de circulação
do saber e do pensar, por meio de seu incentivo. Vejamos:
O professor precisa incentivar o aluno a praticar a leitura e a escrita,
é fundamental que esse processo seja realizado em todas as escolas.
É claro, porém, que esse incentivo não se filia a
uma prática repetitiva da leitura ou mesmo está ligada ao
desejo de treinar sempre e com tal intensidade que a resposta seja invariavelmente
um bem repetir que, convenhamos, é uma técnica nem sempre
educativa (FERREIRA, 2000: 192), mas a promoção de uma leitura
reflexiva, que faça da leitura um dos passos necessários
ao desenvolvimento do aluno, que se refletirá no seu desempenho,
como disseram os alunos: para que o aluno possa compreender e ler o mundo.
Não se deixando iludir com o que está aparentemente correto
(grifo nosso).
Porém, essa desenvoltura que se pretende criada no aluno por intermédio
e intervenção do professor, que lhe esclarece não
apenas a gramática da língua, mas sua estrutura e funcionamento,
deve ser feita em consonância com o universo deste aluno, seu público,
seu auditório, posto que, como alegaram os nossos pesquisados,
para o melhor desempenho do aluno é necessário ter uma visão
ampla do seu mundo, ou seja, fazer uma interação da escola
com o seu meio. Papel que delegam inteiramente ao professor:
O professor deverá adequar situações, estimulando
o aluno a organizar sua mente e assim conseqüentemente ter uma capacidade
de compreensão e transmissão.
Condição sine qua non para o desenvolvimento do educando
seria, portanto, a aceitação do professor do universo discursivo
do aluno, num primeiro momento, na junção desse universo
ao seu, num segundo momento e, finalmente, na proposição
de situações nas quais ambos possam interagir e, desta feita,
movimentar o conhecimento. Estamos falando, então, sob a perspectiva
da Nova Retórica na análise do auditório e na edificação,
pelo professor, de um ethos que lhe fale, que lhe mova o pathos para conduzir
o desenvolvimento do conhecimento.
Então estaríamos dizendo que o conhecimento que se propõe
o professor a difundir se dá única e exclusivamente pela
movimentação das paixões de seu auditório?
Não exatamente. Voltamos a Perelman e percebemos que é por
intermédio da análise do auditório é que se
pode se posicionar na distinção clássica entre convencer
e persuadir, seara na qual se defende que os meios de convencer são
racionais e, portanto, têm por finalidade promover o entendimento
e os de persuasão são irracionais e exercem ação
sobre a vontade, ou seja, um discurso que pretende convencer se dirige
à razão, por meio de provas objetivas, com fulcro no logos,
ao passo que, se pretende persuadir, se une às vontades e sentimentos
do interlocutor e tem, portanto, fulcro no pathos:
... assistimos aqui à retomada do debate universal entre os partidários
da verdade e os da opinião, entre filósofos, indagadores
de absoluto, e retores, envolvidos na ação. (...) Para quem
se preocupa com o resultado, persuadir é mais do que convencer,
pois a convicção não passa da primeira fase que leva
à ação. (...) Em contrapartida, para quem está
preocupado com o caráter racional da adesão, convencer é
mais do que persuadir. (PERELMAN &OLBRECHSTS-TYTECA, 1996: 30).
Ao retomarmos as considerações dos alunos do curso de Letras
sobre a proposição de Travaglia, percebemos que, em seu
discurso, propõem uma comunhão de saberes, uma adequação
ao universo do interlocutor e, com isto, uma proliferação
do saber com respeito aos limites e às proposições
do falante, sempre na tentativa de permitir a manifestação
pessoal com fins à promoção da capacidade de compreensão
e (re)transmissão desse saber. A questão maior que emerge
dessa discussão não está vinculada à capacidade
de persuadir ou convencer, mas sim à conjunção de
persuasão e convencimento, efeitos pretendidos intrinsecamente
no ato retórico-argumentativo.
É mister nos inquirimos das origens dessa dicotomia e sua validade
fora do âmbito didático dos ensinamentos retóricos.
Para isto nos valemos, novamente, das palavras de PERELMAN & OLBECHTS-TYTECA,
que propõem um esclarecimento sobre isso:
Podemos perguntar-nos se a existência dos dois tratados de Aristóteles
consagrados à argumentação, Tópicos e Retórica,
um referente à discussão teórica de teses, o outro
de considerações sobre as particularidades dos auditórios,
não favoreceu essa distinção tradicional entre a
ação sobre o entendimento e a ação sobre a
vontade. Quanto a nós, cremos que essa distinção,
que apresenta a primeira como pessoal e intemporal e a segunda como totalmente
irracional, funda-se num erro e leva a um impasse. O erro é conceber
o homem como constituído de faculdades completamente separadas.
O impasse é tirar da ação fundada na escolha qualquer
justificação racional e, com isso, tornar absurdo o exercício
da liberdade humana. (PERELMAN & OLBECHTS-TYTECA, 1996: 52-53).
Por essa vertente da concepção humana, como ser de razão
e emoção concomitantes, cujas escolhas são feitas
racional e emocionalmente, que defendemos a sala de aula como local de
cultivo da retórica, sob a égide das técnicas honestas
de argumentação, convencimento e persuasão, sem desrespeito
aos direitos do auditório, que precisa fazer frente às suas
próprias necessidades e interagir com toda a sociedade a que pertence,
tendo, na língua e no domínio de sua estrutura e na consciência
de seu potencial, uma arma para lutar contra o poder que tenta lhe subverter,
mas que lhe é, também, suscetível.
BIBLIOGRAFIA
FERREIRA, Luiz Antonio (2000) Intencionalidade, jornalismo
opinativo e leitura. In: Interface: Comunicação, Saúde
e Educação. p. 187-192. (http://www.interface.org.br/revista6/espaco5.pdf
visitado em 20/06/2005)
FOUCAULT, Michel (1979) Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal.
OLIVEIRA, Eduardo Chagas. Org. (2004), Persuasão e convencimento
na teoria da argumentação perelmaniana. In: Chaim Perelman:
Direito, retórica e teoria da argumentação. Feira
de Santana: Universidade Estadual de Feira de Santana.
PERELMAN, Chain & OLBRECHTS-TYTECA, Lucie (1996) Tratado da argumentação:
A Nova retórica. São Paulo: Martins Fontes.
REBOUL, Olivier (2000) Introdução á retórica.
São Paulo: Martins Fontes.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos (1997). Gramática e interação:
uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus.
São Paulo: Cortez.