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LEITURA
DE TEXTOS TÉCNICOS EM UMA SEGUNDA LÍNGUA
Suely Barros Bernardino da Silva - Universidade
do Estado do Amazonas -UEA
O presente trabalho procura investigar possíveis
problemas envolvidos nos processos lingüístico-cognitivos
relativos ao ato de ler.
Apesar das muitas pesquisas já realizadas sobre os processos cognitivos
relativos ao ato de ler, compreender e apreender significados, os resultados
ainda não são conclusivos. Necessita dos esforços
de pesquisadores das áreas da psicologia, filosofia, lingüística,
psicolingüística, crítica literária, comunicação
de massa, psicometria, e da área de leitura.
Procuramos analisar a visão de diversos pesquisadores sobre os
processos envolvidos na apreensão de significados, a influência
do conhecimento prévio sobre esse processo, bem como a relação
entre linguagem e pensamento, os processos desencadeados pelo ato da leitura,
e as etapas pelas quais passa o leitor, desde a percepção
visual do código lingüístico até a compreensão
final do que foi lido, percorrendo o caminho inverso ao do escritor.
Em relação à leitura em uma segunda língua,
buscamos analisar, de forma conceitual, o processo de compreensão
e apreensão de conhecimento, por um leitor (não nativo),
frente a um texto técnico. Para tal, enfocaremos apenas os aspectos
lingüísticos envolvidos na compreensão de um texto
técnico, uma vez que o mesmo pode conter, também, elementos
não lingüísticos.
Por fim, apresentamos nossos comentários a respeito do tema, bem
como sugestões para trabalhos futuros, que possam contribuir para
esclarecer pontos sobre os quais ainda não se tem opiniões
conclusivas.
INTRODUÇÃO
Como professora de inglês, preocupa-nos, sobremodo,
a situação do “inglês instrumental” ou
English for Specific Purposes – ESP, uma vez que a grande maioria
dos cursos oferecidos em nossas universidades enquadra-se nessa categoria.
Este dado, por si só, seria suficiente para justificar o interesse
pelo assunto. Se considerarmos, ao lado disso, a grande importância
que aqueles cursos podem exercer na formação profissional
dos universitários brasileiros, face à patente necessidade
de acesso à literatura técnica em língua estrangeira
(de modo particular, em inglês), vamos verificar que o problema,
realmente, merece ser analisado com atenção.
Assim, em princípio, este estudo coloca-se numa perspectiva tanto
lingüística, quanto sócio-educativa e didática.
Nossa motivação primeira foi chamar a atenção
do professor de línguas para a necessidade de uma fundamentação
teórica adequada para os cursos de “língua instrumental”,
tendo em vista uma aplicação prática desses conhecimentos
na sala de aula. Como tal, a fundamentação teórica
aqui referida deve ser entendida não como um fim em si própria,
mas como condição necessária ao desenvolvimento de
estudos e pesquisas voltados a um trabalho mais eficiente e objetivo,
fundado nas reais necessidades dos alunos.
1 PROBLEMAS
Este estudo trata, especificamente, dos problemas envolvidos na leitura
de textos técnicos em uma segunda língua, em situações
de insegurança, por parte do leitor, na decodificação
do médium lingüístico que veicula a informação.
Embora, em tese, a teoria a ser exposta aqui possa, eventualmente, ser
aplicada a outras línguas, todas as nossas observações
sobre leitura em uma segunda língua são fundadas em textos
de inglês. Assim, qualquer referência à segunda língua
deve ser interpretada nesse sentido.
Com isso o problema fica definido em três níveis:
I. Texto técnico em segunda língua.
II. Leitor inseguro na decodificação.
III. Resistência oferecida pelo médium lingüístico.
Texto técnico:
- Importante na divulgação de conhecimentos
técnico-científico;
- É, talvez, o único tipo de texto plausível de ser
entendido sem que o leitor tenha um bom desempenho lingüístico.
Leitor inseguro:
- inseguro é o leitor que não domina o código
da língua em que o texto foi escrito, mas que, após um certo
tempo de exposição a essa língua, é capaz
de perceber e distinguir muitas construções gramaticais
e reconhecer um grande número de itens lexicais.
Resistências:
- referem-se à complexidade do código lingüístico.
De acordo com diversos autores, existe muita análise
e poucos resultados conclusivos sobre como se relacionam diferentes características
das habilidades de leitura.
Relacionar o ato de ler com compreensão da leitura, aprendizagem,
construção de significados, de acordo com diversos autores,
ainda é cedo para afirmações conclusivas.
Para Jeanne Chall (1996), um avanço nessa área depende do
esforço conjunto de pesquisadores de áreas como, filosofia,
psicologia cognitiva, lingüística, psicolingüística,
crítica literária, comunicação de massa, psicometria
e da própria área de leitura.
2 ASPECTOS TEÓRICOS
2.1 Leitura em uma segunda língua
Considerando que a leitura tem no texto o emissor e no
leitor o receptor de uma mensagem:
- Uma leitura terá chances de ser bem sucedida
dependendo da sintonia texto-leitor;
- O processo que possibilita a leitura é o mesmo usado pelo leitor
nativo, contudo as estratégias usadas por um e outro podem variar,
de acordo com o seu grau de sintonia com o texto.
Tentando estabelecer uma diferença entre decodificação
e compreensão:
Embora os termos possam se confundir, pode-se distinguir
os dois conceitos, a partir do problema específico da compreensão
de uma sentença:
Conforme Foss e Hakes, esse processo tem três fases:
a) apreensão do conteúdo lexical: a representação
gráfica da sentença é usada como estímulo
para lembrar a informação registrada no cérebro sobre
as características semânticas da palavra
b) a apreensão das estrutura sintática: segue imediatamente
a fase anterior, resulta com base nas representações gráfica
e lexical.
c) Integração das duas fases anteriores, quando é
construída uma representação mental que resume aquilo
que se conseguiu apreender em função dos dados percebidos
nas fases a) e b).
Foss e Hakes acham que esta apreensão pode ser
descrita em três níveis:
- nível da significação estrutural
- nível da significação intencional
- nível da significação motivacional
a) nível da significação estrutural
– representa as proposições que a sentença
expressa e é diretamente dependente da estrutura sintática
e do conteúdo lexical.
Exemplo: quando alguém diz Close the door, please, interpretamos
como You close the door, mesmo que o pronome não esteja expresso.
b) Já a frase: It’s too cold in here, em
uma situação em que a porta estivesse aberta, a sala fria,
etc., poderia ser interpretada como um pedido para que se fechasse a porta.
Essa interpretação exigiria do ouvinte uma certa dose de
inferência, estimulada pela apreensão do contexto situacional.
Esse é o nível da significação intencional.
c) O terceiro nível, da significação
motivacional, é a motivação que leva o emissor a
optar, como nos exemplos acima, pela segunda, ao invés da primeira.
Essa abordagem do problema pode não explicar todos
os fenômenos que ocorrem durante a compreensão da linguagem,
porém, pelas distinções estabelecidas, pode nos sugerir
que a compreensão, como estado, é o produto resultante da
soma desses três processos.
2.2 Sintonia e interferência
A sintonia texto-leitor deve ser entendida como a síntese
de entrosamento psicológico, temático e lingüístico
entre o emissor (texto) e o receptor (leitor).
- Sintonia psicológica (SP) – motivação
do leitor para a leitura de um determinado tipo de texto, em um determinado
momento;
- Sintonia temática (ST) – base conceitual e conhecimento
do assunto necessários à compreensão do tema
- Sintonia lingüística (SL) – aptidão lingüística
necessária para interpretar o sistema de símbolos abstratos
que articula o significado de uma texto.
Esses aspectos são condições necessárias
ao estabelecimento da compreensão, entretanto não se sabe
se são suficientes.
Interferência – uma interrupção
no processamento da informação. Processo inverso à
sintonia.
Assim como a sintonia, pode ter causas:
- psicológica – quando não há motivação
do leitor, por qualquer causa;
- as outras duas, de caráter involuntário, podem levar o
leitor a cometer enganos em virtude de decisões apressadas, motivadas
por uma aparente semelhança com algo que lhe é conhecido.
A interferência lingüística, por exemplo,
ocorre quando um leitor bilíngüe transfere para uma língua
X um traço fonético, morfológico, léxico ou
sintático característico de uma língua Y. Exemplo:
na expressão ... percentage rose from 1995 ..., devido à
interferência semântica do léxico do português
no inglês, o sentido to texto pode ser perdido, caso a palavra ROSE
seja interpretada como significando ROSA ao invés de passado do
verbo RISE.
Como um leitor, a quem falte sintonia temática,
compreenderá um texto técnico?
E se a interferência for lingüística?
A resposta a essas perguntas pode motivar pesquisas.
Leitor nativo (N) e leitor de segunda língua (2L)
De maneira geral, um leitor 2L pode diferir de um leitor
N quanto a três aspectos:
- sua habilidade de desempenhar o ato físico de
ler;
- seu grau de apreensão da significação estrutural
do texto;
- o modo de ler estruturas sobre as quais não possui um domínio
oral.
2.2.1 Leitura e tradução
Embora a análise do problema da tradução
não esteja incluída nos objetivos deste estudo, achamos
oportuno incluir aqui algumas observações sobre o assunto.
Mais do que a uma análise das questões implicadas na tradução,
as observações a seguir visam a enfatizar a diferença
entre leitor e tradutor.
Conforme já dissemos, nossa preocupação centra-se
no leitor como receptor-decodificador de informações e não
como alguém que deveria também ser emissor-codificador,
como seria o caso de um tradutor.
Entendemos que tudo que vem sendo dito aqui em relação à
leitura e à compreensão interessa sobremodo ao tradutor,
visto que, efetivamente, leitura e compreensão são condições
necessárias ao desenvolvimento do seu trabalho. Entretanto, a tarefa
do tradutor envolve muitos outros aspectos que não serão
aqui abordados.
Assim, espera-se de um tradutor não apenas um bom conhecimento
da língua em que o texto está codificado – a língua
fonte – como igual ou melhor conhecimento da língua a ser
utilizada para retransmitir a mensagem recebida – a língua
alvo.
Como podemos ver, os problemas envolvidos na tradução transcendem
os limites deste estudo. Mesmo no caso da tradução de textos
técnicos, onde uma precisão terminológica e conceitual
poderia tornar menos árdua a tarefa do tradutor, desde que este
estivesse lingüística, psicológica e tematicamente
sintonizado com o texto, mesmo assim, o assunto exigiria a inclusão
de uma série de outros pontos não abordados aqui e que,
por si sós, constituiriam tema de um outro estudo.
De qualquer modo, já que leitura e tradução pressupõem
uma condição básica comum (a compreensão),
é muito comum se confundirem as tarefas exercidas por leitores
como "o nosso leitor" e por um tradutor.
Esta distinção deve ficar clara não só para
o próprio leitor como também para os responsáveis
pela organização de programas para os cursos de ESP. Não
devemos esquecer que os objetivos esperados do nosso leitor são
bem mais modestos do que aqueles esperados de um tradutor. Ser um bom
leitor é condição exigida a qualquer tradutor, mas
não é raro encontrar ótimos leitores que são
péssimos tradutores.
Concluindo, o nosso conceito de leitura em uma segunda língua não
pressupõe necessariamente uma tradução, no sentido
técnico do termo, daquilo que se lê. Para nós, o processo
se completa quando o leitor apreende a informação que lhe
foi transmitida pelo autor através de um texto escrito.
2.3 Textos técnicos
Por texto entendemos qualquer recurso visual utilizado
pelo autor para transmitir uma informação. Tal como definimos,
trata-se de uma expressão bastante abrangente, podendo incluir
uma palavra, uma sentença, um parágrafo, um capítulo,
um livro ou até mesmo um gráfico ou uma ilustração,
incluindo o próprio contexto.
2.3.1 Caracterização do texto técnico
A expressão texto técnico deverá
ser empregada para referir-se a textos que, devido a conteúdo especializado
dentro de uma certa área técnica ou científica e
ao uso de uma terminologia própria à transmissão
desse conteúdo, interessa apenas a um grupo restrito de leitores.
Como exemplo, podemos citar a descrição de uma análise
química, as instruções de uso de uma máquina
fotográfica, um texto filosófico, sociológico, etc.
e, até mesmo, uma receita de bolo.
Victor Petioky (1988) considera textos técnicos aqueles em que
o componente estético-lingüístico recua para um plano
posterior ao da informação temática referente ao
objeto. Prefere classificá-lo no grande grupo dos textos pragmáticos,
opostos aos literários.
Não é fácil proceder-se a uma divisão sistemática
e clara de textos segundo características de estilo, mas é
certo que os autores de textos técnicos normalmente esforçam-se
por adaptá-los à finalidade da exposição.
Enquanto num texto técnico há muito menos opções
na maneira de redigi-lo, no literário, a criação
do autor normalmente excede a qualquer estilo imposto pelo tema que está
sendo desenvolvido. Além disso, por conta de uma terminologia própria
e precisa, no texto técnico, a distância entre o mundo real
e a linguagem pode ser bem menor que na literatura, o que, evidentemente,
impõe àquele um estilo mais objetivo.
Levando em conta que a finalidade maior de todo texto, e não exclusivamente
do texto técnico, é transmitir informações,
tentaremos analisar como o texto deve ser utilizado para fonte de informação,
ou seja, como ponto de partida para a compreensão do leitor.
Para tanto, é importante não apenas distinguir os elementos
que o compõem, como saber de que maneira estes elementos se combinam
em atos de comunicação (uma expressão usada para
referir-se genericamente às unidades básicas mínimas
de comunicação ou ato retórico, mantendo o mesmo
sentido).
2.3.2 Texto e discurso
Como já foi dito (cf. 2.1.3), na busca do significado
de um texto escrito, o leitor conta com informações de dois
tipos: as informações visuais, correspondendo às
marcas impressas ao texto que são percebidas pela visão,
e as informações não-visuais, aquelas que podem ser
inferidas a partir de um input visual.
Essas marcas impressas, que caracterizam a informação visual,
não são exclusivamente lingüísticas. Em um texto
escrito, podemos encontrar, também, certos componentes visuais
de natureza não-lingüística. Referimo-nos aos componentes
icônicos do texto, ou seja, às ilustrações,
aos desenhos, aos gráficos, ou até mesmo certos recursos
tipográficos que servem de pista ou que, de algum modo, chamam
a atenção do leitor para o aspecto do tema que o autor deseja
destacar.
Em um texto técnico, estes recursos são de extrema valia
e, em muitos casos, podem chegar a dispensar extensas descrições
lingüísticas. É o caso, por exemplo, do gráfico
abaixo, através do qual podemos obter uma série de dados
sobre a taxa demográfica de vários continentes, em várias
épocas, estabelecer comparações e tirar nossas próprias
conclusões, independente da leitura do comentário do autor.
Não temos dúvida de que a utilização dos componentes
icônicos de um texto pode ser de grande valia para a compreensão
na leitura. Entretanto, por questões de limitação
de tema, enfocaremos, no componente visual, apenas os seus aspectos lingüísticos.

Gráfico
1: Gráfico da população mundial e projeção
para 2050.
(Fonte: site da Internet www.beachbrowser.com, acessado em jan/2005)
Entre os
componentes de natureza lingüística que podem ser visualizados
no texto, devemos destacar a representação grafológica
da sentença (porque realmente é a sua única propriedade
que pode ser visualizada).
Tomando por base o que nos diz Perini (1987, p. 41), podemos dizer que
a sentença é a expressão sintática de uma
proposição para indicar o conteúdo de uma sentença.
Por exemplo, em Hugo is drawing a cart, temos uma sentença sintática
com mais de um sentido. Tanto pode significar “Hugo está
desenhando uma carroça” como “Hugo está puxando
uma carroça”. Como diz Leech (1986) a propósito desse
exemplo, não se trata de duas sentenças com a mesma forma
sintática e sim de uma mesma sentença para duas proposições.
Do exposto
acima, podemos dizer que a sentença é uma unidade do texto,
enquanto a proposição é uma unidade do discurso,
visto aqui como a linguagem posta em ação.
Widdowson (1989) faz uma distinção bem nítida entre
texto e discurso. Para ele, a análise de um texto revela como as
sentenças estão relacionadas e coerentes do ponto de vista
gramatical. Já a análise do discurso examina o modo como
os enuncia¬dos se combinara em atos retóricos (Searle chama
de “to de fala”, Lyons de “ato semiótico”e
“Schmidt” ato de comunicação”.) Assim,
do mesmo modo como as sentenças se agrupam em parágrafos,
os enunciados ou proposições se combinam em padrões
retóricos. Conforme Widdowson, (1988, pp. 7-17), faz parte da competência
do locutor usar sentenças no desempenho de atos retóricos.
Para ele, o conhecimento de uma língua não significa apenas
o conhecimento de regras que vão gerar um número infinito
de sentenças, mas um conhecimento das regras que regulam o uso
de sentenças que realizam enunciados apropriados. Assim, segundo
o autor, saber uma língua é saber compor sentenças
corretas e saber como usá-las.
A necessidade de atenção às regras de uso é,
em outras palavras, uma necessidade de atenção à
competência comunicativa. Assim posto, as regras de uso são
regras retóricas e a competência comunicativa é o
conhecimento retórico do usuário da linguagem.
Para ilustrar o conceito de padrão retórico, tomemos co¬mo
exemplo o parágrafo abaixo:
Education
in a broad sense, from infancy to adulthood, is thus a vital means of
social control, and its significance has been greatly enhanced in the
last two decades by the rapid expansion of education at all levels in
the developing countries, and by the equally rapid growth of secondary
and higher education in industrial countries. Through education new generations
learn the social norms and the penalties for infringing them: they are
instructed also in their ‘station and its duties’ within the
system of social differentiation and stratification. In modern societies,
where formal education becomes predominant, and where an important occupational
group of teachers comes into existence, education is also a major type
of social control (as the source of scientific knowledge) which is in
competition and sometimes in conflict with other types of control. This
conflict may become particularly acute with the extension of higher education
to a much larger proportion of the population, as the experience of the
last few years has shown in Europe and North America; and the educational
system may increasingly provide one of the main sources of change and
innovation in the social norms. (PYLES & ALGEO, 1976, p. 96)
A leitura
deste parágrafo mostra claramente a intenção do autor
em fazer uma generalização sobre a educação
como instrumento de controle social. Assim, podemos dizer que a função
retórica do texto que acabamos de ler foi a de apresentar esta
generalização.
Assim como na fala, há padrões distintos que podem ser isolados
segundo o modo como as pessoas iniciam e concluem uma conversa, como interrompem,
como forçam repetições, etc., na escrita também
pode-se observar certos padrões retóricos, que aparecem
repetidamente no discurso e que se revelaram na maneira como o autor apresenta
suas proposições, como exemplifica, conclui, etc.
Os lingüistas, preocupados em investigar que fatores contribuem para
o encadeamento do discurso, identificaram dois elementos importantes:
a coesão, responsável pelas relações formais
que operam entre sentenças, e a coerência, responsável
pelo mo¬do como as sentenças são usadas no desempenho
de atos de comunicação.
Mackay e Mountford (1979, op. cit., p.137) distinguem dois tipos de coesão.
A primeira delas é a coesão pronominal conseguida através
de dispositivos anafóricos de pronominalização e
substituição. Observemos, por exemplo, o diálogo
abaixo entre os falantes A e B.
A. That’s
a nice car; (Que carro bonito!)
B. Yes, I
bought it last month (Também acho. Comprei-o no mês passado.)
Neste caso,
o uso que o falante B faz do it é uma referência clara ao
carro mencionado na primeira sentença.
O segundo é a coesão retórica que, por sua vez, pode
ser analisada sob dois aspectos: a coesão intra-sentencial e a
intersentencial.
A coesão intra-sentencial é observada no relacionamento
existente dentro da sentença. É indicada na língua
inglesa por conjunções subordinadas como because, although,
whenever, etc.
A coesão intersentencial, como o próprio nome indica, surge
no relacionamento entre sentenças. É marcada por conectivos
tais como moreover, besides, for example, etc.
Com relação à coerência, embora não
seja fácil defini-la, não é difícil perceber-se
quando o discurso não é coerente.
Vejamos o dialogo abaixo:
A. "That's
a pretty girl" (“Que menina bonita!”)
B. "She's my daughter" ( “É minha filha”)
A. "Alice’s daughter is a nurse" (“A filha de Alice
é enfermeira”)
A observação
neste caso é que a sentença 3 é incoerente com o
restante do texto, uma vez que, como ato de comunicação,
ela se acha completamente em desacordo com o que foi dito anteriormente.
O mesmo texto seria coerente se ao invés da sentença 3 o
falante A dissesse algo como.:
"You
must be very proud of her" (“você deve ter muito orgulho
dela”.)
ou "How old is she?" (“qual é a idade dela?”)
Feitas essas
observações, podemos dizer com Coulthard (1977, p. 10) que
as sentenças se combinam para formar textos e que as relações
entre sentenças são aspectos de coesão gramatical.
Já os enunciados, se combinam para formar o discurso e as relações
entre eles são aspectos de coerência.
Em suma, a coesão tem mais a ver com a dinâmica dos dispositivos
formais que são usados para formar sentenças e criar trechos
contínuos de prosa, enquanto a coerência está mais
ligada à organização funcional do discurso.
Evidentemente, esta distinção tem um caráter meramente
didático, pois na prática texto e discurso formam um todo
imensurável e indivisível.
2.3.3 Processamento cognitivo do discurso
Segundo T.
A. van Dijk e W. Kintsch (1978, p. 66), o processamento do discurso é
uma função das estruturas atribuídas ao discurso
durante o input. Por essa razão, a primeira tarefa exigida daqueles
que desejam compreendê-lo é exatamente buscar a interpretação
dessas estruturas. Dentre essas, os autores salientara a estrutura semântica
do discurso por eles definida como "a reconstrução
formal daquilo que em uma linguagem não-técnica chamamos
de informação ou conteúdo de um discurso".
Para eles, há dois níveis de significação
no discurso: o nível da microestrutura, que é o das sentenças
e seqüências de sentenças; e o nível da macroestrutura,
que é o das partes do discurso ou do discurso como um todo.
Já a macroestrutura, a teoria da organização global
da estrutura semântica do discurso, leva em conta também
certas noções como tema, enredo, schema, já usadas
anteriormente pela psicologia e que hoje são reutilizadas pelos
lingüistas para justificar a teoria de que a compreensão do
discurso não se baseia apenas naquelas proposições
que estão explícitas no texto mas, também, naquelas
que podem ser inferidas através do que está expresso.
Um ponto
de vista semelhante a este é compartilhado por Freedle e Carroll
que, achando ser ingênuo pensar que toda a informação
semântica extraída do discurso pelo leitor esta contida nas
cadeias de palavras encontradas na página, afirmam: "(...)
aquilo que é dado explicitamente no discurso representa apenas
pistas para a estrutura semântica subjacente" (FREEDLE &
CARROLL, op. cit., p. 363)
Assim, continuam os autores, "o estudo do modo como a informação
é processada deve levar em conta não apenas a estrutura
superficial do discurso, mas aquilo que o intérprete da língua
deve contribuir para a sua compreensão".
Além disso, comentando a importância que a organização
das sentenças de um parágrafo tem para a compreensão
de seu conteúdo semântico, sugerem que o estudo dos processos
de compreensão poderia lucrar muito com um estudo mais aprofundado
sobre a estruturação do discurso em unidades semânticas
definidas. Segundo eles, esta estruturação deveria funcionar
como um plano (“qualquer processo hierárquico de um organismo
que pode controlar a ordem em que uma seqüência de operações
deve ser desenvolvida”) para o fluxo da informação,
preparado para ajudar o leitor a compreender o discurso.
No caso da leitura de um parágrafo, por exemplo, a utilização
da sentença tópico, (o termo é uma adaptação
da expressão inglesa TOPIC SENTENCE, usada para referir-se à
sentença que reafirma a idéia principal de um parágrafo),
uma espécie de resumo do problema a ser desenvolvido, funcionaria
como estímulo para as predições do leitor, e as outras
sentenças seriam utilizadas para testar a validade da asserção
expressa na sentença tópico e confirmada na sentença
reiterativa (uma adaptação da expressão inglesa RESTATEMENT
SENTENCE, usada para referir-se à sentença que reafirma
a idéia central expressa na sentença tópico). Em
outras palavras, essas pistas fornecidas pela própria estruturação
do parágrafo deveriam funcionar como um plano para reduzir as incertezas
do leitor, e, dessa forma, aumentar suas chances de compreensão.
Como vimos, segundo esta abordagem de leitura como processamento de informação,
a participação do leitor no processo de ler é muito
ativa e exige do processador não apenas um conhecimento do código
da língua, como também noções claras sobre
a estruturação semântica do discurso.
Segundo os defensores dessa teoria, será exatamente este conhecimento
que vai servir de base para o planejamento das estratégias de decodificação
utilizadas pelo leitor.
À guisa de resumo do que foi dito acima, podemos adiantar que:
l. O processamento
das estruturas sintáticas depende das estruturas semânticas
subjacentes das sentenças. (Isso desautoriza uma dicotomização
radical entre sintaxe e semântica na análise do discurso.)
2. A interpretação de sentenças é uma função
do contexto verbal e não-verbal na qual a sentença é
proferi¬da. (Neste sentido o texto compreende algo mais do que a linguagem
e envolve o nível pragmático a ser considerado.)
3. A estrutura do conhecimento conceitual depende não apenas da
interpretação de sentenças isoladas, mas do processamento
e compreensão de discursos inteiros. (Isto significa que o conhecimento,
como produto, é função de um todo e não da
justaposição de proposições isoladamente compreendidas.)
CONCLUSÃO
As conclusões
parciais que estivemos apresentando, no decorrer deste estudo (cf. p.
26) já anteciparam, de certo modo, as observações
que apresentamos a seguir. Mesmo assim, é conveniente repetir o
principal resultado teórico obtido na investigação,
mencionar a conseqüência didática mais importante dele
advinda e apresentar uma síntese das questões práticas
apresentadas, referentes à aquisição da sintonia
lingüística.
Antes, porém, devemos frisar que essas sugestões apresentadas
dirigem-se a um universo bem restrito, isto é, aquele do leitor
2L-E, não devendo, por isso mesmo, ser aplicadas genericamente
a todos aqueles que estudam uma segunda língua com outros objetivos
em mente, além da leitura e compreensão de textos.
Embora tenhamos tentado analisar cuidadosamente a problemática
dos processos lingüístico-cognitivos envolvidos no ato de
ler (cf. capítulo 2), não dispomos de dados empíricos
precisos para revelar o exato grau de importância atribuída
aos fatores SP, ST e SL na compreensão da leitura. Por esse motivo,
não nos sentimos autorizados a responder à pergunta (formulada
em 2.2.2) sobre até que ponto esses fatores são quantitativamente
suficiente para a compreensão do texto.
É certo, no entanto, que o problema central da compreensão
da leitura está na interação texto-leitor que, sem
dúvida, é uma conseqüência natural da tríplice
sintonia por nós sugerida (SP + ST + SL).
Seria interessante realizar um experimento e entrevistar alguns leitores
de textos técnicos para comprovar a hipótese de que esses
fatores não contribuem na mesma proporção para a
compreensão da leitura. Pensamos que um baixo índice de
SL pode ser compensado por uma boa média ST/SP ou vice-versa, o
importante é segundo entendemos, contar com um mínimo que
assegure a participação de cada fator específico
no processo.
A definição desse grau mínimo constitui desafio que
agora se abre para uma investigação futura, mais ampla e
com maior número de variáveis.
No momento, fundados na principal conclusão deste estudo (a necessidade
da interação texto leitor) e nos princípios cognitivos
que o orientaram, julgamos que a primeira providência a ser tomada
em favor dos cursos de ESP no Brasil é lutar por uma homogeneização
das turmas segundo os graus de ST e SP.
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