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  RESSIGNIFICANDO A MINHA HISTÓRIA : A PRODUÇÃO DE AUTOBIOGRAFIAS NAS CLASSES DE ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS


Valdinei Isac Gonçalves da Silva -Aluno do curso de letras - UERJ
Caroline Gomes do Nascimento- Aluna do curso de pedagogia – UERJ/ Bolsistas do PROALFA


Esta comunicação visa relatar uma das atividades pedagógicas desenvolvidas por meio da Oficina de Produção de Texto de um dos projetos de um programa de alfabetização.

O PROALFA - Programa de Alfabetização, Documentação e Informação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que neste ano completa 10 anos de existência, tem como objetivo construir um espaço acadêmico direcionado ao aprofundamento de reflexões, discussões e práticas em alfabetização e letramento.


O programa é composto por cinco projetos:

Projeto I - Classes de Alfabetização e Letramento de Jovens e Adultos; Projeto II - Apoio Educacional à Enfermaria do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE); Projeto III - Ciclo de estudos em alfabetização; Projeto IV - Acervo especializado em Alfabetização; e Projeto V - Apoio Pedagógico à Formação dos Estagiários.

O Projeto I tem como objetivo a alfabetização e letramento de jovens e adultos, os professores das turmas são alunos-bolsistas dos cursos de Pedagogia, Letras e Matemática, acompanhados pela supervisão pedagógica do PROALFA. Ao mesmo tempo em que os bolsistas atuam como docentes, oferecendo aos alunos a possibilidade de aprendizagem da leitura, escrita e matemática, através de uma abordagem construtivista, eles próprios têm a oportunidade de refletir, em suas experiências, sobre as relações entre teoria e prática.

O PROALFA oferece em suas Classes de Alfabetização e Letramento uma educação não-formal, tendo, no entanto, o cuidado de despertar a curiosidade do aprendiz na aquisição do conhecimento. Os conteúdos trabalhados são vinculados à sociedade e ao cotidiano dos alunos, visando a valorização do saber e o desenvolvimento da auto-estima de todos que freqüentam as quatro turmas que compõem o Projeto I, denominadas: Mangueira I , Mangueira II, Unati I e Unati II. As aulas acontecem três vezes por semana (de terça a quinta-feira), das 14:00h às 17:00h.


Relato da Experiência

No ano de 2004, o tema anual do Projeto I, foi: “Educação e qualidade de Vida”, subdividido em módulos trimestrais. No módulo III, denominado “Educação, Cultura e Lazer”, o objetivo foi valorizar as diferentes culturas, identificando o lazer e a educação como características desta. Este módulo teve duração de sete aulas e a apresentação deste trabalho será desenvolvida com o relato das atividades feitas dentro e fora de sala de aula

A escrita deste gênero, autobiografia, foi escolhida a fim de dar continuidade ao processo de aprendizagem da escrita através da produção textual, com o intuito de valorizar a cultura, a autoria e a história de vida dos alunos. Para que a escrita desta estrutura tivesse significado para os discentes. A oficina de produção de texto realizou um trabalho em sintonia com o das professoras regentes da turma (“Ressignificando a cultura: A Construção da Autoria na Terceira Idade”) que tiveram como produto final a produção de um livro intitulado “Livro da Sabedoria”, contendo os textos dos alunos. Assim, ao trabalhar este gênero textual, os alunos relatariam onde e quando foram realizadas determinadas passagens, enfocando também as atividades culturais presentes no decorrer de suas vidas.

A atividade com autobiografias foi realizada na turma Unati II, durante a Oficina de Produção de Texto que ocorre uma vez por semana com duração de uma hora e meia. Na turma há 21 aluno/as, sendo apenas um do sexo masculino. A freqüência é instável e muitos se ausentam devido a problemas de saúde, pois a turma é formada por alunos de faixa etária entre 60 e 75 anos. É uma classe que possui alunos já alfabetizados,assim as atividades propostas visam ao aperfeiçoamento e aprofundamento dos atos de ler e escrever.

Desenvolvimento das atividades

Nas duas primeiras aulas, tivemos como objetivo ampliar a noção de cultura dos alunos, através de análise e discussão deste conceito e o valor que damos às diferentes culturas. Nesta etapa, tínhamos como intuito que os alunos entendessem o porquê das informações sobre a vida de um autor, contidas em uma biografia, e as reconhecessem quando começássemos o estudo dirigido nas aulas posteriores sobre a estrutura biográfica.

Para que a noção de cultura e valor cultural dos alunos fosse ampliada, propusemos debates, onde foi discutido cada uma das questões, citando exemplos de nossa cultura, sendo relacionada a outras. Ao escrever o tema do módulo, “Cultura, Lazer e Educação” no quadro, fizemos o levantamento do que os alunos inicialmente sabiam sobre aquelas palavras, anotando também, no quadro, as definições mencionadas individualmente. Em seguida foi ressaltado o valor de cada cultura e a importância de serem guardadas, não só na memória, mas, também, através do registro escrito.


Na primeira aula, coletamos as seguintes definições sobre o tema do módulo:

Cultura: “saber falar bem”; “ter o conhecimento”; “ler e escrever bem”; “vem de pessoa culta”; “meio de comunicação entre os povos”; “dentro de países ricos e suas origens”; “é um meio em que nós nos apresentamos no universo”; “vem de todas as classes”; “é como vivem os povos em cada país”; “cultura é tudo; envolve o saber, as tradições, etc”; “todo o conhecimento do homem”; “os hábitos”; “costumes de um povo”.

Educação: “nosso comportamento”; “é ter uma boa educação”; “o colégio e a faculdade é que formam o cidadão”; “todos os ensinamentos, desde o nascer até o morrer”; “ser educado é igual a ser culto”; “ter bons hábitos”; “o que aprendemos na escola”.

Quanto ao lazer, não tinham dúvidas, todos concordavam. Mas ressaltaram que lazer é “ler um bom livro, passear, estudar” e outras coisas que são “boas para ser pensadas pela escola”.

Na segunda aula da primeira etapa, a atividade realizada foi a produção de um artigo de opinião, tendo como objetivo a escrita de um texto, citando exemplos de culturas nos quais são atribuídos valores culturais diferentes, como por exemplo, a música, o artesanato, textos literários (brasileiros e estrangeiros), costumes, hábitos, etc, que tem valores diferentes dependendo do local, região, etc...

O objetivo da segunda etapa foi :ressaltar a diferença entre biografia e autobiografia, pois esta última seria o produto final do trabalho. Os conteúdos trabalhados foram coerência e coesão e a estrutura biográfica.

No início do estudo, os alunos confundiam biografia com bibliografia, já que as palavras são parecidas. Então, utilizamos a estratégia de explicação por meio da etimologia, mostrando a origem das palavras.

A análise de biografias que visava a depreensão da estrutura textual, foi feita a partir de exemplos levados pelos professores e de pesquisas feitas pelos próprios alunos. Foi analisada a biografia de Carlos Drummond de Andrade, pois era um autor que a maioria da turma já conhecia, e se interessara muito na leitura desta, fazendo comentários ao final da leitura sobre a vida do poeta. Para comentar o que foi lido, é necessário que tenha ocorrido a compreensão, e esta não é automática, mas precisa ser desenvolvida. Neste caso foi observado que houve a compreensão pelos alunos, devido a seus comentários. Além disso, ressalta-se que pelo fato da turma Unati II ter lido o livro “Marcelo Marmelo Martelo” de Ruth Rocha, foi levada a biografia da autora para sua leitura e análise estrutural.

Após algumas aulas analisando a estrutura do gênero textual, deu-se início à escrita das autobiografias, descrevendo as etapas: infância, juventude e fase adulta.

Os alunos se envolveram bastante com o trabalho realizado e ao escrever, sempre comentavam sobre alguns fatos de suas vidas. Muitas vezes até se emocionavam por lembrarem de algumas situações pelas quais passaram; outros tiveram prazer ao lembrar de sua infância e adolescência, relatando que foram momentos muito felizes e apesar de terem tido uma vida cheia de dificuldades, sentiam-se felizes por terem conseguido criar os filhos e estes, hoje, lhe proporcionam orgulho. A maioria dos alunos não deixou de mencionar em suas autobiografias como estão felizes por estarem tendo a oportunidade de realizar um sonho que não tiveram na infância, que é estudar.

Na sétima e última aula desse módulo, ocorreu a correção das autobiografias, onde cada um dos alunos, com auxílio dos professores da Oficina de Produção de Texto e, também, dos professores regentes que sempre ajudavam no desenvolvimento das aulas, leu suas autobiografias e fez as correções necessárias. Este momento é importante, pois, ao se auto-corrigir, o aluno pode entender onde e porque precisa corrigir, e seus “erros” são trabalhados construtivamente. O gênero textual do tipo "autobiografia" foi assimilado pelos alunos rapidamente. Souberam como construir os textos e como dispô-los no papel, somente tendo dificuldades com algumas questões de ortografia, que foram trabalhadas na reescrita.

Um dos alunos escreveu em sua autobiografia o nome dos lugares onde morou, durante sua vida, com letra minúscula e disse que gostou muito de ter revisto o texto, pois pensava que só poderia colocar letra maiúscula no início de frase, mesmo se tivesse no meio de uma frase um nome próprio. Esse momento também é fundamental, pois o aluno deve ser o primeiro leitor da sua produção, pois muitas vezes o aluno escreve errado, e ao ler, logo identifica o que está incorreto.

Ao fim das etapas previstas, as autobiografias foram inseridas no “Livro da Sabedoria”, produzido pelos alunos com a mediação das professoras regentes. Após a confecção do livro, cada aluno recebeu um exemplar, com seus textos e suas respectivas autobiografias.

Conclusão

Ao trabalhar com a produção de autobiografias, tivemos como objetivo ensinar a escrita de estruturas biográficas e a valorização dos diferentes aspectos culturais presentes nestas. O nosso objetivo foi alcançado, percebemos que no decorrer do módulo o conceito de cultura foi se ampliando cada vez mais, sendo o trabalho mais enriquecedor com a produção das autobiografias, onde cada aluno pode escrever sobre a sua vida apresentando aspectos culturais diferenciados. Acreditamos que o sentido da produção de texto nas primeiras aprendizagens é garantir a escrita como um bem cultural, no processo de ampliação e compreensão do mundo.

Os alunos sentiram prazer na realização da atividade, pelo fato desta proposta ter tido significado para eles já que cada aluno, como autor, teria sua autobiografia presente no livro, e por estarem relatando a suas histórias de vida.

Todos permaneciam concentrados durante a escrita e prestavam atenção em todos os momentos das aulas. Podemos concluir a satisfação dos alunos após a finalização do trabalho realizado, através da frase mencionada pela aluna Araci, de 75 anos: “Adorei escrever o livro onde foi contada a história da minha vida”.

Enfim, é muito importante que o aluno saiba para que e para quem se está escrevendo, e em que situação o texto será lido. Sendo fundamental enfocar que a autobiografia serviu de incentivo e levantamento da auto-estima, já que muitos de nossos alunos ingressam em nossas aulas com auto-estima baixa e sempre dizem que não sabem escrever. Podemos comprovar o contrário, através dos resultados alcançados neste trabalho.


Autobiografia

Eu me chamo Darcy Albino, nasci no dia 04 de dezembro de 1931 em Ubá, Minas Gerais. Meu pai se chamava Vicente José Albino e minha mãe Jovelina Albino. Tenho seis irmãos, pertenço a uma família modesta. Comecei a trabalhar muito cedo na roça, já fui camelô, doméstica, babá, diarista, acompanhante, passadeira e até hoje passo roupas.

Fui casada, mas fiquei viúva muito cedo e deste casamento tive três filhos, duas meninas gêmeas e um menino. Hoje são pessoas adultas e responsáveis, que dentro do possível olham por mim, pois eles têm suas famílias, porém não me desamparam, graças a Deus.

Tenho muitos amigos, adoro conversar, passear, viajar e tudo mais que é bom para uma vida saudável. Sou uma pessoa religiosa, minha religião é católica "praticante" e amo a Deus.

DARCY ALBINO


Eu, Maria Inês Henriques de Oliveira Cabral, nasci em 20/04/1928, em Portugal, numa cidadezinha muito pequena chamada Lourinha. De lá, aos dois anos fui para Lisboa com os meus pais e irmãos, onde comecei aos sete anos a aprender as primeiras letras em colégio público, não chegando a terminar o primário por questões que até hoje não sei, nunca me foram bem explicadas.

Na minha adolescência aos treze anos comecei a trabalhar como modista de chapéus. Veio a guerra, as coisas se complicaram então fui aprender a fazer calças, ou seja, costureira de alfaiate, o que eu detestava. O que eu gostava mesmo era de medicina ou enfermagem, mas fora de cogitação por questões monetárias.

Aos 18 anos me casei, tive dois filhos. Daí para a frente, complicações ainda mais aflitivas e ainda no auge da guerra. Até que aos 26 anos surgiu a oportunidade de vir para o Brasil. O tempo foi passando, as filhas cresceram, se casaram, vieram os netos e bisnetos. E só agora aos 76 anos é que estou realizando o meu sonho, o de me sentar numa sala de aula. Realizar é um modo de falar, mas mesmo assim estou muito feliz, me sinto muito bem na faculdade ou numa biblioteca. Adoro livros, eu os amo de paixão.

Fim da história de uma menina que sonhou alto demais, mas se realizou em parte num filho que hoje é médico.

MARIA INÊS CABRAL

 
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