Cleide Gomes Ferreira Souza – Secretaria
Municipal de Educação – SME/Campinas.
Este trabalho é um relato de experiência
de atividades desenvolvidas em sala de educação infantil.
A literatura infantil é o ponto de partida para produção
de livros, textos e ilustrações. A professora é a
contadora e escriba, os alunos são re-contadores/criadores e ilustradores
das histórias. Esta perspectiva considera o aluno ser participativo
e atuante que através da mediação da literatura re-significa
as histórias, recriando-as, ao mesmo tempo em que se constitui
leitor e ouvinte.
Neste trabalho pretendo relatar de maneira sucinta o uso
da literatura em sala de aula de Educação Infantil como
uma alternativa de trabalho com a linguagem. Alternativa esta construída
em minha trajetória de professora. Falo do lugar da professora
de origem menos favorecida, para quem a leitura significou e significa
acesso a um universo cultural e social diferente, crescimento pessoal
e interlocuções várias.
No ano de 2000 comecei a trabalhar na Educação Infantil,
com crianças de 5 a 6 anos, como professora da Rede Municipal de
Ensino de Campinas, até então, trabalhara no Ensino Fundamental
e Educação de Jovens e Adultos. Estava feliz porque sabia
que teria mais possibilidade para usar da leitura em sala de aula e menos
cobranças de resultados quantitativos (aprovações,
repetências, notas etc), podendo explorar mais livremente as dimensões
da leitura.
Em minha graduação já havia descoberto a importância
da leitura. No estágio supervisionado desenvolvera a leitura fruição
de texto , fora uma atividade muito gratificante na qual a partir da leitura
de várias histórias pude ir me constituindo contadora de
histórias e ver crianças, que antes não paravam para
ouvir e nem se interessavam pelas histórias, constituindo-se ouvintes
e interagindo com o texto.
Mas agora a sala era minha, não trabalharia só com a leitura
fruição de texto, não encontraria as crianças
apenas uma vez por semana, tinha outros conteúdos a serem trabalhados.
Em contrapartida não queria apenas atividades descontextualizadas
e soltas. Pois, como afirma Possenti (2002): “Não se aprende
por exercícios, mas por práticas significativas”.
Ao pensar em significar, mediar o conhecimento, recorri a essa experiência
já vivida, fazendo da literatura infantil o pretexto, o fio condutor,
o caminho, o risco...
Assim a partir de uma história da qual as crianças gostaram
muito – Quero casa com janela - propus fazer cada um sua janela:
o que via através dela? Formamos um painel na sala com a exposição
destes desenhos, cada aluno citou as coisas desenhadas, esta fala foi
digitada e colada próxima ao desenho. Depois de um tempo juntei
todas as páginas e formamos um álbum. Este foi o primeiro
livro que produzi com meus alunos na Educação Infantil.
Estava aberto o caminho, os alunos sentiam-se valorizados e satisfeitos
com a nossa produção, sentiam-se produtores, viam-se em
suas produções. Daí por diante outros livros foram
criados, todos a partir de alguma história contada em sala, livros
que iam para casa para serem lidos e vistos por eles e por seus familiares.
Mas o tempo passa e logo vinha outro ano e outra turma de crianças.
Era preciso outro trabalho de conquista, estabelecimento de vínculos,
interações, construção de uma história.
Cada turma apresentava suas especificidades. Mas hoje ao relatar isso
aqui é interessante constatar que mesmo sendo diferentes, uma turma
optasse mais por livros coletivos, outra por livros individuais, a utilização
da literatura promovia o envolvimento da turma e mediava o conhecimento.
Nessa perspectiva, já ciente da importância da literatura
em meu trabalho, em 2004 na EMEI Casinha Feliz que funciona em um barracão
onde também temos a Associação de Moradores de Bairro,
não temos salas de aula convencional, as duas turmas do período
revezam local e horários, quando uma turma está no parque
a outra fica no barracão, quando chove ficam as duas turmas no
mesmo espaço, cujo forro é de telhas de amianto e em dias
de sol é como se estivéssemos em um forno.
No início senti-me sem chão, eu e as crianças, oriundas
de um CEMEI (Centro Municipal de Educação Infantil) com
espaço adaptado para um trabalho escolar/pedagógico. Minhas
colegas já estavam construindo um trabalho com a Pedagogia Freinet,
e me debati por um tempo para conseguir conciliar a produção
de livros pelas crianças, os ateliês freinetianos e o espaço
físico precário.
Na escola anterior confeccionava livros com os alunos coletivamente (combinávamos
o que iríamos fazer e desenhavam todos ao mesmo tempo e, ao acabar,
iam para mesas com jogos, brinquedos). Agora como lidar com os ateliês
? Não dava para ficar em todos os ateliês os acompanhando.
E não me sentia segura para deixá-los sós nos ateliês.
Assim, tentei chamar-lhes a atenção a partir de uma parlenda
que gostavam de repetir: “Eu sou o pirata/ da perna de pau/ do olho
de vidro/ da cara de mau” (cada aluno montou seu livrinho com folhas
de sulfite ilustrando cada verso), mas não se empolgaram muito
com o resultado. Hoje relatando isso, fica muito claro ver como às
vezes a professora vai a espera de uma coisa e encontra outra, há
momentos em que o planejado fica só no desejo... Em outros, algo
não esperado/planejado desperta para os alunos se revestindo de
sentidos.
Nessa linha, a partir de uma lagarta colocada num pote pela turma da manhã,
o interesse das crianças foi despertado. Observamos sua metamorfose
e construímos um livro coletivo relatando as observações
de lagarta a borboleta. Este livro provocou gosto e empolgação.
Descobri que este seria um caminho para esta turma: produções
coletivas. Depois deste vieram outros livros, como um em que um grupo
de meninas teve a idéia de recontar a história de Chapeuzinho
Vermelho e a turma embarcou ajudando na ilustração.
Outro livro surgiu depois de ouvirem a história do Patinho Feio
(trazida por uma aluna),os alunos se propuseram a recontá-la e
ilustrá-la. Com o tempo chegamos até a um livro indo além
do re-contar: um aluno inventou uma história de uma Chapeuzinho
que foge aos parâmetros ideais de beleza. Desta forma, percebo é
que partindo das relações estabelecidas com as diferentes
histórias e textos, os alunos criam um repertório que possibilita
chegar não só a recontar (apropriação) como
a criação.
Concluindo, busco fazer com que o uso da língua em sala de aula
não seja algo artificial, produzimos textos escritos (dos quais
sou a escriba) e de imagens (que as crianças são autoras)
- produto de seus trabalhos - no qual se vêem e se identificam.
Isto é, tento estabelecer relações e interlocuções
para que o sentido de nosso trabalho não nos escape, conforme alerta
Kleiman (1999).
Assim, o material produzido pelas crianças tanto tem a função
de registro do que fazemos, aprendemos, conhecemos, como é um suporte
de interlocução para os outros que vierem a conhecê-lo.
Referências :
GERALDI, J.W. (org.) O texto na sala de aula. Cascavel,
Assoeste, 1984. p.17.
KLEIMAN, Ângela B. e MORAIS, Sílvia E. Leitura e interdisciplinaridade:
tecendo redes nos projetos da escola. Campinas, Mercado de Letras, 1999.
POSSENTI, Sírio. “Sobre o ensino de Português na escola”
In: GERALDI J.W. (org.) O texto na sala de aula. São Paulo, Ed.
Ática, 2002. p. 36.
SALLUT, Elza C. Quero casa com janela. São Paulo, Editora Ática,
2000.