Marcela Lopes do Nascimento -Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul –UFMS. •
Neusa Maria Marques de Souza - Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul - UFMS.•
O interesse pelo assunto que gerou este estudo deveu-se
ao fato de que, como educadora, em ação, algumas questões
sobre a formação continuada afloraram nas observações
e experiências da prática diária.
Nesta perspectiva surge o momento propício à realização
das reflexões mais aprofundadas através deste estudo, que
poderá nortear futuras ações, no que se refere ao
incentivo da formação continuada, tendo como foco o Sistema
de Ensino no município de Paulicéia-SP. Assim, esta pesquisa
busca as possíveis respostas para as indagações em
relação à formação continuada no campo
educacional.
Considerando que a constante formação do professor é
uma questão que deve ser priorizada pelos profissionais da educação,
entendo ser este um dos caminhos que possam assegurar a preparação
do cidadão para o mundo moderno, para o mercado de trabalho exigente,
ou simplesmente para fazer o indivíduo se sentir um ser participante
do mundo em que está inserido.
Espera-se, portanto, que a educação esteja pautada em um
ensino de qualidade com professores bem preparados e atualizados, que
saibam desenvolver o potencial de aprendizagem dos alunos, orientando-os,
para sociabilidade, trabalho coletivo, cooperação, respeito,
convivência com as diferenças, autonomia pessoal e para cidadania.
Porém estas competências, que em matéria de educação
consistem na “faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos
– como saberes, habilidades e informações –
para solucionar com pertinência e eficácia uma série
de situações” , só terão possibilidades
de desenvolvimento se o profissional da educação for capaz
de despertá-las em seus alunos. Isto requer um preparo constante
que pode ser conseguido via formação continuada, pois além
da importância de estar habilitado, por meio acadêmico, esta
formação pode ir além das salas das universidades,
faculdades, etc, num processo pessoal que exige reflexão constante
do professor sobre suas virtudes e falhas no campo educacional.
Cria-se com isto um espaço em que, os “aspectos do cotidiano
escolar que escapam a qualquer legislação e cujo aprimoramento
e transformação depende inteiramente de quem faz educação
nas salas de aula”, acabam recuperados nestas reflexões.
Neste sentido é que nesta pesquisa foi desenvolvida a investigação
do grupo de educadores que atuam nas séries iniciais do ensino
fundamental, na EMEF Raquiel Jane Miranda, da cidade de Paulicéia-SP,
que participaram do Projeto de Formação Continuada e Acompanhamento
Institucional -2004.
Este projeto foi oferecido pela Secretaria Municipal de Educação
deste mesmo município, em convênio com CESTUPI – Centro
Superior de Tupi Paulista – Instituto Superior de Educação
de Tupi Paulista, dando cumprimento às seguintes legislações:
“Art. 63 – Os institutos superiores de educação
manterão:
III - programa de educação continuada para profissionais
de educação dos seus diversos níveis.”
“Art. 67- Os sistemas de Ensino promoverão
a valorização dos profissionais da educação,
assegurando-lhes, inclusive, nos termos dos estatutos e dos planos de
carreira do magistério público:
II - aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento
periódico para esse fim; “
“Art. 33- Além dos previstos na Lei Orgânica
Municipal e nos artigos acima são direito dos integrantes do Quadro
do Magistério:
I - ter a seu alcance informações educacionais, material
didático e contar com assistência técnica que auxilie
e estimule seu desempenho;
II- ter assegurado a oportunidade de freqüentar cursos de formação
profissional;
A intenção da implantação
deste projeto foi decorrente das avaliações desenvolvidas
desde o ano de 2001 no referido Sistema Municipal de Ensino.
Neste sentido, para avaliar a aprendizagem dos alunos foi utilizado um
instrumento conhecido como “provão”, preparado pelo
Coordenador Municipal de Educação mediante os planos de
ensino de todas as séries e da observação das avaliações
bimestrais.
A avaliação dos professores foi desenvolvida juntamente
com direção e coordenação pedagógica
da Unidade Escolar, através de reuniões semanais de HTPc
- horário de trabalho pedagógico coletivo – e encontros
do projeto “Ação Revisão” estabelecido
no Plano Gestão da escola. Nestas reuniões, a ênfase
recaía nos problemas considerados mais urgentes relativos à
aprendizagem dos alunos e as possíveis soluções.
No decorrer dos três anos das avaliações (2001, 2002
e 2003) foram levantadas como maiores dificuldades na aprendizagem dos
alunos problemas com leitura, interpretação, produção
de texto e raciocínio lógico.
Visando sanar estas dificuldades a Coordenadoria Municipal de Educação
ao estabelecer o Projeto de Formação Continuada e Acompanhamento
Institucional -2004, pretendia alcançar tais objetivos:
• Oferecer na rede pública municipal de Paulicéia
um ensino cada vez mais qualitativo;
• Conhecer e vivenciar experiências novas que permitam um
enriquecimento da prática docente;
• Aperfeiçoar e enriquecer conhecimentos obtidos, pelo professor,
em sua qualificação mínima para o exercício
profissional;
• Superar dificuldades surgidas no confronto entre teoria e prática
docente;
• Corrigir defasagens teóricas e suas aplicações
práticas pela evolução dos conhecimentos e mudanças
comportamentais nas relações sociais.
A partir desses objetivos desenvolveu-se, portanto, o Projeto de Formação
Continuada e Acompanhamento Institucional -2004, oferecido aos professores
do Sistema Municipal de Ensino, os quais teriam a liberdade de poder optar
em participar ou não do projeto.
Aos interessados, houve, no início do ano de 2004, a atribuição
de quatro horas semanais de carga suplementar (remuneradas) que seriam
usadas para o desenvolvimento do projeto com certificação
de 100 horas. Essas horas, que passaram a compor a carga horária
do professor, eram pagas com recursos do FUNDEF (Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização
do Magistério), obedecendo aos preceitos legais que definem que
60% dos recursos arrecadados dentro desse fundo devem ser destinados ao
pagamento dos profissionais do magistério, conforme segue.
[...] cabe lembrar, mais uma vez, que 60%, no mínimo,
dos recursos destinados ao FUNDEF, devem ser gastos com o pagamento dos
profissionais do magistério em efetivo exercício e os 40%
(no máximo) restantes com as demais despesas do Ensino Fundamental.
Com o grupo formado através de uma reunião
para estruturação do cronograma do projeto, foi escolhido
o sábado como o dia da semana mais acessível a todos, devido
ao fato de que alguns professores estudavam durante a semana.
Encaminhadas as disponibilidades dos professores ao CESTUPI – Centro
Superior de Tupi Paulista – Instituto Superior de Educação
de Tupi Paulista, este apresentou seu projeto de trabalho calcado no levantamento
das principais dificuldades de aprendizagem dos alunos da EMEF Raquiel
Jane Miranda do município de Paulicéia-SP.
Estruturado o Projeto de Formação Continuada e Acompanhamento
Institucional -2004 e iniciados os estudos, começam então
a surgir alguns depoimentos apurados em conversas informais, nos quais
se detectava a indisposição de alguns professores quanto
à participação das reuniões aos sábados,
com queixas sobre a duração do projeto entre outras, contrariando
o próprio processo de escolha que trouxe em seu principal fundamento
a liberdade de opção para participação do
projeto.
É neste contexto que esta pesquisa busca localizar as causas desta
controvérsia, a partir da investigação sobre a importância
do Projeto de Formação Continuada e Acompanhamento Institucional
-2004 para estes professores, a partir das concepções que
estes apresentam sobre participação, formação
continuada e ensino de qualidade e da avaliação que fazem
sobre os possíveis reflexos dos conhecimentos veiculados durante
o curso, em suas práticas educativas cotidianas.
Para alcançar estes objetivos, entre os estudos sobre metodologia
cientifica, empreendidos nesta trajetória, entendeu-se que a melhor
adequação ao que se pretendia para uma pesquisa com resultados
reais, de simplicidade e fácil grau de compreensão e ainda
com procedimentos que não insistissem em uma objetivação
rígida, era a pesquisa qualitativa.
Esta modalidade de pesquisa destacou-se das demais por fazer jus à
complexidade da realidade, curvando-se diante dela, não o contrário,
como ocorre com a ditadura do método ou a demissão teórica
que imagina dados evidentes.
A abordagem qualitativa garantiu, portanto, a análise do processo
como um todo e não apenas o produto final. Neste sentido, Lüdke
e André ,confirmam que a escolha pela abordagem qualitativa é
oportuna, quando tem seu ambiente natural como fonte direta de dados,
o que faz com que o pesquisador tenha contato direto com a situação
estudada, enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar
fielmente a perspectiva dos participantes.
Para estabelecer o diálogo para obtenção de dados,
como identificação dos professores, o que estes pensavam
a respeito do Projeto de Formação Continuada e Acompanhamento
Institucional -2004, quais os reflexos na prática pedagógica,
optou-se pela utilização de entrevistas individuais semi-estruturadas.
Esta opção foi compreendida como mais adequada, por permitir
a ampliação de questões preestabelecidas caracterizadas
pela entrevista estruturada, com abertura para maiores explicações,
mudanças e improvisos.
Uma das diferenças entre a entrevista estruturada
e a não estruturada é que, os objetivos anteriores de capturar
dados precisos de natureza codificada para explicar o comportamento dentro
de categorias pré-estabelecidas é substituído pela
tentativa de entender o comportamento complexo dos membros de determinado
grupo social, sem impor qualquer categorização a priori
que possa limitar o campo de investigação. A entrevista
não-estruturada vai além de qualquer forma de entrevista,
quando o pesquisador se submerge na cultura do grupo pesquisado, no qual
se insere, e deixa que esta seja a mediadora da interação
entre ambos. Há uma relação (homem para homem) com
os entrevistados e o desejo de entender em lugar de explicar.
Tendo os contornos claramente definidos e delimitados, essa pesquisa se
configurou como um estudo de caso na medida em que se projetou para a
análise, a qual se esperou abrangente, de uma unidade social, tomada
como um todo.
Desta forma, o estudo de caso possibilitou entender este caso em particular,
que se enquadra às características desse tipo de pesquisa
conforme apresentam Lüdke e André.
Os estudos de caso visam à descoberta. [...] enfatizam
a “interpretação do contexto” [...] O pesquisador
procura revelar a multiplicidade de dimensões presentes numa determinada
situação ou problema, focalizando-o como um todo. [...]
usam uma variedade de fontes de informações. [...] revelam
experiência vicária e permite generalizações
naturalísticas.[...] procuram representar os diferentes e às
vezes conflitantes ponto de vista presentes numa situação
social. [...] Os relatos do estudo de caso utilizam uma linguagem e uma
forma mais acessível do que os outros relatórios de pesquisa.
Foi, portanto, partindo destes pressupostos, que se estruturou
a metodologia deste trabalho de pesquisa.
A análise dos dados nos permitiu levantar alguns pontos que, teoricamente
embasados nos apontam que o grupo de professores, foco desta pesquisa,
apesar de reconhecer suas limitações e de mencionar a importância
da atualização e aprimoramento proporcionados pela formação
continuada e acompanhamento institucional, não assumem para si
o papel de construtores desta capacitação.
Colocam-se enquanto funcionários do sistema, considerando-o como
principal responsável pelo sucesso ou fracasso desta capacitação.
Como retrato geral do grupo de professores entrevistados foi possível
detectar posturas que se revelavam a cada palavra, gesto e expressão
o fluir do compromisso com os seres humanos para com os quais optaram
por contribuir, formando-os cidadãos éticos, compromissados
com a justiça, com a solidariedade, com a igualdade de direitos.
Entretanto, ao exercer sua participação enquanto cidadãos,
eles próprios não os faziam segundo os pressupostos do critério
da ‘democraticidade’ .
Mesmo com a expressão de compromisso com o ensino, parte destes
professores ainda não se conscientizou enquanto educadores que
tenham como referência a formação continuada como
necessidade permanente de cada um, como atividade que possa alargar seus
horizontes, dando-lhes uma visão mais ampla dos problemas e soluções
para a ação pedagógica.
No geral, os professores demonstram saber que precisam mudar, mas não
sabem como. Isto gera angústia, também causada pela percepção
de que o mundo muda tão rapidamente e que a escola ainda não
consegue acompanhar.
Enfatizam que somente o domínio da conceituação munirá
o profissional professor do instrumental que lhe permitirá solucionar
os problemas novos com seus próprios recursos. Por outro lado,
se desestimulam ao freqüentar cursos fora de seu horário de
trabalho.
Demonstram ainda que reconhecerem, como suas tarefas, tornar todos os
assuntos acessíveis e atraentes aos alunos, sem com isto serem
apenas superficiais, ao contrário, dando o máximo de profundidade
e de realce ao que se propõem a ensinar. Reconhecem o professor
como responsável em convencer os alunos dos méritos de seu
aprendizado, através de resultados palpáveis, de modo a
incutir a confiança, em si próprios.
O conjunto dos dados apontou, portanto, que para estes professores, o
desenvolvimento do projeto em questão foi entendido como uma iniciativa
relevante ao aprimoramento de suas práticas pedagógicas
e enfrentamento das dificuldades de aprendizagem com que se deparam no
cotidiano.
Entretanto, quanto à concepção sobre participação,
qualidade de ensino e formação continuada, os professores
apresentaram visões com tendências mais funcionalistas que
progressistas, compreendendo-se como objetos e não como sujeitos
da formação continuada e, conseqüentemente, concebendo
a participação como freqüência e desempenho das
tarefas propostas pelos professores do curso e não como um processo
coletivo em construção.
Estas concepções se mostram paradoxalmente incompatíveis
com a própria filosofia que fundamenta a proposta do projeto. Subentende-se,
portanto, que na continuidade do projeto, caso venha a ocorrer, estes
conceitos deveriam ser praticados e devidamente explorados.
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