|
CULTURA
MIDIÁTICA E IN(FORMAÇÃO)
Níncia
Cecília Ribas Borges Teixeira –Universidade Estadual do Centro-Oeste
(UNICENTRO)
“Vive-se num mundo editado”
Baccega
A pesquisa
analisa sobre o processo de produção da informação
gerada pela cultura midiática.O poder simbólico da mídia
constitui-se como um poder de ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar
a visão do mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo.
Assim, o artigo retrata a importância da escola, enquanto instituição
socialmente sancionada, de promover o processo de interpretação
das redes simbólicas, nas quais o mundo contemporâneo está
imerso.
Refletir sobre o processo de produção da informação
é parte integrante de uma educação plural, e uma
educação plural não pressupõe apenas o ensino
de múltiplos modos de pensar a realidade. Educação
plural é também, e talvez, sobretudo, a educação
que visa ao geral, ao todo, e não apenas uma parte da sociedade.
O ensino deve abranger todas as disciplinas, inclusive a mídia,
principalmente se se leva em consideração o fato de que
os meios de comunicação em massa, presentes, continuamente
no dia-a-dia da sociedade são detentores de poder e domínio.
É, portanto, na escola, instituição socialmente sancionada,
que se inicia o processo de interpretação das redes simbólicas
nas quais o mundo contemporâneo está imerso. Os desafios,
portanto, são iguais para todos os professores que terão
diante de si uma geração extremamente abastecida de informações
e com um espantoso domínio das novas tecnologias informacionais.
Por isso, além do conhecimento específico da matéria
ensinada, o professor deve ter acesso às mesmas fontes que o seu
aluno pode usar fora da sala de aula.
Tal contexto deve ser analisado não só nos limites da instituição
escolar, mas principalmente na sociedade como um todo, uma vez que professores
e alunos são indivíduos que compõem esta sociedade,
com ela interagem e fazem trocas, com ela aprendem e a ela retornam, sempre
a formando e modificando-a num processo contínuo.
As tecnologias da comunicação e informação
são fatores que de forma decisiva e rápida mudaram a sociedade,
contribuíram para a formação da chamada sociedade
planetária e interferem de forma significativa na educação.
Portanto, o contexto social que faz com que alunos cheguem às escolas
carregados de saberes adquiridos das mais diferentes formas é fortemente
substanciado pelas tecnologias da comunicação e informação.
E este contexto não pode ser ignorado ou alienado da escola, pelo
contrário deve ser respeitado e funcionar como ponto de partida
para a construção de novos saberes.
No imaginário social, o que é levado em consideração
é como a mídia relata o mundo, no entanto é necessário
ter em mente que o fato relatado sempre será uma versão
do fato observado e é considerado um recorte frágil da realidade.
Nossas concepções de mundo estão sendo delineadas
pelas informações que recebemos por meio das mídias
eletrônicas. A TV, por exemplo, além de informar, seleciona,
exibe e interpreta o que acontece (Lomas, 2001: 147).
A realidade
objetiva pode ser considerada um mito, pois vemos o mundo como somos,
segundo os nossos valores morais, religiosos, dentre outros, e não
como ele é. Toda a realidade é modelada e recriada, sendo
assim, o real será sempre perpassado pela subjetividade. São
as emoções, os desejos, os ensinamentos vivenciados que
possibilitam a interpretação do real.Para Held “a
vida humana é uma ficção que o homem inventa a medida
que caminha”. (HELD, 1989:54)
Na sociedade contemporânea, a socialização incorpora
as relações produzidas pela rede de interconexões
de pessoas entre si, mediadas pelas tecnologias da comunicação
e informação. A mídia e a publicidade focam perspectivas
da realidade, intervindo na construção de identidade, culturas
e relações pessoais. Preocupa-nos a discrepância que
surge entre o que as mídias anunciam de horizontes e leituras de
universos e os valores educativos que são discutidos e tratados
nas instituições educacionais.
O desenvolvimento dos meios de comunicação é uma
característica essencial da cultura ocidental e uma dimensão
marcante da sociedade atual: "Se quisermos entender a natureza da
modernidade, (...) as características institucionais das sociedades
modernas e as condições de vida criadas por elas –
devemos dar um lugar central aos meios de comunicação e
seu impacto" (Thompson, 1998, p. 12). Também em sociedades
como a brasileira, onde vige uma "modernidade periférica",
a produção e a circulação de formas simbólicas
pela mídia têm um papel decisivo na vida social e no cotidiano
das pessoas.
A percepção da realidade muda segundo o contexto cultural,
a história pessoal e familiar, classe social, gênero, idade,
disposições herdadas etc. Mas, esta realidade vai formando
no contexto da cultura midiática uma percepção da
realidade altamente fragmentada, efêmera e impessoal, imersa no
ambiente cultural da propaganda e do marketing. A construção
do simbólico que é perpassada pelo fenômeno da cultura
e da mídia que tem um forte apelo persuasivo e atua no longo prazo.
Confome Moreira:
Tomemos a percepção da guerra como exemplo. O que antes
era distante no espaço e no tempo, com a transmissão ao
vivo pela TV tornou-se próximo e até familiar, em virtude
dos mapas e esquemas em 3D gerados por computador. Contudo, essa proximidade
é exterior, não gera necessariamente identificação
ou solidariedade. Participamos da guerra consumindo avidamente as imagens
da guerra, ou seja: como espectadores de um filme que se desenrola diante
de nós. A realidade cede à simulação, a guerra
torna-se espetáculo: mísseis e "bombas inteligentes"
são descritos em detalhes, em seguida mostra-se como funcionam,
com casas e prédios indo pelos ares em explosões multicoloridas.
Há
uma emergente necessidade de preparar cidadãos que saibam ler,
interpretar, analisar criticamente as informações recebidas
e selecionar as significativas para si e para o uso coletivo. A população
de um modo geral está carente de recursos técnicos e educacionais
para enfrentar e lidar com um futuro que caminha na ambigüidade do
local e global, do espaço físico e virtual. A geração
nascida no universo de ícones e imagens transita com desenvoltura
na operacionalização, nesta quase ficcional, mas a outra
geração, nascida em tempos de relativa estabilidade, convive
de forma conflituosa com as rápidas e complexas mudanças
tecnológicas, cuja progressão é geométrica.
É necessário visualizar que o real é, ao mesmo tempo
construção e criação. Enquanto construção
é a efetivação dos fazeres humanas, agente do seu
mundo e enquanto criação passa a ser expressão dos
seus sonhos e desejos que o movem à transformação.A
criação de um mundo próprio singular é compartilhada
com outros homens no seio da sociedade, isto é, construído
socialmente, pois o homem é um ser composto por fragmentos de uma
sociedade, núcleo essencial das instituições e de
suas significações que agem como redes simbólicas,
socialmente sancionadas e que buscam assegurar a “realidade”
dos fatos.
Estes sistemas simbólicos são produzidos e apropriados pelo
próprio grupo, ou por um corpo de especialistas que conduz à
retirada dos instrumentos de produção simbólica dos
membros do grupo. Como exemplo, Bourdieu cita a história da transformação
do mito em religião.
As ideologias devem as suas estrutura e as funções mais
específicas às condições sociais da sua produção
e da sua circulação, quer dizer, às funções
que elas cumprem, em primeiro lugar, para os especialistas em concorrência
pelo monopólio da competência considerada (religiosa, artística
etc) e, em segundo lugar e por acréscimo, para os não-especialistas
( 1989 p. 13).
A propósito
do poder simbólico: se o campo da política é um campo
de lutas, é principalmente no terreno do simbólico que essa
luta se manifesta, na disputa, por parte dos diferentes grupos sociais,
para impor uma definição do mundo social de acordo com seus
interesses. Trata-se, sobretudo de uma luta para impor uma representação
hegemônica da sociedade (bem como ocultar aspectos), na medida da
força estruturante dos sistemas simbólicos - instrumentos
de conhecimento e construção do mundo dos objetos (nossa
intervenção no mundo é definida pela maneira como
o conhecemos e concebemos; “fazer crer é fazer ver”).
O que está em jogo é uma disputa de conteúdos (representações
do mundo) e do lugar de fala, sem qualquer atenção à
relação aí produzida ou à dimensão
das formas criadas, promovendo, aliás, uma evidente disjunção
forma / conteúdo. A força mobilizadora do discurso não
vem dele mesmo, mas de uma divisão de poder entre os grupos que
preexiste ao discurso. Essa análise cria uma separação
rígida e uma relação esquemática e linear
entre emissor e receptor, produção e consumo. Assim como
as formas discursivas não são institutivas (institutivo
é o acesso à palavra e o ato de publicizar), essa perspectiva
opera também uma disjunção entre real e representação,
uma separação entre verdadeiro (da ordem da luta de classes
e dos interesses em conflito) e falso (o ideológico, a mistificação).
A presença da mídia na sociedade contemporânea –
é possível também desdobrar duas vertentes específicas.
Uma delas realça o lugar da mídia como uma (nova) instância
de poder. Essa visão se desdobra num leque variado de enfoques
e tratamentos: a imprensa como “quarto poder”; a massificação
e alienação produzidas / induzidas pela mídia (cf.
o conceito de indústria cultural); o controle e acesso à
fala, etc. A formulação mais contemporânea dessa perspectiva
realça os aspectos de visibilidade e publicização
inerentes às coisas públicas nas sociedades democráticas
de massa, quando, nas palavra de A. Rubim, “o controle e o tendencial
monopólio do ato de publicizar e dar visibilidade aparece como
um dos novos momentos de inscrição do poder”. (1994,
p.69). Ainda conforme o autor,
Pelo visto os media não só instauram uma nova dimensão
pública de sociabilidade, mas, indo adiante, transformam parâmetros
de configuração do social forjados pela/na modernidade.
(...). Enfim, é disto que se trata: a comunicação
midiática aparece como um dos elementos cruciais de configuração
da sociabilidade contemporânea, ao alterar em profundidade o modo
de estar, perceber e pensar o mundo. Eis um dos silenciados poderes dos
media. (1994 p.72).
A presença
do sistema midiático-cultural, a sua ação persuasiva
e constante e o poder simbólico provocam modificações
profundas no âmbito da cultura, em todos os seus aspectos. Talvez
a mais importante dessas transformações seja o fato de que
a própria cultura é cada vez mais midiatizada. Por midiatização
da cultura entende Thompson (1995, p. 21) como:
O processo histórico do rápido crescimento e da proliferação
de instituições e meios de comunicação de
massa nas sociedades ocidentais, que, por intermédio de suas redes
de transmissão, tornaram formas simbólicas mercantilizadas
acessíveis a um grupo cada vez maior de receptores. Em outros termos,
a produção e a transmissão das formas simbólicas
(que refletem as experiências e as visões de mundo das pessoas)
são sempre mais mediadas pelas instituições e pelos
aparatos técnicos da mídia. A cultura "passa"
ou "acontece" cada vez mais na e por meio da mídia. Isso
implica: a) que as manifestações culturais mais diversas
só são reconhecidas como tais pela sociedade depois de serem
"mostradas" ou incorporadas pela mídia; b) que as próprias
criações, os personagens e produtos da mídia se tornam
bens culturais de alcance social. Ambos os níveis interagem, de
forma que a mídia se torna ao mesmo tempo acontecimento, produção
e divulgação cultural. Tal abrangência justifica a
introdução do conceito de sistema midiático-cultural.
Um dos resultados desse processo é a produção da
cultura midiática.
A informação gerada pela cultura midiática é
elaborada e reconstruída a partir de recortes e pontos de vista
múltiplos interlocutores. O poder simbólico da mídia
constitui-se como um poder de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou
de transformar a visão do mundo e, deste modo, a ação
sobre o mundo. Somente é possível falar em "cultura
midiática" quando se reconhece o fato de que a maioria absoluta
da população é, desde sua mais tenra infância,
socializada pelo sistema midiático-cultural. Isso aponta para a
função pedagógica da mídia como a grande (in)formadora
das massas. Um componente essencial ao sistema midiático-cultural
é a publicidade e o marketing. Os produtos simbólicos altamente
elaborados pela indústria do marketing e da publicidade acompanham
os indivíduos desde muito cedo, até o ponto de pensa-los
como parte da nossa percepção da realidade, inclusive subjetiva.
Seus ícones (Barbie, Coca-Cola, McDonald's, Disney) ensinam as
crianças a "ler" o mundo, a "identificar" e
a "desejar" muito antes de elas serem alfabetizadas pela escola,
às vezes antes mesmo de aprenderem a falar. As conseqüências
desse processo de cooptação do imaginário infantil
se mostram preocupantes.
Assim, para que ocorra o deciframento do mundo é necessário
em primeiro lugar que haja a decodificação de uma variada
gama de símbolos, dessa forma é necessário que se
fique atento à construção da linguagem e à
ideologia presente em cada situação.Segundo Santaella:
Toda linguagem é ideológica porque ao refletir a realidade,
ela necessariamente é retratada. As linguagens que dão corpo
às ideologias, a dimensão de cada cultura historicamente
determinada, trazem inevitavelmente as marcas da posição
política dos agentes sociais. Não há linguagem possível
que não seja um... inicial de tensões políticas.”
( SANTAELLA 1999, p.330-331).
Não
há informação objetiva, isso é uma utopia,
pois desde a sua gênese ocorre uma “construção
de sentidos” que vai além da realidade observada.Segundo
Marcuschi: “O termo informação, no caso da opinião
formada, é sempre a apresentação de um discurso interpretado”
( MARCUSCHI 1991:75).
Decifrar o mundo vivido do mundo relatado e interpretado é essencial
para que se forme o verdadeiro cidadão, nesse sentido caberá
a escola, instituição socialmente sancionada, a promoção
desse processo. Sendo assim os educadores conseguem a educação
formal e informal transformando em educação plural.
É preciso trabalhar a capacidade crítica deste jovem espectador.
É nisto que se afirma a necessidade de uma educação
para a comunicação. Sem dominar os processos de construção
de mensagem, dificilmente o jovem espectador poderá analisar criticamente
os produtos à sua disposição ou ser “menos
influenciado” por eles.
Como afirma o professor Roger Silverstone (London School of Economics),
em entrevista recente à revista Carta Capital, é no dia-a-dia
das pessoas e não na cobertura dos grandes eventos e catástrofes,
que a mídia se torna mais eficaz, contribuindo decisivamente para
a formação do senso comum.
A cidadania no século XXI requer um grau de conhecimento que até
agora poucos de nós têm. Requer do indivíduo que saiba
ler os produtos de mídia e que seja capaz de questionar suas estratégias.
Isso envolveria capacidades que vão além do que foi considerado
alfabetização em massa na época da mídia impressa.
(...) Eu sugiro que a alfabetização em mídia é
mais necessária do que nunca, precisamente porque ela é
fundamental para a construção de identidades, o senso de
nós mesmos no mundo e nossa capacidade de agir dentro dele. É
com essa expectativa apontamos a importância de uma educação
para a mídia associada ao ambiente escolar.
O isolamento
da escola em relação ao mundo da comunicação
provoca uma ruptura no contínuo que a caracteriza como segmento
da sociedade, ocasionando uma dicotomia entre a escola e o mundo do lado
de fora. Assim, acredita-se que o uso das tecnologias da informação
e da comunicação, no cotidiano escolar, podem e devem contribuir
para a formação de professores e alunos leitores críticos
da mídia.
Para tal, não basta usá-las com o único intuito de
tornar as aulas “mais atraentes, alegres e divertidas”. É
necessário que o professor esteja preparado para usá-las
com a intenção de provocar a articulação das
diferentes linguagens, rompendo dessa forma com a repetição
da palavra autorizada no sentido de tornar mais significativas as práticas
pedagógicas. Só assim será possível re-colocar
a escola como segmento de fato da sociedade, reconhecendo e respeitando
nos indivíduos que a compõem os traços da cultura
em que vivem.
Na verdade, educar para uma crítica da mídia seria um projeto
que estimularia a participação e o trabalho conjunto. Assistir
a shows de televisão ou a filmes juntos poderia promover discussões
produtivas entre professores e estudantes (ou pais e filhos), com ênfase
no ato de trazer à tona as visões que os estudantes têm,
de permitir variadas interpretações dos textos midiáticos
e para o ensino de princípios básicos de hermenêutica
e crítica.
Assim, o educando perceberia o funcionamento da cultura midiática
Por outro lado, discussões críticas, debates e análises
poderiam estimular a que os professores trouxessem seus pontos de vista
críticos às leituras do material midiática. Como
a cultura midiática geralmente é parte e parcela da identidade
estudantil e como se trata de uma experiência cultural poderosa,
os professores deveriam ser sensíveis na crítica de percepções
que os estudantes estimam, garantindo-se também uma atmosfera de
respeito crítico pela diferença e a promoção
de uma pesquisa sobre a natureza e os efeitos da cultura midiática.
REFERENCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BAUDRILLARD,
J. Para uma crítica da economia política do signo. Lisboa:
Martins Fontes , 1987.
BOURDIEU, Pierre. "Sobre o poder simbólico". In: O poder
simbólico. Lisboa: DIFEL, 1989. p. 7-15.
HELD, J. O imaginário no poder. São Paulo, Summus, 1989.
LOMAS, Carlos. "Alfabetização midiática e educação
crítica: a mídia e a construção social do
conhecimento". In PÉREZ, Francisco C. et al. Ensinar ou Aprender
a Ler e a Escrever? Aspectos teóricos do processo de construção
significativa, funcional e compartilhada do código escrito, Porto
Alegre: Artmed, 2001.
Moreira, A Cultura midiática e educação infantil.
Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101.Acesso
em 30 de junho de 2005.
RUBIM, A. “Dos poderes dos media. Comunicação, sociabilidade
e política”. In: FAUSTO NETO et al. Brasil, comunicação
& cultura política. Rio de Janeiro: Diadorim, (1994)
SILVERSTONE, Roger. Entrevista à revista Carta Capital 12/02/2003,
p:58.
SANTAELLA, L. Imagem: cognição, semiótica, mídia.
2. ed. São Paulo: Iluminuras, 1999.
THOMPSON, J.B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia.
Petrópolis: Vozes, 1998. |
|