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CONCEPÇÕES
SOBRE FORMAÇÃO DOCENTE: UM ESTUDO DE CASO
Elisete Medianeira Tomazetti/UFSM – elisetem@via-rs.net
Introdução A história educacional brasileira, especialmente
o campo da formação inicial de professores nos remete a
um cenário conturbado, com muitas contradições, avanços
e retrocessos. Construída com políticas de pouca valorização,
historicamente a formação de professores vem sendo traçada
em um ambiente onde a formação pedagógica é
diminuída em relação aos conteúdos conceituais
fortalecendo assim a idéia de que para ser professor basta conhecer
o conteúdo. Brzeznski e Garrido (2001), apontam que em pesquisa
feita por Brzeznski (1993), entre o período de 1980 a 1992, constatou
a inadequação da formação nos cursos de licenciaturas,
praticamente no que se refere à dicotomia entre formação
pedagógica e formação específica, à
fragilidade da formação pedagógica e a descaracterização
das faculdades de educação, constituindo mais em (de)formação
do que em preparo qualificado para atuar no magistério. Melhorar a formação docente implica em instaurar e fortalecer processos de mudança no interior das instituições formadoras, respondendo aos entraves e aos desafios apontados. Para isso não bastam mudanças superficiais. Faz-se necessária uma revisão profunda dos diferentes aspectos que interferem na formação inicial de professores, tais como: a organização institucional, a definição e estruturação dos conteúdos para que respondessem às necessidades de atuação de professor, os processos formativos que envolvem aprendizagem e desenvolvimento de competências do professor, a vinculação entre as escolas de formação inicial e os sistemas de ensino (Parecer CNE/Maio/2000, p. 13). Documento este, que desde sua primeira versão no ano 2000 já deixava claro que alterações no sistema de formação de professores deveriam ser feitas e que para tanto, mudanças importantes eram delineadas, a fim de que a formação do professor correspondesse às verdadeiras implicações da prática educativa. A partir disso e das inquietações vivenciadas no conjunto dos cursos de licenciatura é que surge nossa pesquisa. Pesquisa Fazendo uma breve retrospectiva nas leituras e discussões
no interior do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formação
Docente e Profissionalização (GEPEFOP) , podemos afirmar
que o tema “Formação de Professores” já
vem a algum tempo sendo debatido em nosso grupo, mais precisamente desde
o ano de 2000 quando inicia-se o projeto de pesquisa Licenciaturas na
Universidade Federal de Santa Maria: História e Perspectivas. 1. Diretrizes Curriculares e o Centro de Educação da UFSM O primeiro questionamento feito aos professores participantes da pesquisa teve por objetivo buscar compreender qual o conhecimento e envolvimento dos mesmos diante das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores. A maioria das respostas foi de desconhecimento do documento: “Desconheço o Documento” (Professor 9). “...lamentavelmente eu não tenho muito conhecimento desses documentos(...) e a gente na verdade deveria ter conhecimento porque a gente trabalha com licenciatura.” (Professor 10). Muitos docentes passaram a se interessar pelo documento somente ao serem convidados a participar da pesquisa. Outros professores relataram conhecer o documento acrescentando que: “é necessário se fazer uma análise crítica das diretrizes e saber para que servirão as competências nela imbricadas. É necessário se analisar o contexto macro econômico em que as diretrizes estão enfatizando e a quem elas favorecem” (Professor 1). “...ela procura fazer uma unificação na formação de professores, mas dentro do projeto existem diversos caminhos que podem ser percorridos para que de fato tenhamos um profissional que possa ser considerado um educador” (Professor 2). Houve também professores que se posicionaram em alguns aspectos a favor e em outros contra ao documento, demonstrando uma posição mais crítica da situação: “Por um lado acho ótimo... nenhum país sério se faz sem ter uma política de educação e de formação de professores, que entra na questão da educação. No entanto, como se pode fazer uma política unilateral, uniforme, para um país desse tamanho?” (Professor 3). “elas vêem em um momento muito oportuno para instaurar uma discussão e uma reflexão nos cursos de licenciatura das universidades (...) o grande problema é a forma de como ela pode ser interpretada no contexto dos cursos (...) eu acho que as diretrizes são extremamente importantes, nós precisávamos, nós não fizemos enquanto professores e o governo fez, o governo fazendo claro que não contempla tudo o que a gente pensa e não vem acompanhado de uma discussão da base dos professores dos cursos...” (Professor 7). Estes relatos mostram que as Diretrizes Curriculares Nacionais,
apesar de terem sido criadas sem uma discussão mais ampla dos vários
segmentos que envolvem os cursos de licenciatura, em especial os professores
formadores, elas são documentos norteadores, importantes e que
precisam ser compreendidas e discutidas a fim de que sejam feitas críticas,
complementações e implementação de mudanças
que visivelmente são necessárias nos cursos de formação
de professores. A globalização da economia, as mudanças
no desenvolvimento histórico da sociedade e nas relações
de produção e consumo são alguns dos fatores mais
importantes da passagem do século XIX para o XX, estas alterações
não passam desapercebidas, provocam mudanças inadiáveis
em diversas esferas da sociedade, assim como no contexto educacional atingindo
diretamente a profissão do professor. “... parece ser o papel do professor bem mais complexo do que a simples tarefa de transmitir o conhecimento já produzido. O professor, durante sua formação inicial ou continuada, precisa compreender o próprio processo de construção e produção de conhecimento escolar, entender as diferenças e semelhanças do processo de produção do saber científico e do saber escolar, conhecer as características da cultura escolar, saber a história da ciência e a história do ensino da ciência com que trabalha e em que pontos elas se relaciona” (Ibid., p. 47). Apesar de estarmos questionando um tema que vem crescendo na literatura educacional atual, percebemos que ele é ainda pouco debatido e estudado, como afirmou um dos professores questionados ao confessar seu pouco entendimento sobre o que seria uma formação profissional do professor: “uma formação profissional do professor, puxa vida eu não sei direito o que significa uma formação profissional....” (Professor 6). Mas, no decorrer de sua fala confessa acreditar que ser ou não profissional dependerá exclusivamente da sua ação enquanto professor: “Porque se tu te formar não quer dizer que tu vai ser um profissional, pode nunca dar aula, o profissional só vai ser contemplado se tu trabalhar” (Professor 6). Notamos,
de acordo com as entrevistas, diferentes posicionamentos frente a esta
problemática, para alguns a formação profissional
do professor recai na visão de que estaríamos falando especificamente
sobre a internalização de conhecimentos visando o exercício
da profissão, englobando somente os aspectos da carreira específica
em que o acadêmico está obtendo sua formação
inicial. “... informações e formação apropriada para que o mesmo possa desempenhar as suas atividades com segurança, responsabilidade e competência” (Professor2). É válido considerar que as respostas dadas pelos professores, oriundos de diferentes cursos de licenciatura, devem ser respeitados a partir de seus diferentes pressupostos epistemológicos. No entanto, cabe a nós como pesquisadores, da particularidade da fala de cada professor compreende-la levando em consideração os aportes teóricos que procuramos explorar ao longo deste trabalho. 3. Teoria e prática: algumas considerações A discussão
entre teoria e prática que permeia os cursos de licenciatura não
é uma questão recente, mas é uma temática
que ainda requer esclarecimentos. A problemática firma-se justamente
pelo fato de que na maioria das vezes há uma supervalorização
da teoria em detrimento da formação em um contexto prático. Art.12 - § 2º- A prática deverá estar presente desde o início do curso e permear toda a formação do professor. Complementando, o Art. 13 traz subsídios de como desenvolver a prática como componente curricular: Art.13 – Em tempo e espaço curricular específico, a coordenação da dimensão prática transcenderá o estágio e terá como finalidade promover a articulação das diferentes práticas, numa perspectiva interdisciplinar. Art. 13 - § 2º - A presença da prática profissional na formação do professor, que não preside da observação e ação direta, poderá ser enriquecida com tecnologias da informação incluídos o computador e o vídeo, narrativas orais e escritas de professores, produção de alunos, situações simuladoras e estudos de caso. Neste sentido,
as discussões atuais voltam-se para as mudanças estruturais
nos processos de formação (tanto ao nível de estrutura
interna na universidade quanto a de seus currículos) e para as
concepções dos próprios docentes. Conseqüentemente
havendo mudanças práticas e conceituais, a formação
do professor passa a integrar aspectos globais da realidade educacional. “Tem
que ser concomitante, através da interdisciplinaridade e envolvimento
dos docentes” (Professor 2). Outro argumento, um pouco mais específico, utilizado por um dos professores é de que cada disciplina de acordo com sua especificidade aborde a questão da prática A prática para ele é vista como uma possibilidade (que acontece quando necessário), onde o professor traz vivências e os alunos constroem através da teoria a base para sua prática. “Dentro das necessidades de cada disciplina esta relação deve estar presente. É importante que os professores tragam as suas próprias vivências para os aluno. Outra relação existente é a de que o aluno também levará a teoria construída para a sua prática, de acordo como esta foi adquirida” (Professor 5). A concepção de ‘prática’ na formação do professor e como esta pode se materializar no decorrer do curso de licenciatura é fundamental para a operacionalização das Diretrizes. Ter o esclarecimento de que há uma relação possível e necessária entre teoria e prática em todas as disciplinas que comportam o curso de licenciatura, possibilita uma melhor compreensão para o professor formador e o aluno sobre as dimensões de ser professor. 4. Fundamentos da Educação Para ampliar a discussão indagamos os professores sobre a importância atribuída por eles aos fundamentos da educação. Considerando nosso entendimento sobre o assunto podemos afirmar que os pressupostos teóricos sempre estiveram ligados ao ensino. A teoria em certas condições guia o ensino. Mesmo de uma forma ideológica ela expressa-se como uma práxis social, que vem ao longo da história, até os dias de hoje, mantendo um forte vínculo com a ação pedagógica. Segundo Tardif (2002): “Os saberes pedagógicos apresentam-se como doutrinas ou concepções provenientes de reflexões sobre a prática educativa no sentido amplo do termo, reflexões racionais e normativas que conduzem a sistemas mais ou menos coerentes de representação e de orientação da atividade educativa” (p.37). Sabemos que os fundamentos da educação são razões ou argumentos que sustentam teses, concepções, pontos de vista sobre educação e ensino. Assim concebidos, os fundamentos da educação , consideramos que é imprescindível a sua presença na formação inicial e continuada dos professores. Neste sentido, nos reportamos a fala de Gautier (1998) que, ao tratar dos saberes do professor, afirma: “Todo professor adquire, durante a sua formação ou em seu trabalho, determinados conhecimentos que, embora não ajudem diretamente a ensinar, informando-no a respeito de várias facetas de seu ofício... é um saber que não está diretamente relacionado com a ação pedagógica mas serve de pano de fundo...” (p.31). Os professores entrevistados foram unânimes ao manifestarem sua compreensão acerca dos fundamentos da educação como essenciais para a formação profissional do professor, embora seja importante abordar as respostas em suas peculiaridades. Alguns professores destacam a importância dos fundamentos da educação, por possibilitarem um resgate da prática educativa: “É imprescindível em uma discussão que envolva a formação de professores que os fundamentos da educação estejam sempre presentes, pois eles compõem subsídios que nos possibilitam compreender as práticas educacionais atuais relacionando-as aos diferentes momentos históricos que permearam a evolução dos fundamentos da educação ao longo do desenvolvimento da humanidade” (Professor 8). “...reforçar os fundamentos onde há o resgate histórico e subsídios para a reflexão da sua prática ... ”(Professor 9). Em outra fala é apresentada a concepção de que os fundamentos da educação seriam o “norte” na vida do professor, seriam eles que embasariam a prática do professor e, conseqüentemente, o ajudariam a conceber o tipo de homem e de sociedade que ele se propõe a formar. “... você tem que se apropriar de alguns pressupostos de ordem filosófica, de ordem histórica, de ordem psicológica, em fim, para a partir desses pressupostos você configura um tipo de homem que pretende formar” (Professor 10). De acordo com os relatos podemos considerar que o professor sustenta a prática educativa em bases teóricas consistentes, que o assegurem em sua prática superando o senso comum, e compreendendo o processo educativo como um meio em que se cruzam conhecimentos científicos, históricos, acadêmicos que jamais podem deixar de ser vistos como edificadores do ser professor. 5. Concepção de professor De acordo
com as Resoluções CNE/CP 1/2002 e CNE/CP 2/2002 uma nova
concepção de professor está sendo apontada para o
atual cenário educacional brasileiro. Ser professor apenas por
identificar-se com crianças ou por ter paciência e sensibilidade
com os alunos, não basta. Hoje, espera-se um profissional da educação
de alto nível, muito bem preparado. As normativas legais incluem
em seus discursos “Princípios orientadores para uma reforma
da formação de professores” (Parecer 009/2001). “Atuar com profissionalismo exige do professor, não só o domínio dos conhecimentos específicos em torno dos quais deverá agir, mas, também, compreensão das questões envolvidas em seu trabalho, sua identificação e resolução, autonomia para tomar decisões, responsabilidade pelas opções feitas”. Podemos
afirmar que estamos sim, diante de uma nova concepção de
professor e de formação profissional. As respostas foram
diversificadas, cada professor, trouxe à tona o que de mais relevante
acredita estar implícito nos discursos e nas normativas. “... de um professor mais vinculado ao seu tempo, um professor mais dinâmico, um professor mais autônomo, mais consciente de seu trabalho, alguém que sabe, o que faz e porque faz, um professor que reflete sobre a sua ação, quer dizer, isso é o que está lá, enquanto possibilidade, não que isso vá efetivamente se transformar em ação, mas na verdade, é muito a idéia do professor palpado na racionalidade prática..” (Professor 7). Alguns professores focalizaram suas respostas para a dificuldade de articulação entre a Lei, o discurso e a prática educacional. Para um dos professores, há uma distância muito grande entre o que a Lei prevê e o que realmente acontece, afirmando que existe uma grande diferença entre o modelo de professor implícito nas normativas legais e o modelo de professor acoplado aos discursos educacionais. Na sua opinião: “... a concepção de professor nas normativas esta me parece que predomina mais a idéia de alguém mais como técnico, como alguém que vai fazer, que vai cumprir uma função, enquanto que nos discursos, me parece que há uma luta histórica para fazer com que o profissional tenha uma autonomia, um espaço, isso é importante” (Professor 10). A compreensão deste professor pode ser interpretada como sendo um tanto superficial, pois admite estar no documento uma concepção de professor calcada na idéia de racionalidade técnica, ao contrário do está previsto nas Diretrizes Curriculares Nacionais. 5. Empecilhos e dificuldades na Formação de Professores Neste momento
de indagações e críticas trazer à tona os
depoimentos dos professores quando elencam os empecilhos e dificuldades
que encontram para a mudança no quadro da formação
de professores. “O principal obstáculo são os próprios formadores, muitas vezes pela sua postura autoritária, de autodidatas, que se consideram os donos da verdade desconsiderando a complexidade do ser humano” (Professor 2). Neste mesmo sentido, outro professor destaca como sendo importante para que possa haver mudanças na formação de professores a questão da mudança de postura: “nós professores, tenhamos clara a idéia de que somos professores e não fessor, professorzinho, que temos alunos e não aluninhos, que vamos para a escola, e não para a escolinha (...) Claro que só orgulho não basta, mas eu acho que precisávamos de uma outra postura, de nós mesmos professores (...) então, um dos empecilhos eu acho que diz respeito a nós mesmos que fazemos educação...” (Professor 11). A questão dos empecilhos e dificuldades, de acordo com um dos professores, implica, também, na necessidade de mudança de valores dos próprios formadores. Justificando, que o mais importante não é formular um “maravilhoso modelo educacional”, o difícil é conseguir fazer a mudança acontecer dentro das pessoas: “... para mim, não tem sentido tu fazer assim (...) mudei, agora é outro currículo, para mim, o maior empecilho é a mudança acontecer dentro das pessoas, não na Lei. O difícil das coisas é tu mudar os teus valores, os valores internos, no papel muita gente pode até discutir, mas na hora H quando tu te pega desprevenida tu é tradicional desde o preconceito até a atitude mais simples”(Professor 6). As falas dos professores direcionaram-se, também, para o problema das “especificidades” e da desvalorização dos cursos de licenciatura. Estes, de acordo com o depoimento de alguns professores, fazem parte da gama de empecilhos responsáveis pela dificuldade de mudanças no sistema de formação de professores. Para um dos professores a gravidade do problema é que: “Professor dos cursos de licenciatura sem a adequada compreensão (ou valorização); não valorização institucional das licenciaturas” (Professor 14). Esta questão
da desvalorização dos cursos de licenciatura é um
aspecto que se sobressai não só em nossa pesquisa, como
também é motivo de discussões e reflexões
de muitos estudiosos da área. Um exemplo claro disso, podemos encontrar
nas palavras de Lüdke (1994, p.38) apud Pereira, em seu estudo sobre
a situação dos cursos de licenciatura no Brasil: “Dentro
do modelo que inspira a universidade brasileira, a formação
de professores ocupa um lugar bastante secundário. Nele as prioridades
são concentradas nas funções de pesquisa e elaboração
do conhecimento científico...”. Tendo em
vista as mudanças previstas para os cursos de licenciatura em nosso
país, os estudos e pesquisas realizadas na área de formação
de professores, podemos afirmar que o quadro educacional brasileiro vem
ampliando seus debates e estudos sobre esta questão, muito embora
ainda carecemos de um total envolvimento dos responsáveis pela
educação brasileira. As políticas para formação
de professores dos últimos anos advêm de um quadro educacional
que exige mudanças e, apesar de não terem sido construídas
em comunhão com os diferentes segmentos aos quais ela atinge, são
ações que implantam mudanças estruturais e conceituais
necessárias à formação de professores. Referências Bibliográficas BRASIL -
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO .Proposta de Diretrizes para
a Formação de Professores da Educação Básica
em Nível Superior. Brasília, DF, maio, 2000. |
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