Camila de Jesus Molina - Faculdades Integradas
Fafibe- FAFIBE
Jaqueline Cecília Trabuco - FAFIBE
Norma Barbosa Novaes - FAFIBE
I. Introdução
Apresentam-se neste estudo os resultados parciais de um
projeto, denominado “Linguagem e construção da identidade”,
que visa a promover nos alunos do ensino fundamental a percepção
de que a leitura e a escrita estão intimamente ligadas às
vivências práticas do cotidiano. A concepção
tomada para as atividades considera que leitura e escrita devem ser constitutivas
da prática social para assim fazer sentido para o aprendiz.
Tem-se o objetivo de despertar ou ampliar nos alunos o interesse pela
leitura e pela escrita e demonstrar que esses atos são prazerosos
e construtivos, pois, além de propiciar a fruição,
desenvolvem o senso crítico e ampliam a visão de si mesmo
e do mundo. Por outro lado, faz-se necessário o aluno perceber
que a leitura e a escrita estão intimamente ligadas às vivências
práticas do cotidiano, e por isso, as competências leitora
e escritora precisam ser desenvolvidas.
No projeto em desenvolvimento, atividades de ensino-aprendizagem são
planejadas pelos graduando do Curso de Letras, sob orientação
de um professor, e desenvolvidas com alunos de uma quinta série
de uma escola pública, engajada em uma parceria com a instituição
de ensino superior. Esses alunos freqüentam a escola regularmente
e, semanalmente, em período adverso, vêem a instituição
para participar de um macro-projeto que envolve também outros cursos
de licenciatura.
II. Pressupostos teóricos
Dentre os pressupostos teóricos adotados para o
desenvolvimento do projeto, o relativo aos conhecimentos didáticos
foi o da classificação dos conteúdos da aprendizagem,
discriminados por Coll (1986, apud Zaballa, 1999): os conteúdos
conceituais (o saber), os procedimentais (o fazer) e os atitudinais (o
ser). Obviamente, todos os conteúdos são trabalhados em
todas as instâncias, pois como salienta o autor, uma proposta de
ensino não pode ser compartimentada por tipos de conteúdos,
já que aprendizagem deve sempre fazer sentido, e assim estar relacionada
a todos os componentes que intervêem e que a tornam compreensível
e funcional. Assim, em toda aprendizagem devem ser trabalhados conteúdos
de diferentes natureza, com conhecimento, por parte do professor, “...das
características das distintas atividades que compõem tais
processos e a incidência que cada uma delas tem na aprendizagem
dos distintos conteúdos que são trabalhados.” (ZABALA,
1999, p. 9)
Sem perda dessa visão global e integrada de ensino e aprendizagem,
o olhar das atividades foi direcionado para os conteúdos procedimentais,
especificamente para os processo de leitura, escuta, fala e escrita, caracterizados
como tais por serem ações ordenadas e dirigidas para um
fim, logo, um saber fazer. Tais conteúdos são aprendidos
por meio de modelos dados. O autor aponta algumas questões a serem
ponderadas para a aprendizagem desses conteúdos, tais como: realizar
ações (só se aprende fazendo), exercitar-se (execução
de diferentes tipos e números de atividades), reflexão sobre
a atividade (pensar sobre o modo e as condições de uso)
e aplicação em contextos diferenciados (uso em variadas
situações). Por outro lado, elenca também algumas
condições a serem atendidas no tocante ao ensino desses
conteúdos: partir de situações significativas e funcionais
(clareza dos objetivos e funções), progresso e ordem (seqüência
clara e gradual), apresentação de modelos (apreensão
de parâmetros de realização), prática orientada
e ajudas de diferentes graus (intervenção pontual e gradativamente
decrescente do professor), trabalho independente (autonomia do aluno).
Esses foram pontos norteadores do tratamento didático dado às
atividades do projeto, já que apresentam, dentre outras propostas,
as condições necessárias para atender a uma proposta
de ensino de língua materna, especificamente no tocante ao desenvolvimento
das competências leitora e escritora.
Outro aspecto que complementa a visão didática do projeto
diz respeito ao sentido que as atividades de leitura e escrita devem ter
para o aprendiz. Lerner (1996), nessa perspectiva, denomina esses sentidos
de propósitos didáticos e propósitos comunicativos:
o primeiro é aquele constitutivo da prática social da leitura,
com o objetivo de que o aluno possa reutilizá-los no futuro, em
situações não-didáticas; o segundo faz referência
ao fato de a leitura e a escrita terem sentido e funcionalidade para o
aluno. Deve haver uma articulação entre propósitos
didáticos e comunicativos, para que os propósitos sociais
(ler e escrever para resolver um problema, informar-se, buscar informações
específicas, divertir-se etc.) sejam percebidos pelos alunos. Isso
significa que as atividades precisam ter uma significação
imediata para o aluno, pois assim o desejo de aprender será mobilizado.
Nessa mesma linha de pensamento, sabe-se que a leitura não é
um ato solitário nem uma atividade monológica, mas sim um
exercício de interação constante. Da mesma forma
o é a escrita em seu uso social: escreve-se para alguém,
independentemente da intencionalidade ou desejo de persuasão. Como
hoje se reconhece que a escola não é o único espaço
onde ocorrem a leitura e a escrita, a partir das mais diversificadas necessidades,
a escola precisa pois inserir-se nessa realidade e ver esses processos
sob o prisma social: para que se lê e escreve? quais gêneros
textuais fazem parte do cotidiano da comunidade letrada hoje? Sob essa
perspectiva, pretende-se então um trabalho com materiais de leitura
e escrita autênticos, encontrados no meio social, a partir dos quais
as pessoas lêem também fora da escola, usando as mais diferentes
estratégias, funções, intenções e finalidades
(SOLÉ, 1998).
III. Metodologia do trabalho
No projeto em andamento, para embasamento das práticas
desenvolvidas, há momentos de estudo de referenciais teóricos
e metodológicos sobre os objetos de ensino, aliados a momentos
de análise das experiências em sala de aula, na tentativa
de aliar os conceitos estudados e as práticas de sala de aula,
o que possibilitou uma análise pormenorizada da abordagem e da
metodologia utilizadas, tendo como instrumentos para esse fim os diários
do pesquisador e os relatos orais.
A sistemática de trabalho com o público alvo envolve leituras
compartilhadas, análise de textos e produções textuais
dos próprios alunos. A gama de atividades propostas tem como propósito
desenvolver a leitura, interpretação e produção,
oral e escrita, dos diversos gêneros.
Como discutido na fundamentação teórica, as atividades
programadas contemplavam sempre os três tipos de conteúdos
(a ênfase recai sobre os procedimentais, porém sem ignorar
os conceituais e atitudinais, uma vez que estão imbricados entre
si) e, sobretudo, tomaram como suporte a integração entre
os propósitos didáticos e comunicativos. Assim, todas as
atividades de leitura ou produção textual não tinham
apenas um fim em si mesma, mas apresentavam- se em uma perspectiva de
elo com uma determinada finalidade de interação.
IV. Práticas de leitura e escrita
As atividades desenvolvidas no projeto, como já
dito, tinham como meta o trabalho com leitura e produção
de textos de diferentes gêneros. Para a etapa inicial, foram previstas
atividades com o fim de despertar ou ampliar nos alunos o interesse pela
leitura e pela escrita e demonstrar que esses atos são prazerosos.
O foco nesse aspecto se deveu ao fato de, pelo conhecimento da história
escolar dos alunos da escola parceira, perceber-se um fraco interesse
pela leitura e, sobretudo, dificuldades na produção de texto,
uma realidade muito comum na escola brasileira.
Assim, para atender a esse fim, optou-se por trabalhar com os alunos um
projeto de leitura e análise de textos, cujo produto final seria
apresentado a um público previamente selecionado. O público
escolhido pelas próprias crianças foi a comunidade de dois
lares de idosos da cidade. Devido às características do
grupo, propôs-se ainda que, no momento da visita, os alunos conversassem
com os idosos e ouvissem suas histórias de vida, visando a uma
futura publicação das ‘memórias’ dos
idosos residentes naqueles espaços. Novamente, nessa nova etapa,
haverá a oportunidade de se ter um objetivo funcional para a produção
de textos, o que permitirá aos participantes do projeto desenvolver
habilidades de ouvir, escrever, ler, reler, revisar, corrigir, reconstruir,
enfim, participar de todo o percurso de elaboração de texto
com leitores fora do contexto escolar.
Vale aqui ressaltar que, no entanto, esses propósitos comunicativos
somente foram apresentados aos alunos na segunda atividade planejada,
e assim, a partir desse momento, a motivação foi totalmente
modificada, pois agora eles estariam lendo e construindo textos não
apenas para os seus pares ou para seus professores, mas para um leitor
real, no caso, pessoas que estariam ali exclusivamente para isso. Tal
estratégia revelou nitidamente o que Lerner (1996:17) aponta sobre
a leitura: “Para que se constitua também em objeto de aprendizagem
é necessário que tenha sentido do ponto de vista do aluno,
o que significa, entre outras coisas, que deve cumprir uma função
para a realização do propósito que ele conhece e
valoriza.” Naquele contexto, realizar as atividades passou a ser
altamente significativo e desafiador, o que motivou os alunos para a seqüência
de todas as atividades planejadas e assim o processo se tornou mais produtivo.
A título de exemplificação, relatam-se algumas atividades
desenvolvidas. Em uma delas, os focos foram leitura e análise de
um texto poético que tratava de uma brincadeira (Escravos de Jó)
e permitia uma reflexão sobre o passar do tempo e o esquecimento
do mundo infantil, hoje tão abalado pelos episódios de guerra
e violência. Nessa aula, os alunos puderam refletir sobre a necessidade
do resgate da identidade infantil, além de discutir sobre a importância
do olhar de esperança no mundo moderno, pelo qual somos todos responsáveis.
Logo após, puderam enfim realizar a esperada brincadeira, quando
então foram trabalhadas as habilidades de concentração
e coordenação motora e a cooperação. Em outra
atividade, por meio de uma música que apresenta estruturas compostas
por recursividade , houve um trabalho muito interessante com a percepção
da seqüência, da memorização e da necessidade
da sincronia entre a comunicação oral e a gestual (já
que cada personagem era representado por um gesto).
Por meio desse olhar com uma perspectiva de terem “leitores”
de seus trabalhos, os alunos puderam ver então que não só
se lê em voz alta nem se escreve apenas para ser avaliado, mas para
que alguém os escute, leia e possa entender o texto lido, e assim
divertir-se, refletir, comover-se etc. Viram que, no caso, é preciso
ler (e bem alto) para que os idosos os ouvissem e que, para isso, precisariam
ler pausadamente, pronunciando bem as palavras e respeitando as marcas
características do texto escrito. Isso sem mencionar como, no dia
da visita, o clima de alegria, respeito e solidariedade tomou conta de
todos os que estavam presentes. Pode-se vislumbrar assim como é
possível trabalhar com a educação, e que, por meio
dessa, realmente há como transformar uma realidade social...
Por outro lado, pensando nos pressupostos teóricos do projeto,
todas as atividades foram trabalhados os conteúdos conceituais
e atitudinais, com ênfase nos procedimentais. Sobretudo, foram consideradas
as orientações dadas para o tratamento desse último:
partia-se sempre de situações significativas e funcionais,
com clareza dos objetivos e funções; as seqüências
das atividades eram sempre claras e com nível de dificuldade gradual;
havia constante apresentação de modelos, para apreensão
dos parâmetros de realização, sobretudo com uma prática
orientada e ajudas de diferentes graus, com intervenção
pontual e gradativamente decrescente dos professores, visando a um trabalho
independente, com conquista da autonomia do aluno.
Encerrada essa primeira etapa do projeto, cuja ênfase foi a motivação
do aluno, de modo a construir a idéia de que ler e escrever são
atos prazerosos e têm uma finalidade social, buscar-se-á
na próxima fase desenvolver no aluno a percepção
de que ler e escrever são atos de cidadania, de construção
de identidade, pois ambos os processos são construtivos. Serão
trabalhadas então a diversidade de propósitos e de modalidades,
a diversidade de textos e a diversidade de combinação entre
eles. Como salienta Lerner, esse caminho permite ver esses processos em
sua complexidade como prática social, em sua verdadeira função
social.
V. Considerações finais
Apoiados nas aulas desenvolvidas, os dados agora serão
analisados, na tentativa de se ponderar sobre os avanços que as
crianças tiveram em suas habilidades lingüísticas,
com base em uma perspectiva reflexiva, a qual significa
“...envergar-se de novo, em outro espaço,
em outro tempo, talvez em outro nível. Para isso, o que acontece
no domínio da experiência, por exemplo, necessita ser mais
bem observado, recortado, destacado e projetado em um outro plano. Reflexão
consiste, pois, em um trabalho de reconstituição do que
ocorreu no plano da ação. Além disso, trata-se de
organizar o que foi destacado, de acrescentar novas perspectivas, de mudar
o olhar, de se descentrar. A hipótese é que, assim, isso
produzira benefícios para a ação. Então refletir
é ajoelhar-se diante de uma prática, escolher coisas que
julgamos significativas e reorganizá-las em outro plano, para,
quem sabe, assim podermos confirmar, corrigir, compensar, substituir,
melhorar, antecipar, enriquecer, atribuir sentido ao que foi realizado.”
(MACEDO, 2005, p. 35).