Andréa Rosana Fetzner Krug - UFRGS e Universidade
Federal Fluminense - UFF
Luciana di Mota Trindade - UFF
Neste artigo apresentamos algumas reflexões sobre o contexto educacional
de desenvolvimento dos Ciclos no Brasil, a partir de uma abordagem crítica
da escola seriada, em seus aspectos padronizantes e alienadores e da análise
de duas propostas político-pedagógicas por ciclos, trazendo
seus fundamentos políticos e pedagógicos. Na discussão
dos fundamentos destes Projetos Político-Pedagógicos Municipais,
com realidades sócio-econômico-culturais e políticas
diferentes, buscamos localizar pontos de convergência e conflito
entre estes e a teoria pedagógica que fundamenta o reordenamento
escolar não seriado.
A Escola de Ensino Fundamental no Brasil se organiza predominantemente
em séries, noção inspirada na divisão do trabalho
à época da Revolução Industrial para otimização
do tempo e alienação do trabalhador: divide-se ao máximo
as tarefas a serem realizadas, atribuem-se responsabilidades baseadas
na tarefa individual e no esforço pessoal. Assim, em uma escola
seriada, a lógica de organização inclui a divisão
dos alunos e alunas também em grupos, supostamente homogêneos
em conhecimentos (saberes e não saberes atribuídos a cada
série), ministra-se as mesmas atividades a todos que pertencem
a um mesmo grupo (série escolar) e constata-se, ao final do ano
letivo, quais alunos e alunas conseguiram, com base no interesse, na capacidade
pessoal, na maturação ou no acompanhamento familiar, obter
o conhecimento que lhe foi ministrado (devolver, ou demonstrar, este conhecimento,
nos testes aplicados).
Em uma escola seriada (organizada em séries), não cabe ao
professor de História, da sétima série, trabalhar
com o conteúdo de História atribuído a sexta ou a
oitava série. O conteúdo que lhe cabe trabalhar é
o atribuído a sua série, ou seja, a sétima série,
fazer outra coisa que não esta seria intrometer-se em seara alheia,
deixar de fazer a sua função, prejudicar o aluno e a instituição.
Da mesma forma, ao professor da segunda série não cabe alfabetizar,
mas dar continuidade à sistematização da escrita,
trabalhar com os dígrafos, talvez com os numerais de cinqüenta
a cem, provavelmente estudar o bairro onde se situa a escola, entre outros
tantos conteúdos que lhe ocupam o ano letivo. Não lhe cabe
alfabetizar, não há tempo para que ele alfabetize, os minutos
estão contados em horas, as quais somam 800 e que, por sua vez,
perfazem 200 dias letivos.
Enquanto cada professor cuida de sua disciplina ele está fazendo
a sua obrigação, há de ministrá-la bem e ilustrá-la,
não é necessário, nem conveniente, já que
seu tempo é curto, que ele perceba o conjunto dos saberes com os
quais a sua disciplina trabalha na escola. Não há tempo
para isto, ele precisa dar conta de sua tarefa que é de ensinar
uma parte da sua disciplina (a parte correspondente a sua série)
a turma de alunos que ele atende. O princípio do “cada um
por si” (talvez a coordenadora pedagógica do turno seja a
responsável por todos), gera ações individuais, a
partir de um conteúdo que é também individual porque
pertencente a uma série, a um professor, a ser assimilado por um
conjunto de estudantes de um determinado ano letivo.
Os tempos que a escola seriada conta são tempos partidos, as crianças
e adolescentes também são partidos, partidos em disciplinas,
em fragmentos de 40, 45 ou 50 minutos. Os tempos de reunião, quando
existem, são tempos de avaliação do desempenho em
diferentes partições dos conteúdos. A mesma criança
ou o adolescente pode ser dez em uma parte, cinco em outra parte, dois
em outra parte, enfim, o Conselho de Classe haverá de definir quais
as partes são importantes para a escola e, a partir desta definição,
dizer se o (a) estudante merece ser promovido ou se ele precisa refazer
o seu ano letivo, repetindo a mesma série novamente, repetindo
novamente cada um dos minutos que compõem às oitocentas
horas, as quais formam os duzentos dias letivos e que serão oportunizados
com o(s) mesmo(s) professor (es/as), propondo as mesmas tarefas para ensiná-lo,
ou seja, para transmitir a ele à parte do conteúdo que ele
não aprendeu na primeira tentativa (às vezes não
aprendido na segunda, na terceira ou até mesmo na quinta ou oitava
tentativa).
Mas em muitas escolas seriadas as reuniões não são
apenas para avaliar a quantidade de alunos e alunas que não conseguiram
acompanhar as partes de conteúdo que lhes cabem, há também
a definição do que apresentar para a comunidade em determinadas
datas comemorativas: dia dos pais, das mães, da comunidade, do
índio. Algumas datas merecem até semanas, vinte horas de
trabalho especiais, como a Semana da Pátria, por exemplo. Nestas
reuniões, é importante definir quanto tempo poderemos ficar
fora da sala de aula com os estudantes, estes são os horários
dedicados às atividades geralmente periféricas: os campeonatos,
os teatros, os cantos, quem sabe uma semana inteira com meio período
e uma atividade diversificada após o recreio. Diversificada porque
diferente do que sempre se faz, e por isto mesmo, com grande possibilidade
de atrapalhar os professores e as professoras porque lhes atrapalhará
o desenvolvimento do conteúdo (aquele que é sempre repetido
em sua série correspondente).
Há mais de cinco décadas, no Brasil, o fracasso deste sistema
tem sido denunciado. A alienação dos trabalhadores (professoras
e professores) sobre o seu fazer docente, seu desconhecimento sobre os
princípios básicos daquilo que ele (ou ela) supõe
ensinar, a descoberta que, a cada ano, os alunos e alunas parecem saber
menos daquilo que se propõem ensiná-los, as dificuldades
de leitura e escrita com as quais os concluintes do ensino médio
enfrentam os vestibulares são alguns sintomas da escola seriada.
A denúncia do fracasso de um sistema onde cada um faz por si, e
o anúncio de uma outra lógica para o ensino fundamental
tem como princípio a necessidade de criar um sistema escolar menos
excludente, mais democrático e comprometido com aprendizagens importantes
para os alunos e alunas concretos atendidos pela escola.
Um estudo publicado em Janeiro de 2004, pelo INEP, apontava que, em 2001,
apenas 5,34% dos 2.067.147 alunos avaliados pelo SAEB (Sistema Nacional
de Avaliação da Educação Básica), apresentavam
um nível de proficiência condizente com o considerado adequado
pelo Sistema, ou seja, apenas 5,3% dos concluintes do Ensino Médio
eram “leitores competentes” (classificação do
SAEB). No que se referiu ao nível adequado na construção
de competências em Matemática, apenas 5,99% dos alunos foram
considerados como estudantes que “interpretam e sabem resolver problemas
de forma competente; fazem uso correto da linguagem matemática
específica, Apresentam habilidades compatíveis com a série
em questão (reconhecem e utilizam elementos de geometria analítica,
equações polinomiais e desenvolvem operações
com os números complexos).” (INEP, 2004, p.11)
A necessidade de propor uma escola para os alunos e alunas concretos,
combate à idéia de que o ensino ministrado no Brasil é
muito bom, mas os alunos e alunas não o acompanham. Quando adjetivos
do tipo “reais” e “concretos” são colocados
ao lado do substantivo “alunos”, significa a tentativa de
romper com a lente embaçada pela ideologia e pela cultura hegemônica
na escola, a qual nos têm impedido de ver a realidade cultural,
social e econômica dos sujeitos com os quais trabalhamos.
O ordenamento do tempo escolar em ciclos de formação tem
como pressuposto a ação de reconhecer o aluno enquanto um
sujeito inserido no coletivo das transformações culturais
e sociais, a partir da prática de uma educação democrática.
Porém, não é só uma opção de
reorganização escolar: sua implementação provoca
rupturas com o caráter discriminatório da escola seriada,
suas concepções clássicas de currículo fragmentado
e avaliação segregadora.
Neste trabalho buscamos refletir sobre estas rupturas, para isto construímos
uma análise sobre as propostas político-pedagógicas
em dois municípios brasileiros distintos, com realidades e abordagem
pedagógica sobre os problemas escolares diferenciadas. Analisamos,
em um primeiro momento, a proposta de organização em ciclos
em uma Rede Municipal que faz do processo de implementação
uma prática decorrente de um processo de democratização
de uma cidade, e outro município onde a proposta foi implementada
para dar conta de um problema escolar específico: após um
processo de promoção continuada dos alunos na série
(sem reprovação de uma série à outra), os
ciclos foram implementados para dar conta da possibilidade de reprovação
dos alunos e alunas, assinalando assim algumas incoerências do fazer
político-pedagógico da educação.
A história brasileira de tentativa de rompimento com a escola seriada
registra, desde o final da década de cinqüenta, propostas
alternativas de escolarização no ensino fundamental, tais
como a Reforma do Ensino Primário, no Rio Grande do Sul (1958),
a organização em níveis no Estado de São Paulo
(1968-1972), o sistema de Avanços Progressivos em Santa Catarina
(1970-1984), o Bloco Único no Estado do Rio de Janeiro (1979-1984),
os ciclos básicos de alfabetização na década
de oitenta, os processos de aceleração escolar da década
de noventa entre outros.
Em 1996, com a aprovação da LDBEN 9495/96, os ciclos foram
previstos como uma das possíveis formas de organização
escolar do ensino fundamental, onde a base da enturmação
das alunas e alunos ocorre com referência na idade . Esta experiência,
iniciada em caráter de projeto alternativo antes da LDB, em municípios
como Belo Horizonte, São Paulo (administração Erundina,
Secretário de Educação Paulo Freire) e Porto Alegre,
coloca como princípio para o processo de escolarização
o desenvolvimento integral do estudante, a partir de atividades que consideram
a heterogeneidade da turma como uma força motriz da aprendizagem
escolar.
Os ciclos podem ser definidos como:
“Alternativas de organização do ensino
básico, que ultrapassam a duração das séries
anuais como referência para o ensino e a aprendizagem, e estão
associados à intenção de assegurar à totalidade
dos alunos a permanência na escola e um ensino de qualidade. Neste
sentido, eles têm a ver com o propósito de superar a fragmentação
artificial do processo de aprendizagem ocasionada pela seriação,
a qual tem levado a rupturas na trajetória escolar, uma vez que
dá margem a reprovações anuais. Mas vão além,
pois demandam mudanças na concepção de conhecimento
e de aprendizagem, na ocupação do espaço e do tempo
escolar, bem como na própria função da educação
escolar, vindo a constituir um caminho potencial para a democratização
do ensino”.(Barreto e Souza, 2004, p.2).
Na Reforma do Ensino Primário, no Rio Grande do Sul em 1958, era
preocupação geradora da proposta de reorganização
do ensino primário em turmas por idade:
“É o Brasil um país que, pela sua
extensão territorial e pela raridade demográfica observada
em certas regiões, não logrou ainda razoável índice
de alfabetização entre seus habitantes.
Vem constituindo-se, assim, preocupação, quer da parte do
governo, quer dos próprios educadores, a multiplicação
e aperfeiçoamento da escola de grau primário, por ser aquela
que oferece aos indivíduos a educação fundamental.
A busca de soluções administrativas, de processos racionais
de trabalho, assim como de técnicas mais econômicas de educação
e ensino tem sido, ultimamente, objeto de cogitação entre
os responsáveis pela evolução sócio-cultural
do país e estados.
Idêntico motivo foi o que impulsionou o Centro de Pesquisas e Orientação
Educacionais, órgão técnico da Secretaria de Educação
e Cultura do Estado do Rio Grande do Sul a procurar solução
para problema de tão alta relevância: o da possibilidade
de oferecer a toda criança em idade escolar oportunidade para desenvolver-se
e educar-se de acordo com suas capacidades individuais.”(Revista
do Ensino, Suplemento 4, 1960, p. 01).
A Reforma do Ensino Primário no Rio Grande do
Sul se embasava na necessidade de superar o fato, à época,
de que grande número de alunos e alunas após um, dois ou
três anos de escolaridade abandonavam a escola sem ter tido “oportunidade
de adquirir os conhecimentos básicos indispensáveis à
vida, de consolidar hábitos e atitudes de vida higiênica
e moral, sem ter desenvolvido determinadas habilidades, sem ter recebido
uma orientação pré-profissional que o capacitasse
para viver melhor, mais ajustado e mais feliz”.(1960, p. 02).
Esta Reforma propunha basicamente:
“A escola primária, já que se destina
a todas as crianças, deve apresentar um plano de estudos adequado,
isto é, que permita um máximo de desenvolvimento consoante
às exigências, da época e do ambiente, sem perder
de vista o aperfeiçoamento do aluno.
Assim sendo, entendeu o Centro de Pesquisas e Orientações
Educacionais que a Reforma do Ensino Primário deveria abranger
os seguintes aspectos:
Plano de Estudos - na elaboração do plano de estudos deveria
a escola primária atender às diferenças individuais,
às características bio-psíquicas do educando bem
como seu ritmo de aprendizagem.
Organização Escolar - A escola deverá organizar-se
de modo a atender, sem solução de continuidade, pelo menos
na idade dos 7 aos 12 anos, todas as crianças em idade escolar,
sem caráter seletivo, tornando-se para isso a adoção
das seguintes medidas:
- ordenação da matrícula, considerando a idade cronológica
do aluno e seu nível de maturidade ou rendimento da aprendizagem;
- organização das classes de recuperação com
a finalidade de recuperar os alunos que chegaram tardiamente à
escola, isto é, com idade superior à classe que normalmente
lhes corresponderia, não possuindo, deste modo, adiantamento condizente
com a mesma;
- substituição do sistema de reprovação pelo
de classificação do aluno, de acordo com sua idade cronológica
e o resultado de medidas de rendimento escolar;
- extensão da escolaridade, tendo em vista o atendimento dos alunos:
a) que embora considerados dentro da normalidade psíquica, são
de aprendizagem lenta não podendo, por esta razão, concluir
o Curso Primário em cinco anos;
b) que não têm possibilidade de ingressar em curso de grau
médio;
c) que ingressaram na escola após os sete anos de idade cronológica.
- revisão dos Programas de Ensino, visando a sua adequação
aos objetivos educacionais.” (1960, p. 02)”.
Utilizamos esta breve retomada da Reforma do Ensino Primário
no Rio Grande do Sul, para salientarmos que, desde as primeiras experiências
desenvolvidas, até as que agora analisamos, encontramos vários
pontos comuns entre diferentes propostas que se propõem a romper
com o agrupamento em série. Em nosso entendimento as propostas
de desseriação do ensino têm em comum o fato de que:
(a) reivindicam a necessidade de se atender a cada aluno e a cada aluna
enquanto um ser único e em desenvolvimento, com capacidades e potencialidades
a serem descobertas, respeitadas e trabalhadas;
(b) propõem romper com a vinculação do ano letivo
como tempo de reconhecer o que o aluno ou aluna aprendeu. Em oposição,
trabalham com a idéia de que é preciso uma flexibilização
dos tempos para aprendizagem (tanto atendimentos com horas de estudo a
mais para quem mais precisa quanto à idéia de que é
preciso dar mais tempo ao tempo, para que o (a) estudante venha a aprender);
(c) reconhecem a necessidade de avaliar o sujeito em relação
ao seu processo de desenvolvimento e a possibilidade que a avaliação
tem de promover as condições necessárias à
aprendizagem.
Ao proporem estes aspectos, a organização escolar em ciclos
contrapõe-se às séries, as quais indicam um tempo
único a todos alunos e alunas, a ser preenchido com atividades
padronizadas de ensino e, como solução para não aprendizagens,
a “repetição de ano” aos que não são
capazes de acompanhar este tempo único.
Primeiro Estudo sobre a Proposta Político-Pedagógica
de Ciclos em Rede Municipal de Ensino (1995-2004).
O primeiro estudo de caso que realizamos aborda um município com
cerca de um milhão e trezentos mil habitantes, capital de estado,
com economia voltada principalmente para a prestação de
serviços. Nesta cidade, os ciclos surgiram a partir de um processo
de democratização da cidade, desencadeado pelo Orçamento
Participativo . Neste processo, cada região da cidade elencava
coletivamente suas prioridades para a região da cidade e, a proposta
de ciclos começou a ser construída para romper com as séries
na primeira escola que foi demandada pela comunidade através do
OP (Orçamento Participativo).
Esta primeira escola, demanda do Orçamento Participativo, incentivou
a Secretaria Municipal de Educação a investir na formação
de um grupo de professoras e professores da Rede para estudo de outras
formas de organização escolar que não as séries.
O processo que se iniciou ali, buscando referências no sistema francês
de ensino e na experiência em desenvolvimento no município
de Belo Horizonte no Brasil veio a desencadear um processo de democratização
do ensino inspirado e inspirador de outros movimentos no país.
Este processo de democratização do ensino é registrado
nos documentos oficiais como democratização da gestão,
do acesso e do conhecimento escolar (AZEVEDO, 2000). Seu desenvolvimento
acontece a partir do processo constituinte escolar, com discussões
escolares entre funcionários e funcionárias, professores
e professoras, alunos e alunas, pais, responsáveis pelos estudantes
e convidados da comunidade sobre qual escola a cidade tinha e qual escola
a cidade desejava para suas crianças e adolescentes.
A história de implementação dos ciclos neste primeiro
município estudado registra a implementação gradativa,
discutida em cada escola e aprovada em cada um dos segmentos escolares
(os quatro segmentos que debateram e aprovaram a proposta de ciclos de
formação foram: os pais e/ou responsáveis por alunos
e alunas, os estudantes, as professoras e professores e os funcionários
e funcionárias). Como o processo de implementação
envolvia esta aprovação dos segmentos ao Projeto, a Secretaria
desenvolveu uma série de formações com cada um dos
segmentos, em cada escola, havendo uma apropriação razoável
da proposta em cada comunidade. Das cinqüenta escolas da rede municipal,
apenas seis não optaram por ciclar, e acabaram por ter que fazê-lo
ao final da terceira gestão do mesmo grupo político no município.
Nesta Rede Municipal, a proposta de ciclos se organiza com base nas fases
de formação reconhecidas como infância (dos seis aos
oito anos), pré-adolescência (dos nove aos onze anos) e adolescência
(dos doze aos quatorze anos). Trata-se de uma proposta importante de ser
pesquisada, uma vez que não há previsão de retenção
entre cada Ciclo. Além de seu processo de implementação
estar associado ao projeto maior de democratização da cidade,
são destaques do Projeto:
(a) Concepção curricular, onde o currículo é
definido como:
“O currículo, cerne da educação
escolar, é um fenômeno histórico. Resultado de forças
sociais, políticas e pedagógicas que expressa a organização
dos saberes vinculados à construção de sujeitos sociais.
Nessa perspectiva, currículo é ação, é
trajetória, é caminhada que construída coletivamente
e em cada realidade escolar de forma diferenciada. É um processo,
dinâmico, mutável, sujeito a inúmeras influências,
portanto, aberto e flexível. Essa concepção de currículo
veicula toda uma concepção de pessoa, sociedade, conhecimento,
cultura, poder e destinação das classes sociais às
quais os indivíduos pertencem; portanto, referida sempre a uma
proposta político-pedagógica que explicita intenções
e revela sempre graus diferenciados da consciência e do compromisso
social” (SMED, 1999, p.12).
Para dar conta desta concepção curricular
o Projeto propõe a organização do ensino em Complexos
Temáticos, os quais prevêem um planejamento coletivo entre
os três ciclos, organizados a partir de problemas pesquisados pelos
professores e professoras junto à comunidade escolar e que se desenvolvem,
em cada ciclo, a partir do campo conceitual proposto em articulação
com as possibilidades de desenvolvimento da criança, pré-adolescente
ou adolescente em cada ciclo (v. Krug, 2001).
(b) Estrutura escolar, com a previsão de serviços de apoio
ao ensino: professores itinerantes, laboratórios de aprendizagem
(para pesquisar sobre as dificuldades de aprendizagem apresentadas pelos
estudantes e colaborar na formação dos professores e das
professoras), salas de integração e recursos (para assessorar
a inclusão de crianças com necessidades educativas especiais),
turmas de progressão (para assessorar a enturmação
das crianças e adolescentes, em defasagem na escola seriada, junto
a seus pares em idade), coordenação pedagógica, estudo
de três línguas estrangeiras modernas, ambientes informatizados,
artes e educação física a partir do primeiro ciclo
de formação.
(c) Concepção de avaliação emancipatória:
onde cada criança avança com o conjunto da sua turma para
o ano seguinte, atendida nas suas necessidades quando seu avanço
se dá necessitando de algumas atividades específicas para
o ano seguinte e/ou com avaliação especializada, quando
portadora de uma necessidade educativa especial.
Esta concepção avaliativa entende o desenvolvimento do estudante
como um processo de formação geral, não só
do aluno ou aluna, mas igualmente das professoras e professores, da escola
e também da comunidade, o processo avaliativo no município
estudado inclui a avaliação da família sobre a escola
e sobre a aprendizagem das crianças e adolescentes (que ocorre
trimestralmente), a avaliação das turmas sobre seus coletivos
e de cada aluno ou aluna sobre o seu desenvolvimento, além de portifólios
(com trabalhos dos alunos e alunas) e relatórios realizados pelo
coletivo de professoras e professores.
Segundo Estudo sobre Proposta Político-Pedagógica
em Rede Municipal de Ensino.
O segundo município estudado, em outra região brasileira,
fica próximo de uma capital, também tem um perfil econômico
voltado para a prestação de serviços e já
foi capital brasileira. A adoção do ordenamento do tempo
escolar por ciclos em suas escolas aconteceu no ano de 1999, em todas
as escolas da Rede, através da implementação de uma
nova Proposta Pedagógica na qual são indicados alguns parâmetros
para uma maior democratização do ensino público municipal
e, através destes, conseguir a formação de cidadãos
plenos, em sintonia com as transformações sociais, políticas
e econômicas do mundo contemporâneo.
Contudo, a adoção dos ciclos surge neste município
como uma alternativa à progressão automática, adotada
anteriormente no ano de 1994, ainda quando a organização
do tempo escolar era seriada, e que gerou muitas dificuldades e entraves,
como a distorção nível de conhecimento/série
e, segundo a avaliação dos gestores, com grande culpabilidade
destas distorções dos níveis de conhecimento recaídas
sobre o trabalho das professoras e dos professores.
Uma das soluções a serem adotadas para resolver o problema
da distorção entre nível de conhecimento e série,
decorrentes da promoção continuada, seria, na perspectiva
destes gestores, a reimplantação da reprovação,
porém esta retomada da reprovação poderia acarretar
uma “retenção quase que integral dos alunos da rede”
(Proposta Pedagógica Município, 1999, p.18), o que fez o
município optar pela organização do ensino em ciclos.
Conforme o texto da sua Proposta Pedagógica:“a implantação,
ou a reimplantação de um sistema generalizado de reprovações,
não iria minimizar a gravidade da situação por nós
constatada, pois resultaria, possivelmente, na retenção
integral dos alunos da rede, nas séries que estivessem cursando”
(1999, p.18).
A opção pelos ciclos de formação, então,
foi adotada neste município com a intenção de retomar
a retenção, ou seja, a possibilidade de reter o aluno seria
a solução para acabar com a distorção existente
entre o nível de conhecimento/série, como ilustra este trecho
do texto da Proposta Pedagógica: “Com o sistema de ciclos
fazem-se necessárias alterações no atual sistema
de avaliação, como, por exemplo, o fim da impossibilidade
da retenção” (1999, p.37). Assim, a retenção
que até agora não fazia parte do ordenamento do tempo escolar
em ciclos, pois centra sua proposta na aprendizagem do aluno e se baseia
nas fases de desenvolvimento humano, que não cessam quando um conhecimento
não é adquirido em um tempo pré-estabelecido, passa
a fazer parte da justificativa de sua implementação.
Trata-se de uma situação considerada inédita em nossos
estudos, uma vez que a proposta de ciclos, historicamente no Brasil, tem
vindo a combater o sistema seletivo e excludente das séries. De
acordo com os ciclos de formação, o sucesso do educando
e sua aprendizagem são decorrentes da continuidade de seus estudos
sem interrupções (ou reprovações): constatando
a existência de momentos distintos nos processos sócio-cognitivos
de cada aluno e a sua não linearidade.
Em nossos estudos entendemos que a aprovação e a reprovação
não são concebidas no ciclo de formação, os
quais têm como essência viabilizar a aprendizagem de todos
os alunos, de acordo com as sua necessidades: “Assim, a escola por
ciclos de formação não retém estudantes, uma
vez que o desenvolvimento humano não volta atrás, desenvolve-se
sempre a partir da fase em que está” (KRUG, 2001, p.76).
Os ciclos de formação, conforme o entendemos hoje, reúnem
os educandos pela fase de desenvolvimento, considerando três momentos:
infância, pré-adolescência e adolescência. Ao
incorporar o conceito de zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky,
quando este enfatiza a importância da mediação na
aprendizagem de novos conhecimentos, percebemos que os grupos mistos entre
saberes e não saberes, propostos pelos ciclos, são potencializadores
da aprendizagem escolar. Os grupos mistos entre conhecimentos, quando
bem trabalhados, ou seja, explorados em sua potencialidade, podem oportunizar
um espaço interativo muito mais interessante, provocador e estimulante
de aprendizagem.
Retomando a proposta analisada no segundo estudo, os ciclos estão
organizados em quatro momentos e são assim definidos:
CICLO 1: Este ciclo possui três anos de escolaridade, e a idade
prevista para os alunos é dos 6 aos 8 anos, no qual tendo passado
ou não pela pré-escola, a Proposta Pedagógica considera
que o aluno traz uma bagagem que deve ser considerada pelo professor e
ampliada com ações pedagógicas.
CICLO 2: Como no ciclo 1, muitos aspectos do aprendizado precisam de um
conhecimento prévio, como ponto de partida do aprendizado, levando
em conta que as capacidades cognitivas dos alunos sofrem avanços
significativos. Começam a estabelecer relações de
casualidade, buscam explicações e o pensamento ganha flexibilidade.
CICLO 3: Nessa fase, os alunos de 11 e 12 anos já passaram pela
experiência da reprovação na escola seriada. Significativas
mudanças que afetam o desenvolvimento físico e emocional
estão ocorrendo, neste momento. Junto com a instabilidade, medo,
insegurança, intensifica-se a capacidade para questionar, que pode
ser interpretada como insolência, gerando conflitos entre aluno
e professor. Torna-se importante para o professor, afirma esta Proposta
Pedagógica, canalizar essa ebulição de espírito
questionador para a aprendizagem.
CICLO 4: Aos alunos com idade superior aos 12 anos, que fazem parte deste
ano de escolaridade, deve-se oferecer todo o instrumental para as suas
demandas e projetos. As expectativas quanto ao futuro, trazem, para o
aluno desse ciclo novas experiências e necessidades.
Em cada ciclo há a possibilidade de retenção dos
alunos por freqüência e também por desempenho insuficiente,
fato que estaremos tratando mais tarde neste texto.
Segundo esta Proposta, a inclusão dos alunos, de acordo com os
ciclos, não se dá somente no âmbito da educação,
mas também no meio social, pois é uma ação
coletiva que prevê o envolvimento de todos (familiares, comunidades...),
criando uma consciência voltada para a realidade de cada aluno e
para o meio que ele está inserido, visando não somente o
acesso à educação, mas a sua permanência na
escola, respeitando as sua especificidades.
No entanto, ao tratar o currículo, este município assume
como referencial os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) e assim
destaca o perfil de escolas da rede que a Proposta Pedagógica propõe:
“Necessário se faz esclarecer que as escolas, quando em seu
conjunto formam uma rede de ensino, não estão desobrigadas
de procurar assemelhar-se umas as outras, em terras de qualidade a ser
oferecida ao alunado dessa mesma rede. Fica óbvio que outros eixos
ou referenciais curriculares devem ser identificados e trabalhados pelo
professor, em sua prática em sala de aula, nunca se perdendo de
vista o processo de interdisciplinaridade que perpassa os conteúdos
das diversas disciplinas, ou áreas de conhecimento. O perfil da
rede, porém, deve apresentar certa uniformidade que irá
emprestar identidade àquela rede”(1999, p.42).
Nesta segunda proposta analisada, a professora e o professor são
tidos como um elemento fundamental na Proposta Pedagógica, por
ser considerado um dos sujeitos mais ativos no processo de construção
do conhecimento de seus alunos e alunas. As professoras e os professores
desta rede municipal de ensino, na percepção dos gestores
do Projeto, não devem ficar restritos ao discurso teórico-prático.
As diretrizes da Proposta, como o seu texto afirma, devem ser trazidas
para dentro da sala de aula, devem fazer parte do cotidiano escolar, levando
o aluno ao desenvolvimento pleno. O trabalho pedagógico deve estar
em consonância com a realidade de vida de cada aluno, vinculando
a auto-estima e as especificidades do processo de aprendizagem. Seu ato
pedagógico deve estar apoiado no tripé metodológico
da ação-reflexão-ação e promover a
aprendizagem de todos os alunos de acordo com as suas necessidades. A
sua atividade pedagógica deve assumir um caráter diversificado,
em consonância com as necessidades exigidas para a construção
do conhecimento de cada educando.
A responsabilidade e a dedicação do professor na escola
ciclada é de suma importância para o processo ensino-aprendizagem,
em conseqüência disso, podem surgir alguns problemas devido
às dificuldades dos professores de se adaptarem e se dedicarem
a esta modalidade de ordenação do tempo escolar, (ARROYO,
1999, p.152). Um problema encontrado, relatado nesta Proposta Pedagógica,
para a ordenação do tempo escolar em ciclos é a distorção
entre conhecimento/série que acaba, como fora anteriormente citado,
recaindo sobre o professor, que tem total responsabilidade de decidir
sobre a vida educacional dos alunos, sem que lhe seja dado tempo hábil
ou preparação necessária – o que pode implicar
no sucesso ou fracasso da organização dos ciclos, e conseqüentemente
da aprendizagem dos alunos. Em nossa perspectiva é preciso que
não somente o professor tenha a responsabilidade e autonomia para
identificar os problemas pertinentes a educação na escola
organizada em ciclos, que prevê o esforço coletivo de todos
os agentes envolvidos no ato educativo.
O sistema de avaliação, previsto no texto desta segunda
Proposta Pedagógica analisada, tem, como cerne, o fim dos modelos
e procedimentos da escola seriada. Contudo, os registros de aproveitamento
dos alunos, individuais ou não, são, ainda, um importante
procedimento de avaliação, porém constituídos,
unicamente, de aspectos relevantes do processo de ensino-aprendizagem,
e desenvolvimento dos alunos, o que novamente apresenta um caráter
incoerente da Proposta, pois a avaliação é utilizada
para classificar, mensurar e homogeneizar o saber dos alunos, dissociando-a
da sua função de promotora e diagnóstica da aprendizagem,
pervertendo o sentido da avaliação defendido pela organização
da escola em ciclos de formação que é a de uma avaliação
contínua, cotidiana e emancipatória.
Está prevista, nesta Proposta Pedagógica, a adoção
de conceitos que servirão para “quantificar” o aproveitamento
de cada aluno de acordo com os objetivos propostos.
A- 90 A 100%
B- 80 A 89%
C- 65 A 79%
D- 50 A 64%
E- Menos de 50% dos objetivos propostos.
Esses conceitos irão servir de diagnóstico da aprendizagem
e definirão a aprovação ou a retenção
do aluno no final de cada ciclo de escolaridade, que são quatro.
Porém, no final do ciclo três está prevista uma progressão
parcial, na qual o aluno poderá cursar o ciclo quatro com dependência
de no máximo três disciplinas, não sendo possível
indicar a dependência para: Educação Física,
Educação Artística, Ensino Religioso e Informática
Educativa.
Entender esta concepção de avaliação exige-se
que retomemos o histórico da implementação dos ciclos
neste município: o sistema foi proposto com a avaliação
de que era necessário reter alunos, porque as séries então
apresentavam turmas onde os conhecimentos dos alunos apresentavam diferenças
muito grandes, na avaliação dos gestores, provocadas pela
promoção continuada implementada.
A prática de avaliar aprendizagens, por percentagens anteriormente
transcritas, é realizada para se obter um padrão, para se
estar na média, desconsiderando todo o processo de construção
do conhecimento. Ora, o que significa um aluno saber 64%, se não
mais uma estratégia de hierarquizar conhecimentos, que servirão
posteriormente para reter ou promover o aluno?
Prevendo que nem todos os alunos possuem o mesmo ritmo de aprendizagem,
foi desenvolvida uma medida denominada Recuperação Paralela.
A Recuperação Paralela, de acordo com a Proposta Pedagógica
deste município, é uma nova oportunidade para o aluno corrigir
suas defasagens de ensino, através de metodologias e planejamentos
que possibilitam alcançar a aprendizagem, considerando, sobretudo,
as especificidades de cada um; tendo na atenção, na afetividade
e na melhoria da auto-estima suas grandes bases.
Segundo Demo (2004:41), essas turmas de recuperação paralela,
ou qualquer outro nome que receba esse tipo de turma especial, na realidade
provocam mais a segregação do que a aprendizagem do aluno,
uma vez que estes são segregados nessa turma especial, privados
da presença de seus colegas da classe original e estigmatizados
por fazerem parte de um grupo que possui uma aprendizagem diferenciada,
e como conseqüência disso sentem-se muitas vezes humilhados
e com baixa alto estima, o que contrapõe a essência da Proposta
Pedagógica com a organização da escola em ciclos
de formação.
Turmas que prevêem a recuperação paralela estão
em consonância com uma avaliação excludente, oposta
a proposta na organização em ciclos, que através
de uma medição do saber do aluno, segundo padrões
pré-estabelecidos, não considera as especificidades de cada
aluno, segregando aqueles que não se encontram em conformidade
com as normas estabelecidas.
A segunda Proposta Pedagógica analisada também prevê
classes de reorientação da aprendizagem, que procuram adequar
os conteúdos e metodologias às dificuldades dos alunos de
forma a permitir-lhes posteriormente a reintegração em sua
turma original e até transcendê-la. Essa reorientação
ocorre a partir de uma avaliação diagnóstica das
deficiências de cada aluno e aponta para a necessidade de revisão
dos processos pedagógicos utilizados em determinada escola.
Esse processo, para os gestores da educação municipal neste
segundo estudo, visa à melhoria da aprendizagem, e não a
melhoria dos conceitos (avaliativos e classificatórios), os quais,
segundo o texto da Proposta Político-Pedagógica, podem ser
melhorados como conseqüência. Observamos que há uma
questão importante a ser retomada pelo município, pois a
quantificação da aprendizagem como uma forma de traçar
o destino educacional do aluno, delineando o que sabe e o que não
sabe, desconsiderando os conhecimentos que estão se constituindo
é uma prática bastante antiga em escolas e que tem se demonstrado
ao longo da história educacional, como inconsistente na avaliação
dos saberes e não saberes e principalmente, na promoção
da aprendizagem escolar.
Elementos provisórios para uma síntese.
Retomamos aqui nossa questão inicial: hoje, a forma de organização
escolar predominante no Brasil é a seriada, segundo dados do MEC/INEP,
ainda 81,1% das escolas funcionam apenas como regime seriado, sendo que,
apenas no sistema de ciclos, encontramos 11% das escolas. As restantes
apresentam mais de uma forma de organização escolar.
Nas séries os tempos e espaços escolares são organizados
para o trabalho individual, a divisão das tarefas é ainda
o fator determinante e, esta divisão, leva a fragmentação
dos conhecimentos trabalhados: cada professor ou professora com o seu
conhecimento e, ao mesmo tempo, cada série com o seu conhecimento
a ser trabalhado, assimilado e testado.
Há mais de cinqüenta anos tentamos, no Brasil, experimentar
outras formas de organização escolar que contemplem a necessidade
de aprendizagem da totalidade dos alunos e alunas inseridos nas escolas,
desfazendo a imagem de que existem, por natureza, alguns (muitos) que
não aprendem na escola.
Esteban (2002) ao analisar o fracasso escolar, indica que “a ignorância
não é uma realidade individual, no sentido a que nos referimos
é a definição da cultura de todo um grupo social
como carente de saberes e de valores” (p.18). Percebemos, na seriação,
a tendência à padronização dos saberes, das
atividades, das rotinas, associada à hierarquização
cultural, onde quem mais se aproxima do padrão de saberes e valores
propostos pela escola alcança a aprovação, mesmo
que seus conhecimentos sejam insuficientes frente ao que a escola diz
ensinar (v. resultados SAEB).
Neste sentido, propusemos o estudo de duas propostas político-pedagógicas
diferenciadas em seu histórico com a intenção de
desmistificar a idéia de que todos os ciclos são iguais.
Os ciclos no Brasil têm se constituído em uma outra forma
de organização escolar, combativa dos padrões espaciais
e temporais da série e fortemente marcada pela necessidade de trabalho
coletivo entre docentes e discentes.
Entre os pontos de convergência encontrados, se situam os entendimentos
de que: (a) todas as alunas e alunos são seres únicos e
em desenvolvimento; (b) o ano letivo não pode ser o tempo para
definir se uma criança ou adolescente aprendeu ou não o
que a escolar se propôs a ensinar e (c) a avaliação
precisa propor formas de recuperação dos alunos e alunas
durante o processo de aprendizagem, e não somente ao seu final.
Os pontos divergentes encontrados indicam profundas diferenças
nas formas de implementação dos ciclos (entre os dois municípios
estudados), seus motivos e suas concepções curriculares
e avaliativas. No primeiro município, o processo fez parte de um
projeto de democratização da cidade e, nas escolas desta
Rede, colocado como um processo de democratização da gestão
escolar, do acesso à escola e do acesso ao conhecimento. No segundo
município estudado, o processo de implementação se
deu para assegurar o retorno do ato avaliativo reprovador, excludente
e seletivo.
Do ponto de vista curricular, o primeiro município rompe em definitivo
com as séries, propondo a organização do ensino sob
a forma de uma teia entre as questões sociais colocadas pela comunidade
e as possibilidades de desenvolvimento propostas para cada ciclo, que
se embasam na capacidade permanente do ser humano de avançar em
seu desenvolvimento pessoal e coletivo. Há uma articulação,
neste projeto, entre os três ciclos de formação e
também no interior de cada ciclo.
O segundo município estudado trabalha com a proposta dos Parâmetros
Curriculares Nacionais, os quais mantém uma idéia de seriação
dos conteúdos escolares, marcada pela perspectiva de linearidade
e reprodutora da imagem da escada de conteúdos, onde o aluno ou
a aluna só pode avançar ao degrau seguinte acaso consiga
provar que assimilou os conhecimentos propostos anteriormente, a idéia
dos pré-requisitos, dos conteúdos atribuídos a cada
ciclo e definidores do avanço ou da reprovação dos
alunos.
A avaliação escolar também apresenta divergência
de concepção nos dois municípios: o primeiro trabalha
com a idéia da avaliação coletiva (escola sobre seu
projeto, comunidade sobre a escola e sobre a aprendizagem dos estudantes,
enfim, todos se avaliam). Sua finalização, em cada ano letivo,
busca apontar quais providências são necessárias para
que, no próximo ano, as alunas e os alunos sejam atendidos em todas
as suas necessidades de estudo e formação.
No segundo município estudado, a expressão da avaliação
focaliza exclusivamente o desempenho dos alunos e alunas, através
de conceitos indicadores. A avaliação assim expressa (em
conceitos ou notas) pouco pode contribuir para a orientação
objetiva e consistente do processo de formação destes alunos
e alunas, representam mais uma expressão sobre um desempenho passado
e não implicam em propostas efetivas de atendimento a cada um dentro
de suas peculiaridades, principio geral da flexibilização
dos tempos e espaços escolares propostos pelos ciclos.
Com este estudo, verificamos que os ciclos, embora tenham alguns aspectos
(ou compromissos) que lhes sejam comuns, não têm todos a
mesma definição e as mesmas concepções curriculares
e avaliativas. Nossa expectativa está na direção
de que é possível e necessário romper com a seriação,
por tudo que ela representa em padronização do ensino, alienação
das professoras e professores sobre seu trabalho com a aprendizagem e
com o conhecimento escolar, fragmentação dos espaços
e tempos e, inclusive, por seus resultados educacionais. Construir uma
proposta de ciclos, adequada a cada realidade escolar, exige que os currículos
e práticas avaliativas tenham coerência pedagógica
e política com a democratização escolar.
Por democratização escolar, entendemos os processos de abertura
da escola a outras culturas, outros saberes, outras vozes que podem, juntas,
desenhar o novo: cenários inéditos de uma educação
cidadã, participativa e feliz.
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