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ALFABETIZAÇÃO
E LETRAMENTO: CONTRIBUIÇÕES A PARTIR DA PEDAGOGIA DE PROJETOS
Neridiana Fábia Stivanin (autora-Acadêmica
Mestrado em Educação/PPGE/UFSM)
Helenise Sangoi Antunes (Orientadora-Profª Draªdo PPGE/UFSM)
Elinara Leslei Feller (participante-Acadêmica Pedagogia CE/UFSM)
Jamily Charão Vargas (participante-Acadêmica Pedagogia CE/UFSM)
A dimensão simbólica do aprender e do ensinar
na escola
No século XX nota-se, ainda, a existência
de imagens contraditórias que podem ser vistas em jornais, livros,
na televisão... Imagens que mostram crianças saudáveis
fazendo comerciais de alimentos e fraldas, enquanto outras são
vistas nas sinaleiras, mendigando nas ruas, sofrendo e produzindo violência.
São imagens contraditórias de crianças que revelam
a nítida linha que separa mundos que aparentemente são iguais,
mas que apresentam diferenças marcantes.
Imagens que se constituem em formas impregnadas de poder simbólico,
conceituado por Bourdieu (1989, p.7) como um “... poder invisível
o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não
querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem”.
As idéias apresentadas, relacionadas com o foco desta temática,
referem-se também aos discursos produzidos na escola que revestem
de sentidos as palavras que mantêm ou vão contra o poder
instituído. A crença nos discursos que são pronunciados
e que são legitimados se dá não pela confiabilidade
nas palavras em si, mas no sentido que é atribuído às
mesmas.
O poder simbólico que atravessa ritos, mitos, palavras, discursos,
produções de sujeitos, produções de identidades
e produções de sociedades constitui-se em formas transformadas
de poder, “... relações de força fazendo ignorar-reconhecer
a violência que elas encerram objectivamente e transformando-as
assim em poder simbólico, capaz de produzir efeitos reais sem dispêndio
aparente de energia” (BOURDIEU, 1989, p.15).
Notamos que existem na escola produções de sentidos construídos
a respeito do desempenho escolar em sala de aula na primeira série
do ensino fundamental, valorizando alguns e desvalorizando outros. Reflexo
na escola de uma sociedade e de um contexto global que atribui e confirma
valores, formas de pensar, agir e de produzir identidades.
Em relação às crianças oriundas das camadas
populares no Brasil notamos que elas deverão criar estratégias
de sobrevivência eficazes para permanecerem na escola. Além
de vencer o preconceito racial, elas também devem ressignificar
o capital cultural que a escola apresenta para ela. Segundo Bourdieu ;
Passerron (1974), uma criança de camada superior apresenta oitenta
vezes mais chances de entrar na universidade do que o filho de um assalariado
agrícola e quarenta vezes mais que um filho de operário,
e suas chances são ainda duas vezes superiores àquelas de
um jovem de classe média.
Estes fatos apresentados pelos autores acima mencionados, suscitam os
seguintes questionamentos: Quais os mecanismos que a escola utiliza para
garantir o sucesso de uns e o fracasso de outros? O capital cultural é
determinante para a permanência ou não na escola? Notamos
que estas relações acontecem na escola de forma simbólica
e velada, por isso se a análise ficar restrita a dados estatísticos
não é possível adentrar no universo simbólico
de práticas sociais instituídas. Desta forma, é necessário
adentrar no não dito, nas sombras da realidade e no invisível
para poder compreender a dinâmica que a escola possui em relação
ao processo de alfabetização e letramento.
A influência do capital cultural poderá ser desvelada através
das relações construídas entre o capital cultural
da família da qual a criança é oriunda. Família
entendida não só na configuração tradicional:
pai, mãe e filhos, mas também como aquela que é composta
por pessoas responsáveis pela criança, que darão
o suporte necessário para que ela possa compreender o mundo que
a cerca, que seja o interlocutor entre o mundo da infância e o mundo
da escola, que seja a pessoa disposta a auxiliar na complexa tarefa de
conhecer a realidade.
Crianças que possuem este apoio personificado na figura de um irmão
mais velho, tio, tia, avô, avó... parecem configurar-se nas
crianças que conseguem obter o sucesso escolar. Mas existe o fracasso
escolar? Segundo Charlot (2000, p.16), existem crianças em situação
de fracasso. O fracasso escolar não existe; o que existe são
alunos fracassados, situações de fracasso, histórias
escolares que terminaram mal. Esses alunos, essas situações,
essas histórias é que devem ser analisados, e não
algum objeto misterioso, ou algum vírus misterioso resistente,
chamado fracasso escolar.
Neste sentido, Bourdieu (1999) contribui quando aponta para a existência
da herança cultural. Nesta herança, as crianças de
camadas mais privilegiadas herdam saberes, gostos, comportamentos, atitudes
que, aliadas ao capital cultural, acabam por reforçar a permanência
e o sucesso escolar.
As crianças oriundas de camadas menos favorecidas necessitam criar
estratégias de sobrevivência dentro da escola para que possam
adequar-se às exigências do capital cultural diferente daquele
que elas possuem, estando muito vezes, em situação de fracasso
escolar.
Em outras situações, conforme aponta Bourdieu (1999), a
criança na primeira série do ensino fundamental consegue
adequar-se a escola, criar estratégias de incorporação
deste capital cultural, altera seu comportamento, adquire novos hábitos
e valores e, às vezes, é considerada pela escola como uma
criança muito “escolarizada”, não sendo considerada,
portanto, como aquela que conseguiu assimilar um ethos cultural. Desta
forma, Bourdieu (1999, p. 50) afirma que “... o capital cultural
e o ethos ao se combinarem, concorrem para definir as condutas escolares
e as atitudes diante da escola, que constituem o princípio de eliminação
diferencial das crianças das diferentes classes sociais”.
É importante destacar que embora o ethos e o capital cultural sejam
importantes no prosseguimento dos estudos a atitude da família
em relação à escola parece contribuir neste fato.
Embora os obstáculos sejam cumulativos para as crianças
oriundas da camada popular, é possível que elas obtenham
o sucesso escolar no momento em que exista alguém responsável
na tarefa de auxiliá-las na compreensão das artimanhas e
sutilezas do ethos e do capital cultural, ou seja, “... em outras
palavras, tratando todos os educandos, por mais desiguais que sejam de
fato, como iguais em direitos e deveres, o sistema escolar é levado
a dar sua sanção às desigualdades iniciais diante
da cultura” (BOURDIEU, 1999, p.53).
A igualdade de aprendizado difundida na escola, que deve embasar a prática
docente desenvolvida na sala de aula, serve de máscara para encobrir,
segundo Bourdieu (1999), as desigualdades reais existentes através
da cultura transmitida. Sendo assim, a escola acaba por ignorar e excluir,
na maioria das vezes, as possibilidades de construir estratégias
metodológicas de ensinar os conhecimentos para os alunos portadores
de diferentes capitais culturais. Desta forma, as crianças oriundas
da camada popular acabam por apresentar “... uma espécie
de boa vontade cultural vazia, os filhos das classes médias são
forçados a tudo esperar e a tudo receber da escola, e sujeitos,
ainda por cima, a ser repreendidos pela escola por suas condutas por demais
escolares” (BOURDIEU, 1999, p.55).
Outro aspecto que destacamos nesta análise é o fato de que
o sucesso de algumas crianças, oriundas de camadas populares, produz
discursos e institui sentidos junto ao mito de que, conseguir o sucesso
na escola é uma questão de dedicação e trabalho
árduo por parte destes alunos.
No entanto, ela institui uma lógica e uma inércia própria
a um processo de perpetuação do fracasso escolar. O fato
da maioria dos alunos não conseguirem a aprovação
não significa que estes não tenham estudado; isto está
relacionado à questão de que estes alunos não conseguiram
decodificar, apreender, decifrar e construir estratégias de ruptura
com a mobilidade e estratégia construída e legitimada pelo
capital cultural.
Na verdade, conforme aponta Bourdieu (1999), somos obrigados, então,
a reconhecer o poder instituído de ordens sociais e legitimadas,
que autoriza as classes mais privilegiadas a atuar na perpetuação
do monopólio da instituição escolar, definindo de
forma simbólica as estratégias de permanência, aquisição
e evasão dos bens culturais e dos signos que a escola significa.
Além disto, no caso da instituição escolar, podemos
dizer que há muito ela se encontra num processo de autonomização,
uma vez que, mesmo não existindo reflexão e participação
nas decisões, ela continua a existir, possuindo vida própria.
Portanto, é a comunidade escolar que passa a estar a serviço
da escola e não o contrário. Conforme Castoriadis, as instituições
sociais possuem não apenas o aspecto funcional, como também
uma dimensão simbólica legitimada na sociedade instituída.
O simbólico aqui se refere a tudo aquilo que nos é apresentado
no mundo social-histórico. Segundo Castoriadis (1982, p. 142),
As profundas e obscuras relações entre o
simbólico e o imaginário aparecem imediatamente se refletirmos
sobre o seguinte fato: o imaginário deve utilizar o símbolo,
não somente para exprimir-se, o que é óbvio, mas
para existir, para passar do virtual a qualquer coisa a mais.
A afirmação acima reforça a constatação
de que, para Castoriadis, os atos individuais e coletivos, bem como as
instituições sociais, não se esgotam no componente
simbólico, mas são impossíveis de existir fora desta
rede simbólica. A dimensão funcional refere-se à
satisfação das necessidades vitais que são importantes
para a sobrevivência da coletividade, enquanto que a dimensão
simbólica da instituição diz respeito a toda a gama
de sentidos que povoa e envolve as práticas sociais, os mitos,
os ritos, os sonhos, os desejos e as expectativas que constituem as relações
intersubjetivas.
Ao investir de sentido o mundo, atribuindo significado a ele, o homem
produz o social-histórico e, para Castoriadis (1992, p.92), “...
o conhecer e o agir humano são, portanto, indissociavelmente, psíquicos
e social-históricos. Esses dois pólos, a psiquê e
a sociedade não podem existir um sem o outro, e não são
redutíveis um ao outro”.
A necessidade de apostar na capacidade de criação humana
e na instituição de novas significações está
vinculada à importância de apostar no outro, na capacidade
individual e coletiva de repensarmos a sociedade que temos e sentir se
nós estamos eticamente comprometidos com o que estamos construindo.
Segundo Fonseca (1995, p.15),
(...) de um lado, condomínios de luxo, rodeados de grades de ferro,
de outro, favelas, que se estendem até os quatro horizontes, levando
a justaposição, na mesma sociedade, de modos de vida radicalmente
diferentes um do outro. É responsabilidade de todo o cidadão
zelar pela erradicação desta desigualdade, resultado de
estruturas políticas e econômicas perversas.
Desenvolver nas crianças a capacidade de criar e inventar é
uma forma de auxiliar no fortalecimento da sociedade instituinte. Mas
percebemos que a fantasia, o lúdico, a imaginação
encontram-se cada vez mais distantes da escola. O que ainda predomina
são imagens instituídas da escola como um local em que as
crianças vão somente para aprender, onde o professor só
fala e o aluno é o que mais ouve e a hora do recreio é o
lugar onde pode tudo: brincar, correr, pular e saltar.
A escola poderá constituir-se num espaço que oportuniza
a reflexão e a aquisição através do fortalecimento
do imaginário radical, entendido como a capacidade de criação
humana. Entretanto, a educação não trabalha apenas
com a imaginação radical, as fantasias, a história
de vida e o mundo privado da criança. Ela também se preocupa
com a socialização do sujeito oportunizando a interiorização
das instituições. Dessa forma, a escola torna-se o palco
para o estabelecimento do confronto entre as dimensões do imaginário
viabilizando a possibilidade de “uma educação para
a autonomia” (CÓRDOVA, 1994, p. 39).
Para que a educação consiga pôr em prática
o projeto de autonomia elaborado por Castoriadis e entendido como um processo
de desalienação dos sujeitos frente às instituições,
é preciso que seja superada a “... antimonia entre teoria
e prática, a retomada da questão da relação
entre o saber e o fazer, a superação de um imaginário
cientificista e positivista no campo educativo” (Córdova,
1994, p. 43-44). Aqui o sentido de alfabetizar deve adquirir um novo significado,
capaz de melhorar qualitativamente o processo de leitura de mundo dos
alunos. Nas palavras de Ferreiro (2001, p.47),
(...) a alfabetização passa a ser uma tarefa
interessante, que dá lugar a muita reflexão e a muita discussão
em grupo. A língua escrita se converte num objeto de ação
e não de contemplação. É possível aproximar-se
dela sem medo, porque se pode agir sobre ela, transformá-la e recriá-la.
É precisamente a transformação e a recriação
que permitem uma real apropriação.
Acreditamos que um dos aspectos fundamentais para que
a escola consiga desenvolver a autonomia e a capacidade de criação
dos seus alunos constitui-se na vontade pedagógica de conhecer
os sentidos construídos pelos seus alunos sobre a escola.
O conhecimento dos sonhos, dos desejos, das fantasias dos (as) alunos
(as) sobre a escola permitirá conhecer o sentido que a instituição
escolar possui para essas crianças, oportunizando conhecer o sentido
das suas falas, dos seus desenhos, dos seus olhares, dos seus gestos,
das suas pinturas, das manifestações escritas nos corredores
e nas classes da sala de aula, por acreditar que os sentidos “...
são construídos em confrontos de relações
que são sócio-historicamente fundadas e permeadas pelas
relações de poder com seus jogos imaginários”.
(ORLANDI 1988, p.103)
Destacamos também a necessidade de existir conforme aponta Bourdieu
(1999, p.69),
(...) instituições que permitam concentrar nas mãos
de um agente singular a totalidade do capital social que funda a existência
do grupo (família, nação, mas também associação
ou partido) e delegá-lo para exercer, graças a esse capital
coletivamente possuído, um poder sem relação com
a sua contribuição pessoal, cada agente deve participar
do capital coletivo, simbolizado pelo nome da família ou da linhagem,
mas na proporção direta de sua contribuição,
isto é, na medida em que suas ações, suas palavras
e sua pessoa honrarem o grupo (...).
Esta estratégia constitui-se numa forma de oportunizar
um maior acesso das várias camadas sociais ao capital social, fazendo
com que o privilégio de conhecê-lo e manipulá-lo não
sejam percebidos como privilégios de um segmento da sociedade,
mas que ocorra uma democratização de fato no acesso deste
capital.
No momento em que mais sujeitos conseguirem fortalecer a sua autonomia
e a sua criticidade, será possível penetrar neste grupo
seleto que se configura na tão comentada “sociedade do conhecimento”.
Tarefa árdua para aqueles que no processo de “disciplinarização
dos corpos” (Foucault, 1987) já atingiram a dimensão
mais velada do ser humano, tornando-os incapazes de possuir, na maioria
das vezes, a sensibilidade de partilhar o poder simbólico do capital
cultural.
Partindo das considerações acima, nota-se que Certeau (1994)
contribui nesta análise sobre o entendimento do cotidiano, afirmando
a possibilidade através das “artes de fazer”, “astúcias
sutis”, “táticas de resistências” pelas
quais elas alteram os objetos e os códigos reapropriando-se do
espaço e podendo modificar e criar o cotidiano.
Certeau (1994) assinala a possibilidade de instauração de
resistências dos sujeitos através das “maneiras de
fazer”, que se constituem em práticas pelas quais os mesmos
reapropriam-se do espaço organizado pelas técnicas da produção
sócio-cultural. Eles que poderiam ser percebidos como dóceis,
submissos e redesenhados pelo poder instituído, são percebidos,
na verdade, como sujeitos capazes de resistências.
As maneiras de fazer constituem-se segundo Certeau (1994) em “mil
práticas” pelas quais os sujeitos podem estabelecer uma rede
de antidisciplina, de ressignificação do ethos e do capital
cultural, formada pelos modos de proceder e desenhando “... as astúcias
de interesses outros e de desejos que não são nem determinados
nem captados pelos sistemas onde se desenvolvem” (CERTEAU, 1994:45).
Por mais que a razão técnica procure organizar da melhor
forma as pessoas e os discursos produzidos pelas mesmas, atribuindo-lhes
um espaço social e uma função determinada, elas conseguem
driblar esta situação através das suas táticas
de resistências, construindo uma maneira criativa e própria
de viver o cotidiano.
Mesmo tendo conhecimento do número significativo de crianças
que se encontram alheias e distantes do acesso do capital cultural instituído,
que permite a participação na sociedade instituída,
podendo ser configuradas como uma “marginalidade de massa”,
segundo Certeau (1994, p.44), nós acreditamos que existe, ainda,
a possibilidade delas construírem e inventarem formas sutis de
aquisição deste capital cultural, resistindo aos processos
de desumanização, impostos através do fortalecimento
da autonomia e da capacidade de criação humana de instituir
continuamente novos sentidos, discursos, práticas e instituições.
O professor alfabetizador, neste contexto, tem seu compromisso redobrado.
De acordo com Soares (2005, p. 14) “... o alfabetizador dá
acesso ao maravilhoso mundo da escrita, dá acesso aos livros, à
leitura, conduz a criança à conquista do instrumento que
lhe abre as portas para todo o conhecimento, toda a cultura que vem sendo
preservada pela escrita, ao longo dos séculos”.
Nesse sentido, o processo educativo alfabetizador e o letramento devem
ter como fundamento principal instigar o educando para seu processo formador,
como cidadão de um país que possui uma cultura elitista
na qual, muitas vezes, a escola acaba fazendo com que sejam perpetuadas
as exigências dos poderes instituídos.
Reafirmamos assim, em relação à alfabetização,
que a criança leva consigo, para a escola, ricos saberes, sendo
necessário que o professor esteja inteiramente interessado em conhecer
esses saberes. A importância em alfabetizar está nas afirmações
de Ferreiro (2001, p.54), para o qual,
(...) há que se alfabetizar para ler o que os outros
produzem ou produziram, mas também para que a capacidade de “dizer
por escrito” esteja democraticamente distribuída. Alguém
que pode colocar no papel suas próprias palavras é alguém
que não tem medo de falar em voz alta. Necessitamos que muitos
tenham a capacidade de dizer-nos por escrito quem são, para manter
a diversidade cultural que é parte da riqueza de nosso mundo. Falamos
muito da diversidade biogenética das plantas e animais, que constitui
um de nossos mais prezados recursos para o porvir. Não esqueçamos
a diversidade cultural. A alfabetização pode e deve contribuir
para a compreensão, difusão e enriquecimento de nossa própria
diversidade, histórica e atual.
É
importante que o professor faça uma avaliação do
processo de aprendizado do seu aluno, pois reafirmamos que o objetivo
da alfabetização/alfabetizador não é vencer
conteúdos, mas oportunizar múltiplas aprendizagens para
as crianças. Assim, o letramento também deve buscar a reflexão
e o desenvolvimento da criticidade. Desta forma, embasamos este estudo
em Soares (1998), Paiva (2004), Kleiman (1995) e Kramer (2001) entre outros,
os quais estão contribuindo para as ações e reflexões
propostas nessa investigação.
No decorrer dessa investigação notamos o interesse crescente
das colaboradoras da pesquisa. Sinais reveladores no sentido de que alfabetizar
e letrar não interessa somente a um segmento da Universidade, mas
envolve a todos dentro do contexto escolar.
2. Apresentando
os caminhos metodológicos percorridos
A metodologia
que se pretende utilizar para o desenvolvimento desta pesquisa caracteriza-se
por uma abordagem qualitativa pautada nas reflexões propostas por
Bogdan; Biklen (1994). Acreditamos que a metodologia constitui-se em um
processo de reflexão que apresenta os elementos necessários
para auxiliar o pesquisador na compreensão da realidade a ser investigada.
Neste sentido, esta investigação é um estudo que
busca conhecer o significado da Pedagogia de Projetos no processo de construção
da lecto-escrita de crianças que freqüentam a primeira série
do ensino fundamental.
A interação do pesquisador com os sujeitos da pesquisa,
constitui-se num elemento significativo nas pesquisas qualitativas; conforme
estudos desenvolvidos por Bogdan; Biklen (1994); Antunes (2000, 2000a
, 2001); Deslandes (1994). Ela permite uma aproximação com
os sujeitos da investigação, possibilitando um conhecimento
mais profundo do contexto sócio-cultural na qual eles estão
inseridos.
Esta pesquisa será desenvolvida alternando o trabalho com as crianças
e professoras na escola. A justificativa desta escolha está fundada
no fato desta investigação caracterizar-se por uma abordagem
qualitativa, segundo Bogdan; Biklen (1994), buscando-se, assim, a compreensão
dos processos investigativos e as significações construídas
pelos sujeitos da pesquisa com profundidade e intensidade sobre a relação
da pedagogia de projetos com o processo de construção da
lecto-escrita.
Foram incluídas as respectivas professoras regentes, a fim de buscar
compreender como os processos de formação ao longo de uma
trajetória docente influenciaram na sua forma de ser e sentir-se
professora, bem como a influência da sua memória docente
na adoção ou não de uma prática docente embasada
na Pedagogia de Projetos, segundo a definição de Bosi (1999),
Antunes (2001), Bueno; Catani ; Oliveira (2000).
Os instrumentos de coleta das informações serão os
seguintes: registros em diário de campo, entrevistas semi-estruturadas,
desenhos e relatos autobiográficos. Neste contexto metodológico
destacam-se os relatos autobiográficos, por eles constituírem-se,
segundo Nóvoa (1992), numa forma de respeitar e ouvir a voz dos
sujeitos da investigação, que na maior parte das vezes,
encontra-se silenciada e ignorada.
3. Alfabetização
e Letramento: Contribuições a partir da Pedagogia de Projetos
A escola
Marista Santa Marta (RS), situa-se na comunidade da Nova Santa Marta,
originada de uma antiga fazenda que um grupo de famílias, pertencentes
ao Movimento Nacional de luta pela Moradia, ocupou em dezembro de 1991.
Atualmente, o local é de propriedade do estado do Rio Grande do
Sul. A ocupação desordenada desta região gerou uma
série de problemas, como a instalação de residências
em área de risco, produção de lixo sem devido recolhimento,
ausência de um sistema de esgotos, proliferação de
insetos e parasitas, acessos precários (ruas) e falta de arborização.
Neste contexto, a escola decidiu adotar uma metodologia que possibilitasse
trabalhar a realidade do aluno, propiciada através das melhorias
concretas oferecidas para a comunidade.
A organização curricular, a partir de projetos de trabalho
na escola, segue os preceitos teóricos citados por Hernández
(1998, 1999, 2000) e Ventura (1998),
(...)a proposta
que inspira os projetos de trabalho está vinculada à perspectiva
do conhecimento globalizado e relacional. Essa modalidade de articulação
dos conhecimentos escolares é uma forma de organizar a atividade
de ensino e aprendizagem, que implica considerar que tais conhecimentos
não se ordenam para sua compreensão de uma forma rígida,
nem em função de algumas referências disciplinares
preestabelecidas ou de uma homogeneização dos alunos. A
função do projeto é favorecer a criação
de estratégias de organização dos conhecimentos escolares
em relação a:1) o tratamento da informação,
e 2) a relação entre os diferentes conteúdos em torno
de problemas ou hipóteses que facilitem aos alunos a construção
de seus conhecimentos, a transformação da informação
procedente dos diferentes saberes disciplinares em conhecimento próprio.
Neste sentido,
e considerando a realidade social em que os alunos estão inseridos,
o trabalho através dos projetos apresenta-se com uma forma de valorizar
e trabalhar de maneira diferenciada as dificuldades de aprendizagem encontradas
na escola.
Esta proposta foi implantada na escola a partir do segundo ano de desenvolvimento
de suas atividades educativas; diante disto, desde o ano de 1993, esta
instituição tem uma caminhada importante com Pedagogia de
Projetos.
Os temas dos projetos são escolhidos pelos alunos a cada novo semestre
por série e turno. O processo de escolha do tema demora em torno
de uma semana. Inicialmente, os alunos, em sala de aula, fazem pesquisas
bibliográficas tentando identificar temas condizentes com a sua
realidade social; estas escolhas estão vinculadas ao fato de que
estes temas possam, de algum modo, ser revertidos em benefício
da comunidade, através das ações concretas que serão
estabelecidas, partindo do futuro tema. O objetivo principal deste passo
é, segundo Hernández ;Ventura (1998, p.67),
(...) o professorado
e os alunos devem perguntar-se sobre a necessidade, relevância,
interesse ou oportunidade de trabalhar um ou outro determinado tema. Todos
analisam, de diferentes perspectivas, o processo de aprendizagem que será
necessário levar adiante para construir conjuntamente o projeto.
Posteriormente,
os alunos elencam temas para que o professor registre no quadro. Nesta
ocasião vários temas aparecem. De posse dos temas que surgem
o professor organiza a votação. No caso dos alunos em fase
de alfabetização, os mesmos levam para casa uma pesquisa
a ser realizada com seus pais sobre temas importantes que poderiam ser
discutidos durante o semestre. Na sala de aula a professora lê para
todos os alunos as sugestões dos pais e as opiniões particulares
dos alunos, organizando no quadro os temas para realizar a votação.
Depois da escolha do tema por turma, os alunos começam a organizar
a defesa do seu tema para as outras turmas de mesma série. Constroem
cartazes e tentam convencer os colegas das outras turmas sobre a importância
de seu tema.
No dia que antecede a votação ocorre, então, a defesa
do tema de cada turma para as demais do mesmo turno e série. Esta
é uma ocasião muito especial para os alunos, pois é
uma hora de galgar votos destacando os pontos mais importantes de seu
tema. Para Hernández ; Ventura (1998, p.68),
(...) o critério
da escolha de um tema pela turma não se baseia num “por que
gostamos”, e sim em sua relação com os trabalhos e
temas precedentes, porque permite estabelecer novas formas de conexão
com a informação e a elaboração de hipóteses
de trabalho, que guiem a organização da ação.
A votação acontece com cédulas contendo o tema representante
de cada turma, na qual os alunos escolhem marcando com um “x”.
Finalizado o processo de escolha do tema, na sala de aula os alunos são
indagados: o que sabem? E o que querem saber sobre o tema escolhido?
Hernández ; Ventura (1998, p.119) destacam a peculiaridade dessa
fase do andamento do projeto , considerando que “... cada projeto
tem uma organização própria, determinada por um conjunto
de fatores entre os quais devemos destacar: os objetivos definidos pela
professora, os conteúdos específicos do tema e as características
do grupo que vai realizar o trabalho”.
A especificidade das características dos temas é tratada
pela escola de maneira cuidadosa dentro de cada projeto e está
diretamente ligada à forma como os professores direcionam as atividades
conjuntamente com os conteúdos.
Feito o levantamento dos assuntos considerados importantes pelos alunos,
os professores se reúnem por série para organizar os conteúdos
e as ações concretas condizentes e atuais com o tema e os
assuntos a serem desenvolvidos durante o semestre. Seguem, então,
os preceitos de Hernández ; Ventura (1998, p.69), quando colocam
como sugestão que é preciso,
(...) estudar
e analisar as informações em torno do tema ou problema do
qual se ocupa o Projeto, com o critério de que aquelas apresentem
novidades, proponham perguntas, sugiram paradoxos, de forma que permita
ao aluno ir criando novos conhecimentos. Esta seleção de
informação deve ser contrastada com outras fontes que os
estudantes já possuam ou possam apresentar, e também com
as conexões que possam surgir de outras situações
e espaços educativos, os quais tenham lugar dentro do horário
e do planejamento da escola.
Estes conteúdos
compõem uma “teia de assuntos” que tem característica
flexível de realização, ou seja, tanto a ela podem
ser acrescentados aspectos, quanto os mesmos podem ser extintos se assim
forem necessários.
Um dos aspectos importantes a serem destacados na organização
do currículo escolar por projetos é a possibilidade de um
trabalho globalizado dos assuntos destacados em aula; este aspecto contribui
significativamente para o processo de alfabetização, considerando
que os assuntos, textos, palavras utilizados para introduzir as letras
são derivados da realidade concreta com que esses alunos se encontram.
No início do ano letivo na escola, os professores perpassam um
período de sondagem com os alunos com atividades diversas, sem
um tema principal a ser seguido. A professora L.F comenta a sensação
de estar perdida, sem um tema de projeto definido: “... a gente
se sente perdida sem um tema para seguir, planejar e organizar as aulas
de maneira globalizada, é bom saber que logo poderemos seguir o
semestre com um tema importante e que nos ajude a dar um norte para o
planejamento das nossas aulas”.
Trabalhar de maneira globalizada é um desafio para o professor,
principalmente para o professor alfabetizador, cujos resultados de seu
trabalho são mais visíveis. Exige-se dele que dedique mais
tempo ao planejamento diário das atividades a serem desenvolvidas,
porém, na medida em que este tipo de metodologia se torna um hábito
ela contribui para aprendizagem dos alunos e ainda faz com que o professor
se mantenha instigado em contemplar, na sua prática, atividades
conectadas umas as outras; esse processo torna os conteúdos mais
significativos para os alunos. Hernández ; Ventura (1998, p.63),
(...) definitivamente,
a organização dos Projetos de trabalho se baseia fundamentalmente
numa concepção da globalização entendida como
um processo muito mais interno do que externo, no qual as relações
entre conteúdos e áreas de conhecimento têm lugar
em função das necessidades que traz consigo o fato de resolver
uma série de problemas de aprendizagem. (...) Globalização
e significatividade são, pois, dois aspectos essenciais que se
plasmam.
É
importante destacar o aspecto de que as diferentes fases e atividades
que são desenvolvidas num Projeto ajudam os alunos a serem conscientes
de seu próprio processo de aprendizagem e exige do professor estar
disposto a responder aos desafios que estabelece a estruturação
de um currículo mais aberto e flexível, principalmente no
que tange a alfabetização, considerando que nesta fase as
crianças são mais dependentes do educador; desta forma,
o progresso do aluno está também na capacidade do professor
em tornar os conteúdos cada vez mais significativos e interessantes.
Para que isso aconteça de maneira harmoniosa o professor deve pensar
e repensar sua prática para que o ambiente escolar possa ser um
espaço de aprendizagens significativas para o aluno e para o professor.
Contudo, há que se pensar na importância da pessoa do alfabetizador
dentro da escola. Segundo Ferreiro (2001, p. 52),
(...) é
possível pensar em alternativas que transformem o professor alfabetizador
no mais importante de toda a escola, que é possível a mudar
sua prática, apelando para a sua inteligência. É um
ato de fé, porque, se não acreditasse, deveria aceitar como
“normal” uma situação inaceitável: que
as crianças mais pobres da região continuem rechaçadas
pelas práticas discriminatórias da alfabetização
tradicional, enquanto seus pais lutam para romper, através de seus
filhos, uma das tantas barreiras da marginalização.
Neste sentido, a atividade docente deve estar ancorada no comprometimento
cuidadoso com a formação do seu aluno e com a sua própria
formação, para que possa possibilitar o discernimento necessário
sobre as potencialidades dos seus alunos, compartilhando dificuldades,
quebrando barreiras que ainda imperam na relação professor-aluno,
primando por relações de troca mútua, conhecimentos
compartilhados e saberes sempre em processo de construção
e reconstrução.
Nóvoa (2001, p.14) afirma que “... o desenvolvimento pessoal
e profissional depende muito do contexto que exercemos nossa atividade.
Todo professor deve ver a escola não somente como um lugar onde
ele ensina, mas onde aprende. A atualização e a produção
de novas práticas de ensino surgem de uma reflexão partilhada”.
Para Hernández (1998, p.79) pode-se chegar a esse caminho por várias
vias:
(...)uma
das mais relevantes seria a consciência do indivíduo sobre
seu próprio processo como aprendiz. Consciência que não
se estabelece no abstrato e seguindo princípios de generalização,
mas sim em relação com a biografia e a história pessoal
de cada um e de cada uma. Nesse processo, as relações que
se vão estabelecendo com a informação se realizam
à medida que esta ‘vai sendo apropriada’ (transferindo,
pondo em relação,...) em outras situações,
problemas e informações, a partir de, entre outros possíveis
caminhos e opções, reflexão sobre a própria
experiência de aprender.
A formação
do educador pautada em assumir o comprometimento com o ato político
de ensinar subentende a constante ressignificação de suas
bases teóricas. Através do movimento contínuo, que
reflete a pesquisa e a reflexão diária, o professor abrange
todas as questões trabalhadas em aula, tecendo sua fala e sua prática
de forma diversificada e não apenas em uma visão doutrinadora
e alienada. Reali ; Mizukami (1996, p.61) comenta positivamente essas
atitudes reflexivas do professor, na qual,
(...) a reflexão
oferece a eles a oportunidade de se tornarem conscientes de suas crenças
e suposições subjacentes a essa prática. Possibilita,
igualmente, o exame de validade de suas práticas na obtenção
de metas estabelecidas. Pela reflexão eles aprendem a articular
suas próprias compreensões e a reconhecê-las em seu
desenvolvimento pessoal.
Esses aspectos
são importantes a fim de contemplar a ação educacional
de interação e construção mútua com
o aluno, tomando decisões, pensando e agindo de maneira autônoma,
autêntica, articulando e dando sentido aos seus saberes de modo
significativo.
Segundo Tardif (2000, p.208) “... o saber é constructo social
produzido pela racionalidade concreta dos atores, por suas deliberações,
racionalizações e motivações, as quais são
fontes de seus julgamentos, escolhas e decisões”. Para Hernández
; Ventura (1998, p.59),
(...) definitivamente,
essa proposta pretende desenvolver no estudante um senso, uma atitude,
uma forma de relacionar-se com a informação a partir da
aquisição de estratégias procedimentais, que faça
com que sua aprendizagem vá adquirindo um valor um valor relacional
e compreensível. Tal intenção parece a mais adequada
se o que se pretende é aproximar-se à complexidade do conhecimento
e da realidade e adaptar-se com um certo grau de flexibilidade às
mudanças sociais e culturais.
Neste contexto, a formação profissional incita uma interação
constante entre a teoria e a prática, em um ensino reflexivo, calcado
no processo entendido por Schön (2000) como reflexão-na-ação,
no qual o aprender através do fazer é possível através
de um ensino, cuja capacidade de refletir seja estimulada pela interação
professor-aluno nas mais diferentes situações práticas.
Uma das contribuições que um profissional reflexivo consegue
acrescer a sua carreira, a partir de sua formação inicial,
é a capacidade de mobilizar seus conhecimentos e saberes de forma
a enriquecê-los através da experiência, da articulação
dos saberes construídos durante seus estudos e dos saberes cotidianos
adquiridos na prática.
Propor práticas reflexivas, segundo Perrenoud (2002), no saber
fazer do professor é o diferencial para novas práticas enquanto
sala de aula. O professor que reflete sobre suas práticas tem a
oportunidade de fazer pesquisa em seu próprio ambiente escolar.
Os processos de desenvolvimento intelectual ocorrem na sala de aula; não
é fora dela que os alunos expressam suas potencialidades enquanto
construção de conhecimentos. Estes aspectos fazem com que
o professor se torne mais autônomo, crítico, reflexivo de
si mesmo no contexto pessoal e profissional, tornando suas práticas
mais condizentes com a sua realidade, melhorando significativamente a
qualidade de ensino. Para Hernández ; Ventura (1998, p.50),
(...) o sentido
que aqui se defende não se fundamenta tanto na competência
pessoal como na possibilidade de aprender, desde o princípio de
escolarização, a relacionar-se com a informação,
refletindo sobre ela de uma forma crítica. Isso pode permitir,
com a ajuda do professorado, que se vá introduzindo e buscando
possíveis hipóteses ou explicações diante
dos problemas que a informação pode apresentar sobre um
tema. Não se trata de favorecer o enciclopedismo ou a acumulação
receptiva de informação, e sim de estimular, através
da utilização de diferentes procedimentos e estratégias,
a seleção da informação para favorecer a autonomia
do aluno.
O processo
de reflexão vai tomando forma a partir das competências que
cada professor constrói, no processo de formação
inicial, fazendo-o voltar-se à teoria sempre que necessário,
para alicerçar suas práticas de forma mais clara, objetiva,
sistematizada e consistente. De acordo com Perrenoud (2002, p.13), este
processo visa “... chegar a uma verdadeira prática reflexiva;
essa postura deve se tornar quase permanente, inserir-se em uma relação
analítica com a ação, a qual se torna relativamente
independente dos obstáculos encontrados ou das decepções”.
O processo de reflexão deve compreender, então, uma preocupação
e interesse próprio de todos os profissionais da educação.
Desse modo, deve ser instigado desde a formação inicial
e permanecer durante o processo de formação continuada,
alicerçando-se a cada dia com uma nova e reformulada prática,
provocando um verdadeiro trabalho de análise, com muita responsabilidade,
que, segundo Perrenoud (2002, p. 17), deve estar comprometido “...
com a formação de pessoas capazes de evoluir, de aprender
de acordo com a experiência, refletindo sobre o que gostariam de
fazer, sobre o que realmente fizeram e sobre os resultados de tudo isso”.
Este processo de reflexão é um aspecto importante percebido
na escola. A todo o momento as professoras procuram avaliar o que se propuseram
em fazer e o que está realmente acontecendo, enfatizando as ações
concretas do Projeto e o modo como elas estão sendo conduzidas
dentro de uma proposta globalizada, flexível e condizente com os
conteúdos. Para Hernández ; Ventura (1998, p.58),
(...) uma perspectiva de globalização que pretenda alcançar
esse objetivo requer que o tema ou problema abordado em sala de aula seja
fator no qual confluam os conhecimentos que respondam às necessidades
de relação que o aluno pode estabelecer e o docente vá
interpretar. Reclama, por isso, no professor, uma perspectiva de flexibilidade
frente à descoberta dos conhecimentos que vão conformando
as respostas ou dúvidas dos estudantes diante do tema proposto.
Dentro de
um trabalho organizado por projetos a avaliação da aprendizagem
também toma outra forma, desmistificando conceitos quantitativos
e avançando para uma concepção que valorize a evolução
do aluno no desenvolvimento do Projeto. A preocupação principal
é evidenciada na fala da professora O. S.: “... a vantagem
deste tipo de metodologia é que permite para nós professores
identificar o crescimento do aluno individualmente dentro do contexto
que o envolve fora da sala de aula. Conhecendo sua realidade através
do espaço que ele tem para falar torna mais fácil entender
e ajudar o aluno, mas o professor deve estar bem atento nestas pistas
que o aluno dá”. Para Hernández ; Ventura (1998, p.
88) “... a avaliação com um sentido significativo
não é só a avaliação dos alunos. É,
sobretudo, a contrastação das intenções da
professora com sua prática. O resultado é sempre início
do planejamento da intervenção posterior”.
Neste sentido, a avaliação adquire um sentido de formação
para os alunos e os professores, resolvendo dúvidas e problemas
num espaço mútuo de trocas em sala de aula. Através
da avaliação o professor pode propor a construção
de um novo sentido à sua prática valorizando e respeitando
o processo de aprendizagem do aluno.
Uma das fases de conclusão do projeto no semestre evidenciado na
escola é a elaboração de um dossiê. Esse dossiê
compõe um relatório organizado pelo professor com as atividades
significativas durante o desenvolvimento. A professora L. F comenta a
sobre o relatório final: “... é uma fase muito importante
para mim, a gente pode observar o quanto foi possível realizar
em benefício dos alunos a de sua comunidade, principalmente dos
nossos que estão se alfabetizando e compreendendo a sociedade que
está a sua volta”.
Diferentemente de outras metodologias, o dossiê que é organizado
configura-se em um registro histórico muito importante que possibilita
a avaliação do processo pelo qual passa cada tema de projeto,
o quanto contribuiu e o que poderá ser diferente para ficar ainda
melhor.
Além da visão do professor no relatório os alunos
também expõem o que aprenderam com o tema. Hernández
; Ventura (1998, p.80) explicam que,
(...) a recapitulação
final tem razão de ser não só como agrupamento do
estudado, mas sim como percurso ordenado (segundo o índice e as
atividades realizadas por cada estudante) em função dos
diferentes aspectos da informação trabalhados e dos procedimentos
que se tenham utilizado para isso. Por essa razão, a ordenação
e apresentação final de todos os materiais reunidos ao longo
de um Projeto vai além da intenção de uni-los e cobri-los
com uma fachada para ostentar ante as famílias (...) na realização
dessa recapitulação, merece um papel relevante o desenho
do conjunto e da imagem que o Projeto transmite enquanto síntese
e reflexo de seu conteúdo.
Nesse sentido,
o dossiê apresenta-se como uma forma de superação
das barreiras encontradas nas escolas, na qual aquilo que foi produzido
durante meses, semestres, anos possa ser registrado, divulgado e, principalmente,
valorizado pela comunidade educativa.
Partindo do que consideramos até então, ressalta-se a importância
da busca coletiva para a reflexão a cerca de mudanças das
práticas dentro das instituições de ensino, que representam
fator determinante para a evolução e a atualização
do rendimento e da autonomia no processo educativo.
Neste contexto, a habilidade que temos de aprender é precisa e
necessária para que possamos reconstruir “um mau aprendizado”
Freire (1996, p.77), para que esta transforme a prática educativa
em algo crescente, progressista, articulando saberes indispensáveis
para a formação de educandos e educadores capazes de modificar
e modificar-se.
Assim, o ensino adquire uma consciência crítica e ativa da
real necessidade do formar e formar-se, de modo que a diferença
aconteça através da reconstrução de antigas
práticas, as quais possibilitem transformar, nortear e ampliar
a qualidade do aprender e do ensinar em uma fase tão importante
e significativa que caracteriza a alfabetização.
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