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VISÕES
DE ALUNOS FORTES E FRACOS SOBRE PEER RESPONSE EM CURSO DE LÍNGUA
INGLESA
Isabela Lima Santos de Vasconcelos - Universidade do Estado da Bahia (UNEB) - Associação Cultural Brasil-Estados Unidos (ACBEU) 1. Introdução A implementação de peer response (PR), prática pedagógica em que os alunos lêem e criticam as redações de colegas em sala de aula, começou a se tornar mais comum entre professores de inglês como língua estrangeira na década de 80 em virtude da ênfase no ensino da escrita como processo (the process approach), da natureza social da escrita e do impacto da teoria do aprendizado colaborativo, que valoriza a cooperação entre alunos (NELSON; MURPHY, 1993, p. 135; CONNOR; ASENAVAGE, 1994, p. 257; JACOBS et al, 1998, p. 308). Embora alguns pesquisadores afirmem que PR é benéfica à escrita, aumentando a motivação, autonomia e confiança dos alunos, pouco se sabe acerca do que alunos fortes e fracos pensam sobre esta prática pedagógica, também conhecida como peer feedback. Assim, este artigo pretende relatar e discutir os resultados de uma pesquisa exploratória, realizada na Associação Cultural Brasil-Estados Unidos (ACBEU) em Salvador, sobre as visões de alunos fortes e fracos concernentes ao papel da PR em curso de língua inglesa. Para tanto, faremos, inicialmente, a fundamentação teórica desta prática, discorrendo sobre o ensino da escrita como processo, sobre a função do feedback e sobre seus dois focos, e por fim, discutiremos a importância do treinamento dos alunos para o sucesso da implementação de PR. 2. O ensino da escrita como processo Nos anos 80, a escrita deixava de ser vista como produto
final a ser julgado, e passou a ser avaliada como processo (the process
approach), isto é, os professores passaram a se interessar em como
a escrita era desenvolvida pelos alunos e avaliá-la como trabalho
em progresso. O modelo cíclico de escrita proposto por White e
Arndt (1991) é o que melhor representa o que sabemos sobre a escrita
(FURNEAUX, 1999, p. K6). Este modelo é composto por vários
estágios que não têm obrigatoriamente uma ordem linear
e podem ser revisitados quando necessário. Como se pode observar
na figura 1, os alunos geram idéias, enfocam uma idéia central,
estruturam e organizam as informações, fazem um primeiro
rascunho com um leitor específico em mente, avaliam o que está
errado neste rascunho, revisam o texto mais uma vez com “novos olhos”,
e, quando necessário, repetem o processo ou alguns estágios. Figura 1
- Esquematização para o modelo de escrita de White e Arndt
(1991) [...] ajudar os alunos a desenvolver as habilidades com as quais possam encontrar suas próprias soluções aos problemas por eles criados, com as quais eles darão forma a matéria-prima de modo a torná-la uma mensagem coerente, e com as quais eles trabalharão até atingirem uma forma aceitável e apropriada de expressá-la. Susser (1994, p. 35) afirma que o process approach apóia-se em dois pilares: consciência e intervenção. Os alunos devem tornar-se conscientes de que a escrita é normalmente um processo de descoberta em que as idéias são geradas, e não simplesmente transcritas, processo que envolve considerar o leitor-alvo, escolher o vocabulário apropriado e julgar o formato do tipo de texto a ser escrito. De acordo com Sommers (1980 apud ZAMEL, 1985, p. 96) os professores devem tentar fazer os alunos entender que terminar um primeiro rascunho não significa que o texto esteja completo ou coerente e que, portanto, a reescrita é parte fundamental do processo. Com relação à intervenção, (SUSSER, 1994, p. 36) esta pode ocorrer em todos os estágios do processo da escrita, e não é prerrogativa apenas do professor, pois os alunos também podem assumir um papel ativo, gerando idéias juntos e dando feedback (fazendo comentários) sobre os textos dos colegas. A meta, segundo Susser (1994, p. 36), é que enquanto os alunos escrevem e reescrevem o texto, eles internalizem a intervenção. Passemos, então, ao papel do feedback no process approach. 3. A função do feedback no process approach Keh (1990, p. 294) define feedback como input de um leitor, que pretende auxiliar o escritor a revisar e melhorar o seu texto. Ela argumenta que feedback permite ao escritor descobrir quais partes de seu texto confundem o leitor, o que parece estar apoiado em Flower (1979 apud KEH, 1990, p. 294) que afirma que os comentários, perguntas e sugestões feitas pelo leitor vão facilitar a transição do “texto-direcionado-ao-escritor” ao “texto-direcionado-ao-leitor”. Em vista disso, o feedback tem um papel central no process approach, uma vez que é ele que “impulsiona o escritor através do processo da escrita até o produto-final” (KEH, 1990, p. 294). Vale ainda ressaltar que além da função imediata de melhorar a qualidade de um texto, o objetivo fundamental do feedback é, a longo prazo, ajudar o estudante a avaliar criticamente sua própria escrita (BEACH, 1989 apud LOCKHART; NG, 1994, p. 17). O pensamento de Beach ilustra uma importante função do feedback: ajudar os estudantes a se tornarem melhores revisores de seus próprios textos a longo prazo. Com efeito, uma das vantagens presumidas de peer response/feedback é que os alunos tornam-se mais críticos não só quanto à leitura de textos de colegas, mas também quanto à escrita e revisão de seus próprios textos (LOCKHART; NG, 1994, p. 18; PAULUS, 1999, p. 267). 4. Os dois focos de feedback Proponentes do process approach afirmam que ao comentar a primeira versão de um trabalho em progresso, deve-se assumir o papel de um leitor interessado e genuíno, e não o de um avaliador, para assegurar que o conteúdo do texto esteja “eficiente com relação ao seu propósito, leitor-alvo e coerência lógica” (KANDEL, 2001, p. 18). O primeiro foco de feedback é, portanto, no conteúdo, o que envolve examinar desenvolvimento de idéias, organização e propósito principal do texto (KEH, 1994, p. 296). Crewes e McLeod (1986 apud DHERAM, 1995, p. 161; ZAMEL, 1983, p. 183) enfatizam que o primeiro feedback deve enfocar apenas o conteúdo pois a função comunicativa do texto é mais importante do que questões concernentes à língua. Ao comentar a segunda versão, entretanto, deve-se agir como um técnico que observa se a forma do texto é satisfatória (KANDEL, 2001, p. 18). Portanto, o segundo foco é na forma, o que implica examinar erros mecânicos como os de gramática, ortografia, pontuação e vocabulário (KEH, 1994, p. 296). 5. O papel do treinamento para o sucesso da peer response Segundo alguns pesquisadores, como os alunos podem não confiar na habilidade de seus colegas de criticar suas redações, normalmente não incorporam as sugestões quando reescrevem a redação, não alterando, portanto, a qualidade de seus textos, e, enquanto alunos mais fortes talvez julguem inúteis os comentários de alunos mais fracos, estes podem se sentir incapazes de tecer comentários sobre as redações de colegas. No entanto, Gere (1987 apud STANLEY, 1992, p. 219) afirma que algumas das reservas sobre a eficiência de PR são resultado da preparação inadequada dos alunos para esta prática. Ele argumenta que alunos treinados tornam-se mais engajados em fornecer feedback, dão instruções mais claras, e demonstram “uma comunicação mais produtiva sobre a escrita” (STANLEY, 1992, p. 217). Recomenda-se, então, o uso de guidelines/checklists na implementação de PR em sala de aula, a fim de orientar os alunos sobre o que examinar no texto e como fazê-lo. Sabe-se que a tendência dos alunos ao ler o texto de um colega é observar a gramática, desconsiderando os aspectos primordiais que são conteúdo e organização. Os guidelines/checklists podem ser genéricos, isto é, aplicáveis a qualquer texto, ou específicos, adequados a um determinado tipo de texto. O quadro 1 mostra um exemplo de checklist adequado a um texto argumentativo, que foi usado na pesquisa a ser descrita na próxima seção. PEER FEEDBACK – CHECKLIST Author: …………………….. Reader: ……………………… If you answer
“No” to any of the questions, please write suggestions to
help the writer improve his/her text (e.g. In paragraph 2, there’s
only one advantage; Perhaps you could give a clearer justification, for
example, you could say that ……..; In paragraph 3, it’s
not clear to me why….. is a disadvantage; As a reader, I’d
like to know more about …). Quadro 1 - Exemplo de checklist Como enfatiza
Raimes, o treinamento é vital (1983 apud JACOBS et al 1998, p.
310) para o sucesso de PR: “[...] Não é produtivo
simplesmente esperar que os estudantes troquem suas redações
e as avaliem [...]. Com orientações, instruções
claras e específicas sobre o que examinar e o que fazer, eles podem
ser leitores úteis de redações/rascunhos.” 6. Metodologia O experimento
“antes-depois” que é foco desta comunicação
foi conduzido na ACBEU em Salvador, Bahia, ao longo de um semestre, com
alunos, na maioria, de ensino médio. A questão investigada,
foco deste artigo, foi: “A experiência de PR afeta as visões
de alunos mais e/ou menos proficientes sobre esta prática pedagógica?”
Foram investigados 18 alunos, sendo 9 mais proficientes e 9 menos proficientes
(simplificadamente “fortes” e “fracos”), em 2
classes de nível intermediário e em 1 de nível intermediário-superior.
Legenda: V = versão PRS = sessão de peer response TF = teacher feedback Figura 2 - Cronologia da pesquisa Durante o
semestre, os alunos escreveram duas redações e participaram
de duas sessões de peer response (PRS1 e PRS2). No início
de cada sessão, a professora/pesquisadora discutiu o objetivo de
PR com os alunos, e escreveu no quadro algumas regras básicas,
juntamente com o tipo de linguagem adequada para se fazer críticas
construtivas e respeitosas: (i) seja específico, isto é,
diga exatamente onde está o problema (e.g. “No parágrafo
2, você diz que ...”/ “Como leitor, não entendo
o que você quer dizer no parágrafo 3 ...”), (ii) faça
sugestões sobre como melhorar o texto (e.g. “Talvez você
pudesse dizer que ...”), (iii) aponte o que você mais gostou
no texto, (iv) seja polido e respeitoso. A professora/pesquisadora ainda
discutiu o propósito do escritor do texto a ser lido, e explicou
que ao lermos um texto podemos desempenhar três funções:
a de um leitor interessado e genuíno que examina o conteúdo/organização,
a de um técnico que observa a forma e a de um avaliador, que dá
uma nota. A seguir, os alunos foram instruídos a - sem interferir
com a opinião expressa pelo autor do texto - assumir o papel de
um leitor interessado, auxiliando os colegas a deixar suas idéias
mais claras. Subseqüentemente, os alunos receberam uma checklist
enfocando apenas conteúdo e organização, que foi
lida pela professora. Foram então orientados a ler as versões
1 (V1) e, depois, responder as perguntas na checklist, sempre individualmente;
sugestões e comentários deveriam ser escritos no verso da
folha. Como alguns alunos afirmaram ter dificuldade de comentar em inglês,
foi oferecida também a opção de escrever o feedback
em português, para a efetivação da sessão de
PR. 7. Resultados Os dados obtidos pelos questionários aplicados antes e depois do experimento foram submetidos ao teste de Wilcoxon matched-pairs signed-ranks, com nível de significância em p?.05, que revelou mudanças estatísticas significativas nas visões de alunos fortes e fracos concernentes ao papel da PR. Como mostram as tabelas 1 e 2 respectivamente, conduzindo um teste com os dados anteriores e posteriores dos 9 alunos fortes e um outro com os dados anteriores e posteriores dos 9 alunos fracos, os Ts observados para alunos fortes (0) e para alunos fracos (3.5) são menores do que o T crítico (6), o que sugere que as visões dos alunos mudaram e de modo positivo. Dado o nível de significância adotado, pode-se dizer que a probabilidade destas mudanças terem ocorrido por acaso é menor do que 5%.
Tabela 2 – Teste de Wilcoxon: respostas dos alunos fracos nos questionários aplicados antes e depois do experimento
Com base
nas entrevistas realizadas ao final do curso sobre a impressão
geral que os alunos tiveram sobre PR, dentre os 18 alunos investigados,
17 (todos os 9 fortes e 8 fracos) consideraram a experiência benéfica
ao aprendizado da escrita, apesar de alguns alunos manifestarem algumas
reservas. Os três aspectos positivos de PR mais citados pela grande
maioria dos alunos fortes e fracos são: (i) que esta prática
ajuda a melhorar o texto uma vez que o leitor tem um novo olhar; (ii)
guidelines/checklists são muito úteis, pois ajudam os alunos
a focar conteúdo e organização em vez de gramática
e a identificar quais são os pontos negativos de um texto; (iii)
por fim, PR ajuda os alunos a se tornarem mais críticos quanto
à leitura de textos, à avaliação do feedback
feito pelos colegas e à revisão de seus próprios
textos. Apenas 3 dentre os 9 alunos fracos apontaram aspectos negativos:
falta de confiança no feedback de colegas bem mais jovens (dois
alunos fracos eram adultos trabalhando com adolescentes), falta de confiança
no feedback de um colega com baixo nível de proficiência
e dificuldade de comentar 3 textos em 75 minutos; dentre os 9 alunos fortes,
somente 2 consideraram alguns comentários negligentes.
Figura 3 - Visões de alunos fortes e fracos sobre a utilidade dos comentários recebidos nas 2 sessões de PR 8. Discussão de resultados e conclusões finais Os resultados
desta pesquisa indicam que a experiência de PR afetou positivamente
as visões tanto de alunos fortes quanto de fracos, o que sugere
que o nível de proficiência não interfere nas percepções
dos alunos sobre a prática de PR. É interessante notar que
estes dados parecem estar consistentes com os estudos de Mangelsdorf (1992)
e Lockhart e Ng (1994) que revelam que os alunos têm usualmente
atitudes positivas em relação à PR. Nota-se, também,
que os pontos positivos apontados por alunos fortes e fracos corroboram
pesquisas anteriores que indicam que (i) um outro leitor pode notar incongruências
no texto que o autor não percebe enquanto escreve, (ii) guidelines/checklists
são instrumentos de treinamento fundamentais, pois os alunos precisam
ser ensinados a que aspectos de um texto devem examinar e como fazê-lo,
(iii) PR auxilia os alunos a se tornarem mais críticos com relação
à leitura, escrita e revisão de seus textos. Referências CONNOR, U.;
ASENAVAGE, K. Peer response groups in ESL writing classes: How much impact
on revision? Journal of Second Language Writing. [S.l.]: 3/2:257-276,
1994. |
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