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Ficou (...)
o conhecimento de que, espalhadas pelo todo
o Brasil vibram e agem algumas dezenas ou
mesmo centenas de pessoas e instituições
dedicadas a promover o incremento das
práticas leitoras
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UMA
BREVE COORDENAÇÃO INTERINA NO PROLER
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Aníbal
Bragança
(*)
Entre janeiro e
início de abril de 2006 vivemos uma experiência
inesquecível – como todas as outras, esta também
teve aspectos bons e outros ruins – na coordenação
do Programa Nacional de Incentivo à Leitura –
Proler, vinculado à Fundação Biblioteca Nacional, no
Rio de Janeiro.
Esse Programa foi criado por decreto do nefasto
governo Collor, em 13 de maio de 1992, graças ao
movimento de alguns intelectuais e professores,
durante a gestão do poeta Affonso Romano de
Sant’Anna na presidência da Fundação Biblioteca
Nacional, a quem caberia a sua direção.
De certa forma o Proler, afirmamos nós, deveria
atuar no vácuo deixado pela liquidação do Instituto
Nacional do Livro – INL, que tantos serviços prestou
(e alguns desserviços também) à cultura letrada no
Brasil desde que foi criado, em 1937, até 1990. Sua
agonia final começou em 1987, quando o então
presidente José Sarney, tendo como ministro da
Cultura o honrado e brilhante economista Celso
Furtado, o desqualificara, incorporando-o, e também
a Biblioteca Nacional, à então recém-criada Fundação
Nacional Pró-Leitura. Esta, que não chegou a
efetivamente a consolidar-se, foi liquidada pela lei
collorida n° 8.029, de 12.04.90, de triste memória,
sendo suas atribuições transferidas para a
Biblioteca Nacional.
A BN, uma das instituições mais longevas e
importantes na cultura do país, foi, a seguir,
transformada em Fundação, e, fugindo a seus
objetivos fundadores, fez surgir um tímido
Departamento Nacional do Livro que nunca chegou a
ser sequer sombra do que foi o INL, sendo um
arremedo de qualquer coisa indefinida, desde a
gestão do escritor Márcio de Souza como diretor,
mas, especialmente, depois dele de lá sair para a
presidência da Funarte. Isto, apesar do empenho de
alguns funcionários e colaboradores a quem o DNL
muito deve do pouco que fez de bom. Hoje sequer
existe. Algumas de suas atribuições foram
distribuídas pelas várias direções e coordenações da
FBN.
O que caracterizava, entretanto, o Proler, pelo que
pudemos observar naquele momento, não era a atuação
governamental, pois se tratava já de uma
“repartição” de quinta categoria no organograma da FBN elaborado no governo Lula. Tudo dependia mais da
boa vontade e determinação de seus servidores e
coordenação do que de condições estruturais. Assim,
o que ocorria, em grande parte, era fruto do
trabalho dos seus antigos representantes, através
dos Comitês do Proler, compostos por grupos de
professores, bibliotecários e outros agentes
formados anteriormente numa causa em favor da
leitura.
Paralelamente, na FBN, havia e há o Sistema Nacional
de Bibliotecas Públicas, que deveria receber
recursos e atuar, especialmente, no sentido de
cumprir o que foi uma das principais metas do antigo
INL desde sua fundação, que é prover a criação de
pelo menos uma biblioteca pública em cada município
brasileiro, para facilitar as práticas sociais de
leitura mesmo aos desfavorecidos pela estrutura
social perversa de nosso país. O que, constata-se,
há 70 anos, é meta almejada e não cumprida, governo
após governo.
Iniciamos nosso trabalho no Proler e na Casa da
Leitura, sua bela sede, em janeiro de 2006, ainda
comprometidos com as funções docentes na
Universidade Federal Fluminense (com semestre a
finalizar por causa de atraso no calendário
escolar). Disso estava a par o presidente da FBN,
Muniz Sodré, que nos fez o gentil convite, aceito
porque o eminente professor, na sua simplicidade,
simbolizava a esperança de recuperação da vetusta
instituição, depois do desastre que representou a
gestão do presidente anterior, nomeado em péssima
hora pelo governo do presidente Lula e do ministro
Gilberto Gil.
A nomeação de Muniz Sodré, dentre outros méritos,
reverteu o processo, até então em curso, de
destruição do Proler. Entretanto, nos meses em que
lá atuamos como coordenador nacional interino pouco
pudemos fazer para a retomada efetiva de suas
atividades. Mas o pouco possível, diga-se, foi
feito.
Como sabem os que atuam na gestão pública, os
primeiros meses do ano são absolutamente carentes de
recursos, mesmo quando há vontade política de os
conseguir. Assim, ficamos nos pouco mais de 60 dias
de trabalho levantando carências e enviando
solicitações à FBN do que seria necessário para
recolocar o Proler e a Casa da Leitura em condições
de cumprir suas finalidades, com a recriação de uma
infra-estrutura básica para o desenvolvimento dos
trabalhos: pessoal, equipamentos, material
permanente e de consumo – de tudo carecia!;
atualização da biblioteca infantil e juvenil da Casa
da Leitura; reforma do auditório Clarice Lispector;
reativação dos cursos oferecidos pela Casa da
Leitura; gestão inicial para conseguir verbas do
Fundef para a realização do Encontro Nacional dos
coordenadores do Proler; promoção do mini-encontro
do Proler em S. Paulo etc. Além de um programa de
trabalho que pretendia dar outras potencialidades à
Casa da Leitura, que certamente se perdeu com nossa
saída.
Restabelecemos contato com os coordenadores do
Proler espalhados por vários rincões do país, em
muitos estados e municípios, que manifestaram, quase
sempre, um novo alento com a posse do novo
presidente da FBN. A seguir, tivemos a oportunidade
de promover, durante a realização da Bienal
Internacional do Livro e do lançamento do PNLL
Vivaleitura, em S. Paulo, um encontro informal com a
maioria dos parceiros e colaboradores, presentes no
Fórum Vivaleitura, coordenado por Galeno Amorim, no
dia 14 de março, no Café Literário da ABEU.
Foi uma oportunidade para retomar os vínculos e
atestar o quanto há de energia nos comitês em várias
cidades e estados, que lhes permitiu manter viva a
chama de servir à causa da formação de leitores e do
aumento das práticas sociais de leitura em nosso
país, mesmo nos períodos mais sofridos do Programa.
Nesse encontro esteve também presente Amorim, que
era então coordenador do
Plano Nacional do Livro e
Leitura (PNLL), e com quem tivemos oportunidade de
colaborar estreitamente durante todo o tempo em que
estivemos no Proler, em parceria também, dentre
outros, e em especial, com o atual
secretário-executivo do PNLL, o professor José Castilho
Marques Neto.
Podemos afirmar que nossa modesta contribuição à
causa nacional do livro e da leitura, durante o
breve, mas intenso e produtivo, período em que
atuamos na equipe do presidente Muniz Sodré foi mais
significativa na colaboração que pudemos oferecer,
como representante informal da FBN, paralelamente ao
trabalho do Proler, aos projetos que então estavam
sendo gestados por um grupo composto por
representantes do MinC e do MEC, no qual se podia
destacar o papel de Galeno Amorim, para a criação de
uma Política Nacional do Livro e da Leitura.
Tal política incluía, além do PNLL (Plano Nacional
do Livro e da Leitura) e da CSLLL (Câmara Setorial
do Livro, Literatura e Leitura), – a estruturação de
um órgão, que poderia vir a ser chamado de Agência
Nacional de Fomento à Leitura – Pró-Leitura, para
gerir um fundo de recursos públicos e privados
(constituído pela contribuição espontânea de 1%
sobre a venda de livro no Brasil e, ainda, por
subvenções do Estado) para ajudar a financiar as
políticas públicas setoriais e fomentar a leitura.
Outra função desse órgão seria a articulação, na
área federal, do enlace dos dois ministérios –
Cultura e Educação – que concentram as principais
responsabilidades nas áreas do livro e da leitura, e
com as ações nas outras áreas do próprio governo
federal e, ainda, na interação da administração
pública federal com as estaduais e municipais, bem
como do Estado com o setor privado e o Terceiro
Setor.
Tal órgão, certamente com recursos e algum poder,
muito poderia fazer para reduzir a enorme dívida
social do Estado na área do livro e leitura, mas,
lamentavelmente, o jogo político na instituição FBN
e no governo, fez erguer grandes barreiras e
dificuldades à sua criação. A Política Nacional do
Livro também esteve prestes a ser assinada pelo
presidente Lula, com data e hora marcadas, mas as
circunstâncias abortaram ou adiaram esse projeto. A
gota-d’água foi certamente a destituição do então
ministro da Fazenda, avalista dessa política, e a
conseqüente demissão de Galeno Amorim, seu antigo
colaborador, da coordenação que exercia na FBN .
E foram-se nossas já minguadas esperanças de
contribuir, minimamente que fosse, para as
necessárias e urgentes mudanças. Em 6 de abril
reiteramos ao presidente da FBN nossa disposição de
não aceitar a nomeação formal para a função que
estava a exercer e que estava pronta para ser
encaminhada ao Diário Oficial. De nada temos
arrependimento e sabemos que crescemos com o
trabalho que nos foi dado fazer pelo convite e pelo
apoio de Muniz Sodré, a quem continuamos a apreciar
e a quem desejamos todo o sucesso na gestão à frente
da FBN, e pelas parcerias com Galeno Amorim e José
Marques Castilho Neto.
Ficou, talvez como o maior enriquecimento pessoal, o
conhecimento de que, espalhadas pelo todo o Brasil
vibram e agem algumas dezenas ou mesmo centenas de
pessoas e instituições dedicadas a promover o
incremento das práticas leitoras, com inteligência,
alegria e capacidade de ação. Grande parte, sem
qualquer ou com precaríssimo apoio dos poderes
públicos. Carregam nos ombros a chama. A elas a
nossa sincera homenagem.
(*) Aníbal Bragança
é professor da Universidade Federal
Fluminense (UFF) desde 1985. Pesquisador nas áreas
de Tecnologias da Comunicação e Comunicação e
Cultura, com foco em Cultura Letrada. Bacharel em
História pela UFF. Mestre e Doutor em Ciências da
Comunicação pela ECA/USP. Universidade Federal
Fluminense . E-mail -
anibalbraganca@gmail.com Blog -
http://ler-e-escrever.blogspot.com/
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