Entrevista

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....Nossa meta principal é fazer configurar o Centro de Estudos da Leitura como espaço para essa articulação efetivamente, pela consolidação de seus grupos de trabalho e afirmação de sua cinco linhas de pesquisa...

JORNAL NA EDUCAÇÃO
Carmen Lozza

Carmen, fale um pouco da sua vida de modo que os nossos leitores possam saber quem você é, de onde vem e o que faz.
Sou uma professora, uma professora que foi se apaixonando cada vez mais por sua profissão à medida que descobria a sua paixão por, de alguma forma, contribuir para o mundo ser melhor. Vejo hoje, numa retrospectiva de minha vida, que foi assim mesmo: com o meu inconformismo diante da desigualdade social, desde o início do magistério, no sertão de S. João da Barra, ingenuamente, alfabetizando e cuidando de meninos e meninas pobres, até o passar dos anos, com a minha formação acadêmica (meu mestrado na UFF) e minha prática sindical (militava no SEPE, quando se sua fundação) fui casando o político com o pedagógico e cada vez mais me envolvi com a minha paixão profissional - estar com pessoas, em momentos de aula, para tentar abrir espaços para a humanização. Na verdade, sustentando meu corpo que vai envelhecendo (afinal de contas, sou uma mulher de 62 anos), há uma alma ainda de menina emocionada e alerta e não desistente (meu maior tesouro?). O amor pelo Outro já não depende de mim, o que a realidade dos despossuídos provoca em minha ação cotidiana já está fora de meu controle. E o Magistério no sentido mais amplo possível é o que apazigua meu coração...

Agora conte um pouco da Carmen leitora: o que gosta de ler, livros que lhe foram apaixonantes e coisas do tipo.
Sou de uma família que tinha livros. Na Sala de Estudos lá de casa havia daquelas estantes fechadas, com portas de correr, por cujos vidros se viam desde Monteiro Lobato aos maravilhosos contos das Mil e Uma Noites e os preciosos contos de Andersen. A irmã mais velha, professora de Literatura, foi me apresentando os grandes escritores. Com isso, ainda adolescente, descobri Machado de Assis que ficou para sempre, em várias releituras, de tanto em tanto. Em minha cabeceira tenho sempre algum livro dele, de Graciliano, de Saramago. A poesia de Adélia Prado e Manoel de Barros também são minhas companheiras. E as biografias – no que Fernando Morais é um mestre – só paro de ler quando chego à última linha.

Como entrou para a área do jornal na educação? Fale um pouco dos PÓLOS DE LEITURA
Em 89, eu havia acabado de escrever minha dissertação de mestrado e tive um convite de Laura Sandroni para fazer parte de sua equipe, da Fundação Roberto Marinho, na época encarregada de criar um modelo de orientação pedagógica para o programa do GLOBO, o QUEM LÊ JORNAL SABE MAIS. À medida que fui estudando o quanto é imprescindível cada jovem leitor ter uma maior clareza quanto à importância da mídia na configuração de sua individualidade, fui adotando o QUEM LÊ como central em minha atuação profissional. As palavras sempre me seduziram e dedicar-me a estudar com os professores o discurso do jornal pareceu-me uma possibilidade de dar conta de minha paixão por dar voz àqueles que tradicionalmente não são ouvidos. Já amparada numa perspectiva histórico-crítica de educação, estudei Bakhtin e me dediquei a compreender melhor a temática da análise de discurso, para o que Betânia Mariani, colega da UFF, do Instituto de Letras, foi fundamental. Com a prática, as idéias iam se clarificando: se as empresas jornalísticas queriam formar leitores para garantir seus negócios (eram tempos em que a Internet começava a ameaçar o jornal de papel), nós poderíamos formar leitores pelos próprios benefícios de se formar leitores, ou seja, pelo que a leitura, em si, pode trazer para cada leitor. O QUEM LÊ JORNAL SABE MAIS, portanto, precisaria ser um programa de leitura, definido como tal e com nossa orientação dando sustentação para que assim fosse. É importante dizer que, representando o QUEM Lê nos encontros nacionais que a ANJ passou a realizar, pude ir percebendo que a marca dos projetos em vigor, em âmbito nacional (poucos ainda na ocasião), era basicamente a de promover a utilização do jornal como recurso didático. Se queríamos formar leitores críticos de jornais seria necessário ultrapassar esse formato e avançar, em busca de uma utilização combinada do jornal nas escolas – que partisse dessa trajetória mais usual (e que era a que mais atendia aos professores em suas necessidades mais imediatas) – para promover também a sua leitura, mais ampla e aprofundada. Necessitaríamos estruturar uma nova prática, um tipo de ação que envolvesse a leitura do jornal como objeto de estudo, a leitura crítica do jornal. E é o que temos feito desde então. Lá se vão quase duas décadas. Com o passar dos anos, com o Programa já não mais na FRM, mas administrado pelo próprio GLOBO, criei um Grupo de Consultoria – a Leitores e Leituras, que faz a orientação pedagógica do Quem Lê até os dias de hoje. Nossa teimosia é permanente e a busca incessante é por conseguirmos fazer esta travessia entre o que o professor costumeiramente faz com o jornal em classe e uma perspectiva crítica de sua presença nas escolas.

E a sua experiência na ANJ? Como começou essa história? Relate os seus projetos e as suas conquistas naquela entidade.
Justamente por ser a coordenadora pedagógica do QUEM LÊ JORNAL SABE MAIS e representá-lo nas reuniões que a ANJ promovia, passei a ser contatada pela direção executiva da entidade sempre que necessitava de algum apoio técnico-pedagógico para definir e/ou incrementar a ação nacional. Quando se tratava de sensibilizar algum proprietário de jornal sobre a importância da leitura, eu era “convocada” e o fazia. Quando se tratava de um parecer sobre alguma ação planejada pela entidade no âmbito do jornal na escola, da mesma forma. E assim por diante... Em 2004, a ANJ contratou a LEITORES E LEITURAS para realizar o primeiro levantamento nacional sobre os programas (na ocasião chamados de Jornal na Escola). E em setembro de 2004, com a posse de Nelson Sirotsky à frente da ANJ, vim a ser convidada para assumir o Programa. Até então ele era dirigido por um dos diretores da entidade, um proprietário de jornal, portanto. A entidade passava, assim, a viver um momento bastante diferenciado em relação ao Programa, pois contratava uma profissional da Educação para se dedicar ao mesmo. Quanto às conquistas do período, do ponto de vista da leitura e da formação de leitores, realmente elas foram bastante significativas. Dirigi o Programa de setembro de 2004 a março deste ano de 2007. Nesses 30 meses, pudemos dar passos significativos para que as iniciativas dos associados estivessem mais voltadas para a formação de leitores. Na verdade, cada jornal tem total independência para realizar seus projetos. Na ANJ poderíamos apenas traçar diretrizes para orientar a criação e o desenvolvimento dos mesmos. E foi o que fizemos. Nesse sentido, demos os seguintes passos:
 Criamos o conceito do que deve ser um programa de jornal e educação como processo voltado para a formação de leitores, estabelecendo exigências e recomendações que reduzissem o seu caráter comercial.
 Levamos tal conceito à UNESCO e em função dele obtivemos o seu apoio institucional ao Programa.
 De forma idêntica, conseguimos que a ANDI divulgasse junto aos Jornalistas Amigos da Criança o citado conceito, em busca de apoio.
 Também em função do conceito, obtivemos apoio financeiro da Norske Skög ao Programa (fabricante de papel sediada na Noruega), que passou a ser patrocinadora do mesmo.
 Criamos folheto bilíngüe para divulgação do conceito.
 Divulgamos o conceito e viajamos para sucessivos encontros e reuniões com dirigentes de jornais das várias regiões do país, em busca da adequação dos mesmos ao novo formato, voltado para a formação do leitor.
 Firmamos um amplo convênio com a UNICAMP para que ela viesse a dar apoio acadêmico à ANJ na capacitação dos profissionais coordenadores dos programas brasileiros e para que pudesse promover a avaliação dos mesmos quanto à sua real contribuição para a formação de leitores.
 A UNICAMP chegou a oferecer o primeiro curso para coordenadores de programas, intitulado de JORNAL E EDUCAÇÃO – PRINCÍPIOS BÁSICOS, em julho de 2006. Tal curso foi estruturado e realizado de maneira interdisciplinar e foi extremamente bem avaliado. Compôs-se de 4 disciplinas – “Leitura e Formação do Leitor-Autor”, “Imprensa, linguagem e formação do sujeito”, “Formação de professores e escola” e “Gestão, marketing e cidadania”.
 Orientamos a criação de novos programas para que se fizessem de maneira fiel ao conceito, avaliando propostas formuladas pelos associados e sugerindo alterações, de modo a aproximá-las do mesmo.
 Incluímos o Programa no Plano Nacional do Livro e da Leitura, do MinC, de modo a caracterizar seus vínculos com as ações de leitura realizadas em território nacional.
 Em termos quantitativos, conseguimos fazer ampliar de 48 para 60 o número de programas existentes no período.

A formação do leitor é facilitada pela leitura de jornais? Por quê?
Creio que sim, quando se procura realizar um programa na perspectiva de que falamos anteriormente. Ou seja, se o jornal chega às escolas fazendo-se acompanhar da correspondente capacitação dos professores sobre a natureza e as características do veículo, vinculando os estudos feitos às diversas concepções de leitura. Do contrário, são apenas ações de divulgação da marca do jornal e pouco produtivas em termos da ampliação do prazer de ler. Mas se são acompanhadas de um processo de reflexão daquele tipo e se há uma preocupação com a articulação do jornal com outros suportes de textos, com destaque para os livros de literatura, temos exemplos de sobra de que sim, o jornal amplia o prazer de ler.

Fale um pouco sobre o que faz a "Leitores & Leituras". E forneça o endereço para aqueles que precisarem.
A intenção da Leitores e Leituras é a de permitir que cada leitor reconheça no seu jeito de ser e viver a influência das leituras que faz, apropriando-se das raízes de sua individualidade. O que se espera é que cada leitor possa discutir os seus próprios limites e possibilidades frente aos elementos institucionais formadores de opinião que tanto o influenciam, dentre os quais se destaca, em grande medida, a Imprensa. O que se espera é que cada leitor possa aproveitar as possibilidades que a leitura traz para uma vida cidadã, indo além da simples absorção acrítica daquilo que lê, com destaque para as notícias. Marca-nos o inconformismo diante da desigualdade social e o prazer e compromisso com a realização de ações que possam conduzir, de algum modo, à justiça social. Em última instância, a expectativa que se tem é de contribuir efetivamente para a formação de seres éticos, capazes de efetuarem escolhas lúcidas nos diversos níveis de suas vidas, a partir do re-encontro com a capacidade de serem autores de seus singulares modos de ler, interpretar, conhecer e interferir. Nosso endereço eletrônico é leitores@leitoreseleituras.com e o nosso telefone é (21) 2609-2247.

Quais os conselhos que dá aos professores que quiserem trabalhar com o jornal na sua sala de aula?
O grande conselho é o de que nunca fiquem sós em suas escolas. De saída, é isso. O trabalho coletivo no interior da escola sempre é o que consegue promover mudanças. Sozinho, cada qual se enfraquece. E quando o assunto é jornal na escola, o que sugiro é que cada qual possa sempre aproveitar o uso que fizerem de matérias jornalísticas em suas salas de aula para fazerem uma leitura mais ampla e aprofundada dessas mesmas matérias. É imprescindível que estudem o sentido da crítica, que não se restringe a falar mal ou bem do objeto (ou texto) que se analisa, não se esgota na mera opinião sobre as coisas, mas significa realizar um exercício que tente ir além da primeira impressão que se tem do objeto (ou texto). É necessário estudar. As mudanças não surgem por obra do acaso.

Espaço aberto. O que não lhe perguntamos, mas que você gostaria de dizer.
Com a minha saída da ANJ e o redirecionamento da atuação do Programa, fica mais evidente do que antes, para mim, o quanto é de fundamental importância debatermos a criação de uma política pública sobre a utilização de jornais nas escolas. Creio que essa questão deve-nos nos mobilizar. Fosse uma política pública, seria a hora de discutirmos e nos posicionarmos diante do redirecionamento que o Programa de Jornal e Educação acaba de tomar. Mas trata-se de uma atuação acontecida num âmbito privado. Sendo assim, há um caráter privado na política implementada, tendo a associação poder para re-encaminhar propostas e ações, de acordo com as novas prioridades e pressupostos de sua direção. Se quisermos formar leitores – e nós da ALB temos este desejo por meta e princípio de ação desde que a Associação foi criada, precisamos nos empenhar para que, no caso dos jornais, e até das demais mídias, seja o Estado a dirigir o processo.

Copyright ©2007, by ALB/Campinas, SP, Brasil

 

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