Amarildo B.
Carnicel O presente estudo mostra, inicialmente, um cenário preocupante em que estão inseridos os veículos de grande circulação. Se, por um lado, aponta queda no número de leitores e de anunciantes, revela, contudo, que setores da mídia segmentada vivem um crescimento: o IVC (Instituto Verificador de Circulação) mostra que a tiragem aumenta ano a ano. Este estudo discute, também, aspectos ligados à especialização e à segmentação que enfoca cada vez mais nichos definidos de mercado e de leitores, incluindo aí as mídias local, de bairro e comunitária. É justamente nesta modalidade, a comunitária, que se encaixa nossa proposta de elaboração de um jornal comunitário no âmbito da sala de aula como instrumento de aproximação entre a comunidade e o ambiente escolar.
******* * ******** Antes de centrar atenção na realidade vivida pelos jornais brasileiros, consideramos conveniente apresentar um panorama com elementos que oferecem uma noção do cenário norte-americano a partir de pesquisa organizada pela Associação Americana de Jornais. Em 2001, a receita de publicidade dos jornais daquele país diminuiu 11,5% em relação ao ano anterior, a maior desde a grande recessão dos anos 30. A entidade entrevistou 4.003 adultos com idades entre 18 e 24 anos. Setenta e cinco por cento afirmaram que a internet ‘mexe’ com a imaginação deles. Em relação ao jornal impresso, apenas 45% deram a mesma resposta. A utilização da internet como fonte de notícia aumentou em 127% entre 1997 e 2000. O consumo de jornal impresso, no mesmo período, diminuiu em 12%. Mas o aumento do desinteresse do público não está restrito ao jornal impresso. Também no mesmo período, os telejornais nacionais e mundiais viram sua audiência cair em 14% , ou seja, dois pontos percentuais acima daquele índice vivido pelo impresso. A insistência dos jornalistas em desenvolver um modelo de jornal que não agrada aos leitores está refletida em números divulgados pelo IVC em janeiro de 2003. Segundo o Instituto, em dezembro de 2002, os jornais diários brasileiros vinculados ao órgão venderam 3,4 milhões de exemplares, incluindo a vendagem de domingo, quando muitos veículos chegam a duplicar a tiragem. Desse total, 61% foram adquiridos pelos leitores em forma de assinatura e o restante na forma de compra avulsa. O quadro se torna preocupante quando são comparados os números obtidos no mesmo período do ano anterior, ou seja, dezembro de 2001. Em dezembro de 2002, a circulação total (assinaturas e vendas avulsas) caiu em 5,4%. Desse total, o número de assinantes diminuiu em 3,8% e as vendas avulsas em 8%, ou seja, ocorreu menor perda entre os leitores mais fiéis caracterizados pelos assinantes. Por outro lado, dentre aqueles leitores menos envolvidos, os compradores avulsos, a diminuição foi ainda mais significativa, atingindo 8% conforme foi dito. Apesar da queda do número de leitores (assinantes e avulsos) no Brasil, os números do IVC permitem notar que quase 30% dos jornais cresceram em meio à crise, o que mostra que, apesar do cenário desenhado por Noblat no diálogo apresentado no início deste trabalho, há, sim, por parte dos jornalistas e dos empresários do setor, uma disposição em alterar o cenário – caso contrário, estariam dando tiro nos próprios pés e assinando suas sentenças de morte. As mudanças, indicadas por CABRAL (2003), apontam para o seguinte cenário: a circulação dos jornais que surgiram nos últimos seis anos já responde por 20% da tiragem verificada; o ranking dos dez maiores jornais sofreu quatro alterações de posição em apenas um ano (2002); e a existência de uma aceitação crescente de produtos mais segmentados. Segundo o jornalista, há seis anos, dos dez maiores jornais dos país, oito eram de interesse geral e apenas dois de nichos específicos. Em 2002, o quadro verificado é outro: da lista de dez, cinco são grandes jornais (assuntos gerais) e igual número são os jornais específicos ou segmentados. Os números mostram, portanto, que não é apenas o The New York Times que vê 90% de seu conteúdo desprezado pelos leitores mais fiéis. No Brasil, jornais como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo, embora não ‘circulem’ uma aferição tão precisa (pelo menos, que tivesse sido divulgada) como aquela feita pelo jornal norte-americano, lutam para não perderem leitores. Lançamentos de novos cadernos, de novas seções e de suplementos especiais figuram entre as estratégias para, num primeiro momento, preservar seus leitores, e num segundo, ampliar esse quadro, conforme assinala CABRAL (2003): “Resta, portanto, como saída agregar ao produto o conteúdo desejado pelo leitor e, talvez principalmente, pelo não-leitor”. SEGMENTAÇÃO JORNALÍSTICA – Embora largamente usado no meio jornalístico, o termo segmentação vem merecendo amplas discussões em teorias sobre marketing, o que não poderia ser diferente, afinal o jornalismo, não raro, independentemente da forma de expressão (impresso, rádio, TV, on-line etc.) é um produto empresarial. No campo editorial, o que se percebe é que as grandes empresas estão buscando abocanhar fatias de mercado que estavam restritas a jornais populares autônomos, produzidos por empresas que buscavam um lugar ao sol. De norte a sul do país, o cenário atual mostra que há uma grande concentração de jornais populares nas mãos das grandes empresas. Em São Paulo, por exemplo, o Grupo Folha, além da Folha de S. Paulo, publica o popular Agora São Paulo e o Grupo Estado produz O Estado de S. Paulo e o popular Jornal da Tarde. No Rio de Janeiro, o Infoglobo elabora O Globo e o popular Extra. No Rio Grande Sul, a RBS publica o Zero Hora e o popular Diário Gaúcho. No Ceará, a empresa publicadora do Diário do Nordeste mantém o popular Jornal da Rua.
Entretanto, embora os veículos de mídia
impressa estejam se concentrando cada vez mais nas mãos das grandes redes
– o mesmo fenômeno ocorre com empresas de mídia televisiva e radiofônica –
o modelo não vem sendo aplicado corretamente. É possível encontrar num
mesmo dia o mesmo texto publicado pelos diferentes jornais de um mesmo
grupo empresarial. O que muda é o tom do título da matéria e a disposição
gráfica dos elementos na página: cada qual adequado ao seu público. Neste
sentido, observa OLIVEIRA (2003: 144): Chegamos então a dois termos (‘segmentação’ e ‘especialização’) correntes no dia-a-dia do jornalismo, seja no âmbito das redações, das assessorias de imprensa ou âmbito acadêmico. Há profissionais e também pesquisadores que, num primeiro momento, afirmam que segmentação e especialização são nomenclaturas semelhantes na prática jornalística. Se, por um lado, a especialização tem merecido atenção especial por parte de alguns autores – afinal o Jornalismo Especializado é uma disciplina em nível de graduação em varias faculdades do país –, por outro lado, a segmentação não mereceu ainda a devida atenção por parte dos teóricos e pesquisadores da área e, por isso, é motivo de controvérsias. Como já foi dito, para alguns, são áreas semelhantes, para outros, a especialização prepara o jornalista para a segmentação, ou seja, é uma etapa que precede a segmentação.
BAHIA (1990: 215) define especialização
jornalística como “informação dirigida à cobertura de assuntos
determinados e em função de certos públicos, dando à notícia um caráter
específico”. Essa especificidade pode, também, levar à segmentação. O
autor apresenta um apanhado histórico que permite compreender melhor o
termo ‘especialização’ e mostra como especialização e segmentação, não por
acaso, são termos considerados semelhantes por muitos jornalistas, afinal,
tratar as notícias de modo setorizado facilita a identificação dos vários
segmentos de leitores, sejam eles fiéis a um veículo de informação geral,
sejam leitores assíduos de um veículo específico. JORNAL DE BAIRRO E JORNAL COMUNITÁRIO – A crescente e cada vez mais constante dificuldade, por parte das grandes empresas, em absorver os jovens jornalistas que deixam os bancos acadêmicos e se transferem para o mercado de trabalho faz com que significativa parcela de recém-formados busque basicamente dois caminhos, muitas vezes, autônomos: ou estruturam uma assessoria de imprensa e saem de porta em porta em busca de clientes, ou vislumbram, em nichos da sociedade, o espaço para se tornarem porta-vozes de uma determinada organização ou comunidade. Assim, vão proliferando informativos nos mais diferentes formatos, desenhos e para públicos específicos. Um segmento que vem ganhando bastante atenção por parte desses jornalistas são os bairros, independentemente das classes sociais que os compõem. Para melhor compreensão desse fenômeno convém fazer distinção entre duas modalidades (jornal de bairro e jornal comunitário) que embora possam estar embasadas numa mesma teoria (a do jornalismo de classes sociais) caracterizam-se por práticas que são distintas. Convém, ainda, situar e mostrar as especificidades de cada modalidade no contexto da mídia (ou jornal) local e aí, faz-se necessário apontar características que distinguem o jornal local daquela mídia largamente difundida como grande imprensa. Procuramos fazer essa distinção sem perder de vista que, qualquer veículo de comunicação, independentemente do porte e do público a que se destina, é sempre um fórum de diálogo. O que os distingue é a forma como será estabelecido este diálogo. O grau de abrangência de um veículo da mídia impressa bem como o poder de diálogo com o público a que se destina não pode ser aferido apenas pela forma de distribuição, tiragem e número de páginas. Essas características não significam, necessariamente, que o diálogo proposto pelo jornal tenha surtido o efeito esperado pelos jornalistas, tampouco o almejado pela comunidade de um bairro que muitas vezes não se reconhece nas páginas publicadas. O que distingue a natureza das informações veiculadas pela grande imprensa é o caráter da notícia. A posse do presidente do Senado ou da Câmara Federal certamente será assunto de destaque nos jornais de grande circulação. A posse do presidente da Câmara dos Vereadores ganhará espaço na imprensa local. E a posse do presidente da associação de um bairro periférico da cidade, que espaço merecerá no noticiário nacional? Nenhum. Afinal, jornais de grande circulação não destinam espaço a ‘assuntos menores’, de interesse restrito a uma comunidade. Diante disso, o cidadão integrante das classes sociais menos privilegiadas, não se reconhecendo nas páginas do jornal, adota uma postura de desinteresse por aquilo que é publicado. Isso nos leva a crer que a distância entre o ‘cidadão comum’ e os centros de decisão e a conseqüente sensação de impotência diante das decisões, sejam na esfera federal ou mesmo no âmbito das redações, fazem com que alguns desses assuntos se tornem ‘menos importantes’. Cicilia PERUZZO (2003), em trabalho publicado no Anuário da Unesco, apresenta e discute atribuições que caracterizam a mídia local. Mostra que o local é marcado por um espaço determinado (embora as demarcações territoriais não lhe sejam determinantes) em que o indivíduo é inserido, fazendo desse espaço local familiar e de partilha de sentidos. Ela aponta que o interesse pelo local torna-se cada vez mais evidente, tanto do ponto de vista das empresas que direcionam seu foco quanto dos indivíduos que por meio da valorização desse espaço tendem a fortalecer os laços de pertencimento. O que se depreende é que há por parte dos dois tipos de mídia (local e nacional) uma constante apropriação dos elementos que até então poderiam definir as especificidades. O jornal local, pelo fácil acesso às tecnologias que permitem, de modo relativo, colocar seus leitores em contato com um mundo globalizado, começa a ganhar diferentes contornos. O grande jornal, interessado em explorar nichos de mercado cada vez mais específicos, começa a se apropriar de linguagem e conteúdo até então restritos à mídia local. É a configuração de uma desterritorialização que deixa cada vez mais nebulosa a identificação desses limites. Se quisermos fazer um recorte ainda mais definido podemos segmentar a mídia local em duas áreas de atuação: o jornal de bairro e o jornal comunitário. O jornal de bairro não apresenta características muito diferentes daquelas já atribuídas ao jornal local. No tocante a características, conteúdo, forma e, principalmente, interesse, são muito parecidos. A diferença, muitas vezes, se evidencia, pelo campo de ação ou território em que atua. Se a globalização e o fácil acesso às tecnologias dificultam a identificação dos limites territoriais, a área de abrangência ou de circulação (e aí contempla o trabalho de distribuição) acaba por impor os limites territoriais que fazem do veículo um jornal de bairro.
JORNAL COMUNITÁRIO – Feitas as considerações
sobre o jornal de bairro, nosso foco direciona-se agora ao jornal
comunitário. É fundamental, segundo MARCONDES (1987: 161) a participação
efetiva da comunidade nas tomadas de decisão e no processo de produção:
Sobre essa tentativa de apropriação do termo
por parte de empresas para a obtenção das mais variadas formas de
vantagem, PERUZZO (1998:152-3) afirma: Assim, deixando de lado os interesses políticos e comerciais, o conteúdo editorial deve privilegiar assuntos de interesse da comunidade. São questões comunitárias específicas como: a) reivindicações de melhorias no bairro (iluminação, conservação de praças, calçamento de ruas, reforma de praças esportivas etc); b) prestação de serviços ou utilidade pública (campanhas de vacinação, horário de funcionamento do comércio, postos de saúde etc); c) valorização de fatos e pessoas do bairro (divulgar pessoas que se destaquem pelo talento ou serviço social e humanitário). Dessas questões comunitárias específicas, apenas os itens “a” e “b” são estampados, ainda que com pouca freqüência, nos jornais de média ou grande circulação. O item “c” só entra na pauta quando há sobra de espaço na agenda do repórter para fazer a entrevista e sobra de espaço físico na página, quando, por algum motivo, como revezamento de repórteres em feriados, o editor se vale das chamadas matérias de gaveta. Assim, não raro, bairro periférico só é mote de notícia em jornal de grande circulação quando ocorrem fatos considerados importantes como o de um apostador que ganha sozinho na loteria ou quando uma grande tragédia abala a opinião pública. Como as chances de ocorrência de um crime frio e impiedoso ou de uma chacina são estatisticamente maiores do que a possibilidade de a sorte grande sorrir para um membro da comunidade, esse bairro, então, será notícia sempre que ocorrer algo ruim, algo que pelo grau de crueldade aguce o interesse popular e aumente a vendagem desse jornal. “É exatamente a mesma coisa que acontece no sistema mundial de informação. Um país pobre só é notícia para as grandes agências que monopolizam a informação internacional quando ali ocorrem desastres, golpes de estado ou fatos insólitos.” (CALLADO e ESTRADA, 1986: 7)
PREENCHENDO LACUNA – É justamente para
preencher essa lacuna (a de que os grandes jornais da cidade quase não
noticiam o que há de positivo nessas localidades) e diminuir o estigma de
que comunidade de bairro só é notícia nas páginas policiais, que surge o
jornal comunitário, um veículo cujo objetivo principal é dar voz aos
membros da comunidade e estabelecer um fórum de diálogo, de exposição de
idéias, de divergências e de reivindicações, conforme assinalam CALLADO e
ESTRADA (1986: 8):
Para CARNICEL (2005: 39), JORNAL COMUNITÁRIO E CIDADANIA – Não cometemos erro quando afirmamos que o termo cidadania está cada vez mais na ordem do dia. Qualquer que seja o ambiente, qualquer que seja o suporte utilizado para a sua divulgação, o termo é algo corrente nas mais diferentes esferas da sociedade. Igrejas, escolas, empresas, clubes, ONGs etc. fazem da palavra cidadania bandeira a ser ensinada e praticada. A imprensa, independentemente da forma de comunicação (impressa, radiofônica, televisada ou internet), vem abrindo espaços (colunas, seções, páginas, vinhetas e programas especiais) com o objetivo de amplificar a realização de trabalhos e iniciativas, bem como o de despertar a sociedade para a prática da cidadania. Apesar da validade dessa iniciativa por parte da imprensa, percebe-se que muitos veículos de comunicação buscam pegar carona na moda da cidadania para obterem algum tipo de vantagem ao adotar indevidamente rótulo de empresa ou imprensa cidadã.
Porém, no que diz respeito aos veículos de
comunicação, a prática da cidadania deve nortear todo e qualquer trabalho
na área da mídia comunitária, conforme assinala PERUZZO. (2004: 56)
Segundo a autora, mídia comunitária pode ser compreendida como: “uma
comunicação que se compromete, acima de tudo, com os interesses das
‘comunidades’ onde se localiza e visa contribuir na ampliação dos direitos
e deveres de cidadania.” BAHIA vê o jornal comunitário como um instrumento
capaz de alertar a comunidade sobre esses direitos e deveres. Segundo ele,
O que se percebe, entretanto, é que o
assunto cidadania vem sendo tratado pela imprensa e usado em discursos de
modo muito superficial. É como se o termo, em qualquer ação social,
precisasse aparecer entre os objetivos de um projeto ou de uma proposta e
entre seus resultados como forma de legitimar ou de fazer uma prestação de
contas dos atos, seja de iniciativa individual, coletiva, empresarial ou
organizacional. Ou seja, o trabalho não terá validade se a palavra
cidadania (e aquilo que chamam de resultados de atos de cidadania) não
estiver inserida, seja na proposta escrita, seja no discurso de quem
atuará no projeto.
Nossa intenção neste artigo é mostrar aos
profissionais que atuam diariamente em sala de aula um cenário da produção
e do consumo de jornais diários brasileiros. Ao mostrarmos que a
segmentação jornalística e o conseqüente estabelecimento de nichos de
leitores (estamos falando especificamente do jornal comunitário) podem ser
algo trabalhado em sala de aula, estamos propondo a realização de um novo
modelo de jornal escolar. Estamos, nesta proposta, deixando de lado aquele
modelo tradicional de jornal escolar em que os alunos falam do dia-a-dia
da escola ou reproduzem redações escolares feitas nas aulas de Português
sobre temas genéricos. Pretendemos conscientizar os professores sobre a
importância da produção de um veículo que, embora produzido no espaço
escolar, fale da comunidade, das pessoas que fazem o cotidiano do local.
Imaginamos, assim, abrir os portões da escola para que a comunidade se
aproxime de modo a se sentir parte integrante neste processo, que tenha
voz nas decisões de como e o que publicar. Acreditamos que uma publicação
jornalística produzida em parceria com a comunidade a que se destina perde
o ‘tom’ de trabalho escolar (cobranças, avaliações, repreensões) e ganha
nova dimensão ao ultrapassar os muros da escola. É a produção pelo prazer
da participação.
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