É DE VERDE QUE SE TORCE O PEPINO!

Carmen Lozza
Professora aposentada da UFF, Diretora do Programa Jornal e Educação - ANJ

Dias e dias fiquei a pensar sobre como falaria, por onde caminharia, na minha participação nesta Mesa. Com que perspectiva falar e quais aspectos abordar quando o título - “É de verde que se torce o pepino” - causava-me um certo desconforto, pois que falava (para mim, pelo menos, que não entendo de pepinos, estes, os da natureza mesmo), falava de algo anti-natural, dando-me a impressão de tratar-se de algo externo, uma força, que parecia ir contra o jeito de ser do pepino, como algum elemento exterior a torcê-lo, contrariando-lhe o seu destino natural... E, nesse contexto, o título parecia indicar que crianças, tal qual pepinos, deveriam ser torcidas desde cedo para gostarem de ler. E no meu caso específico, me parecia que o “retorcimento” que meu discurso deveria abordar deveria ser no sentido de que gostassem de ler jornal, já que o objeto a que quase sempre associam a minha fala é este, pelos estudos e práticas que venho construindo nas duas últimas décadas.

Qual não foi a minha surpresa?

Lendo meus jornais, como faço todos os dias, uma matéria me chamou a atenção, no jornal O GLOBO, do Rio de Janeiro:

Londres – Muitas plantas são capazes de fertilizar a si mesmas, mas biólogos chineses acabam de descobrir uma flor que vai um pouco além disso. A orquídea Holcoglossum amesianum, que floresce em regiões muito secas e sem ventos, desafia a gravidade para adaptar a parte masculina de sua flor ao formato necessário à fertilização de sua parte feminina. (...)

Vejamos a seguir:

Aliás, não foi a primeira e nem será, com certeza, a última vez que quando estou com alguma questão latente em minha alma, cai em minhas mãos algum material ou meus olhos são atraídos por alguma informação que me ajuda a pensar o assunto. Pois ali estava mais uma vez o ocorrido, quem sabe para me provar mais uma vez que o interesse de cada um é fundamental para que narinas, olhos, pele, boca, todos os sentidos, nossa atenção, enfim, sejam atraídos para aquilo que para nós se faz importante naquela hora?

Pois li e reli o artigo, ele que, numa visão fantasiosa, parecia estar ali, perdido naquela página de jornal, só mesmo para atrair a minha atenção, ele que de saída me fez encantar-me por planta tão dona de si, tão invejável na segurança em ir atrás de seus próprios sonhos e necessidades, ele que já numa segunda - ou terceira - leitura já me fez ponderar outras tantas coisas a respeito daquela mesma planta, já agora vista numa dimensão diferente: plantinha presunçosa, não???

Diante das sucessivas leituras, naqueles momentos posteriores à primeira sensação que a matéria causou, algumas perguntas foram surgindo:

- Flor se retorce para fertilizar-se a si mesma? Como? Como assim?
- E o pepino, quem o torce?
- A ele dirigida, uma torcida, uma torção, de fora, de quem, pra quê?
- O que há de comum entre o pepino e a flor?

O que me dizem, caros participantes desta sessão, sessão que para falar do prazer de ler se retorce falando de pepinos - e na qual, para complicar mais ainda, eu introduzo a história de uma flor tão auto-suficiente ?

O que pude perceber debruçando-me sobre a história da flor, ligando-a à história do pepino é que ambas parecem ser unilaterais. Senão, vejamos:

- na história do pepino, está a história da ação externa, como que indo contra a natureza dele, mas nela está presente a valorização da ação educativa... Se se fala em torcer o pepino é porque a força externa, no caso a ação educativa, promove retorcimentos, mudanças, alterações, mesmo que não saibamos a profundidade e nível de permanência delas...

- Já na história da flor, parece estar presente a história do desejo, capaz de superar até mesmo a lei da gravidade. Este é um lado da questão. Mas, analisando-se mais a fundo a questão, vemos que esta é a história de uma auto-suficiência irreal... Quem ou o quê pode satisfazer-se a si próprio tão isoladamente e de maneira tão completa?

As coisas que estão no mundo precisam ser vistas de maneira mais abrangente. Se não, corremos o risco de termos uma visão equivocada e/ou incompleta da realidade... Ou não?

Num nível mais concreto e objetivo, quanto aos Programas de Jornal e Educação, diante da questão - em que medida têm torcido o pepino de promover o prazer de ler jornais junto às crianças -, tenho a dizer que, as informações extraídas do Levantamento Nacional que fizemos em 2004 e que foi atualizado em 2005, revelam que:

    NÍVEIS DE ENSINO ATENDIDOS PELOS PROGRAMAS DE JORNAL NA EDUCAÇÃO 

                     Nível de ensino

   Percentual

Educação Infantil

16 %

1o e 2o Ciclo do Ensino Fundamental

22 %

3o e 4o Ciclo do Ensino Fundamental

25 %

Ensino Médio

16 %

Ensino Superior

05 %

Educação de Jovens e Adultos

14 %

Educação Especial

01 %

Ensino Profissionalizante

01 %

Ou seja: a maioria de nossos 55 programas está voltada para o Ensino Fundamental (47%). Apenas 16% têm por público as crianças que freqüentam as classes de educação infantil. A prioridade tem sido, sem dúvida, o atendimento às várias classes de ensino fundamental.

E para concluir, o que posso dizer é que, na atual conjuntura, para descobrirmos como fazer esta “mágica” de educar para a leitura, captando desejos e interesses, neste momento tão difícil da escola brasileira, é que muito pouco eu tenho a trazer para este debate.

Como saber do desejo por ler quando a calamidade está instalada em nossa sociedade e, por extensão na escola brasileira? Quando a violência está a exigir dos professores um saber de que não dispõem para levar a bom termo a sua tarefa de educar? Quando problemas de falta de ética atingem grupos que lideravam campanhas e movimentos pela ética na política? quando, enfim, a desesperança está clamando pela recriação de uma nova forma de se ter esperança, o que não é absolutamente fácil nem simples?

Para não dizer que precisamos de tudo ou de quase tudo, digo apenas que "precisamos de muito pouca coisa. Só uns dos outros." (Carlito Maia)

Sozinhos, cada um por si, não conseguiremos nem cuidar da gravíssima crise da sociedade brasileira nem tampouco de tudo que dela invade a escola, seja simbolicamente seja num nível mais concreto, e que nos abate, nos amedronta e nos deixa consumidos na busca de alternativas difíceis de serem imaginadas, tentadas e que se mostrem factíveis.

Por isto, nós e os outros, adiante, juntos, respeitando diferenças, para podermos dar conta de tamanha tarefa histórica!