VI Seminário “Leitura e Escrita
em Língua Estrangeira”

SINOPSE - Este mundo é muito misturado... O seminário foi pensado sob o signo da mistura, e da complexidade. Tendo como função precípua possibilitar e facilitar o acesso ao conhecimento, a ciência e a didática correm o risco constante de resvalar para a hipersimplificação, dividindo o campo do saber em pedaços tão distintos e pequenos que, ao final das contas, perde-se a noção do todo – e da complexidade das coisas no mundo real. E essa é provavelmente uma das maiores armadilhas a serem percebidas e desarmadas pelo olhar crítico e engajado – pois daí para o discurso panfletário e inócuo, para o dogmatismo e a intolerância, o passo é pequeno. O foco central recai pois nalgumas compartimentalizações relativamente rígidas hoje existentes na pesquisa sobre a linguagem e no ensino de línguas, como a separação entre quatro “habilidades” tratadas como se fossem estanques, a distinção rígida entre língua materna e estrangeira, as diferentes instâncias de criação e disseminação do saber (como escola e universidade), as perspectivas locais e globais etc. O objetivo central é destacar estudos e iniciativas com potencial para quebrar tais barreiras e estimular sinergias. Público-alvo são profissionais que atuam com pesquisa e ensino envolvendo a linguagem, nos mais diferentes níveis de formação e contextos institucionais, porém com ênfase maior nas instâncias e políticas públicas. Pano de fundo é a relevância (talvez insuspeitada) desses tópicos para o discurso escrito em línguas estrangeiras.

TEXTO BASE - Este mundo é muito misturado...

Que isso foi o que sempre me invocou, o senhor sabe: eu careço de que o bom seja bom e o ruim ruim, que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza! Quero os todos pastos demarcados... Como é que posso com este mundo? A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero. Ao que, este mundo é muito misturado... (Guimarães Rosa)

Os limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo. (Wittgenstein)

Para quem quer compreender e tentar desfazer as armadilhas que há no mundo, não há talvez armadilha maior do que a da hipersimplificação – que leva não raro a compartimentalizações e dualismos rígidos e dogmáticos, do tipo nós/eles, certo/errado, bom/ruim etc. Demarcando-se todos os pastos, fica mais fácil distinguir a quem pertence o quê, quem é amigo de quem, e o próprio pensar faz-se, no limite, desnecessário, pois já se tem resposta pronta para todas as perguntas. Mas, como lembra Riobaldo no Grande Sertão: Veredas, este mundo é muito misturado, e não há respostas fáceis, nem válidas para sempre.

No ensino de línguas estrangeiras, parece haver muitos pastos demarcados: ensino comunicativo vs. gramatical, escrita vs. oralidade, língua estrangeira vs. língua materna, registro coloquial vs. formal, didática genuinamente nacional vs. importação de métodos, e por aí vai. Na medida em que apontam para campos claramente constituídos, com autonomia própria, tais demarcações têm certamente uma boa dose de validade. Mas elas começam a ser problemáticas quando se tornam categorias rígidas, avessas a inovações e cegas para o que acontece fora delas.

Tendo isso em vista, propõe-se aqui que, além de trabalhar a fundo nossos próprios campos, olhemos também para o lado e vejamos se não há algo a ser aprendido com nosso vizinho – afinal, como também lembra Riobaldo, mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.

Nesse sentido, nosso primeiro eixo de discussão diz respeito à relação entre oralidade e escrita. Discursos certamente distintos, com regras próprias – mas seriam eles totalmente estanques? Parece que não, como mostram iniciativas que integram componentes orais à abordagem instrumental de leitura (sem abrir mão das peculiaridades do registro escrito, e de sua valorização), com resultados promissores na própria compreensão, e na retenção do que foi aprendido.

O segundo eixo diz respeito à relação entre língua materna e língua estrangeira. Seria preciso, ou mesmo possível, abstrair da língua materna do aprendiz, focando somente na língua-alvo, como quer a abordagem estritamente monolingual dos métodos importados? Ou seria possível, e mesmo desejável, trabalhar de forma contrastiva, sobretudo em nosso contexto de aquisição de Língua Estrangeira (LE) – diverso daquele de aquisição de Segunda Língua (L2)?

Combinando os dois eixos acima, seria possível explorar o domínio que o aprendiz tem do discurso oral, em sua língua materna, para facilitar a aquisição do discurso escrito numa língua estrangeira? Para o professor, não seria pelo menos necessário conhecer bem as características do discurso oral (na língua materna), até mesmo para compreender melhor as dificuldades de seus aprendizes – e os “ganchos” que podem ser feitos entre o que já é conhecido e o que se quer conhecer?

Na própria terminologia “língua estrangeira” vs. “língua materna”, já parece estar pressuposta uma nítida distinção entre “nós” e “eles”. Mas teríamos bastante claro quem é esse “nós” – sobretudo num país misturado como o Brasil? E por que motivo queremos aprender a língua “deles”? (Quiçá para expandir os limites do meu mundo?) Qual é minha postura diante desse “outro”? Vejo-o como um parceiro, uma oportunidade, um risco? A relação é de (re)conhecimento e respeito mútuo, ou passa por uma instrumentalização em que um pensa e o outro apenas executa, de modo cego e acrítico?

Esse é nosso terceiro eixo de discussão: como superar as barreiras entre, por exemplo, a universidade e a escola, ou entre nossa realidade sociocultural e os impulsos metodológicos (ou políticas de ensino) que não raro atendem mais a interesses de mercado do que educacionais – muitos deles vindo de fora e incorporados acriticamente? Qual é o papel de cada um, como fazer para colaborar sem hierarquias rígidas, mas tampouco sem ignorar o quadro de precariedade ainda tão presente no país? E, finalmente, como levar em conta a precariedade sem dela tornar-se escravo – reconhecê-la para superá-la?

Além das questões agrupadas em torno dos eixos de discussão acima, ou de sua combinação, são bem-vindas contribuições que explorem o universo da leitura e produção escrita em língua estrangeira, nas mais diversas perspectivas teóricas e em diferentes níveis de formação e contexto de uso – sobretudo aquelas que apontem para o potencial de sinergia entre diferentes áreas de atuação, ou de conhecimento.

 

PROGRAMA

11 de julho (quarta feira)

Plenária - Oralidade e escrita - Vandersi Sant’Ana Castro (Unicamp)
Local: Auditório II - Centro de Convenções

Plenária - Gêneros discursivos e variação intercultural no ensino de língua estrangeira - Lúcia Pacheco de Oliveira (PUC-RJ)
Local: Auditório II - Centro de Convenções


12 de julho (quinta feira)

Palestra - "Leitura e escrita, língua materna e língua estrangeira", Matilde Scaramucci (DLA-IEL-Unicamp)
Local: Auditório II - Centro de Convenções

Plenária: Língua estrangeira na rede: armadilhas em vista para as políticas públicas - Romilda Mochiuti (CEL-Unicamp e PUC-SP), Maria Teresa Celada (USP)
Local: Auditório II - Centro de Convenções


 

13 de julho (sexta feira)

Síntese das Discussões e Avaliação
Local: Centro de Convenções - Auditório III

SÍNTESE DO SEMINÁRIO