Depoimento

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... Fui procurar a Diretora de Cultura, na época a filha de um reconhecido político de Campinas. Expus o problema e, sem muita conversa, ela me disse que não pagaria essa diferença ....

   COMO O COLE VIROU BIANUAL
                                                         Ezequiel Theodoro da Silva

Guardadas na minha memória, há muitas histórias a respeito da realização dos COLEs em Campinas. Mas uma é de especial interesse porque descortina a primeira decepção que tive com o poder público, ou melhor, com os representantes do poder público lá trás no tempo. É ainda de interesse porque o COLE nasceu anual e assim foi realizado seguidamente em 1978 e 1979. Mas em 1980 deixou de sê-lo, passando a ser promovido de 2 em 2 anos. O que teria acontecido?

O 2º COLE, de 1979, foi realizado no Centro de Convivência Cultural de Campinas. Como ainda não existia a ALB (fundada posteriormente em 1981), o evento nasceu na Faculdade de Educação da Unicamp tendo como co-pomotora a Secretaria Municipal de Cultura de Campinas, à época dirigida por José Roberto Magalhães Teixeira, o popular "Grama", depois prefeito de Campinas em duas gestões intermitentes.

Para agitar ainda mais a cidade e fazendo justiça às idéias arquitetônicas de Fábio Penteado (autor do projeto do Centro de Convivência), desenhei um mega-evento chamado "Feira das Feiras" para acontecer junto com o 2º COLE. Dessa forma, no mesmo local foram realizadas várias feiras paralelas: do livro, do verde, do artesanato, do sorvete e dos quitutes, além de serviços como banca de troca de livros, mostra de cinema baseada em livros da literatura brasileira.

As atividades foram um grande sucesso: além dos congressistas oriundos de várias regiões brasileiras, milhares de pessoas visitaram o local, fazendo plena justiça ao espaço que, como desejava o arquiteto Fábio Penteado, deveria promover a integração de toda a população campineira. Um espaço, inclusive, que funcionasse 24 horas por dia, dinamizando arte e cultura.

Terminado o evento, houve um déficit daquilo que hoje corresponderia ao valor R$ 5,00 (cinco reais). Fui procurar a Diretora de Cultura, na época a filha de um reconhecido político de Campinas. Expus o problema e, sem muita conversa, ela me disse que não pagaria essa diferença. Fiquei muito pê da vida e marquei com o Grama uma reunião para ver se havia maior sensibilidade por parte do próprio secretário.

Sinceramente, não considerava justo que eu, com tamanho esforço despendido voluntariamente, arcasse com esse pequeno prejuízo. Outrossim, os benefícios gerados para a municipalidade valiam muito mais do que aqueles magros cinco reais.

Grama me recebeu e quis me reembolsar do próprio bolso. Isto, logicamente, para não ferir as suscetibilidades da sua Diretora de Cultura, filha do então prefeito da cidade. Agradeci sinceramente e disse a ele que aquele tipo de expediente não era moralmente correto e feria o meu quadro (sempre muito rígido) de valores. Sem querer, acho que com essa atitude fiz ver ao Grama o tipo de pessoa que eu era...

Paguei a conta muito a contragosto, mas paguei. Restou-me a satisfação de ter realizado o evento e ter mostrado à cidade que havia sim formas concretas de chacoalhar o Centro de Convivência com atividades artísticas e educacionais de grande magnitude.

Em 1980 o COLE não foi realizado - foi a minha forma de protestar contra a Prefeitura de Campinas. E assim, meio que na marra, começou a ganhar a sua bianualidade, voltando ao ar em 1981, quando ganhou a sua 3ª edição e nunca mais deixou de ser promovido, com ou sem prefeituras pelo meio, pois agora estava na alçada a ALB a sua organização e promoção.

Para surpresa do destino, em 1983 o Grama, agora eleito Prefeito Municipal de Campinas, me convidou para exercer o cargo de Diretor de Cultura da cidade. Talvez aqueles cinco reais tenham mostrado a ele um pouco mais do meu caráter. Sei lá!

Só sei que aqueles cinco reais mudaram os rumos de um evento que, ao longo do tempo, veio a se transformar no principal fórum de debates e discussões sobre a problemática da leitura no Brasil.

Copyright ©2007, by ALB/Campinas, SP, Brasil

 

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