Houve um tempo em que as histórias em
quadrinhos só entravam na escola escondidas.
Hoje, porém, os gibis podem ser excelentes
aliados do professor no processo de ensino.
É o que revela o professor de Comunicação,
jornalista e cartunista DJota Carvalho neste
livro. O autor mostra várias possibilidades
de utilização dos gibis em sala de aula,
tanto como ferramenta paradidática quanto
como atividade multidisciplinar. Para isso,
primeiro situa o leitor no mundo dos
quadrinhos, apresenta suas peculiaridades e
sua história, bem como a relação entre as
chamadas HQs e a educação. Depois, propõe
uma série de exercícios com personagens e
histórias de diversos tipos (de quadrinhos
infantis e de super-heróis aos gibis
japoneses, os mangás). São atividades fáceis
de aplicar em todas as disciplinas:
Português, Matemática, Ciências, História,
Geografia etc. Ao final encontram-se dicas
para que professores e alunos possam
produzir uma história em quadrinhos em sala
de aula, de maneira divertida e educativa,
provando que, definitivamente, a Educação está no gibi.
Entrevista com DJ Carvalho
No passado, quase todos os leitores passavam
pela "fase do gibi". Com o advento da
televisão e Internet, você acha que os gibis
perderam a força e o encantamento?
Por mais incrível que pareça, não. A TV
chegou a ser uma ameaça para os quadrinhos
nos anos 70, quando popularizou séries de
heróis e desenhos animados ao mesmo tempo em
que a crise de petróleo inviabilizava a
maioria das produções por aqui (o papel
estava muito caro...). Atualmente, porém,
com a estabilidade financeira as editoras
não têm mais problemas em manter os títulos
e trabalham com grande variedade de títulos
em quadrinhos e preços que variam do mais
acessível aos exorbitantes, no caso de
quadrinhos de luxo, produzidos para públicos
mais elitizados. Estão entre os motivos que
garantem a popularidade, mas não são os
únicos. Na TV, boa parte dos desenhos
animados que fazem sucesso saíram das
histórias em quadrinhos ou ganharam versões
quadrinizadas. Apenas para citar alguns
casos, podemos falar em Dragon Ball, Batman,
desenhos Disney e até a própria Mônica. Por
outro lado, quadrinhos podem ser lidos a
qualquer momento e em qualquer lugar,
diferentemente da TV ou da própria Internet,
que ainda é inviável para milhões de
brasileiros. Diga-se de passagem, a rede de
computadores tem ajudado muito na divulgação
de personagens, autores e até
disponibilizando Histórias em Quadrinhos
gratuitamente on line - e ainda assim os
leitores preferem comprar a versão em papel.
Por fim, há ainda a atração dos leitores que
querem desenhar histórias, virarem autores,
e compram gibis para saber como fazer,
inspirarem-se e ficarem atualizados.
Ainda há quem afirme que os gibis são
instrumentos de alienação das crianças e,
portanto, perniciosos à formação das
crianças. Qual é a sua reação frente a esse
tipo de idéia?
Em geral elas são frutos de preconceito,
muito disseminado no início dos anos 60
graças a uma briga entre os jornalistas
Roberto Marinho e Samuel Weiner - este
último publicou uma série de artigos, parte
deles retiradas de um livro chamado "Sedução
do Inocente", de Frederick Wertham, que
atacavam os quadrinhos e diziam que eles
causavam lerdeza mental, comportamentos
anormais, homossexualidade e faziam com que
crianças cometessem crimes. O próprio
Wertham pediu desculpas pelo que escreveu
alguns anos depois do lançamento do livro e
hoje já temos pesquisas que demonstram o
contrário: crianças que lêem gibis conseguem
ler e interpretar textos melhor do que
aquelas que não lêem. Aliás, segundo uma
pesquisa da Confederação Nacional dos
Trabalhadores da Educação, alunos de
professores que lêem gibis têm melhor
desempenho escolar, fato atribuído pela CNTE
a uma suposta aproximação de linguagens
entre alunos e professores. É claro, porém,
que existem gibis ruins, assim como há
livros e filmes ruins. É preciso haver algum
tipo de critério de seleção e, se estamos
falando de crianças, é preciso que pais e
educadores façam parte do processo de
escolha. De maneira geral, porém, posso
afirmar com todas as letras que ler qualquer
gibi é menos pernicioso que ficar duas horas
na frente da televisão aberta (rs). Dizer
que gibis alienam ou são perniciosos pelo
simples fato de serem gibis é uma afirmação
duplamente equivocada, pois é errada quanto
ao conteúdo e totalmente anacrônica.
Em muitas bibliotecas infanto-juvenis
existe uma seção específica chamada "gibiteca".
De que forma iniciar uma seção desse tipo
numa escola?
Bem, primeiro a escola precisa ter
interesse e infra-estrutura para isso. Gibis
são diferentes de livros, pois são bem mais
frágeis, e em geral (excetuando-se "graphic
novels" e edições especiais), o papel é de
qualidade bem inferior. Por causa disso, é
preciso mais cuidado no armazenamento e
manuseio, para evitar dobraduras e
rasgos. Muitas gibitecas, por exemplo, não
emprestam os gibis para serem levados às
casas, apenas os disponibilizam para leitura
dentro de seus espaços. Para iniciar o
acervo é bastante fácil: a maioria das
editoras, ao receber um projeto bem
fundamentado por parte da escola, colabora
com exemplares de seus títulos. Como muita
gente não guarda gibis, uma campanha na
própria escola e arredores pode trazer
muitos títulos. Muitos colecionadores também
fazem doações quando sabem da existência de gibitecas, por isso é interessante alardear
a criação do local. Por fim, há vários
salões de humor e eventos voltados para
quadrinhos em todo o país. A maioria das
comissões organizadoras destes eventos, se
comunicada pelas escolas, faz parcerias e
pede doações durante o evento para
encaminhar às escolas.
Quais os argumentos que você usaria para
os professores lessem e estudassem o livro
que você lançou e que estamos tratando aqui
na Linha Mestra, "A educação está no gibi"?
Acredito que o argumento mais forte seja:
quadrinhos são divertidos, baratos, atraem o
aluno e são fáceis de usar e fazer. Faço
palestras para professores há 11 anos sobre
como usar HQs em sala de aula e o único
relato negativo que ouvi foi "quero usar,
mas não sei como". Justamente por isso
escrevi o livro. A linguagem é fácil, há
dezenas de ilustrações de quadrinhos que a
maioria das pessoas gosta e até mesmo uma
mini-oficina. Aliás, por causa destes
atrativos tem muita gente fora da área da
Educação comprando o livro, simplesmente
para saber mais sobre os quadrinhos. Seja
como for, acredito que nos dias de hoje,
quando o professor disputa a atenção com
videogames, Internet, TV e coisas piores,
como violência e drogas, qualquer reforço
para ajudar no ensino é bem-vindo. E
histórias em quadrinhos podem ser um senhor
reforço, se bem utilizadas.