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retina de...
WAGNER GERIBELLO
O QUE O
JORNAL TEM DE PEDAGÓGICO PARA MELHOR
QUALIFICAR LEITURAS E LEITORES NO BRASIL
ATUALMENTE
A cena foi
mais ou menos assim: manhã, oito horas, sala
de espera. Dez ou doze jovens, finalistas de
um processo de seleção de emprego, em uma
empresa de grandes proporções, contam o tempo
em silêncio e aguardam. Salário compensador,
amplas possibilidades de carreira, mais o
horizonte de trabalho criativo e envolvente,
alimentavam os candidatos de expectativa,
ansiedade e nervosismo. Até ali haviam vencido
múltiplas e árduas fases de seleção, passando
por análise de currículo, teste “on line”,
dinâmica de grupo, avaliação de aptidões,
provas, entrevistas. A multidão de candidatos,
contada em milhares no início do processo,
caiu para a casa das centenas, até ficar
reduzida àquela dúzia de sobreviventes
vitoriosos, (des)acomodados na sala de espera,
à espera do teste final: entrevista com o
gerente responsável pela vaga, futuro chefe do
candidato selecionado.
Esperavam, todos, pelo procedimento comum:
alguém chama, o candidato entra na sala do
gerente, conversa, convence e, quem sabe,
vence... nada disso. Foi o gerente que entrou
na sala de espera. Bateu um olhar severo no
olho de cada candidato e, ao grupo, endereçou
uma única pergunta, direta e reta: - quem já
leu o jornal hoje de manhã levante o braço...
Poucos ergueram timidamente a mão espalmada á
altura do rosto. A maioria permaneceu
estática, olhares e movimentos da boca
expressando surpresa e incompreensão. Todos
entenderam a pergunta, mas ninguém, ainda,
compreendera a razão do perguntar. Foi o
gerente mesmo quem acabou com as dúvidas,
apontando dedo e olhar na direção de cada um
dos candidatos que restava com a mão erguida:
– você, você, você... ficam. Vamos conversar.
Os demais estão dispensados, pois só posso
trabalhar com pessoas que lêem jornal logo
cedo, para se manter bem informadas (frisou a
locução com gestos e timbre de voz) o tempo
todo, sobre um mundo que muda da noite para o
dia.
Como jornalista e professor de jornalismo,
acredito que a história (real) dispensa
elucubrações outras sobre a importância da
leitura do jornal para o que chamarei aqui, na
falta de termo melhor, de ajuste à dinâmica e
ao meio social.
Se há um tempo e um lugar em que o indivíduo
pode sentir-se integrado à sociedade, esse
tempo não é somente hoje e o lugar não é
somente aqui, mas compreende toda a vasta área
de influência da chamada sociedade ocidental
contemporânea, na qual o pertencimento, a
aculturação e o entrosamento social não
representam mais uma fase específica e um
lugar determinado, mas são, agora, atividades
permanentes, que obrigam o indivíduo a
ajustar-se a ambientes – tecnologia, política,
economia, cultura – que mudam com níveis cada
vez mais fortes de radicalismo e velocidade.
Como ponderou o gerente da história, o mundo
que foi dormir ontem, não é o mesmo que
acordou hoje. Antípodas mantém a roda girando
e mudanças acontecem sempre, a todo momento,
pois ao sono de uns, corresponde a vigília de
outros, que continuam alterando o mundo.
Conseguirão ajustar-se à sociedade aqueles que
derem conta das mudanças, mister que não pode
prescindir da leitura.
É certo que as mudanças sociais compreendem
ampliação proporcional do cardápio de fontes
às quais o indivíduo pode recorrer para
arrecadar informações necessárias ao
mencionado ajuste contínuo à sociedade.
Todavia, o conjunto das teorias
comunicacionais indica que, até o momento, não
apareceu processo ou sistema capaz de igualar
ou superar a leitura como fonte de informação
e formação das pessoas. Por isso mesmo, o
gerente não perguntou sobre ver televisão ou
ouvir rádio, mas foi incisivamente ao ponto
vital que diferencia a formação pela aquisição
de informação, ou seja, leitura.
Cotidiano, freqüente, diversificado e amplo, o
jornal impresso, comparado ao rádio-jornal,
telejornal ou infojornal (se me permitem o
tema), abriga qualidades e vantagens que,
enumeradas, certamente ultrapassariam as
dimensões propostas para este artigo, cabendo,
no entanto, assinalar que a mais importante
delas é, sem dúvida, a leitura, no sentido
mais “oficial” do termo, entendida como
processo que permite ao indivíduo localizar e
tomar conhecimento de dados, processar esses
dados, transformando-os em informação e
refletir sobre as informações para criar
concepções próprias de mundo. Vale dizer que,
do ponto de vista intelectual, a leitura é o
meio comunicacional que mais contribui para
que a pessoa se transforme em indivíduo.
O pensamento popular e mesmo alguns teóricos,
à importância do jornal como elemento
essencial de formação intelectual, têm
contraposto a idéia de que a evolução
tecnológica tende a remeter o jornal ao
ostracismo e ao desaparecimento, substituindo
a folha diária por mídias mais mirabolantes do
ponto de vista tecnológico. Todavia, a
realidade mostra que não é bem assim, pois, se
é certo que o aporte tecnológico no campo das
comunicações efetivamente reconfiguram funções
e posições do jornal, em contrapartida,
estudos diversos indicam que essa
reconfiguração não vai na linha da pura e
simples substituição do texto impresso no
papel por suportes virtuais, condenando aquele
ao inevitável desaparecimento. O “scholar”
americano Wilson Dizard (1998), ao analisar as
tendências da mídia no primeiro quarto do
século XXI, pelo viés da tecnologia, lembra
que o jornal “ainda é a peça central das
atividades da mídia impressa americana” e que,
historicamente, “é a indústria que tem
definido os padrões e as responsabilidades da
mídia na sociedade americana”. Afirma, ainda,
Dizard “Os jornais estão entrelaçados na
urdidura e na trama da experiência americana”,
referindo-se à história e à cultura. Sobre o
mesmo tema e de modo mais enfático, escrevem
os pesquisadores Melvin de Fleur e Sandra
Ball-Rokeach (1993), em Teorias da Comunicação
de Massa: “a pesquisa sobre os tipos de usos,
satisfações e gratificações dos leitores pelo
jornal diário indica que ele está
profundamente envolvido na vida quotidiana dos
cidadãos comuns. Ele fornece certos serviços e
satisfações ímpares”. Uma dessas satisfações
é, sem dúvida, a ampla possibilidade de
aprender (no sentido pedagógico do termo),
consolidando um aspecto que, até aqui, nenhuma
alternativa de mídia conseguiu superar.
Por fim, essas características sumariamente
expostas representam os fios que entrelaçam o
jornal à proposta que este artigo se propôs
debater, quer seja a qualificação do leitor.
Enquanto fonte de informação rica, mas ao
mesmo tempo imediata, dinâmica e
permanentemente atualizada, o jornal não só
traz, em si mesmo, subsídios para o
conhecimento e o posicionamento ante a
realidade, como também, pelo seu caráter de
veículo impresso escrito, estimula o exercício
da leitura, o que faz do leitor contumaz do
jornal, também um potencial leitor assíduo de
outras fontes, entre as quais o livro,
interessado e habilitado à formação
intelectual pela leitura.
Não é por outra razão que o gerente mencionado
no início do artigo, ao contar a história que
protagonizou, confessou que o critério de
seleção não indicava tão somente futuros
funcionários bem informados, como também – e
principalmente – destacava pessoas com elevado
potencial para a aquisição continuada de
conhecimento. Em outras palavras, leitores.
BIBLIOGRAFIA
De FLEUR,
Melvin e
BALL-ROKEACH, Sandra. Teorias da
comunicação de massa. 5. ed. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1993.
DIZAR, Wilson. A nova mídia. 2. ed.
rio de janeiro: Jorge Zahar, 1998.
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Wagner J. Geribello
é jornalista, sociólogo, doutorando na
Faculdade de Educação - Unicamp.
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