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... O que
aconteceu com esse aluno nas séries iniciais do seu
letramento? É culpado? De quem é então a culpa? Por
que esses erros continuam e vão continuar...? |
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Valmir Contiero (*)
Comumente, nas
reuniões pedagógicas, quando a orientadora
pedagógica pede para alguém ler ou escrever algo,
ouve-se de imediato: Eu não sou professor de
Português; Quem sabe ler (ou é da parte da leitura)
é o professor de Português; Eu não sei escrever,
quem sabe isso, é o professor de Português; Eu fiz
(essa ou aquela disciplina na faculdade) para fugir
do Português! Por outro lado, pergunta-se: Como você
se formou (e constituiu-se) Professor? Você não teve
que aprender a ler e a escrever? Como, então, chegou
até aqui? Quem escrevia seus relatórios? Seus
trabalhos? Quem os reescrevia? Quem lia e relia seus
livros específicos?
Todos nós, professores, somos professores de
linguagem. Todos nós trabalhamos com a língua
portuguesa. Ou estou enganado? Portando, temos que
discutir, conjuntamente, técnicas e metodologias de
leitura e de escrita, pois, queremos formar um aluno
global, entendedor do seu mundo, participante da
sociedade e, isso só é possível através da leitura e
da escrita. E todo esse trabalho é do professor. De
todos os professores, pois somos falantes e
escritores de língua portuguesa.
Nesse sentido, coloco abaixo, algumas questões.
Comecemos com exemplos claros e objetivos:
O brazio foi discuberto por cabral.
O qadrado de ceis é trinta ceis.
Analisemos as duas frases acima.
O aluno domina muito bem o conteúdo das disciplinas,
no caso, História e Matemática. Entendeu
perfeitamente o assunto tratado por ambas as
professoras. Nesse caso, as professoras deram como
certas as respostas sobre as questões solicitadas.
Portanto, esse aluno obteve um conceito máximo.
Como eu relatei acima, queremos formar um aluno
global, cidadão que entenda nas “entrelinhas”, que
seja crítico e etc., discursos esses presentes em
reuniões das mais variadas possíveis nas escolas e
em secretarias de educação. Um aluno que chega na
5a. série escrevendo daquela maneira, como descrito
acima, será barrado no baile, mais cedo ou mais
tarde, por professores conscientes que não querem
mascarar a educação ou, mais especificamente, esse
aluno que acha que sabe, mas, na verdade não sabe se
comunicar “escritamente” em sua própria língua, ou
seja, o português.
O que aconteceu com esse aluno nas séries iniciais
do seu letramento? É culpado? De quem é então a
culpa? Por que esses erros continuam e vão continuar
se não se fizer um trabalho englobando todos os
professores das diversas áreas e disciplinas? O que
foi feito com o “erro” desse aluno ao longo da sua
vida estudantil? Passou-se por cima e não se
realizou nenhum trabalho de investigação em relação
a esse e a outros erros? Ou simplesmente, não se deu
importância e chegou-se à conclusão que “esse aluno
tem a vida inteira para aprender”? Se a questão for
essa, então, a culpa é do professor, infelizmente!
Não temos a vida inteira para aprender não, e muito
menos sermos alfabetizados! Esquece-se, nesse
percurso, que a vida vai passando, vamos ficando
maduros e, as coisas vão se cristalizando em nossa
memória, o mesmo acontece com os erros, com a
incoerências.
Voltando àquele aluno, lá de cima, que escreve
daquele jeito. Ele obteve nota máxima nas
disciplinas de História e Matemática. Em Português,
fatalmente, ele não terá o mesmo conceito, pois, o
professor de Português corrigirá os erros
ortográficos, de concordância, de estruturação
textual, de coesão e coerência, pois essa é a
obrigação desse professor.
No final do ano, com certeza, teremos algumas
situações a enfrentar. Primeiro, esse aluno será
aprovado em todas as disciplinas, menos em
Português; ou seja, será aprovado pelo Conselho de
professores e seguirá seus estudos na série
seguinte, cometendo os mesmos erros, ouvindo-se a
mesma ladainha “ele é criança ainda, tem a vida
i-n-t-e-i-r-i-n-h-a para aprender...”. Segundo, se o
professor de Português tiver convencimento sobre
todos os colegas, esse aluno não seguirá seus
estudos na série seguinte, ou seja, será retido.
Terceiro, esse aluno “passará” de ano, pois, em
Português, como o professor corrigiu os erros, e,
esse aluno entendeu um pouco do processo, ele será
aprovado. Isso acontece muito, porque esse aluno
sabe que em Português ele é e será sempre corrigido.
Esse aluno esmera-se na língua. Procura no
dicionário a palavra correta. Presta mais atenção na
hora de escrever. Pergunta ao professor. E, por aí
vai. Nas outras disciplinas isso não acontece, pois
ele (ou ela) não é professor de português mesmo! Ele
não corrige! A gente pode escrever do jeito que a
gente quiser! Então, para esses professores ( e
também para os seus alunos), o conteúdo é o mais
importante, a língua não. O vilão é o Professor de
Português.
O que fazer então? Como as outras disciplinas
poderiam “ajudar” o professor de Português, esse
vilão, que “mete” medo na criançada?
Em primeiro lugar, acredito que todos os professores
devam empenhar-se em trabalhar com a língua
portuguesa. O conteúdo de cada disciplina é
extremamente importante para o amadurecimento
intelectual do aluno, mas, a comunicação oral e a
escrita ultrapassa esse grau de importância, pois,
na vida, vamos precisar desses dois instrumentos
para nos comunicar e nos apresentar frente aos
desafios do cotidiano.
O professor deverá adaptar o seu conteúdo instigando
o aluno a ler e a escrever, usando para isso,
estratégias de leitura das mais variadas possíveis -
isso já é da parte cooperativa e colaborativa do
professor de português, da sua orientação às demais
disciplinas.
Dentro da lógica de que todos somos professores de
linguagem, nossa função e compromisso com a educação
de crianças, jovens e adultos é formar leitores
competentes, ajudá-los a relacionar e a estabelecer
informações frente aos diversos textos que as
disciplinas apresentam – por sinal um material
riquíssimo. O professor dever ler junto com o aluno
e mostrar como um texto se constitui; como a palavra
é usada e articulada dentro dele. Uma outra coisa
importante a ser realizada pelos professores, é
ensinar o aluno a levantar hipóteses, a fazer
previsões, buscar significados sobre o texto e seu
contexto.
A outra parte refere-se à escrita. Nesse momento, a
leitura mostra-se encarnada, toma forma nos desenhos
das letras, das palavras. Forma-se um conjunto. O
texto é formado. A fim de que isso aconteça, o
professor incentiva o aluno a caminhar, a ser
autônomo enquanto escritor. Deve ensiná-lo a rever o
que escreve, pontuando os erros, as incoerências.
Nesse caminho, o professor vai ajudando o aluno a
reformular a sua escrita, dentro daquilo que ele –
aluno – quer escrever, quer passar para o papel. A
troca de textos entre alunos é de suma importância,
pois cada um é um diferente nesse universo. Cada
aluno vê o mesmo assunto, o mesmo tema em escritos
diferentes. Ele avalia e é avaliado. Reformula.
Reescreve. A escrita começa a aparecer e a tomar
cada vez mais forma.
Tudo isso é possível se o trabalho da escola for
conjunto entre todos os professores e suas
respectivas disciplinas. Como pode um aluno que lê e
escreve em todas as disciplinas, que lê uma
diversidade enorme textos e, no final das contas,
não entende o que lê e muito menos escreve?
É hora de assumirmos a educação desses alunos de uma
maneira global e não fragmentada, como temos visto
até agora. O aluno não é meu e nem seu; o aluno é de
todos nós. A língua portuguesa não é do professor de
Português e, sim de todos nós que somos professores!
*
VALMIR CONTIERO - Professor de Português da
Rede Municipal de Ensino de Campinas. Emef “Pres.
Humberto de Alencar Castelo Branco”.
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