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é
injusto atribuir apenas aos professores a
responsabilidade pelas deficiências dos
alunos no âmbito da leitura e da escrita... |
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PRÊMIO EDUCAÇÃO RS
: a leitura em foco
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Entrevista com
Juracy Assmann
Saraiva

Juracy, conte pra gente um pouco sobre a sua
pessoa. De onde é, sua formação, principais projetos e
coisas assim.
Sou professora do Centro Universitário Feevale, em
Novo Hamburgo, onde também resido. Fiz o “Curso de
Formação de Professores do Ensino Primário” e
posteriormente cursei Letras; mais tarde, fiz o
mestrado em Literatura Brasileira na UFRGS e o
doutorado em Teoria Literária na PUCRS. Também fiz um
estágio de pós-doutorado em Teoria Literária sob a
orientação da Prof.ª Marisa Lajolo na Unicamp. Atuo no
magistério há 42 anos e costumo dizer que “fiz
carreira”, já que lecionei em todas as séries do
Ensino Básico, estando vinculada ao Ensino Superior há
22 anos. Como professora e pesquisadora, orientei
minhas pesquisas para três temas: a obra de Machado de
Assis, a metodologia da leitura e o ensino da
literatura. Desde o ano de 2003, estou envolvida com o
planejamento, a organização e a execução de programas
de leitura e de escrita que têm por base a capacitação
de professores da rede pública dos municípios de Dois
Irmãos e de Morro Reuter. Com esse trabalho, pude
comprovar que a leitura e a escrita podem deixar de
ser um problema, para se transformarem em uma
oportunidade de crescimento e de realização pessoal,
tanto para professores quanto para alunos.
E a Juracy leitora? Como se tornou uma leitora:
principais influências? Do quê gosta mais de ler? O
que anda lendo atualmente?
A leitora continua em formação. Penso que meu
ambiente familiar, em que histórias e canções faziam
parte do ritual doméstico, teve grande influência na
valorização da imaginação e da fantasia. Outra
influência importante que tive foi a de uma professora
do Ensino Médio, cuja erudição literária me fascinava,
e a de um bibliotecário da Biblioteca Pública
Municipal de Novo Hamburgo, que me deu acesso, nessa
ordem, a Érico Veríssimo, a Jorge Amado, aos
romancistas russos e franceses. Minhas experiências de
leitura, durante a adolescência, eram discutidas com
uma amiga, e essa troca ajudou a aumentar o gosto pela
leitura.
Hoje, leio obras da literatura contemporânea,
particularmente, da brasileira, mas não abandono os
clássicos. Às vezes leio dois ou mais livros ao mesmo
tempo: estou relendo Grande sertão: veredas, que
aprecio com vagar, e concluindo a leitura de Um rio
chamado tempo, uma casa chamada terra, de Mia Couto.
Como percebe o panorama nacional da leitura hoje em
dia? Mudou, está mudando para melhor?
Com a democratização do ensino, o número de pessoas
capazes de ler aumentou consideravelmente, apesar de
ainda haver analfabetos entre os brasileiros.
Entretanto, isso não significa que tenha melhorado a
competência leitora, o que é comprovado pelos índices
das pesquisas feitas pelo Ibope e pelo Inep. Acredito,
porém, que a mobilização em torno da leitura,
desenvolvida por setores públicos e privados, consiga
alterar positivamente o atual quadro, ainda que a
valorização da leitura dependa também de mudanças
culturais e conjunturais.
Como percebe a produção editorial brasileira e de
que forma ela penetra na esfera da educação?
A produção editorial brasileira é excelente,
particularmente, a voltada para o receptor
infanto-juvenil. Ela atua na esfera da educação pela
interferência do professor, da escola, das editoras,
das políticas públicas. Infelizmente a orientação que
move essas instâncias - tanto na seleção de obras a
serem publicadas quanto na indicação de sua leitura –
nem sempre é ditada por critérios estéticos. Em minha
opinião, a recomendação de um mau livro é uma boa
receita para desestimular leitores em formação.
Conte para os nossos leitores sobre o prêmio que
você recebeu neste ano aí no RS. Qual o seu sentimento
frente a esse prêmio, o que ele representou para você?
O
Prêmio Educação RS é conferido pelo Sinpro/RS
(Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Estado
do Rio Grande do Sul), anualmente, a um profissional,
a uma instituição e a um projeto que estejam
comprometidos com a qualidade da educação. Fui
indicada pela colega Célia Doris Becker para concorrer
na categoria profissional.
Ser uma educadora já é um privilégio. Ser reconhecida
como educadora emérita é um duplo privilégio. Sinto-me
muito orgulhosa por receber o Troféu Pena Libertária,
que traduz o que a escrita e a leitura representam na
vida das pessoas. Agradeço à minha colega Célia pela
iniciativa da indicação de meu nome e aos professores
que têm compartilhado comigo a experiência prazerosa e
gratificante de estimular os alunos de escolas
públicas a ler e a escrever.
"A formação de leitores da palavra escrita,
principalmente de livros, se torna cada vez mais
difícil no Brasil" - você concorda, discorda?
Justifique.
São tantas as variáveis que envolvem a questão que
é impossível concordar com ela ou dela discordar. Há
diferenças sócio-culturais que interferem positiva ou
negativamente no processo de formação de leitores. De
um modo geral, porém, constata-se que os jovens
rejeitam a leitura como uma forma de lazer, havendo,
igualmente, uma lacuna no processo de sua formação,
visto que não demonstram familiaridade com a
literatura brasileira e com a universal.
Quais os conselhos que daria aos professores para a
promoção da leitura em suas aulas?
1. Ser um professor leitor.
2. Selecionar textos significativos para seus alunos.
3. Transformar o processo de leitura em exercício de
interação.
4. Fazer da leitura estímulo para a criação de novos
textos.
Qual o último livro que você leu de cabo a rabo?
Gostou? Recomendaria a professores?
O último vôo dos flamingos, de Mia Couto. O livro é
envolvente pelo enredo, pelo tratamento dispensado à
linguagem e por tratar do tema da identidade dos
africanos, mais especificamente, dos moçambicanos,
submetidos à exploração de estrangeiros. O tema não é
banalizado, sendo preservada uma visão pluralista, que
mostra o comportamento contraditório dos seres
humanos.
Como percebe o trabalho da ALB - Associação de
Leitura do Brasil e quais as sugestões para melhorar
esse trabalho?
A ALB é extremamente atuante e cumpre com a função
de divulgar ações voltadas para a disseminação da
leitura. Uma maior aproximação das secretarias
municipais de educação oportunizaria um envolvimento
maior com os professores. Cito a rede pública
municipal, porque essa tem cumprido, de forma mais
eficaz, a incumbência de capacitar seus professores a
promoverem a leitura em suas salas de aula. Essa
observação, no entanto, tem por base uma experiência
local, podendo não ser aplicável a outros municípios
brasileiros.
Espaço aberto: diga o que gostaria de dizer e que
deixamos de lhe perguntar.
Gostaria de dizer ainda que é injusto atribuir
apenas aos professores a responsabilidade pelas
deficiências dos alunos no âmbito da leitura e da
escrita. A família, a sociedade como um todo e o poder
público precisam comprometer-se com uma educação de
qualidade, em que a valorização da leitura e da
escrita sejam uma prioridade. Isso só será alcançado
quando os professores forem valorizados como
profissionais e quando tiverem à sua disposição
livros, bibliotecas, acesso à Internet, enfim,
condições que favoreçam o alcance dessa meta.
* Juracy Assmann Saraiva
realizou Doutorado em Teoria Literária pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1999) e
Pós-Doutorado em Teoria Literária pela Universidade
Estadual de Campinas (2000). Atualmente, é professora
e pesquisadora no Centro Universitário Feevale, em
Novo Hamburgo, onde exerce a função de assessora da
Pró-Reitoria de Pesquisa, Tecnologia e Inovação.
Também é consultora das secretarias de Educação das
prefeituras de Dois Irmãos e de Morro Reuter, sendo
responsável pelo desenvolvimento de programas de
leitura e de escrita.
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