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... Diante desses dados, qual é o perfil do leitor religioso e protestante? A primeira constatação é que de cada 10 leitores religiosos, 6 são mulheres....

PROTESTANTISMO E LEITURA NO BRASIL
João Cesário Leonel Ferreira (*)

É de todos conhecido o fato de que o cristianismo é a religião do “livro”, juntamente com o judaísmo e o islamismo. A Bíblia ocupa lugar central não apenas na vivência histórica dos mais variados grupos cristãos, como também em suas próprias constituições, entendendo-se aqui suas estruturas eclesiásticas, formas de governo, definições de lideranças etc.

No entanto, a leitura religiosa entre os cristãos não se atém apenas à Bíblia. Ela se expande para textos devocionais, comentários bíblicos, ficções de cunho cristão, textos apologéticos e teológicos. Ler é uma das atividades centrais na vida de todo cristão.

Por essa razão, gostaria de comentar alguns dados da importante pesquisa realizada em 2001 por algumas entidades, entre elas a Câmara Brasileira do Livro, intitulada Retrato da Leitura no Brasil.
(1) Ela teve como objetivo “identificar a penetração da leitura de livros no Brasil e o acesso a livros”. Na pesquisa são identificados os seguintes blocos temáticos: religioso, literatura adulta, filosofia e psicologia, ciências sociais, ciências aplicadas e generalidades. Interessa-nos as análises referentes à literatura religiosa, visto que é o tipo de literatura mais lida, com 39% do total.

Nesse gênero literário estão agrupados, além da Bíblia, textos sobre filosofia da religião, teologia cristã, moral cristã e teologia devocional, credos e seitas cristãs, eclesiologia, livros evangélicos, outras religiões e religiões comparadas. Dentre eles destaca-se um único livro com 19% de preferência, a Bíblia.

É necessário esclarecer que na pesquisa o grupo religioso não se restringe aos protestantes, nem apenas aos cristãos. Ele envolve outras religiões incluindo muçulmanos, budistas e espíritas. Mas fica claro pela classificação de leituras, principalmente pela centralidade da Bíblia, que a grande maioria dos leitores é cristã, e uma boa parcela deles é protestante.

Diante desses dados, qual é o perfil do leitor religioso e protestante? A primeira constatação é que de cada 10 leitores religiosos, 6 são mulheres. Aqueles que lêem religião estão localizados na faixa etária acima de 40 anos, representando 53% do total do grupo. A grande maioria desses leitores, 72%, está entre aqueles com escolaridade entre a 1a. e a 4a. série. Do ponto de vista da ocupação, a maior parcela dos leitores religiosos se encontra entre as donas de casa, com 65%; inativos (aposentados e desempregados) vêm em seguida com a opção de 55%. Por fim, de cada 10 leitores religiosos, 7 são pobres pertencentes às classes C, D, e E.

Portanto, o leitor religioso protestante é, na sua maioria, do sexo feminino, com mais de 40 anos de idade, dividindo-se majoritariamente entre donas de casa, aposentados e desempregados, com baixa escolaridade, e entre as camadas economicamente mais baixas da população.

É possível chegar a duas conclusões a partir desses dados. Uma, extremamente positiva, indica que os cristãos humildes em seus contextos sócio-culturais são aqueles que, proporcionalmente, estão lendo mais. Isso revela uma aspiração não apenas religiosa por conhecimento, mas o desejo de desenvolvimento enquanto ser humano. O leitor assíduo tende a ser crítico diante da realidade, a assumir valores de forma consciente e a desejar interagir de modo mais efetivo na sociedade. Por outro lado, no caso do protestantismo histórico, personificado nas igrejas advindas da Reforma Protestante do século XVI, há uma conclusão que talvez se possa definir como negativa. O perfil do leitor manifestado pela pesquisa não se encaixa em uma grande parcela desses protestantes, na sua maioria pessoas de classe média ou alta, tendo cursado o ensino superior e muitos a pós-graduação.

A pesquisa parece apontar para leitores pertencentes aos variados movimentos pentecostais, cujos membros, de modo genérico, estão entre as camadas humildes da sociedade brasileira. Essa constatação deve levar à reflexão. Afinal de contas, o protestantismo histórico possui uma rica e antiga tradição teológico-cultural. Ele tem produzido intelectuais, cientistas, pesquisadores e, de modo geral, pessoas cultas e letradas. A razão disso encontra-se no comprometimento com a alfabetização e a leitura, que sempre apresentou altos índices entre os protestantes, em períodos históricos da humanidade onde o analfabetismo era comum na maioria dos países. Diante dos números da pesquisa Retrato da leitura no Brasil, parece que o protestantismo e, de modo particular seu segmento histórico, tem sofrido algum tipo de secularização que o afasta da literatura religiosa. Possivelmente fatores ligados ao baixo nível de grande parte dessa literatura, à pouca variação de temas etc, podem fornecer algumas explicações. No entanto, permanece o fato de que, no Brasil, o grupo religioso que mais influenciou as sociedades ocidentais tem perdido o tradicional hábito da leitura religiosa, sendo substituído por aqueles que, mesmo subsistindo com lutas e humildemente, reservam algum dinheiro para investir em livros.

NOTA

(1) CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO et al. Retrato da leitura no Brasil. Pesquisa realizada por A. Francescini Análises de Mercado. Arquivo eletrônico. Formato: Power Point. 2001.

* João Cesário Leonel Ferreira é doutor em Teoria e História Literária pela Unicamp. Professor no Centro de Pós-Graduação Andrew Jumper, Instituto Presbiteriano Mackenzie, São Paulo.

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